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A MATERNIDADE SUBSTITUTIVA NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A NECESSIDADE DE SUA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA1 Josiane Jung Martins INTRODUÇÃO Uma das realidades mais instigantes na história da humanidade sempre esteve ligada ao ato de gerar seres humanos. A gestação dependia de uma intervenção de Deus, pois o filho não era programado, mas sim, fruto ocasional de ato íntimo e secreto do casal. A concepção e a gestação aconteciam no recôndito do corpo da mulher, considerada quase como um “milagre”. Com o advento das técnicas de Reprodução Humana Assistida, homens e mulheres passam a ter controle sobre a procriação, podendo decidir se querem ou não ter filhos, em que momento os quer gerar, a quantidade de filhos que deseja, o modo como serão gestados e, no futuro até o sexo e as características. Em virtude de tal situação, com o considerável aumento da medicalização da reprodução no Brasil, cada vez mais as pessoas, sobretudo as mulheres, vêm-se submetendo às técnicas de Reprodução Assistida, com a finalidade de assegurar a descendência genética, não refletindo sobre as conseqüências que esse ato pode causar às partes envolvidas. Dessa forma, convém ressaltar que o assunto ora em questão é demasiadamente polêmico, não teve o presente estudo o objetivo de exaurir todas as dúvidas advindas das implicações jurídicas relativas à Reprodução Assistida, especialmente no que tange a Maternidade Substitutiva. Visa-se, portanto, 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pela professora orientadora Marilise Kostelnaki Baú, Professora Marise Soares Correa e Professora Maria Alice Hoffmaister, em 25 de Novembro de 2008. 3 apresentar os problemas jurídicos dessa técnica para que através de estudos e debates alcancemos, um dia a solução mais coerente. 1 BIOÉTICA Devido aos inúmeros avanços técnicos e científicos, principalmente no campo da biomedicina, presenciamos um grande crescimento de consciência ética em relação a essa nova realidade. O ser humano começa a descobrir que essa nova “tecnologia” nem sempre proporciona efeitos benéficos para as pessoas e para a sociedade. A evolução das ciências biológicas (engenharia genética, técnicas de reprodução humana, transplantes de órgãos, intervenção em estados intersexuais, etc.) e o desenvolvimento tecnológico da medicina apresentam novos desafios que a tradicional ética médica não consegue mais responder.2 Assim, surge a Bioética como um estudo ordenado das ciências da vida e da saúde, construindo consensos sobre limites da prática médica e científica. Sendo assim, não há dúvida que este tema tenha repercussões na esfera familiar, na conduta individual e coletiva, atingindo toda a humanidade, provocando perplexidade, mas também esperança. Na análise de Joaquim Clotet, em sua obra “Bioética – uma aproximação”, este neologismo encontra-se conceituado como3: A Bioética é uma ética aplicada que se ocupa do uso correto das novas tecnologias na área das ciências médicas e da solução adequada dos dilemas morais por elas apresentados. Trata-se, portanto, de um ramo específico da filosofia moral com características próprias. Desse modo, a Bioética é entendida como “a expressão crítica do nosso interesse em usar convenientemente os poderes da medicina para conseguir um 2 JUNGES, José Roque. Bioética: Perspectivas e desafios. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999. p.10. 3 CLOTET, Joaquim. Bioética: Uma Aproximação. 2ª edição. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 33. 4 atendimento eficaz dos problemas referentes à vida, saúde e morte do ser humano.4” Valendo-se dessa perspectiva, Joaquim Clotet ainda afirma: “Bioética é uma disciplina que auxilia resolver, de forma adequada ou eticamente correta, uma situação de conflito na área da saúde para a qual não existe uma solução predeterminada, dependendo esta dos princípios éticos que lhe servirão de base ou que a fundamentarão.5” Encontramos a denominação do termo Bioética na Encyclopedia of Biethcs: “Bioética é o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais 6”. 1. 2 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA 1. 2. 