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A necessária judicialização da prova oral – anotações ao artigo 155 do CPP Renato de Oliveira Furtado Introdução Vozes no deserto... Ouvidos moucos... As folhas ressequidas da Magna Carta ao vento. Assim tem sido. O excelso Pretório, notadamente na voz de seu decano, tem sistematicamente bradado, firmemente pregado, a ponto de ficar rouco: “O Processo Penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. O Processo Penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. 1 Na realidade forense, salvo gratas e cada vez mais raras exceções, o que nos deparamos é com uma massiva presença de operadores do direito, notadamente Julgadores, comprometidos com a inversão dessa idéia – força do processo penal como anteparo, como escudo do cidadão ante o arbítrio estatal. Dito de outra forma: “Há um nítido descompasso entre a missão garantista dos direitos fundamentais e a concretização do processo penal. Os juízes, amparados por inversões interpretativas sub – reptícias, tem agido como aliados das razões do Estado, espalhando a dor e o sofrimento aos eleitos pelo sistema penal ”.2 De fato e infelizmente, o que mais temos visto é a função maior do Julgador, Guardião Constitucional, “Garante ” dos Direitos Fundamentais, aparentemente sucumbir, de vez, às pressões punitivas dessa quadra histórica. Senão, vejamos: Estudo de Caso Em caso de acusação de tráfico – e tenho para comigo que as drogas são o último campo de luta dos direitos constitucionais, até porque, se a Constituição não proteger os acusados demonizados pela mídia e sociedade, também não poderá proteger os demais – decidiu – se condenar um cidadão, utilizando – se para tanto o torto raciocínio de que o depoimento da usuária, na fase do inquérito, mesmo após esta ter se retratado na instrução judicial, sob o crivo do contraditório, teria pleno valor probatório, devendo a sua retratação ser desprezada, uma vez que tal prova inquisitorial se coadunava com o depoimento de um único policial militar que havia atuado como condutor e que, por óbvio, manteve seus depoimentos nas duas fases. Anote – se : O acusado jamais confessou, em momento algum, a mercancia. De início, contra si, havia o depoimento de uma usuária e do policial condutor. Em juízo, isto inverteu – se. Nada obstante, pouco importando em inusitadamente supervalorizar a prova oral inquisitorial em detrimento da prova oral judicializada, assim manifestou – se a nobre Julgadora: “ Em que pese ser possível a retratação, esta há de ser analisada com cautela visto que é cediço que grande maioria dos usuários se retratam em juízo, utilizando de diversos argumentos, principalmente que sofreram pressão, seja física ou psicológica por parte dos policiais. A retratação da usuária não deve ser considerada haja vista que as afirmações supracitadas não foram comprovadas e se quer há indícios de que realmente ela teria sido ameaçada pela polícia militar e pelo Delegado ”.2 Ora, porque deve prevalecer o depoimento da usuária na fase policial e não aquele prestado na instrução, frente ao Julgador, ao Ministério Público e a Defesa ? Cautela deve haver é com relação a depoimentos não judicializados, realizados sem o crivo do contraditório, jamais, inversamente, como surpreendentemente raciocinou a emérita julgadora, superpondo prova inquisitorial sobre prova judicializada. Convenhamos. A ninguém é dado desconhecer que o histórico da investigação policial no Brasil é salpicado de repressão e abusos, sendo comum o mediavelesco uso à tortura, a tal ponto da revista VEJA trazer em sua capa o título : “ TORTURA – O Método Brasileiro de Investigação Policial ”. O Direito em Questão Sobre o tema, volvemos ao Supremo Tribunal Federal, em preciosa lição: “Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. (...) É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em garantia constitucional do contraditório”.3 A bem da verdade trata-se de recomendação antiga, já que José Frederico Marques advertia que “Devem ser descartadas as declarações constantes do inquérito, porque colhidas à revelia do contraditório, só servindo estas para o eventual oferecimento de denúncia”. 4 Ou, dito ainda de forma mais peremptória: “A prova do inquérito tem caráter investigatório e informativo, e não a de ato de instrução. Para valer como prova do processo, necessário era que se tornasse prova judicial, como já o ensinava o grande JOÃO MENDES JUNIOR”.5 De fato, João Mendes de Almeida Junior foi incisivo sobre a necessária judicialização da prova oral, afirmando que “eficácia probatória alguma teria os depoimentos orais não reiterados perante a instrução criminal”.6 Portanto, sentença legítima, escorreita, sob a ótica legal e constitucional, é a prolatada com fulcro na prova judicializada, banhada a luz do contraditório e da ampla defesa. Bem por isso o Min. VICENTE LEAL, do STJ afirmou que: Qualquer prova não judicializada, porque não submetida ao crivo do contraditório, é considerada ilícita, imprestável para a formação de juízo de convencimento ”.7 E não se poderia, num legítimo Estado Democrático de Direito, cultuar – se outra referência teórica que não essa. Os meios de prova adequados e válidos para a prolação de um édito condenatório são, inexoravelmente, jungidos a um processo penal constitucional. Dai que as provas orais obtidas no inquérito policial, porque obtidas na ausência do contraditório e da ampla defesa, servem, sim, para análise da condição da ação penal, porém, jamais, para efeito de se mandar alguém ao cárcere no Estado Democrático de Direito. Não é possível falar – se em livre convencimento motivado e esquecer – se que o contraditório, o princípio da imediação, notadamente nas provas orais, são verdadeiras condições de validade da prova. Tais valores constitucionais, porque garantidores da higidez da prova e de um justo processo, não poderia ser imolados no altar da defesa social, no vale tudo do combate a criminalidade. Fechamos com SUANNES: “Ou o Judiciário se capacita disso ou não terá razão alguma para existir como poder ”.9 Notas: 1. STF – HC 73.338/RJ – Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 161/264; 2. ALEXANDRE, Bizzoto, A inversão Ideológica do Discurso Garantista, Ed. Lumen Júris, Ano 2009, pág. 03; 3. Proc. 0271.08.127132 – 9 – 2ª Vara – Comarca de Frutal – MG; 4. STF – HC. nº. 73.338/RJ – Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 161/264; 5. MARQUES, José Frederico – Elementos de Direito Processual Penal, Ed. Millennium, Ano 2000, Tomo II, págs. 360 e 368; 6.MARQUES, José Frederico– Estudos de Direito Processual Penal, Ed. Millennium, Ano 2001, pág. 84; 7. JUNIOR, João Mendes de Almeida – O Processo Criminal Brasileiro, Ed. Freitas Bastos, Ano 1959, Tomo II, págs. 103 e 104; 8. ARAÚJO, Vicente Leal, Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, V. 16, nº 2, Jul/Dez. 2004; 9. SUANNES, Adauto – Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal, Ed. Revista dos Tribunais, Ano 1999, pág. 328. Informações Sobre o Autor Renato de Oliveira Furtado Advogado Criminalista. Professor de Processo Penal da Universidade Estadual de Minas Gerais – Campus Frutal. Membro IBCCRIM 0 Comentários Informações Bibliográficas FURTADO, Renato de Oliveira. A necessária judicialização da prova oral – anotações ao artigo 155 do CPP. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 66, jul 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6378>. Acesso em ago 2017. O Âmbito Jurídico não se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidária, pelas opiniões, idéias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).
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