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Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 1 MED RESUMOS 2011 NETTO, Arlindo Ugulino. ANESTESIOLOGIA ANESTESIA SUBARACNÓIDEA A anestesia subaracnidea e a anestesia peridural consistem em mtodos anestsicos para bloqueio regional do neuroeixo. A anestesia subaracnóidea tambm denominada de bloqueio subaracnideo, anestesia raquidiana ou raquianestesia. A lngua inglesa utiliza a expresso spinal anesthesia para denominar a anestesia subaracnidea. Na lngua portuguesa, utiliza-se a expresso “anestesia espinhal” para ambas as anestesias no neuroeixo: a anestesia subaracnidea e a anestesia peridural. Este tipo de anestesia consiste na injeo de anestsicos especficos no espao subaracnide, isto , entre a pia-mter e a aracnide espinhal. HISTRICO 1891: Quincke realiza a primeira descrio sobre a puno lombar. 1885: Corning, antes mesmo de Quincke, j havia realizado Injeo casual de cocana no lquido cefalorraquidiano de um co atravs de experincias. 1898: A paternidade tcnica atribuda a August Bier e a seu assistente Hildebrandt, que injetaram-se, mutuamente, 20mg de cocana no lquido cefalorraquidiano. Na noite que fizeram esta experincia, achando que tinham feito uma grande descoberta, comemoraram com bastante vinho. Contudo, por efeito da prpria puno lombar, tiveram cefalia intensa ao longo da semana. Atriburam este quadro ressaca do vinho. 1898: Coube a Augusto Paes Leme a primeira raquianestesia latino-americana na Santa Casa de Misericrdia do Rio de Janeiro. 1900: Baisridge salientou a superioridade da tcnica subaracnidea sobre o uso de clorofrmio em anestesia peditrica. 1900: Kreis mostrou sua utilidade para a clnica obsttrica. 1900 – 1902: Tuffier descreveu a linha imaginria de uma crista ilaca outra (linha de Tuffier) para deteco do espao intervertebral L3 – L4. Tuffier sugeriu ainda a injeo do anestsico local somente aps franco gotejamento do lquido cefalarraquiano (ver OBS1). 1905: Dixon descreveu a sequncia de bloqueio das diferentes fibras nervosas. 1907 - 1909: Novas tcnicas foram lanadas: a hiperbrica por Chaput, a contnua por Dean e a hipobrica por Babcock. 1920: Stout citou fatores que influenciaram a extenso da raquianestesia. 1940: Aps a II Guerra Mundial, com o aparecimento dos bloqueadores neuromusculares, houve a prevalncia do uso da “anestesia geral” em detrimento da subaracnidea. OBS1: Estudos mostram que o cone medular se estende at L1 nos brancos e L2 nos negros, sendo vivel, portanto, a injeo para anestesia subaracnidea em espaos aps estas vrtebras: L2-L3 ou L3-L4. Estes espaos so obtidos seguindo a linha de Tuffier, traada entre as cristas ilacas e demarcando o espao anatmico ideal para administrao da anestesia. ANATOMIA COLUNA VERTEBRAL A coluna vertebral uma estrutura segmentar que abrange a regio cervical, o dorso (poro torcica e lombar da coluna vertebral), o sacro e o cccix. definida por uma sucesso de ossos (vrtebras) no eixo supero-inferior que suporta parte do peso corporal, protege a medula espinal e participa no movimento do corpo e na postura, sustenta o crnio. A coluna vertebral de um adulto formada pelo empilhamento de 33 vertebras organizadas em cinco regies: 7 cervicais, 12 torcicas, 5 lombares, 5 sacrais e 4 coccicgeas. Destas, alguns pontos anatmicos devem ser destacados: O processo espinhoso de C7 mostra-se proeminente na base posterior do pescoo. As espinhas das escpulas sinalizam, que a esta altura, na linha mediana, localiza-se o processo espinhoso de T3. Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 2 A ponta inferior da escapula, mantendo-se o membro superior homolateral ao longo do corpo, corresponde a uma linha horizontal passando pelo processo espinhoso de T7. A borda superior da crista ilaca indica o processo espinhoso de L4, e a fossa lombar, o processo espinhoso de L5. Entre L3 e L4, partindo das cristas ilacas, temos a linha imaginária de Tuffier. A espinha ilaca pstero-superior indica que a esta altura, na linha mediana, est localizado o processo espinhoso de S2. LIGAMENTOS E ESTRUTURAS QUE ENVOLVEM A COLUNA VERTEBRAL As vrtebras se unem por meio de cinco ligamentos superpostos: Ligamento supra-espinhoso: liga as pontas dos processos transversos; Ligamento