1 Princípio da Autonomia O Princípio da Autonomia incide sobre a liberdade individual, ou seja, entende-se que cada pessoa possui discernimento sobre o que é melhor para si, isto é tem capacidade de tomar suas próprias decisões e decidir o que é bom ou mal para si próprio.7 Este princípio estabelece um respeito à autoridade para o controle de si, porém, para que muitas ações autônomas possam ser exercidas é necessária a cooperação material de outros que tornem as opções acessíveis, ou seja, este respeito obriga profissionais de diversas áreas a auxiliarem e encorajarem as 4 CLOTET, Joaquim. Bioética: Uma Aproximação. 2ª edição. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 22. 5 Ibid., p. 183. 6 Encyclopedia of Bioethics, vol. I, p. XIX. 7 ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. p. 06. 5 pessoas a tomarem as decisões mais adequadas, esclarecendo questões e revelando informações necessárias.8 Segundo Silvia da Cunha Fernandes “o livre consentimento do paciente, em decorrência de sua completa informação é a base do respeito a esse princípio”. Cada indivíduo tem a liberdade de escolher seu próprio destino, tomando a decisão que melhor lhe couber. Esta capacidade que homem tem de se autodeterminar está ligada ao principio da Autonomia. Assim, todo o ser humano deve ser tratado de forma igual.9 1. 2. 2 Princípio da Não-Maleficência O Princípio da Não-Maleficência “determina uma obrigação de não causar dano intencionalmente”. Na ética médica, ele esteve intimamente associado com a máxima “Primun non nocere” (Acima de tudo não causar dano),10 isto significa que jamais se deve praticar algum mal ao paciente. As obrigações de não-maleficência são obrigações de não causar danos, contudo, não são raras as vezes que o agente causador do dano o faz sem uma intenção maldosa, portanto, não possuía a intenção produzir tal dano.11 De acordo com Aline Mignon de Almeida, e este princípio nos dá a garantia de que danos previsíveis serão evitados,12 ou seja solicita que intencionalmente nos abstenhamos de praticar ações que causem danos a terceiros.13 8 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. [tradução Luciana Pudenzi]. Princípios da Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola. 2002. p. 145. 9 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 13. 10 Ibid., p. 209. 11 Ibid., p. 215. 12 ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. p. 08. 6 1. 2. 3 Princípio da Beneficência De acordo com a moral e a ética, devemos não apenas tratar as pessoas como autônomas ou que nos abstenhamos de prejudicá-las, mas também, que façamos o bem para o outro. O Princípio da Beneficência exige mais que o princípio da não-maleficência,uma vez que, para o agente é mais simples não fazer o mal a todos (abster-se de realizar atos nocivos) que fazer o bem a todos (tomar atitudes positivas para ajudar a todos). Na linguagem coloquial a palavra “beneficência” significa atos de compaixão, bondade, caridade, ou seja, diz respeito a uma ação realizada em benefício de outros.14 Segundo Tom. L. Beuchamp e James F. Childress o princípio da beneficência atribui à obrigação de atuar em benefício de outros. “Muitos atos de beneficência não são obrigatórios, mas o Princípio de Beneficência afirma a obrigação de ajudar outras pessoas promovendo seus interesses legítimos e importantes.” 15 1. 2. 4 Princípio da Justiça De acordo com os autores Tom L. Beauchamp e James F.Childress, em sua obra “Princípios de ética biomédica”, o conceito do vocábulo “justiça” é entendido como “[...] um tratamento justo, eqüitativo e apropriado, levando em consideração aquilo que é devido às pessoas”.16 O Princípio da Justiça regula que a justiça deve ser distributiva, ou seja, que todos são iguais perante a lei (artigo 1º, Constituição Federal de 1988). Assim, todas as pessoas devem ser tratadas de forma idêntica, sem distinção, da cor, raça, sexo ou idade.17 13 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. [tradução Luciana Pudenzi]. Princípios da Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola. 2002. p. 214. 14 Ibid., p. 282. 15 Ibid., p. 282. 16 Ibid., p. 352. 17 ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. p. 08. 7 Na área médica, por exemplo, “todos devem ter acesso aos procedimentos médicos necessários, independentemente de sua situação econômica18”. De modo que, Joaquim Clotet, em sua obra “Bioética – uma aproximação” relaciona os princípios bioéticos19: Assim como o princípio da autonomia é atribuído, de modo geral, ao paciente, o da beneficência ao médico, o da justiça pode ser postulado, além das pessoas diretamente vinculadas à prática médica (médico, enfermeira e paciente), por terceiros, como poderiam ser as sociedades para a defesa da criança, em defesa da vida, ou grupos de apoio à prevenção da AIDS, cujas atividades e reclamações exercem uma influência notável na opinião pública através dos meios de comunicação social. Dessa forma, a Bioética deverá estar sempre embasada em princípios básicos, que devem sempre ser analisados quando se pretende uma abordagem ética de assuntos relacionados à vida e saúde do ser humano.20 1. 