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Território e meio ambiente Diferentes abordagens do uso do território com seus recursos e indivíduos no contexto ambiental. O termo território tem sua origem do latim territorium, que significa pedaço de terra apropriado. Em sua acepção mais ampla e remota, território pode significar uma porção de terra delimitada. Nesse sentido, território é compreendido em uma conotação meramente física, chegando muito próximo aos conceitos de terra e terreno. Sobre isso, comenta Raffestin: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 143). Portanto, território tem como principal conceito uma área delimitada sob a posse de um animal, de uma pessoa ou de um grupo, de uma organização ou de uma instituição. O termo pode ser também utilizado na política, na biologia e na psicologia. Concepção Naturalista: a concepção naturalista compreende duas definições de território uma estabelecia pelos animais e outra que envolve o comportamento natural dor homem. Nela há, assim, importante relação entre Geografia e Biologia, pois se compreende o território numa perspectiva que transpõe o darwinismo para as análises sociais. Para analisar o modelo de ocupação do território, focalizando suas implicações ecológicas, é necessário partir da constatação de que o Brasil como entidade histórica é uma construção bastante recente. Não é o resultado de uma longa maturação, de um lento processo evolucionário, mas sim de pouco mais de cinco séculos de um processo de ocupação construído sob o domínio europeu e neoeuropeu. Mais ainda, as linhas gerais deste processo, estabelecidas segundo a lógica de uma colônia de exploração, continuaram vigentes após a independência política do país e ainda hoje, em muitos sentidos, continuam marcando profundamente o nosso modelo de desenvolvimento. O Brasil não nasceu como uma nação ou mesmo como um país. O Brasil nasceu de um macro projeto de exploração ecológica ou, melhor dizendo, de um arquipélago de projetos de exploração ecológica. Isto está indicado no próprio nome “Brasil”, que venceu uma disputa histórica com o nome "Santa Cruz”, apesar da força ideológica do catolicismo. O nome Brasil indica o predomínio da exploração ecológica sobre outros valores civilizatórios, na medida em que o pau-brasil foi o primeiro elemento da rica natureza deste território passível de exploração pelo mercantilismo europeu. Ao contrário do nome Santa Cruz, que indicaria uma sociedade em evolução endógena a partir de determinados valores religiosos, o nome Brasil sinaliza a exploração direta do mundo natural como fundamento da apropriação e ocupação social do território (CROSBY, 1994; COOK, 1998). No que se refere à relação com o meio ambiente, as linhas gerais deste modelo de ocupação do território podem ser definidas através de três características essenciais que, infelizmente, ainda estão bastantes presentes no modo de relacionamento da sociedade brasileira com o seu entorno ecológico: 1. O mito dos recursos inesgotáveis, baseado na ideia de uma fronteira natural sempre aberta para o avanço da exploração econômica; 2. Um grau considerável de desprezo pela biodiversidade e os biomas nativos; e 3. Uma aposta permanente nas espécies exóticas, especialmente em regime de monocultura, como fonte de enriquecimento econômico e instrumento eficaz de controle sobre o território. Muitos processos de ocupação do território foram sendo percebidos, e com eles a destruição ambiental ao longo do tempo, especialmente a partir do século XVIII: solos ficaram estragados, fluxos de água desestabilizados e florestas destruídas, gerando escassez de lenha. A imagem da fronteira aberta, no entanto, minimizou a importância das poucas vozes que argumentavam em favor de um uso mais cuidadoso das áreas já abertas. Na medida em que os solos agrícolas e pastoris tornavam-se estéreis, a fronteira avançava em direção às florestas e aos campos ainda intactos. Na medida em que espécies úteis de madeira extinguiam-se na proximidade dos centros urbanos e produtivos, a fronteira buscava reservas onde elas ainda eram abundantes. Este nomadismo predatório garantiu certa continuidade na economia e na estrutura social do país, não obstante os muitos exemplos de vilas, fazendas e minas que foram abandonadas por haverem atingido o limite da sua capacidade de sustentação natural. Desta sensação de inesgotabilidade dos biomas e recursos naturais, que hoje sabemos ser totalmente falso – o aparente “oceano infinito” da Mata Atlântica está hoje reduzido a 07% da sua cobertura original - derivou o estabelecimento de formas descuidadas e parasitárias de tecnologia e produção. A queima da floresta, por exemplo, constituiu praticamente o único método de plantio adotado no Brasil até o final do século XIX. Ao invés de adubar o solo, para conservar sua fertilidade, optou- se por queimar progressivamente novas áreas de floresta tropical, uma vez que a riqueza mineral das suas cinzas garantia boas colheitas por dois ou três anos, após o que a terra ficava estragada e ocupada por ervas daninhas. As monoculturas de cana e café foram essenciais para a ocupação de vastos territórios do Nordeste e do Sudeste, assim como a introdução de bois, cavalos e porcos no território brasileiro. As espécies exóticas, por não possuírem pragas ou predadores explícitos nos ecossistemas brasileiros, conseguiram prosperar de maneira extraordinária em nossas paisagens ricas em biomassa e água. O padrão, portanto, era claro, e até hoje em grande parte domina a economia brasileira: ao invés de cuidar do ambiente natural, modificando-o de forma cuidadosa e utilizando tecnologias inteligentes e sustentáveis, que garantam alta produtividade com um mínimo de redução das formações naturais, opta-se pelo caminho mais fácil da expansão extensiva, horizontal e predatória. O primeiro caminho, apesar de mais difícil, por exigir maiores conhecimentos e investimentos, garante a existência de um futuro benéfico e sustentável. O segundo garante apenas o ganho de curto prazo, deixando