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A Importância do Mundo Quilombola

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A Importância do Mundo Quilombola 
Dirceu Lindoso 
A importância de se estabelecer historicamente o espaço geográfico do mundo 
quilombola tem, quatro séculos depois, o de delinear o continuidade de uma cultura que se criou 
durante a formação de uma forma de sociedade que ainda persiste como forma de 
estabelecimento dos descendentes de escravos cujo surgimento se fez durante a criação das 
comunidades de mocambos nas matas palmarinas do sul do antigo Pernambuco no século XVII. 
A essa forma de cultura criada por negros escravos fugitivos das plantations açucareiras do 
antigo Pernambuco ainda hoje existe como um modelo de criação social dos antigos escravos. 
O quilombo, cuja maior criação foi o Quilombo dos Palmares no século XVII, não é um fato 
social que encontrou o seu fim com a destruição de suas comunidades de mocambos em 1795. 
Os mocambos todos não foram destruídos. Os que foram destruídos foram os principais 
quilombos de cercas reais com os ataques das colunas para-militares de mamelucos paulistas e 
sertanistas pernambucanos, com o apoio de seus índios-servos de sertão. Arrasado o Quilombo 
dos Palmares, os quilombos menores escaparam da destruição, e as populações dos grandes, 
que não foram mortas em combates e vendidas para o exterior, se reorganizaram em pequenos 
tratos de terra no meio das grandes matas que cercavam os engenhos de açúcar. Desses 
pequenos mocambos alguns códices fazem nota, dando-os como habitados por afro-
descendentes. E quando se iniciou em 1832 a Guerra dos Cabanos nas mesmas matas onde 
houve a destruição do Quilombo dos Palmares, nelas existiam as aldeias dos negros papa-méis, 
que eram fugitivos como os negros quilombolas. Há portanto três tipos de quilombos: os 
formados por escravos fugitivos, que vai até 1795 com o nome de Quilombo dos Palmares, que 
ia desde Serinhaém, passando pelas matas de Cucaú e Quipapá e das Cabeceiras do Porto Calvo 
até as matas dos vales dos rio Mundaú e do Paraíba do Meio, e que foram destruídos nos ataques 
das últimas décadas do século XVII; e há os quilombos posteriores à destruição do Quilombo 
dos Palmares, que chegam à época da Guerra dos Cabanos; e por último os mocambos que 
surgiram depois da abolição da escravatura, pelo fato da abolição monárquica não ter dado aos 
ex-escravos além da liberdade, a terra para eles viverem. As comunidades quilombolas do 
século XVII foram quase todas destruídas pelas forças do Estado Colonial hispano-portuguesas; 
as que se reorganizaram depois do fim do Quilombo dos Palmares, eram comunidades 
mocambeiras esparsas sem capacidade de defesa; e as que surgiram pós-Abolição foi um 
movimento que dura até os nossos dias em razão de não lhe terem doado terras para viverem e 
trabalharem, e cuja forma de defesa é a apropriação das terras que ocupam. Este nosso estudo 
tem por objetivo o estudo e caracterização desses mocambos pós-Abolição, analisando seu 
objetivo maior: a apropriação das terras que ocupam como forma de indenização que não houve 
no ato de abolição. 
Quantos quilombos existem hoje em Alagoas? 
Quantos são os quilombos? Até agora já localizamos quilombos em 16 municípios, 
totalizando 1320 famílias, e só um desses quilombos está reconhecido. Este texto foi escrito 
muito antes do reconhecimento das terras quilombolas pelo Incra em um levantamento feito 
pelo ITERAL (Instituto de Terras de Alagoas), quando na época o órgão, o ITERAL, era 
dirigido pelo historiador Geraldo de Majella. De modo que, atualmente, 1012, atualmente estão 
reconhecidas 64 comunidades quilombolas. O que indica que se trata de quilombos formados 
pós-Abolição por afro-descendentes pela inexistência no diploma assinado pela Princesa 
Regente de uma cláusula que determinasse como forma de indenização a terra para moradia e 
cultura. O que levou uma multidão de ex-escravos a ganhar as estradas rurais inteiramente 
abandonada, e sem moradia e sem trabalho. O diploma da Abolição dava aos ex-escravos 
apenas a liberdade, adquirida pelo fim oficial da escravidão, mas não lhes dava os meios de 
moradia e subsistência no campo e nas cidades. A importância maior dos quilombos atuais é 
que: a) são comunidades produtivas de culturas de sobrevivência, e excluídas da macro-cultura 
dominante da cana de açúcar; b) são comunidades familiares de negros e mulatos, em que 
dominam, com raras exceções, as características somáticas dos afro-descendentes; c) são 
comunidades ora concentradas e ora esparsas em forma de campesinato; são comunidades de 
afro-descendentes em que varia o grau de consciência de uma cultura quilombola, ora intensa 
e presente, ora frágil e apagada. Mas de uma forma ou de outra, se faz presença por uma 
consciência étnica as suas origens africanas. Serem comunidades produtivas é um fato social 
prioritário, pois indica que precariamente ou não produzem a base econômica de sua 
sustentação; serem comunidades familiares, concentradas ou não, indicam que têm uma 
organização social que as une num espaço próprio, e que deve ser protegido entre si. Entretanto, 
criaram um grau de consciência de sua procedência quilombola, que não se restringe só ao 
Quilombo dos Palmares do século XVII, que foi destruído por poderosas forças para-militares 
coloniais, mas se amplia pela continuidade de uma consciência social de origem que é 
dominantemente africana. É uma consciência que não busca uma volta à África como ideologia 
do desenraizamento, mas um movimento que busca sua inclusão no espaço da sociedade 
nacional. Este é o fato positivo da existência dos quilombos atuais, em que os seus pertencentes 
buscam assumir sua cidadania brasileira, e desse modo fugir de sua situação de negros pobres. 