3 CONSENTIMENTO INFORMADO O conceito de Consentimento Informado é consideravelmente vago, pois é um processo que acontece no decorrer do tempo, não podendo ser reduzido a uma mera decisão tomada em conjunto; portanto analisa-se tal consentimento em relação a duas concepções distintas. No primeiro sentido, o Consentimento Informado “é uma autorização autônoma dada por indivíduos para uma intervenção médica ou um envolvimento numa pesquisa”. Neste sentido, a simples concordância da pessoa envolvida não é suficiente, é necessário, portanto uma autorização por meio de um ato de Consentimento Informado e voluntário. No segundo sentindo, analisam-se as regras sociais de consentimento nas instituições que necessitam 18 ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. p. 08. 19 CLOTET, Joaquim. Bioética: Uma Aproximação. 2ª edição. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 25. 20 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005. p. 12. 8 obter consentimento legalmente válido para pacientes antes de proceder com o tratamento.21 Assim, de acordo com Joaquim Clotet, o “exercício do Consentimento Informado envolve uma relação humana dialogante, o que elimina uma atitude arbitrária ou prepotente por parte do médico”. Esta atitude do médico revela a valorização do paciente como ser autônomo e merecedor de respeito.22 Conforme a Professora ME. Marisile Kostelnaki Baú, o “Consentimento Informado é a decisão voluntária do paciente ou sujeito de uma pesquisa biomédica para se submeter ao tratamento ou à pesquisa após ter tomado conhecimento dos riscos e benefícios dos mesmos23” 2 A EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SEUS ASPÉCTOS MÉDICOS O desejo de ter filhos é inerente à natureza humana, porém, quando este desejo é frustrado, não sendo possível de ser realizado naturalmente, recorre-se à procriação medicamente assistida.24 Devido aos inúmeros avanços das técnicas científicas colocadas à disposição pela ciência médica, presenciamos que a Reprodução Artificial vem sendo utilizada para realizar o desejo que o ser humano (estéril) tem de ter filhos, uma vez que tais 21 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. [tradução Luciana Pudenzi]. Princípios da Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola. 2002. p. 163. 22 CLOTET, Joaquim. Bioética: Uma Aproximação. 2ª edição. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 89. 23 BAÚ, Marilise Kostelnaki. Relevância Jurídica do Consentimento Informado Prestado por Representação Legal e Convencional. In: GAUER, José Chittó; ÁVILA, Gerson Antônio de e ÁVILA, Gustavo Noronha de. Ciclo de Conferências em Bioética I. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2005. p. 112. 24 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995. p. 146. 9 técnicas possibilitam que uma nova vida seja gerada sem relação sexual, fato inverso da concepção natural. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) é considerado infértil o casal que tenta conceber um filho, através do método natural, durante dois anos. A partir do momento em que a esterilidade é comprovada, são realizados exames com o intuito de encontrar qual o tipo de problema que o casal possui, para enfim, decidir qual a técnica de Reprodução Assistida mais adequada para o caso.25 Atualmente, existem diferentes técnicas de Reprodução Humana disponíveis para quase todos os tipos de esterilidade, tais como a doação de esperma no caso do marido ou companheiro não ter espermatozóides, ou os ter em número insuficiente; havendo ausência de óvulos, pode ser utilizada a doação de óvulos por outra mulher, que serão fecundados in vitro pelo esperma do marido ou companheiro da mulher estéril, ou ainda, caso o útero não tem condições de gerar, pode-se recorrer a Maternidade de Substituição (grifo nosso)26. Assim, quando o desejo de ter filhos é frustrado, o casal passa por difíceis períodos, nem sempre levando a um final feliz, pois a angústia e o fracasso no projeto de maternidade ou paternidade afetam não só a relação do casal, mas também a relação com a sociedade que impõe padrões de comportamento com seus conhecimentos, crenças antigas e tradições que geraram o mito de esterilidade.27 Veremos em detalhe cada uma das técnicas de Reprodução Humana Assistida, em especial aquela que é objeto da pesquisa em destaque; contudo primeiramente vamos entender como ocorre, do ponto de vista biológico e médico, a concepção natural. 