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BIOMECÂNICA (TECIDO MUSCULAR E LOCOMOÇÃO)

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BIOMECÂNICA DO TECIDO MUSCULAR  
Dos biomateriais mencionados até o momento na disciplina, o tecido muscular é o de maior importância para proteção dos ossos e articulações por sua capacidade de resistir às forças externas. Além disso, este é o único tecido do nosso corpo que encurta para produzir o movimento dos segmentos corporais.  
A capacidade de produzir força muscular ocorre por sua composição e devido à interação entre músculo e sistema nervoso, que aciona a fibra muscular por meio de impulsos elétricos para produzir encurtamento (HALL, 2013).  
O músculo possui uma porção central e mais externa, onde se localizam as proteínas motoras, denominada de ventre muscular. Ao redor desta está o epimísio, uma membrana de proteína de colágeno com a função de fornecer ao músculo resistência às forças de tração (HALL, 2013; WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
A camada seguinte do músculo é formada por fascículos, conjuntos de fibras musculares. Eles são agrupados pelo perimísio, que é uma membrana de proteína de colágeno, que também fornece resistência às forças de tração ao músculo (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
Cada fibra muscular que compõem o fascículo é uma célula do tecido muscular e são envolvidas por outra camada de proteínas de colágeno, resistente à tração, chamada de endomísio (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
Além de ser envolvida pelo endomísio, cada fibra muscular possui mais inúmeras fibras menores em seu interior, são as miofibrilas ou miofilamentos. Estas são formadas por sarcômeros, partes de miofibrilas, que ao serem posicionados em série (um ao lado do outro) formam a fibra longa. Como se a miofibrila fosse o trem e os sarcômeros cada vagão do trem (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
O interior de cada vagão do trem, ou seja, de cada sarcômero, tem as proteínas que produzem o encurtamento das fibras e as que promovem seu relaxamento.  
As proteínas que produzem o encurtamento das fibras são chamadas de proteínas contráteis, o filamento de actina e a miosina. O filamento de actina é uma proteína motora fina, que possui cavidades (sítios) para conexão das cabeças de miosinas. A miosina é um filamento proteico grosso com ramificações em seu filamento principal e enzimas nomeadas de cabeça de miosina na extremidade destas ramificações. Estas se conectam aos sítios de ligação da actina na contração muscular (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
As proteínas que produzem o relaxamento das fibras são chamadas de proteínas reguladoras, tropomiosina e troponina. A tropomiosina é uma proteína filamentar que fica enrolada na actina; na ausência de cálcio intramuscular, a tropomiosina fica sobre o sítio de ligação da actina, evitando o encurtamento muscular (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
A troponina é uma proteína globular que possui três moléculas específicas. A molécula Troponina T, se prende à tropomiosina para arrastá-la para fora do sítio de ligação da actina na presença de cálcio intramuscular. A molécula Troponina A, se fixa à actina girando-a em torno de si também na presença de cálcio intramuscular. E a molécula Troponina I se conecta com as outras duas moléculas e fixa o cálcio disponível no interior do músculo no processo de contração muscular para arrastar a tropomiosina para fora do sítio de ligação da actina e favorecer a conexão entre actina e miosina (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
A ação de encurtar ou não o músculo é feita pelo sistema nervoso no processo de contração muscular. 