interespinhoso: liga os processos espinhosos entre si; Ligamento amarelo (ou flavo), que se fixa parte anterior das lminas vertebrais. formado por fibras elsticas verticais, que lhe conferem a colorao amarela. Partindo da regio cervical, o ligamento se torna endurecido de cima a baixo, sendo mais espesso no nvel lombar (3 a 5 mm de espessura nos nveis L2 e L3) para compensar esforos e tenses da regio. Longitudinal posterior (posteriormente ao corpo das vrtebras); Ligamento longitudinal anterior: fixa-se anteriormente ao corpo das vrtebras. OBS²: Em virtude disso, fica claro as camadas que uma agulha deve atravessar para realizar uma anestesia subaracnidea ou uma peridural por um acesso mediano e paramediano. Em resumo, temos: o Acesso mediano (70 – 90% de todos os acessos): PELE (1 resistncia) TECIDO CELULAR SUBCUTNEO (TCSC) LIG. SUPRAESPINHOSO (2 Resistncia) LIG. INTERESPINHOSO LIG. AMARELO (3 e maior resistncia) ESPAÇO EPIDURAL DURA-MTER E ARACNIDE ESPAÇO SUBARACNÓIDEO. o Acesso paramediano (10% dos acessos): PELE (1 resistncia) TCSC MUSCULATURA PARAVERTEBRAL LIG. AMARELO (2 e maior resistncia) ESPAÇO EPIDURAL DURA-MTER E ARACNIDE ESPAÇO SUBARACNÓIDEO. CONTEÚDO DO CANAL VERTEBRAL O canal osteoligamentar vertebral formado pelo espao entre os corpos vertebrais e os arcos vertebrais quando empilhados entre si. Dentro desse canal, alm de tecido gorduroso e vascular, temos a presena das meninges e da prpria medula espinhal. Meninges: so membranas que envolvem todo o tecido nervoso sendo constitudas por trs envoltrios conjuntivos derivados de duas formaes embriolgicas: paquimeninge (d origem dura-mter) e leptomeninge (d origem aracnide e pia-mter). o Duramter: membrana mais externa e mais resistente, sendo formada por fibras colgenas e poucas fibras elsticas. Estende-se do forame magno at S2. o Aracnide: membrana delicada, avascular composta superposio de clulas com fibras conjuntivas (principal barreira menngea) o Pia-mter: fina e vascularizada, recobre toda a superfcie da medula, aderindo a ela imediatamente, constitundo seu limite externo. Espaços raquidianos: so os intervalos formados entre as meninges ou entre a meninge mais externa (dura- mter) e o peristeo do canal vertebral. o Espao peridural (ou epidural): separa os componentes osteoligamentares raquidianos da dura-mter, meninge mais externa. este espao que se busca para administrao da anestesia peridural. composto por gordura, um importante plexo venoso, artrias, linfticos e expanses fibrosas, principalmente na poro anterior, os quais participam da sustentao da dura-mter. Seu volume de aproximadamente 80 a 100 mL, sofrendo diminuio com aumento da presso abdominal, devido Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 3 congesto e ingurgitamento do plexo venoso. Isso significa que, paciente grvidas necessitam de menos anestsico no advento da anestesia peridural (cerca de 10 a 20% a menos que um paciente normal). A largura do espao peridural varia inversamente com o dimetro da medula espinhal. Sua largura posterior aumenta em direo caudal, medindo de 1 a 1,5 mm no nvel do espao C5-C6, chegando a 5 a 6 mm no nvel do espao L2-L3. o Espao subdural: o contato da superfcie interna da dura- mter com a aracnide cria umespao entre as duas membranas, denominado espao subdural. Apesar de sua existncia em geral virtual, ocasionalmente os frmacos direcionados aos espaos peridural ou subaracnideo podem ser injetados nesse local, na proporo de 0,82% e a te 10% respectivamente. Alm disso, o desenvolvimento excessivo desse espao em indivduos adultos propicia o acmulo de lquido seroso em seu contedo, podendo causar confuses com a identificao do lquido cefaloraquidiano. o Espao subaracnideo: compreendido entre a pia-mter e a aracnide, contm o lquido cefalorraquidiano, sendo atravessado por vrias expanses menngeas em rede. fechado lateralmente no nvel dos forames intervertebrais pela fuso pia-mter-aracnide na bainha dos elementos nervosos. Abaixo de L2, o espao subaracnideo contm as razes nervosas em forma de cauda equina e o filamento terminal, permitindo a puno lombar sem risco para a medula. neste espao onde se administra a anestesia subaracnide. SISTEMATIZAÇÃO NEUROLÓGICA No primeiro trimestre de gestao, a medula