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Extinção da punibilidade

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Extinção da punibilidade
Art. 107. Extingue-se a punibilidade:
I — pela morte do agente;
II — pela anistia, graça ou indulto;
III — pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV — pela prescrição, decadência ou perempção;
V — pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação
privada;
VI — pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII — (Revogado pela Lei n. 11.106, de 28-3-2005.)
VIII — (Revogado pela Lei n. 11.106, de 28-3-2005.)
IX — pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
1 - A punibilidade e sua extinção
A pena não é elemento do crime, mas consequência deste. A punição é a consequência natural da realização da ação típica, antijurídica e culpável. Porém,
após a prática do fato delituoso podem ocorrer as chamadas causas extintivas, que impedem a aplicação ou execução da sanção respectiva. No entanto, não é a ação que se extingue, mas o ius puniendi do Estado. De observar que o crime, como fato, isto é, como ilícito penal, permanece gerando todos os demais efeitos civis e criminais, pois uma causa posterior não pode apagar o que já se realizou no tempo e no espaço.
2 - Causas extintivas da punibilidade
O atual elenco do art. 107 não é numerus clausus, uma vez que outras causas se
encontram capituladas em outros dispositivos, como, por exemplo, o perdão judicial (arts. 121, § 5º; 129, § 8º; 180, § 3º; 181; 240, § 4º; e 348, § 2º, do CP etc.); a restitutio in integrum (art. 249, § 2º); as hipóteses do art. 7º, § 2º, b e e, do CP etc. Não se deve confundir, no entanto, causa extintiva de punibilidade com escusa
absolutória, embora tenham efeitos semelhantes. Aquelas estão previstas na Parte
Geral e estas na Parte Especial. A seguir, definiremos, sucintamente, cada uma das causas elencadas no referido art. 107.
3 - Morte do agente (I)
Com a morte do agente (indiciado, réu, condenado, reabilitando) cessa toda
atividade destinada à punição do crime: processo penal em curso encerra-se, ou
impede que ele seja iniciado, e a pena cominada ou em execução deixa de existir.
Essa causa é uma decorrência natural do princípio da personalidade da pena,
segundo o qual a pena criminal não pode passar da pessoa do criminoso: mors
omnia solvit. Nem mesmo a pena de multa pode ser transmitida aos herdeiros.
3.1 Morte do agente e dano “ex delicto”
O princípio da personalidade da pena vige tão somente para as sanções criminais,
pecuniárias ou não, sendo inaplicável às consequências civis do crime. O espólio do condenado responde pelos danos do crime, cuja obrigação se transmite aos seus herdeiros, até os limites da herança.
3.2 Falsa morte do agente
Há dois entendimentos:
1) O pressuposto da declaração de extinção da punibilidade é a morte do agente, e, como esta não ocorreu, a decisão não adquire força de coisa julgada (STF, RTJ, 93:986 e 104:1063).
2) O pressuposto é a certidão falsa e não a morte fictícia. A sentença faz coisa julgada formal e material, como qualquer decisão fundada em prova falsa. Em nossa opinião, dependerá da interpretação que se der sobre os limites da proibição constitucional do uso de prova ilícita.
4 - Anistia, graça e indulto (II)
A anistia, já se disse, é o esquecimento jurídico do ilícito, e tem por objeto fatos
(não pessoas) definidos como crimes, em regra políticos, militares ou eleitorais,
excluindo-se, normalmente, os crimes comuns. A anistia pode ser concedida antes ou depois da condenação e, como o indulto, pode ser total ou parcial. A anistia extingue todos os efeitos penais, inclusive o pressuposto de reincidência, permanecendo, contudo, a obrigação de indenizar. A graça tem por objeto crimes comuns, e dirige-se a um indivíduo determinado, condenado irrecorrivelmente. A atual Constituição Federal, no entanto, não mais consagra a graça, como instituto autônomo, embora continue relacionada no Código Penal em vigor. A iniciativa do pedido de graça pode ser do próprio condenado, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa (art. 188 da LEP). O indulto coletivo, ou indulto propriamente dito, destina-se a um grupo indeterminado de condenados, e é delimitado pela natureza do crime e quantidade da pena aplicada, além de outros requisitos que o diploma legal pode estabelecer.
4.1 - Comutação de penas
Alguns doutrinadores chamam de “indulto parcial” a comutação de pena, que não
extingue a punibilidade, diminuindo tão somente a quantidade de pena a cumprir.