Após o envio do estímulo elétrico entre neurônios motores, um potencial de ação (PA) alcança um neurônio que tem conexão com várias fibras musculares, formando uma unidade motora, e todas estas fibras serão excitadas e se encurtarão (Lei do Tudo ou Nada) (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
O encurtamento das fibras musculares se dá pelo processo de sinapse. O neurônio motor transmite o estímulo elétrico para o musculo quando o PA alcança um canal iônico dependente de voltagem de Ca2+ no telondendro. Este canal se abre e haverá o influxo de Ca2+ no neurônio. As vesículas concentradas no telodendro se deslocarão e se fundirão com a membrana neural para liberação das glicoproteínas (neurotransmissores). No caso dos neurônios ligados ao músculo, estes sempre liberam na fenda sináptica um neurotransmissor excitatório conhecido como acetilcolina (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
Como é excitatório, a acetilcolina se ligará ao canal iônico dependente de ligante de Na+, fazendo com que este cátion entre no tecido muscular. A partir desta diferença de voltagem, cria-se um potencial de membrana no músculo, que é similar ao potencial de ação no axônio do neurônio; com abertura sequencial dos canais de K+ e funcionamento da bomba Na+/ K+. Assim, a membrana muscular sofre os eventos de despolarização e repolarização (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
Estes eventos caminham até uma região da membrana muscular conhecida por túbulos T (invaginações da membrana com o formato de um T). Nesta região, o potencial de membrana excita uma proteína que sinaliza para outra proteína, que se encontra na membrana do retículo sarcoplasmático (no interior do músculo), a presença do estímulo elétrico (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
O retículo sarcoplasmático é uma organela muscular que armazena cálcio para o processo de contração muscular. Com o sinal da proteína da fibra muscular, as proteínas de membrana do retículo sarcoplasmático abrem como portas. Como há maior concentração de cálcio no interior do retículo e menos quantidade deste cátion no sarcoplasma (citosol do músculo) muscular, o Ca2+ se dispersa para o sarcoplasma (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
No sarcoplasma encontramos as proteínas reguladoras e contráteis do músculo. A proteína reguladora Troponina I fixa o Ca2+ em sua estrutura e empurra a tropomiosina para fora do sítio de ligação da actina. Com o sítio livre, a cabeça de miosina é atraída para se conectar com a actina, uma molécula de ATP é quebrada na cabeça de miosina e esta se movimenta permitindo o deslizamento da actina. Após sua movimentação, a cabeça de miosina se desconecta da actina e usa a energia de uma nova molécula de ATP para retornar a sua configuração inicial (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
A frequência com que o estímulo elétrico chega à unidade motora do músculo determina o grau de tensão muscular. Altas frequências de estímulos elétricos fazem a unidade motora recrutar mais fibras musculares inervadas por ela, o que aumenta o grau de encurtamento do músculo (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
Além da frequência de disparo dos estímulos elétricos, outros fatores interferem na capacidade do músculo produzir força no movimento, como o comprimento da fibra muscular, a continuidade do movimento para uso da força elástica, a arquitetura e os tipos de fibras musculares.  
Para entender como o comprimento da fibra muscular interfere na produção de força, é importante lembrar quais tipos de ação (contração) o músculo executa, são elas: dinâmica excêntrica, dinâmica concêntrica e isométrica (NORDIN e FRANKEL, 2014; HALL, 2013).  
A ação (contração) dinâmica excêntrica é definida quando o músculo gradativamente aumenta seu comprimento até o limite, sem gerar lesão; portanto, o músculo é alongado. Para o músculo alongar o corpo cede à ação da força da gravidade e permite que o segmento corporal se desloque em direção ao solo ou a favor da gravidade. Com isso, o torque interno ou potente, produzido pelo músculo, é menor do que o torque externo ou resistente dos pesos sustentados pelo corpo no movimento.  
A ação (contração) dinâmica concêntrica é definida quando o músculo gradativamente diminui seu comprimento, ou seja, encurta. Para tanto,o corpo supere a ação da força da gravidade e permite que o segmento corporal se desloque para cima ou contra a ação da gravidade. Com isso, o torque interno ou potente, produzido pelo músculo, é maior do que o torque externo ou resistente dos pesos sustentados pelo corpo no movimento.  
A ação (contração) isométrica é definida quando o músculo assume seu comprimento intermediário, ou seja, não está nem tão alongado e nem tão encurtado. Em postura estática, o músculo está em contração isométrica quando não há variação aparente em seu comprimento total. Desta forma, a produção de força muscular se iguala à força da gravidade que atua no corpo, então, os torques interno ou potente e externo ou resistente são iguais. O corpo está em equilíbrio.  
Quando determinado músculo usa somente as proteínas contráteis de actina e miosina para produzirem o movimento, o comprimento do sarcômero, seja alongado, encurtado ou na condição intermediária, mudará a capacidade de produção de força do tecido muscular. Na biomecânica a actina e miosina são nomeadas de componentes contráteis (TRICOLI, 2013; KOMI, 2000).