espinhal se estende desde o forame magno ao final da coluna vertebral. A partir dessa fase, a coluna vertebral aumenta em extenso mais do que a medula, ao ponto em que, no nascimento, a medula se posicionar no nvel de L3 e, na fase adulta, no nvel de L1 em 70% dos pacientes dos brancos e em L2 em pacientes negros. OBS³: A raquianestesia responsvel por um bloqueio de conduo das estruturas nervosas, essencialmente no nvel de razes raquidianas. O anestsico local tende a bloquear inicialmente as fibras no mielinizadas do tipo C, que tem com funo o transporte de estmulos ligados dor, temperatura e nocicepo. Na sequncia, bloqueia as fibras mielinizadas mais finas do tipo B (fibras pr-ganglionares autonmicas), e, progressivamente, atinge as fibras mais grossas e mielinizadas do tipo A em ordem crescente, com seus respectivos estmulos transportados: δ = dor, temperatura e nocicepo; γ = tnus muscular e reflexos; β = motor, tato e presso; α = motor e propriocepo. Desse modo, as fibras autonmicas so as primeiras a serem bloqueadas, seguidas pelas fibras condutoras da sensao de calor, dor, propriocepo, presso e tato, sendo as fibras motoras as ltimas atingidas. OBS4: Tomando como referncia dos dermtomos correspondentes a cada segmento medular, lembremos dos principais pontos de referncia: os dermtomos pertinentes inervao da faixa acima e abaixo dos mamilos , respectivamente, T4 e T5. J em nvel do umbigo, temos T10. OBS5: Ainda com relao aos dermtomos, para se fazer uma anestesia local adequada quando se quer abordar um determinando segmento, sugere-se bloquear, alm desse dermtomo correspondente, os dois dermtomos acima e dois a baixo, para garantir uma boa margem de segurana. FISIOLOGIA LÍQUIDO CEFELORRAQUIDIANO (LCR) O LCR apresenta-se com um volume entre 90 a 150 mL (2mL/kg), secretado em sua maior parte pelo plexo coriide dos ventrculos enceflicos III, IV e laterais. Dos ventrculos laterais, passa atravs dos forames interventriculares (de Monro) e junta-se no diencfalo com o volume produzido no III ventrculo. Da, segue pelo aqueduto cerebral (de Sylvius) no mesencfalo e IV ventrculo, onde se comunica com o espao subaracnideo pelas aberturas mediana (de Magendie) e laterais (de Luschka). Cerca de 25% do volume esto contidos no sistema ventricular e o restante distribui-se no espao subaracnideo, sendo separado do tecido nervoso pela pia-mter. Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 4 O anestésico da raquianestesia, após a sua injeção, é diluído pelo liquido cefalorraquidiano, diminuindo sua concentração antes de atingir os sítios efetores do sistema nervoso central. Secretado de maneira contínua, o LCR é incolor, claro, cristalino e não-coagulável, ligeiramente alcalino e proveniente do plasma. Sua produção total gira em torno de 500 mL, cerca de 20mL/h. NEUROFISIOLOGIA Os anestésicos locais agem onde apresentam maior afinidade. Após administração intratecal, são encontrados em todos os sítios entre os ramos nervosos espinhais e o interior da medula. Desse modo, o bloqueio poderia ocorrer em quaisquer pontos ao longo dos os trajetos nervosos, localizados entre o local da administração da substância até o interior da medula espinhal. As vias de condução nervosas se mantém intactas durante anestesia subaracnóidea e os ramos nervosos espinhais são os principais sítios de bloqueio. FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Os efeitos cardiovasculares da anestesia subaracnóidea dependem primariamente da extensão rostral do bloqueio simpático e, secundariamente, do grau de sedação. Hipotensão e bradicardia são os efeitos colaterais mais comuns após bloqueios subaracnóideos. Efeitos cardiovasculares da anestesia subaracnóidea incluem basicamente redução da pressão arterial sistêmica e pressão venosa central, com diminuição em menor grau da frequência cardíaca, do volume sistólico ou do débito cardíaco. A preservação do débito cardíaco permite a manutenção da oferta de oxigênio aos órgãos vitais. A diminuição da atividade simpática e o bloqueio motor levam à queda no consumo total de oxigênio, que se correlaciona com a extensão da anestesia subaracnóidea. Esses efeitos podem ser amenizados se o paciente tiver sido submetido a uma atropinização prévia (a