4.2 - Exclusão constitucional
São insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos
(art. 5º, XLIII, da CF e Lei n. 8.072/90).
4.3 - Competência legislativa
A concessão de anistia é de competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 48, VIII, da CF), independentemente da aceitação dos anistiados, e uma vez concedida não pode ser revogada, ao passo que a concessão de graça e indulto é prerrogativa do Chefe do Executivo, que, no entanto, poderá delegar a seus Ministros (art. 84, XII e parágrafo único, da CF).
5 - “Abolitio criminis” (III)
Toda lei nova que descriminalizar o fato praticado pelo agente extingue o próprio
crime e, consequentemente, se iniciado o processo, não prossegue; se condenado o réu, rescinde a sentença, não subsistindo nenhum efeito penal, nem mesmo a
reincidência.
6 - Prescrição, decadência e perempção (IV)
Prescrição — vide anotações aos arts. 109 a 118. Decadência é a perda do direito de ação privada ou do direito de representação, em razão de não ter sido exercido dentro do prazo legalmente previsto. A decadência fulmina o direito de agir, atinge diretamente o ius persecuendi. Vide anotações ao art. 103. Perempção é a perda do direito de prosseguir no exercício da ação penal privada, isto é, uma sanção jurídica aplicada ao querelante pela sua inércia, ou seja, pelo mau uso da faculdade que o Poder Público lhe concedeu de agir, privativamente, na persecução de determinados crimes. Na perempção, o querelante, que já iniciou a
ação de exclusiva iniciativa privada, deixa de realizar atos necessários ao seu
prosseguimento, deixando de movimentar o processo, levando à presunção de
desistência (art. 60 do CPP).
7 - Renúncia e perdão aceito (V)
Renúncia é a manifestação de desinteresse de exercer o direito de queixa, que só
pode ocorrer em ação de exclusiva iniciativa privada, e somente antes de iniciá-la.
Perdão do ofendido consiste na desistência do querelante de prosseguir na ação
penal de exclusiva iniciativa privada. O perdão é ato bilateral e só se completa com
sua aceitação pelo querelado. Vide anotações aos arts. 104 a 106.
8 - Retratação do agente (VI)
Há hipóteses legais em que a retratação exime o réu de pena. Esses casos são os
de calúnia, difamação, falso testemunho e falsa perícia. Pela retratação o agente
reconsidera a afirmação anterior e, assim, procura impedir o dano que poderia
resultar da sua falsidade. A injúria não admite retratação.
9 - Casamento do agente com a vítima (VII)
A Lei n. 11.106/2005, com o declarado objetivo de homenagear a mulher
brasileira, alterando dispositivos considerados discriminatórios na definição de alguns tipos penais no capítulo dos crimes contra os costumes, aproveitou para revogar alguns dispositivos do Código Penal, como o que definia o crime de adultério. Nessa linha, digamos, “honorária”, foi mais longe e aproveitou para revogar duas causas de extinção da punibilidade, esta, ora em exame (art. 107, VII), e a prevista no inciso VIII desse mesmo artigo, pela singela razão de se referirem aos mesmos crimes sexuais. A revogação do inciso VII do art. 107, a nosso juízo, foi equivocada por duas razões fundamentais: a primeira, e mais importante, é que não encerra nenhuma discriminação à mulher, que referido diploma legal pretendeu proteger, ao contrário daqueles dispositivos nos quais, acertadamente, foi suprimida ou alterada a locução “mulherhonesta”; a segunda é que a previsão legal não tem o sentido de discriminarou recomendar o casamento da vítima com seu ofensor, como parece ter entendido o legislador; ao contrário, pretendia apenas oportunizar — se sobrevier casamento entre ofensor e vítima — o afastamento de ação penal facilitando o êxito conjugal da nova relação que se inicia. Seria um contrassenso desejar felicidades aos nubentes que iniciam uma nova vida, separados por uma ação penal, com o risco de uma condenação, sem contar que, de regra, tais — excluídas as infrações praticadas com violência — eram de exclusiva iniciativa da ofendida. Essa solução — equivocada para essa hipótese (inciso VII) — parece-nos adequada para a causa seguinte (inciso
VIII), isto é, quando o casamento da ofendida celebrar-se com outra pessoa que não seu ofensor. Contudo, a revogação dessas causas extintivas da punibilidade não tem efeito retroativo. Na concepção da norma revogada, o casamento da vítima, com a consequente constituição da família, a livrava da desonra e reparava-lhe o mal causado pela conduta delituosa do agente. Ademais, como se tratava, de regra, de ação privada, a convolação de núpcias entre ofensor e vítima implicava o mais completo perdão aceito, além da reparação moral restabelecedora do statu quo ante. Contudo, com o advento da Lei n. 12.015/2009, esse efeito teria desaparecido, com a transformação da ação penal em pública condicionada, nos crimes contra a liberdade sexual ou contra vítima vulnerável.