  
  FIGURA 1: Ilustração da Curva de comprimento-tensão. Produção de força do sarcômero (eixo y) em função do seu comprimento (eixo x): de 2,25-3,6µm alongado (ação excêntrica); de 2,0-2,25µm comprimento intermediário (ação isométrica); < 1,65µm encurtado (ação concêntrica).  
A FIGURA 1 mostra a variação da capacidade de produção de força muscular em função do comprimento assumido pelo sarcômero. Nas condições de alongamento e encurtamento máximo do sarcômero, o músculo tem a menor capacidade de produção de força, isto porque o número de interações entre a actina e a miosina diminui. No entanto, ao manter o sarcômero em seu comprimento intermediário verifica-se máxima produção de força.  
Na prática esta situação é percebida quando um sujeito tenta erguer uma carga alta pela primeira vez. Imagine o movimento de rosca direta com carga máxima, para erguer a barra pela primeira vez, a articulação do cotovelo sai da extensão máxima para flexão máxima. Quando em extensão máxima, os sarcômeros dos músculos responsáveis pela flexão de cotovelo estão totalmente alongados, é difícil iniciar o movimento, porque a quantidade de componentes contráteis conectados é pequena e a carga é alta. Quando o cotovelo se aproxima do ângulo de 90 graus, o sarcômero alcança seu comprimento intermediário (ação “isométrica”), o número de actinas e miosinas conectadas é a maior no movimento, garantindo produção de força máxima para acelerar o peso para cima; o movimento fica mais fácil. No entanto, ao aproximar a articulação do cotovelo da sua flexão máxima, ocorre grande encurtamento do sarcômero (ação concêntrica) e o número de conexões entre os componentes contráteis novamente diminui e compromete a produção de força muscular.  
Vale destacar que, o músculo não tem somente este formato de produção de força. Felizmente, além do componente contrátil que atua para o encurtamento do músculo em qualquer movimento produzido pelo corpo, ele também pode produzir força pelos componentes elásticos presentes em sua estrutura.  
Os componentes elásticos em paralelo do músculo são o epimísio, perimísio e endomísio; e o componente elástico em série é o tendão. Todos estes componentes são formados por fibras de colágeno e, portanto, tem grande flexibilidade, elasticidade e resistem às forças de tração. A distinção de nomes para os componentes elásticos em paralelo ou em série se deve à sua localização em relação aos componentes contráteis (actina e miosina) no músculo (TRICOLI, 2013; KOMI, 2000).  
A importância dos componentes elásticos para o músculo é que eles viabilizam a produção de força potente, eles acumulam e restituem a força elástica em determinado gesto motor e somam esta força à contrátil (TRICOLI, 2013; KOMI, 2000).  
Para entender a produção da força potente na prática atenta-se para a forma do movimento. Sempre que se almeja um movimento com potência, o músculo principal da ação é inicialmente alongado (fase preparatória) para posteriormente ser encurtado (fase principal). Ao alongar o músculo do movimento, este tracionará e acumulará energia elástica por meio do colágeno em sua estrutura. Logo em seguida, o músculo será encurtado, assim a força acumulada na fase preparatória do gesto motor será restituída na fase principal do movimento (TRICOLI, 2013; KOMI, 2000).  
Além da restituição da energia elástica acumulada, o músculo também produz força pela interação entre actina e miosina, alcançando a força potente. Esta mecânica de movimento é vista em saltos, arremessos, chutes; movimentos que dependem de força potente para serem executados com técnica adequada.  
Uma informação importante para o uso da força elástica, conseguida com o Ciclo Alongamento-Encurtamento do músculo, é manter a continuidade do gesto motor (TRICOLI, 2013; KOMI, 2000). Se um sujeito executar um salto vertical sem pausa entre a fase preparatória e a fase aérea, seu rendimento será maior do que se o mesmo sujeito flexionar as articulações dos membros inferiores na fase preparatória, pausar o movimento, e saltar depois da pausa.  
Na segunda situação, apesar de ter tracionado os músculos na fase preparatória do salto, a energia acumulada por eles se dissipará em forma de calor. Então, ao saltar após a pausa, a maior parte da força produzida pelo músculo será somente a contrátil, porque a força elástica mesmo depois da preparação foi dissipada em forma de calor devido à pausa entre a ação excêntrica e concêntrica do músculo.  