atropina constitui parte da chamada anestesia balanceada). Fisiologicamente, os episódios de hipotensão ocorrem por causa da diminuição na resistência vascular sistêmica e na pressão venosa central ocasionada pelo bloqueio simpático. Ocorre vasodilatação abaixo do nível do bloqueio e redistribuição do volume sanguíneo central para extremidades inferiores e leito esplênico. Esses fatores geram uma diminuição da pré-carga cardíaca e, consequentemente, segundo a Lei de Frank-Starlling, diminuição da pós-carga, diminuindo, assim, o débito cardíaco. A bradicardia pode ocorrer por alteração no balanço autonômico cardíaco, com predomínio no sistema parassimpático, principalmente pelo bloqueio das fibras cardioaceleradoras. Sabendo que, anatomicamente, o sistema nervoso simpático é tóraco-lombar, justifica-se o bloqueio simpático causada pela administração medular de anestésicos. OBS6: Quanto a fisiologia cardíaca, devemos lembrar que a sístole (0,15 segundos de duração) é mais rápida que a diástole (0,30 segundos). Essa diferença de tempo ocorre em virtude do atraso fisiológico da condução nervosa entre o nódulo sinoatrial (ou Keith-Flack) e o nódulo atrioventricular. Contudo, pacientes inerentes a um bloqueio simpático, depois da diminuição da pré-carga, da pós-carga e do débito cardíaco, apresentam um efeito secundário de taquicardia, em que o coração sadio aumenta a frequência cardíaca para aumentar o débito cardíaco (lembrando que Débito sistólico = volume sistólico x frequência cardíaca). Isso faz com que a sístole aconteça de maneira mais rápida do que antes, enquanto que a diástole torna-se ainda mais lenta. A diminuição no aporte sanguíneo cardíaco consequente, faz com a fibra miocárdica entre em fadiga por excesso de ácido láctico, de forma que o coração possa entrar em falência por hipóxia. Esta é a fisiopatologia do infarto do miocárdio secundário a um procedimento anestésico. Há, contudo, métodos anestésicos que realizam o mesmo bloqueio mas com a menor repercussão cardiovascular possível. OBS7: Quando o anestesista realiza um bloqueio dos segmentos T2, T3 e T4 (medula torácica alta), pode ocorrer um bloqueio exagerado do nódulo sinoatrial, pois são destes segmentos de onde surgem as fibras simpáticas cardioaceleradoras. Para evitar o efeito do sistema nervoso parassimpático sobre as fibras cardíacas, é necessário realizar uma simples atropinização, administrando doses clínicas de atropina (parassimpatolítico) antes da realizaçãoda anestesia. OBS8: Em casos de hipovolemia e hipotensão, pode-se realizar os seguintes procedimentos: (1) infusão de soro fisiológico para aumentar a volemia; (2) administração de norepinefrina; (3) atropinização, caso a pressão esteja abaixo de 50mmHg. Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 5 FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA A anestesia subaracnóidea com bloqueio de níveis torácicos médios apresenta pequeno efeito na função pulmonar de pacientes sem doenças pulmonares preexistentes. As substâncias usadas para sedação perioperatória, as condições clínicas, idade, fumo, tipo de cirurgia e destreza do cirurgião têm maior impacto na função pulmonar do que o bloqueio por si mesmo. Dentre as causas de morte imputados à anestesia, a hipóxia é a mais importante, decorrente normalmente de depressão respiratória ou de inadequada concentração inspirada de oxigênio. A depressão respiratória é uma ocorrência incomum após anestesia subaracnóidea. No caso de bloqueios mais baixos, o bloqueio sensitivo se associa a pequeno ou ausente bloqueio motor dos músculos da respiração. Nas situações de bloqueios torácicos altos ou cervicais baixos, não há alteração dos valores gasométricos, pois o diafragma age de forma compensatória, ampliando suas incursões (paralisia do diafragma é um incidente raro, pois dificilmente o anestésico atinge a região cervical em altas concentrações). Além disso, o bloqueio das fibras autonômicas simpáticas não afeta a respiração. Em particular, a frequência respiratória, o espaço morto, a gasometria arterial e a fração de shunt apresentam pequena ou nenhuma alteração durante anestesia subaracnóidea. A capacidade vital diminui devido à queda do volume de reserva expiratório (que pode acontecer