Entretanto os quilombos hoje formam uma comunidade rural de pobres. Mas em processo de 
organização. 
Os Quilombos atuais devem ter suas terras cedidas como uma forma de indenização aos 
quilombolas. Com a criação do Quilombo dos Palmares, as terras onde se ergueram os 
mocambos palmarinos do século XVII deixaram de ser terras sesmeiras. Ou supostamente terras 
da Ordem de Cristo e terras reais. A Ordem de Cristo e o Rei eram donos de todas as terras do 
Brasil-Colônia. E coletivizando as terras do Quilombo dos Palmares, os palmarinos tornaram 
as terras quilombolas terras suas coletivas. Os quilombolas do século XVII lutaram nos 
Palmares em defesa de terras que eram suas, coletivizadas. E a forma inteligente que usaram 
para coletivizá-las foi criar o sistema classificatório de família de modelo poliândrico: uma 
mulher cuidava da terra que lhe cabia coletivamente com os seus maridos, que cuidavam das 
plantações sob sua orientação. E ela representava o Conselho Quilombola, e cuidava ainda com 
eles da defesa das Cercas Reais, e entregava aos silos comunitário a produção do trabalho dela, 
de seus maridos e dos seus filhos. Pois fica claro que no Quilombo dos Palmares os negros 
fugidos criaram um sistema de família de uma mulher com uma pluralidade de maridos, e que 
formavam os que recebiam a parcela da terra e a cultivavam conforme os desígnios do Conselho 
que governava o Quilombo. Foi com o sistema de família classificatória que o Quilombo dos 
Palmares coletivizou suas terras, excluindo-as do sistema de sesmarias reais da Colônia. Os 
quilombolas do século XVII eram, pois, os donos de suas terras. As terras quilombolas eram 
terras coletivas. Para a consciência quilombola do século XVII as terras quilombolas não eram 
terras de sesmarias. As terras de sesmarias tinha-as o Rei e a Ordem de Cristo. As terras 
quilombolas eram terras excludentes. Tinham-nas os negros das comunidades de mocambos. 
Os negros quilombolas estabeleceram a excludência de suas terras do sistema sesmeiro colonial 
criando um modo de administrá-las: a famíliapoliândrica. O ataque do Estado Colonial ao 
Quilombo dos Palmares tinha por objeto anexar as terras palmarinas coletivizadas ao sistema 
colonial das terras de sesmo. 
O problema da continuidade da consciência quilombola da posse da terra 
 Essa consciência da posse da terra não desapareceu da consciência quilombola com a 
destruição do Quilombo dos Palmares no século XVII. Ela permaneceu nos que sobreviveram, 
e nos que chegaram depois como escravos de África. A destruição do Quilombo dos Palmares 
não apagou na consciência palmarina o objetivo da posse da terra. Ela permaneceu no 
inconsciente do negro da exclusão, do negro que continuou escravo, do negro vindo cativo de 
África. A destruição do Quilombo dos Palmares não pôs fim a escravidão. Aguçou-a ainda 
mais. Surgiram outras formas de escravidão histórica: a das minas de ouro, das fazendas de café 
e das charqueadas do Continente do Rio Grande. Os escravos negros objetos da Abolição se 
encantaram com a liberdade, que é uma coisa justa, e não viram que a liberdade sem a posse da 
terra, sem a indenização dos que foram escravos, era um ato vingativo dos senhores que 
perderam os que lhes criaram a riqueza fundiária. No ato da Abolição há um ato criminoso de 
não dar aos negros as condições de sobrevivência. Os negros não viraram cidadãos. E até hoje 
os negros vivem na luta pela cidadania. Mas não se pode negar essa vontade da posse da terra 
na construção dos quilombos modernos, quando não há mais negros escravos, mas continua a 
existir negros pobres. Com a localização desses quilombos modernos em todo país, se pode ver 
que continuam a existir a consciência da posse da terra em todo o antigo território do Quilombo 
dos Palmares, e, portanto, a prova da continuidade da consciência quilombola da posse da terra. 
E essa consciência cada vez aumenta mais. Esses quilombos modernos ainda hoje contem restos 
de populações indígenas misturados à população negra. Fato que encontramos também nos 
códices sobre o Quilombo dos Palmares, e que essa união aprofunda a consciência da posse da 
terra. E pelo fato também que as terras dos quilombos atuais foram em parte tomadas por 
fazendeiros brancos, e deixaram vários quilombos com terras poucas para suas plantações e 
para o crescimento das famílias. 
 O fato é que com a destruição do Quilombo dos Palmares as terras dos índios foram 
invadidas por negros que fugiam da guerra contra Palmares, e esse fato se acentuou com a 
divergência entre índios e fazendeiros. O que possibilitou o avanço da mestiçagem entre negros 
e índias e entre índios e negras. Essa mestiçagem marca vários quilombos, sendo ela antiga. 
Nos códices sobre os Palmares do século XVII se encontram defensores quilombolas com 
nomes de índios. Esse fato facilitou a continuidade da consciência quilombola da posse da terra 
às aldeias mistas, como a dos índios Uaçu do Médio Camaragibe, onde a presença da 
mestiçagem de índios e negras é evidente aos nossos olhos. Acho que essa mestiçagem aumenta 
a continuidade da consciência quilombola da posse da terra, mas às vezes por razões não muito 
claras, pode diminuí-la.

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