A arquitetura do músculo também é um fator importante para entender sua vocação quanto à produção de força ou de velocidade em um gesto motor (HALL, 2013).  
Os músculos peniformes apresentam as fibras musculares anguladas em relação ao eixo longitudinal do músculo (FIGURA 2 b e c). Esta característica dá ao músculo maior capacidade de produzir força, porque terá maior quantidade de componentes contráteis por área de secção transversa. Se a maior interação entre os componentes contráteis garante maior produção de força, ter maior quantidade destes componentes por área de secção transversa muscular dá à estrutura a vocação de produzir força (HALL, 2013).
  
Os músculos fusiformes têm fibras mais compridas, os sarcômeros posicionam-se em paralelo em relação ao eixo longitudinal do musculo (FIGURA 2a). Esta característica dá ao músculo maior capacidade de produzir velocidade no movimento. Com fibras mais longas o número de sarcômero em série (um ao lado do outro) é maior do que por área de secção transversa. Ao receber o estímulo elétrico a fibra inteira é encurtada, o que permite acelerar mais a execução do gesto motor através do encurtamento conjunto dos sarcômeros em série (HALL, 2013).
   
   FIGURA 2: Representação da arquitetura dos músculos fusiforme (a) e peniformes (b) e (c). 
A composição metabólica das fibras musculares também altera sua capacidade de produção de força. As fibras do tipo 1 produzem menos força do que as fibras do tipo 2b.  
As fibras de contração lenta ou do tipo 1 são mais resistentes à fadiga muscular, no entanto, demoram para produzir sua força máxima, estão mais adaptadas para garantir força de baixa a moderada intensidade por longo período de tempo. Isto ocorre porque as fibras do tipo 1 tem menor quantidade de componentes contráteis por área de secção transversa e possuem em sua estrutura maior quantidade de mitocôndrias, assim,  dependem do metabolismo aeróbio para produção de ATP necessário para conectar os componentes contráteis (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).  
As fibras de contração rápida ou do tipo 2b são menos resistentes à fadiga muscular, no entanto, produzem força máxima de imediato, estão mais adaptadas para garantir força de alta intensidade por curto período de tempo. Isto ocorre porque as fibras do tipo 2b possuem maior quantidade de actina e miosina por área de secção transversa e maior quantidade de enzimas que fazem ressíntese rápida de ATParmazenado e aceleram sua quebra para viabilizar o processo de contração muscular. Como os estoques de ATP no músculo são limitados, a manutenção da força máxima dura pouco tempo, característica de uma célula de metabolismo anaeróbio (WILMORE e COSTILL, 2013; MCARDLE, KATCH e KATCH, 2002).    
Apesar das particularidades estruturais e funcionais de cada músculo, os movimentos humanos ocorrem sempre devido à ação conjunta deles. Estas ações caracterizam a função do grupamento muscular, que pode ser de agonista, antagonista, estabilizador ou neutralizador (HALL, 2013).  
Os músculos agem como agonistas no movimento quando são os principais responsáveis por executarem o gesto motor. Encurtam para acelerar o segmento do corpo contra a ação da gravidade (HALL, 2013). É o que ocorre ao flexionar o cotovelo, os músculos bíceps braquial, braquial e braquiorradial encurtam para aproximar o braço do antebraço e erguer determinado peso.  
A ação de antagonista ocorre quando o movimento precisa ser desacelerado. O grupo muscular envolvido na ação faz a ação excêntrica, permite o movimento da articulação principal, mas controla sua aceleração angular (HALL, 2013). É o caso da finalização do chute no futebol, a articulação do joelho estende para o pé atingir a bola; no entanto, do meio para o final da extensão, o grupamento muscular dos isquiotibiais são acionados em contração excêntrica para frear gradativamente este movimento. Isto garante proteção para articulação que não receberá um “tranco” no final do movimento e também garante o controle do movimento, tornando o chute mais preciso ou certeiro. Assim, o fortalecimento muscular para equiparar as forças entre grupamentos antagônicos é de suma importância para evitar estresse na articulação e garantir precisão técnica no movimento.  