até mesmo devido a posição do paciente). As alterações das funções ventilatórias dependentes de expiração ativa e depressão do reflexo da tosse observa das se devem à paralisia dos músculos da parede abdominal, incapazes de promover aumentos das pressões intra-abdominal e intrapulmonar. A magnitude do impacto sobre a expiração guarda relação com a extensão do bloqueio, dependendo do maior ou menor número de músculos respiratórios afetados. Portanto, o déficit ventilatório apresentado pelos pacientes está relacionado com a sua posição no leito e com o bloqueio da inervação da musculatura acessória. Esses pacientes, quando em regime de hipotensão ou de bradicardia, podem desenvolver uma hipóxia importante, o que diminui ainda mais a frequência e amplitude respiratória, gerando uma acidose respiratória e, consequentemente, uma acidose metabólica. Essas considerações significam que, ao se realizar cirurgias em que sejam necessárias posições anômalas (cirurgias de loja renal, do abdome superior, da região torácica, etc.) utilizando apenas a técnica de bloqueio do neuroeixo, a função ventilatória do paciente será especialmente afetada. O mínimo que se deve fazer é uma anestesia combinada para se preservar a ventilação do paciente. É aconselhável, antes de posicionar o paciente, anestesiá-lo (com peridural contínua e anestesia geral, em menor concentração) e, logo em seguida, intubá-lo, garantindo acesso às vias aéreas. FISIOLOGIA GASTRINTESTINAL Náuseas e vômitos são complicações comuns. O fluxo sanguíneo hepático se mantém diretamente proporcional à pressão arterial média. O efeito gastrintestinal da anestesia subaracnóidea se relaciona diretamente com o grau de bloqueio simpático. Os órgãos abdominais recebem sua inervação simpática das raízes nervosas de T6 a L2 (nervos esplâncnicos). O bloqueio dessas fibras resulta em atividade parassimpática sem restrições, por ação vagal. Consequentemente, aumentam as secreções, os esfíncteres se relaxam, o tempo de esvaziamento gástrico torna-se mais rápido e ocorre melhor perfusão intestinal, o que facilita a recuperação do paciente, quando se compara esse tipo de anestesia à anestesia geral. De um modo geral, portanto, os bloqueios regionais cursam com aumento do peristaltismo intestinal. É por este motivo que, em algumas cirurgias intestinais, alguns cirurgiões evitam o bloqueio regional (exceto para aquelas situações denominadas de incipientes, como apendicectomia). FISIOLGIA GENITURINÁRIA A inervação simpática renal tem sua origem nos segmentos T10 a L1 da medula espinhal. Mantendo-se níveis pressóricos sistólicos maiores que 80mmHg, a filtração glomerular não se altera. Contudo, os rins são os órgãos que mais sofrem com a diminuição da pressão arterial, que pode chegar a 50mmHg, diminuindo, de forma importante, a taxa de filtração glomerular. Devido a isso, pacientes de idade avançada podem apresentar quadros de isquemia renal e, posteriormente, insuficiência renal. FISIOLOGIA ENDOCRINOMETABÓLICA A anestesia subaracnóidea inibe a resposta metabólica ao estresse cirúrgico, havendo diminuição na liberação de catecolaminas, cortisol, insulina, hormônios de crescimento e tireóide-estimulantes, renina, aldosterona e glicose em consequência da incisão cutânea. Importante mesmo é a diminuição de catecolaminas endógenas pelo paciente, o que é um fator de proteção para o mesmo. Tal proteção é decorrente do bloqueio da informação aferente, desencadeador da resposta ao estresse. TERMORREGULAÇÃO A hipotermia perioperatória moderada está associada com aumento da incidência de isquemia miocárdica, morbidade cardíaca, infecção na ferida operatória, perda sanguínea, etc. As técnicas de anestesia geral alteram a homeostase da temperatura corporal em grau semelhante. Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 6 Fisiologicamente, h trs mecanismos capazes de causar hipotermia central: (1) redistribuio do calor central periferia em razo da vasodilatao provocada pelo bloqueio simptico; (2) perda da capacidade termorreguladora consequente impossibilidade de tremer e de contrair vasos perifricos (devido anestesia subaracnide); (3) perda da vasoconstrico termorregulatria abaixo do nvel bloqueado simptico. FARMACOLOGIA A distribuio das solues no LCR, representada pela altura e durao do bloqueio, a partir de determinada dose de anestsico local, depende de variveis individuais e, por isso, pode no ser previsvel. Fatores relacionados ao LCR: aumento da presso liqurica; diminuio do volume liqurico. Fatores relacionados soluo injetada: volume injetado; baricidade; temperatura; concentrao do anestsico. Fatores relacionados com a tcnica de injeo: nvel da injeo; posio do paciente; direo da agulha; velocidade de injeo. Fatores relacionados com o paciente: caractersticas antropomtricas; idade; peso; extenso da coluna vertebral. TCNICA PARA ANESTESIA SUBARACNIDEA PREPARAÇÃO DO PACIENTE A consulta pr-anestsica permite a escolha da tcnica anestsica mais adequada ao ato operatrio, valorizando dados clnicos e laboratoriais do paciente, tipo de interveno cirrgica e sua durao. Aps a entrada do paciente no ambiente operatrio, procede-se a monitorizao necessria e a puno venosa perifrica. Os materiais e medicamentos para reanimao cardiorrespiratria e cerebral devem estar presentes e checados, bem como os frmacos necessrios ao tratamento das repercusses fisiolgicas. ESCOLHA DO MATERIAL Antes do posicionamento para o bloqueio, todo o material para a puno subaracnidea deve estar pronto, visando qualidade da tcnica e maior conforto do paciente. Agulhas de raquianestesia: so vrios os tipos de agulha utilizadas na anestesia subaracnidea, diferindo por seu calibre e forma do bisel. As agulhas de Greene e Quincke possuem pontas biseladas com lados cortantes. As agulhas de Whitacre e Sprotte possuem bisel em “ponta de lpis”, com orifcio para fora da ponta da agulha. Estas requerem mais fora para serem inseridas do que as de ponta cortante, porm fornecemmaior sensibilidade ttil na passagem dos tecidos at o espao subaracnideo. A numerao das agulhas utiliza a escala britnica de gauge (G), que leva em considerao o seu dimetro externo: quanto maior o G, menor o dimetro externo, menor a incidncia de cefalia e mais facilmente a agulha se deforma introduo nos tecidos. Microcateteres para anestesia contínua: a introduo de um cateter no espao subaracnideo acrescenta as vantagens da anestesia subaracnidea a possibilidade de doses repetidas e extenso no nvel e durao do bloqueio. Trs tipos de cateteres foram usados no decorrer do tempo: os mesmos usados para anestesia peridural contnua, os microcateteres e os cateteres montados por fora da agulha. REALIZAÇÃO DA ANESTESIA SUBARACNÓIDEA A anestesia subaracnidea deve ser realizada em condies de assepsia rigorosa como toda anestesia regional. O local da puno deve ser submetido soluo anti-sptica 3 minutos antes da injeo da agulha, devendo-se remover o excesso para evitar meningite qumica. O bloqueio pode ser realizado nas posies sentada, em decbito lateral ou ventral. Posio sentada: o paciente colocado na borda da mesa, com os ps repousando sobre um suporte e, se possvel, com os joelhos flexionados. Tem sua cabea flexionada sobre o peito, corrigindo lordose de coluna, para que haja abertura dos espaos interespinhosos. a posio mais adequada para pacientes obesos, gestantes e em bloqueios baixos. Decbito lateral: o lado escolhido em funo do local da interveno e da densidade da soluo anestsica. Essa posio, de certa forma, diminui as lipotmias que ocorrem com maior frequncia com o paciente sentado. A coluna ento flexionada para melhor abertura dos espaos intercostais. Decbito ventral: pouco empregada, colocando-se a mesa cirrgica em posio de prona em canivete, para diminuio da concavidade lombar. A vantagem dessa posio permitir a realizao do ato cirrgico sem movimentar o paciente aps a induo do bloqueio. Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 7 Para administração do anestésico, podemos adotar várias vias de abordagem do espaço subaracnóideo. Para todas elas, a punção lombar deve ser praticada habitualmente nos espaços L2-L3, L3-L4 ou L4-L5. As vias são as seguintes: A via mediana é a mais utilizada. A agulha é introduzida no plano sagital mediano, a fim de evitar o plexo venoso peridural, entre dois processos espinhosos, perpendicular à pele e em direção ligeiramente ascendente. Com sua progressão, temos: pele, TCSC, lig. Supra e interespinhoso, ligamento amarelo (momento em que se é possível perceber a passagem da agulha), espaço peridural e dura-máter e aracnóide. É possível perceber um pequeno refluxo de LCR pela agulha, confirmando seu correto posicionamento. A via de acesso paramediana minimiza as taxas de falhas da abordagem mediana, não necessitando de flexão da coluna e sendo adequada nas situações de deformidades, calcificações na linha mediana e para pacientes com vícios posturais anômalos. A punção é feita com cerca de 1 a 2 cm da linha mediana, em direção ao grande eixo da coluna, com uma inclinação medial de 10 a 15 graus. Após penetrar na pele e TCSC, atravessa a musculatura paravertebral e atinge o ligamento amarelo na linha mediana. Em caso de contato ósseo, a direção da agulha deve ser orientada cefalicamente até que se encontre o ligamento amarelo. Quanto as particularidades de administração por via subaracnóidea, os anestésicos locais agem essencialmente sobre as raízes raquidianas e sobre as estruturas da superfície da medula espinhal. Em ambos os níveis, promovem interrupção temporária da condução nervosa quando se utilizam concentrações e doses efetivas. A sequência do bloqueio anestésico compreende, após a injeção do anestésico local no espaço subaracnóideo, a difusão no LCR (capaz de diminuir rapidamente sua concentração e absorção) e absorção de parte do anestésico pela membrana. Os anestésicos locais são bases fracas pouco solúveis e instáveis. O seu local de ação é exclusivamente espinhal, sem haver migração cefálica extensa devido ao pequeno volume empregado e à sua lipossolubilidade elevada. Os anestésicos locais mais utilizados são lidocaína, bupivacaína e ropivacaína. INDICAÇÕES Não há indicação absoluta para o uso da técnica de anestesia subaracnóidea. Porém, as vantagens de utilização da raquianestesia (facilidade de execução, bom bloqueio motor e relaxamento abdominal, latência curta, bloqueio de resposta ao estresse cirúrgico, diminuição da perda sanguínea transoperatória, etc.) tornam a técnica indispensável na prática anestésica moderna. Pediatria: a anestesia subaracnóidea é bem aceita neste grupo de pacientes, associando-se às técnicas de sedação para facilitação de punção lombar. Pacientes ambulatoriais: o fato de ser capaz de diminuir a incidência de complicações foi fundamental para o incremento do seu uso em pacientes ambulatoriais, tornando-a apropriada para reparo de hérnias abdominais e cirurgias de joelho e pé. Obstetrícia: os relatos de alta incidência de cefaléias pós-punção da dura-máter em parturientes desencorajam muitos anestesiologistas a adotar a raquianestesia como técnica de eleição nesse grupo de pacientes até meados dos anos 80. Contudo, o desenvolvimento de agulhas finas e descartáveis reduziu as complicações para valores aceitáveis entre essas pacientes. Em relação à anestesia peridural, a raquianestesia para cesáreas apresenta como vantagens a simplicidade de identificação do espaço subaracnóideo e a rapidez do início de ação. Além disso, o uso de pequenas quantidades de anestésicos locais reduz a toxicidade nos sistemas cardiovasculares e nervoso central, diminuindo a exposição materno-fetal. A utilização de opióides na raquianestesia para controle da dor pós-operatória permite deambulação precoce (em razão da ausência do bloqueio motor), amamentação nas primeiras horas e maior contato mãe-filho. No entanto, a anestesia geral balanceada pode ser utilizada, sobretudo nas contra-indicações da anestesia espinal, como recusa da paciente, hipovolemia, sepse, cardiopatia descompensada, coma, discrasia, deformidade da coluna, processo inflamatório no local de punção, etc. Para a indução desta anestesia geral, faz-se necessário o uso concomitante e balanceado da anestesia inalatória e venosa complementar Técnica contínua: pode ser recomendada para cirurgia em pacientes idosos, no estado hemodinâmico instável e quando a peridural é tecnicamente difícil. A principal vantagem é o controle do nível, intensidade e duração da anestesia. Cirurgia cardíaca: o uso de anestesia regional à anestesia geral em cirurgias cardíacas já foi descrito em vários estudos. Os benefícios desta técnica incluem analgesia adequada no pós-operatório, com extubação precoce, controle da pressão arterial