o ônus para as gerações futuras. Apesar de alguns encantamentos com elementos isolados da rica natureza tropical, como os papagaios, macacos, cajus e maracujás – até mesmo como estratégia de valorização do território colonial aos olhos da Europa - a racionalidade da economia colonizadora não se baseou no conhecimento e na utilização da biodiversidade local. Muito pelo contrário, fundou-se prioritariamente na introdução de espécies exóticas da flora (como a cana) e da fauna (como o gado bovino) que desde o inicio ocuparam, de forma especializada, grandes porções do território, desprezando e destruindo a diversidade natural antes existente. A floresta como um todo foi ainda menos valorizada do que alguns dos seus componentes (Pádua, 2002: 66). O desprezo pela floresta tropical é mencionado por vários escritores coloniais e pós-coloniais. Em 1799, por exemplo, escrevendo em Minas Gerais, o mineralogista José Vieira Couto captou com perfeição a psicologia ecológica do colonizador, clamando ao mesmo tempo por uma mudança de atitude: “Já é tempo de se atentar nestas preciosas matas, nestas amenas selvas, que o cultivador do Brasil, com o machado em uma mão e o tição em outra, ameaça-as de total incêndio e desolação. Uma agricultura bárbara, ao mesmo tempo muito mais dispendiosa,tem sido a causa deste geral abrasamento. O agricultor olha ao redor de si para duas ou mais léguas de matas, como para um nada, e ainda não as tem bem reduzido a cinzas já estende ao longe a vista para levar a destruição a outras partes. Não conserva apego nem amor ao território que cultiva, pois conhece mui bem que ele talvez não chegará a seus filhos” (Couto, 1848 [1799]:319). A história da economia rural brasileira apresenta um eterno retorno da abertura agressiva de fronteiras monoculturais, que invariavelmente agridem e destroem a diversidade e a complexidade dos ecossistemas e das relações que com eles estabelecessem as populações locais. A natureza e as populações tradicionais das diferentes regiões brasileiras são recorrentemente agredidas pela introdução de atividades econômicas de conteúdo homogenizador. As sociedades locais são desprezadas em favor do lucro de agentes econômicos externos, que maquiam seu autointeresse com o discurso abstrato do progresso e do desenvolvimento. É possível acompanhar, na história do Brasil, este mesmo processo, guardadas as diferenças de época histórica e especificidades regionais, com as fronteiras da cana, do café, do algodão, do tabaco e, mais recentemente, do eucalipto e da soja. Além da separação de cerca de ¼ do espaço nacional para a criação monocultural de gado bovino, cujo número atual aproximado de 190 milhões de cabeças, apesar da baixa produtividade média por hectare, já é maior do que o da população humana do país. Como seria a paisagem brasileira sem os quase 500 anos de pisoteio e compactação dos solos por parte destes animais? O que está sendo escrito aqui, como um elemento altamente negativo na ocupação do território, é essa combinação entre o desprezo pelos ecossistemas nativos e o avanço descontrolado das monoculturas exóticas. O preço que tem sido pago por este modelo é muito alto em termos de destruição ecológica e insustentabilidade dos sistemas econômicos. A desvalorização da vegetação nativa, especialmente das florestas, seja por parte da elite ou da população trabalhadora. O estabelecimento da relação do meio ambiente com o território e seus ecossistemas precisa inserir-se em um amplo movimento político em defesa do espaço público e do bem-estar coletivo, que fortaleça o sentido de cidadania e de comunidade na sociedade (inclusive de comunidade com as gerações futuras). A permanência da lógica predatória, especialmente nas elites econômicas, apenas poderá ser transformada pela ampliação da consciência de nação entre nós. Este último requer uma nova lógica, fundada no cuidado e na preservação das bases ecológicas, sociais e culturais da existência coletiva, mesmo que isso signifique mais esforço, mais trabalho e mais estudo. Fazendo um balanço da ocupação histórica do território brasileiro é preciso considerar, para evitar julgamentos apressados, que a atitude dos colonizadores foi bastante racional no contexto de uma colônia de exploração. Este tipo de empreendimento socioeconômico é sempre brutal e imediatista. A lógica de longo prazo é, ou deve ser própria da ideia de nação, do ideal de continuidade histórica de uma comunidade política. Seria ingênuo esperar este tipo de lógica da parte dos colonizadores. Eles foram pragmáticos, valendo-se das possibilidades mais evidentes e menos trabalhosas que a realidade histórica apresentava em cada momento. Não é aceitável, que um tesouro ecológico como a Floresta Amazônica seja consumido segundo a mesma lógica do “queimar e seguir adiante”, que destruiu 93% da Mata Atlântica original. Não é aceitável que espécies valiosas de madeiras, como o mogno e a sumaúma, sejam exploradas da mesma forma inconsequente que praticamente extinguiu o pau-brasil e o jacarandá. Não é aceitável que continuemos a admitir atividades de garimpo que reproduzem, no fim do século XX, os mesmos métodos rudimentares e destrutivos utilizados nas Minas Gerais do século XVIII. Em suma, é preciso superar a herança predatória presente em nossa formação histórica e trabalhar pela construção de uma nação verdadeiramente digna deste nome, especialmente no que se refere ao cuidado com o seu espaço de vida. Referências COOK, N. Born to Die: Disease and New World Conquest, Cambridge, Cambridge University Press, 1998. COUTO, J.V. Memória sobre a Capitania de Minas Gerais, Revista do Instituto Histórico e geográfico Brasileiro, n. 11, 1848. CROSBY, A. Ecological Imperialism: The Biological Expansion of Europe, Cambridge, Cambridge University Press, 1986. DEAN, W. A Ferro e Fogo: A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira, São Paulo, Companhia das Letras, 1998. PÁDUA, J.A. Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002.
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