 Os músculos estabilizadores são usados para manter uma articulação secundária ao movimento sem se mexer, estes músculos garantem a postura do corpo no gesto motor. Se contraem em ação isométrica para estabilizar a articulação (HALL, 2013). A coluna vertebral no agachamento livre é um bom exemplo de uma área corporal que precisa ficar imóvel neste exercício. Enquanto as articulações do tornozelo, joelho e quadril se movimentam, os músculos eretores da espinha agem isometricamente para manter a coluna estática que é a postura adequada para o movimento.  
Os músculos neutralizadores atuam para anular a ação do músculo agonista do movimento, quando este músculo trabalha em mais de uma articulação. Isto se faz necessário para o músculo não realizar movimentos em articulações que precisam ficar imóveis (HALL, 2013). Considera-se o movimento do chute no futebol novamente, para estender o joelho o músculo reto femoral é usado juntamente com os demais músculos do complexo do quadríceps, são agonistas do movimento. No entanto, além de estender o joelho, o músculo reto femoral também flexiona o quadril, é um músculo biarticular. Para finalizar o chute, o joelho precisa estender, mas o quadril não pode apresentar um movimento de flexão expressivo; então, para neutralizar o movimento de flexão que o músculo reto femoral pode efetuar no quadril, o músculo glúteo máximo (extensor de quadril) atua na finalização do chute.  
A análise de músculos que atuam no movimento para definir suas funções sobre as articulações em dado gesto motor é um dos objetivos da biomecânica. O entendimento dos métodos de investigação que permitem analisar os movimentos é de fundamental importância para conhecer a técnica de execução do gesto e adequar o planejamento do treino físico para aperfeiçoamento técnico.  
Os métodos de investigação da biomecânica serão descritos a seguir, juntamente com a caracterização dos movimentos da locomoção, marcha (caminhada) e corrida. 
  BIOMECÂNICA DA LOCOMOÇÃO
  Os movimentos mais comuns do dia a dia dos sujeitos que vivem no meio terrestre são os da locomoção, particularmente, a marcha e a corrida (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991). Por serem tão comuns e por permitirem o deslocamento do homem em seu habitat, o conhecimento sobre a forma de execução para otimizar o uso é de grande importância para biomecânica, a fim de torna-los cada vez mais eficientes e econômicos, ou seja, tecnicamente perfeitos.  
A descrição das fases dos movimentos da locomoção é o primeiro passo para conhecer sua forma de execução. Esta se dá pelo uso da cinemetria.  
A cinemetria é a área de investigação da biomecânica que estuda os parâmetros cinemáticos do movimento: deslocamento, velocidade e aceleração. Pata tanto, o movimento é filmado com câmeras de vídeo ou câmeras optoeletrônicas e as informações captadas pela câmera são armazenadas e analisadas por softwares de computadores específicos (BAUMANN, 1995).  
A marcha humana é caracterizada por um ciclo determinado por três fases: apoio, balanço e duplo apoio (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991). A fase de apoio tem início quando o calcanhar toca o solo, gradativamente o peso do corpo é transferido para o antepé, até que os dedos do pé são removidos do solo, finalizando a fase de apoio. Neste instante, a fase de balanço com o mesmo pé é iniciada, esta perna que perdeu contato com o solo é inicialmente acelerada para cima para transpor a perna de apoio, e em seguida ela desacelera e abaixa para iniciar um novo contato com o solo pelo calcanhar (FIGURA 3).
   
FIGURA 3: Ilustração do ciclo da marcha, fases de apoio e balanço.   
 
Existe um momento na marcha em que um pé está finalizando a fase de apoio sobre os dedos, no mesmo instante em que o outro pé está iniciando a fase de apoio sobre o calcanhar. Os dois pés em contato com o solo a cada transferência de apoio no ciclo da marcha caracteriza a fase de duplo apoio deste movimento. Esta é realmente a fase que define o movimento da marcha (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
A corrida, diferente da marcha, não apresenta a fase de duplo apoio, mas sim a fase aérea. Nesta os dois pés estão no ar, sem contato com o solo, mostrando uma característica oposta da forma de execução da corrida àquela evidenciada na marcha (ZATSIORSKY, 2004).  