sanguínea e atenuação do aumento das taxas de troponina sérica. Diminuição na morbimortalidade de pacientes cirúrgicos de alto-risco Extensão na analgesia pós-operatória Terapia da dor aguda ou não Baixo custo Diminuição das complicações (avanços tecnológicos) Arlindo Ugulino Netto – ANESTESIOLOGIA – MEDICINA P5 – 2009.2 8 CONTRA-INDICAÇÕES A única contra-indicação absoluta para a anestesia subaracnóidea é a recusa do paciente. Contudo, entre as condições que merecem ser analisadas, encontram-se: Hipovolemia, pelo risco de hipotensão arterial sistêmica; Hipertensão craniana, pelo risco de herniação cerebral pelo forame magno após perda de LCR pela agulha; Coagulopatia ou trombocitopenia: por maior risco de hematoma peridural; Sepse, pelo risco de meningite; Infecção no sítio de punção; Recusa do paciente (contra-indicação absoluta). COMPLICAÇÕES Complicações neurológicas como acidentes medulares mecânicos por trauma direto,como as lesões de estruturas osteoligamentares e nervosas. É comum o aparecimento de parestesias no membro da punção, causado pelo contato da agulha com a raiz nervosa. Lesões de estruturas osteoligamentares, causando lombalgia. Fístula liquórica e cefaléia pós-anestésica. A cefaléia resulta da perda de LCR através do orifício na dura-máter criado após sua punção. A intensidade da cefaléia está diretamente ligada ao tamanho da fístula liquórica. O gradiente de pressão entre os espaços subaracnóideo e peridural, em torno de 40 a 50 cmH2O em posição sentada, prova perda de LCR proprocional ao diâmetro do orifício e à pressão hidrostática. As diminuições do volume de LCR e da pressão intratecal, secundárias à perda, são responsáveis por tracionar as estruturas cefálicas contra a base do crânio quando o paciente está em posição ortostática. Ocorre então tração dos folhetos meníngeos e das estruturas vasculares, originando os fenômenos dolorosos. A cefaléia é incrementada por uma vasodilatação reflexa local, visando restaurar o volume intracraniano. Esta cefaléia é intensa, bifrontal e occipital, podendo irradiar-se para o pescoço e ombros. Agrava-se com ortostatismo, posição sentada e defecação, aliviando em posição supina, característica diagnóstico deste tipo de cefaléia. Aparecimento de hematoma intracerebral por tração vascular secundária a uma fístula liquórica. Complicações infecciosas como meningite séptica, abscesso peridural ou na medula espinhal que podem ocorrer após punção descuidada. Síndrome da cauda equina: dor e disestesia em nádegas e pernas, dor lombar baixa associada. Hematomas compressivos espinhais, causando dor intensa do tipo radicular e paraparesia com incontinência dos esfíncteres. OBS8: Esta cefaléia pós-punção pode ser amenizada ou até mesmo evitada realizando uma manobra simples: ao se inclinar a agulha para baixo, formando com o plano paramediano um ângulo agudo (de 15 a 30 graus), observa-se que a perfuração da dura-máter vai ocorrer em um plano ligeiramente mais baixo do que a perfuração da aracnóide. Ao se retirar a agulha, tem-se a formação de um mecanismo valvular que diminui a fístula liquórica e, consequentemente, diminui a perda do LCR. Além disso, a inserção do bisel da agulha feita paralelamente às fibras da dura-máter parece facilitar o fechamento da meninge. A agulha deve ser mais fina e menos romba. OBS9: No mais, o tratamento disponível da cefaléia pós-punção consiste em repouso em decúbito, hidratação, analgésicos, cafeína, cloridrato de tiaprida, ansiolíticos, injeção peridural de cristalóides, etc. No caso de fracasso dessas modalidades de tratamento, podemos utilizar tampão sanguíneo (blood patch) por via peridural. Para isso, faz-se a injeção de 10 a 15 mL de sangue autólogo na altura da punção anterior. Seu uso causa oclusão do orifício da dura- máter, com interrupção da perda do LCR, e a simultânea diminuição do espaço subaracnóideo pela expansão do espaço peridural. Em conclusão, entre todas as técnicas anestésicas, a anestesia subaracnóidea consegue encantar por sua simplicidade, guardando grande eficiência. A associação de opióides e outras substâncias adjuvantes vem ampliando as possibilidades da prática clínica cotidiana do anestesiologista.
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