9.1 - Casamento para evitar pena criminal (art. 1.520 do CC)
Harmonizando-se com o texto anterior do Código Penal, o atual Código Civil, em
seu art. 1.520, prevê que a idade núbil pode ser reduzida (“Excepcionalmente, será
permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para
evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”), pelo
juiz, quando se tratar de vítima de crime sexual. No entanto, como recorda Rogério
Sanches Cunha, perdeu sentido referido dispositivo do Código Civil, que autorizava o juiz cível a reduzir a idade núbil da vítima para casar e evitar pena criminal. Com efeito, o casamento da vítima com o agente, apesar de não mais extinguir a punibilidade (por si só), continuava servindo como renúncia ou perdão da vítima (basicamente, com a mesma consequência de extinção da punibilidade),
considerando que antes da Lei n. 12.015/2009 a ação penal era de exclusiva
iniciativa privada. Dito de outro modo, a previsão do art. 1.520 do Código Civil
tornou-se absolutamente inócua, para fins penais, a partir da vigência da Lei n.
12.015/2009. Valerá somente para evitar a gravidez.
10 - Casamento da vítima com terceiro (VIII)
Esse dispositivo foi revogado pela Lei n. 11.106/2005; contudo, como não tem
efeito retroativo, continuará sendo aplicado nos fatos praticados antes de sua
entrada em vigor, justificando-se a manutenção das considerações que lhe fizemos
oportunamente. Essa previsão tinha a finalidade de proteger a privacidade e a estrutura familiar da ofendida, já que a instauração ou o prosseguimento da ação penal poderiam causar males mais graves do que a impunidade do ofensor. A presente causa extintiva dependia da ocorrência simultânea de três condições:
a) casamento da vítima com terceiro;
b) ausência de violência real ou grave ameaça;
c) inércia da vítima, por mais de sessenta dias, a contar da celebração do casamento.
Assim, essa causa tinha uma regra e duas exceções: o casamento da vítima com
terceiro extinguia a punibilidade, porém, desde que os crimes não tivessem sido
praticados com violência real ou grave ameaça, e que a ofendida, no prazo de
sessenta dias, a contar da celebração do casamento, não tivesse pedido o
prosseguimento da persecução penal.
11 - Perdão judicial (IX)
Entendemos que se trata de um direito público subjetivo de liberdade do
indivíduo, a partir do momento que preenche os requisitos legais.
Como dizia Frederico Marques, os benefícios são também direitos, pois o campo do status libertatis se vê ampliado por eles, de modo que, satisfeitos seus pressupostos, o juiz é obrigado a concedê-los. Ademais, é inconcebível que uma causa extintiva de punibilidade fique relegada ao puro arbítrio judicial.
11.1 - Alguns casos especiais de perdão judicial
No delito de injúria, a lei prevê o perdão judicial quando o ofendido, de modo
reprovável, a provocar diretamente, ou no caso de retorsão imediata; no homicídio e lesão corporal culposos, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Mesmo quando a lei possibilita o perdão judicial “conforme as circunstâncias” ou
“tendo em consideração as circunstâncias” (arts. 176, parágrafo único, e l80, § 3º, do CP), prevê requisito implícito, qual seja, a pequena ofensividade da conduta, que, se estiver caracterizado, obrigará a concessão do perdão.
11.2 - Natureza da sentença concessiva do perdão judicial
A reforma penal de 1984 incluiu-o entre as causas extintivas de punibilidade, e
explicitou na Exposição de Motivos (n. 98) que a sentença que o concede não produz efeitos de sentença condenatória. O acerto da inclusão do perdão judicial no art. 107, IX, não se repetiu ao tentar reforçar no art. 120 a natureza da sentença
concessiva, propiciando a sobrevivência do equivocado entendimento de que se trata de sentença condenatória, que somente livra o réu da pena e do pressuposto da reincidência. A nosso juízo, referida sentença é, simplesmente, extintiva da punibilidade, sem qualquer efeito penal, principal ou secundário.

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