Outra diferença cinemática entre os movimentos da marcha e da corrida é a forma de colocação do pé no início da fase de apoio. A marcha, em condições normais, sempre será iniciada com o contato do calcanhar com o solo, já a corrida pode ser feita da mesma forma como a marcha ou o corredor pode iniciar o contato do pé com o solo apoiando o antepé. O uso do apoio do antepé na corrida é feito para garantir a aceleração do corpo em uma corrida de alta velocidade. Quando a intenção do corredor é manter uma velocidade baixa ou moderada para prática, ele executa o movimento com o apoio do calcanhar com o solo, como na marcha (ZATSIORSKY, 2004; WINTER,1991).  
Além da caracterização do ciclo de movimento e suas diferenças, a cinemetria também permite estudar o comportamento das articulações do tornozelo, joelho e quadril no ciclo da marcha e da corrida.  
A FIGURA 4 ilustra os movimentos das articulações dos membros inferiores no ciclo da marcha no plano sagital. A curva mais inferior representa o movimento da articulação do tornozelo, a curva do meio é o movimento do joelho e a curva superior o movimento do quadril. Para facilitar a leitura do gráfico é importante entender que toda vez que a curva tem seu valor aumentado no eixo y do gráfico, indica que a articulação está flexionando. O eixo x descreve o tempo no qual o movimento articular ocorreu no ciclo da marcha, sendo que de 0 a 60% é a fase de apoio e de 60 a 100% é a fase de balanço.
  
  FIGURA 4: Representação gráfica dos movimentos articulares do tornozelo, joelho e quadril no ciclo da marcha.  
Para análise do gráfico da FIGURA 4 ser completa é importante unir a discussão dos movimentos articulares deste gráfico às ações musculares. O estudo da participação dos músculos no movimento é feito por meio da Eletromiografia, que se vale do uso dos eletrodos como discutido no primeiro tópico desta disciplina ao abordar a anatomia funcional.Considerando o movimento da articulação do tornozelo no ciclo da marcha, verifica-se na FIGURA 4 que, no instante do contato do calcanhar com o solo o tornozelo faz a extensão. O movimento de extensão do tornozelo é controlado pela ação do músculo tibial anterior que trabalha em ação excêntrica. Com isso, toda região plantar pode ser aplainada sobre o solo de forma controlada. Em seguida, o tornozelo executa o movimento de flexão para acelerar a perna para frente e dar continuidade ao deslocamento do corpo na marcha. Esta ação é garantida pelo encurtamento do músculo tibial anterior. Próximo à flexão máxima do tornozelo, o complexo tríceps sural é acionado em contração excêntrica para controlar o giro da perna sobre o pé (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
Com a transferência de peso do calcanhar para os dedos do pé, o calcanhar desprende do solo, então o tornozelo é estendido. O complexo tríceps sural neste instante trabalha para acelerar o corpo por meio da ação concêntrica. A fase de apoio do ciclo da marcha é finalizada com a retirada dos dedos do solo (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
Na fase de balanço, o tornozelo é mantido em flexão. Este movimento articular é feito pela ação concêntrica do músculo tibial anterior para manter a postura do pé adequada na fase de balanço e evitar tropeços. Somente no final da fase de balanço é que se verifica o início da extensão do tornozelo para preparar o segmento para um novo apoio, mostrando a continuidade e repetição do movimento do tornozelo no ciclo da macha (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
A articulação do joelho na marcha inicia com certa flexão, que tem amplitude aumentada nos primeiros instantes do apoio do calcanhar com o solo (FIGURA 4). Esta ação é controlada pelo alongamento do complexo do quadríceps, que controla o impacto no movimento. Em seguida, o joelho é estendido para acelerar o corpo para cima e para frente e o complexo do quadríceps gera este movimento por meio de seu encurtamento (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
Um pouco antes de o calcanhar ser retirado do solo, o joelho flexiona e este movimento torna-se cada vez mais amplo, atingindo seu valor máximo na fase de balanço. Em seguida, a perna de balanço começa a abaixar para um novo apoio e a articulação do joelho gradativamente estende; no entanto, um pouco antes de efetuar novo contato do calcanhar no solo, o corpo se prepara para o impacto, com uma flexão prévia da articulação do joelho (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
No instante do apoio, a articulação do quadril está em extensão. Os músculos glúteo máximo, bíceps femoral, semitendineo e semimembranáceo atuam em contração concêntrica para acelerar a perna de apoio para trás e esta ação dura até um pouco antes da retirada do calcanhar do solo. A partir daí, o quadril flexiona para acelerar a perna para cima e para frente e transpor a perna contralateral na fase de balanço. Este movimento é auxiliado pela ação concêntrica do músculo reto femoral, que é biarticular. Do meio para o final da fase de balanço, o quadril estende e se prepara para um novo ciclo da marcha (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991).  
Quando a corrida se dá com o apoio do calcanhar no solo, os movimentos articulares e os músculos envolvidos nestes movimentos são os mesmos. A diferença está na amplitude do movimento articular e da ação muscular que aumentam devido ao aumento na velocidade da corrida em comparação à marcha (ZATSIORSKY, 2004).  
No entanto, quando a corrida é feita com o apoio do antepé, o tornozelo apresenta maior amplitude de extensão no início do apoio. Para manter a postura do pé com o calcanhar fora do solo, o complexo tríceps sural antecipa sua participação na fase de apoio e é acionado, desde o contato do pé com o solo, juntamente com o músculo tibial anterior. Assim, grupos musculares antagônicos são encurtados ao mesmo tempo, alterando a forma de execução da corrida de velocistas quando comparado à dos maratonistas e aumentando o gasto energético no movimento, principalmente para o músculo tríceps sural. O conhecimento da distinção técnica da corrida de maratonista e de velocista garante a preparação física adequada para cada tipo de corredor (ZATSIORSKY, 2004).  
A dinamometria é a última área de investigação do movimento que deve ser abordada nesta disciplina. Ela é de grande importância por ter instrumentos que permitem mensurar as forças externas aplicadas ao corpo, como faz a plataforma de força de reação do solo (BARELA e DUARTE, 2011).  
A plataforma de força de reação do solo é um tipo de balança digital que mede a força aplicada ao corpo em todo o movimento. Com isto é possível obter uma curva que representa toda força recebida pelo corpo enquanto alguma parte estava em contato com a plataforma (BARELA e DUARTE, 2011). Na marcha e na corrida, por exemplo, analisa-se o gráfico que representa a componente vertical da força da reação do solo (Fy) na fase de apoio, representadas nas FIGURAS 5 e 6.
  
 
  FIGURA 5: Ilustração da curva da componente vertical da força de reação do solo da marcha.
  
 
  
 
  FIGURA 6: Ilustração da curva da componente vertical da força de reação do solo da corrida.  
Nos dois gráficos é possível verificar a presença de dois picos. O primeiro pico se refere ao impacto que o corpo recebe no instante de colocação do pé com o solo. Os valores destes picos variam na marcha e na corrida em função do aumento de velocidade, na marcha de 1,2 a 1,5 vezes o peso corporal e na corrida de 2,5 a 4,0 vezes o peso corporal. Com esta informação é possível perceber que para controlar a intensidade dos movimentos de locomoção é importante controlar a velocidade do movimento, pois quanto mais veloz for a marcha ou a corrida, maior será o impacto aplicado sobre o corpo (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991; ZATSIORSKY, 2004).  
Outro fato importante para se atentar é quanto à frequência da força externa. Toda vez que o pé entrar em contato com o solo, o corpo receberá uma força externa quantificada em função do tipo de movimento (marcha ou corrida) e, por consequência, da velocidade de execução (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991; ZATSIORSKY, 2004).  
O segundo pico do movimento evidenciado nos gráficos das FIGURAS 5 e 6 dão conta de informar sobre a propulsão ou a eficiência dos movimentos da marcha e da corrida, respectivamente. Como a velocidade de execução da marcha é menor em relação à corrida, o valor segundo pico de força é similar ao do primeiro pico na marcha (FIGURA 5). Já para corrida (FIGURA 6), verifica-se uma grande diferença entre os valores do primeiro e segundo pico do movimento. Isto porque o corredor deve ser capaz de empurrar mais o solo no final do movimento da corrida para acelerar mais o corpo, uma vez que este é o objetivo do corredor, se deslocar mais rápido em relação ao deslocamento da marcha (NORDIN e FRANKEL, 2014; WINTER,1991; ZATSIORSKY, 2004).

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