25 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua RegulamentaçãoJurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 20. 26 Ibid., p. 25. 27 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995. p. 23. 10 2. 2 O INÍCIO DA VIDA HUMANA Na Reprodução Humana estão envolvidas as células sexuais ou germinativas (gametas) femininas e masculinas, as quais são denominadas, respectivamente, óvulos e espermatozóides. No período fértil da mulher, uma forma primária do óvulo, chamada ovócito secundário, é liberada do seu órgão de origem, o ovário, seguindo em direção ao útero pela tuba uterina. Os espermatozóides são formados nos testículos. Em condições normais, a fecundação ocorre quando um espermatozóide viável encontra o ovócito secundário num local maior e mais dilatado da tuba uterina, chamado de ampola.28 A fertilização é uma complexa seqüência de eventos moleculares coordenados que se inicia com o contato entre um espermatozóide e um ovócito e termina com a mistura dos cromossomos maternos e paternos formando, assim, o zigoto. O processo de fertilização leva em torno 24 horas. O passo inicial, após o encontro dos gametas, é o acesso do espermatozóide no ovócito. Esse processo estimula o término do desenvolvimento do ovócito secundário transformando-o em óvulo. Dentro dessa célula recém formada, há a união dos núcleos dos dois gametas formando o zigoto, organismo único cuja carga genética advém metade do pai e a outra da mãe. O zigoto realiza uma atividade intensa de divisão celular, denominada clivagem, a qual inicia cerca de trinta horas após a fertilização. Este evento dá origem aos blastômeros, células menores e geneticamente idênticas. Quando já existem 12 a 32 blastômeros, o ser humano em desenvolvimento é chamado de mórula, que se forma cerca de três dias após a fertilização e alcança o útero. No quarto dia após a fertilização, a mórula torna-se um organismo cavitário denominado blastocisto. Cerca de 48 horas depois, este organismo, que até então estava flutuando na cavidade uterina, adere-se ao endométrio (tecido amplamente vascularizado que reveste internamente o útero), fazendo a nidação.29 28 MOORE, Keith L., PERSAUD, T.V.N. [tradução: Maria das Graças Fernandes Sales]. Embriologia Clinica. Rio de Janeiro: Editora Elsevier. 2004 – 2ª reimpressão. p. 32. 29 Ibid., p. 40. 11 É a partir da implantação do blastocisto no útero que tem início a gravidez, pois é só a partir de então que começam a ocorrer no organismo feminino as transformações hormonais que determinam o estado gravídico. Cumpre salientar que, apesar de ser a fecundação o ponto inicial do desenvolvimento do ser humano até a fase adulta, somente a nidação garante a viabilidade e sobrevivência do embrião.30 2. 3 DESCRIÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA As técnicas de Reprodução Humana Assistida, abaixo detalhadas foram desenvolvidas para suprir alguma falha no processo acima descrito, ressaltando-se que o respeito à dignidade da pessoa humana em qualquer intervenção científica neste campo é essencial. 2.3.1 Inseminação Artificial O vocábulo “inseminação” originou-se da expressão latina “inseminare”, de “in” (significa dentro) e “seminare” (significa semente).31 A Inseminação Artificial significa a união do espermatozóide ao óvulo por meios diferentes ao procedimento natural, que tem por fim a gestação, substituindo ou facilitando alguma fase deficiente na reprodução normal. 32 Faz-se uma separação entre Inseminação Artificial Homóloga e Heteróloga: 30 MOORE, Keith L., PERSAUD, T.V.N. [tradução: Maria das Graças Fernandes Sales]. Embriologia Clinica. Rio de Janeiro: Editora Elsevier. 2004 – 2ª reimpressão. p. 44. 31 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995.p. 38. 32 FERNÁNDEZ, Javier Gafo [tradução: Maria Luisa Garcia Prada]. 10 Palavras Chave em Bioética: Bioética, Aborto, Eutanásia, Pena de Morte, Reprodução Assistida, Manipulação Genética, AIDS, Drogas, Transplantes de Órgãos, Ecologia. São Paulo: Editora Paulinas. 2000. p. 148. 12 a. Inseminação Artificial Homóloga Pode-se entender “homóloga” como auto-inseminação, ou seja, quando a mulher é inseminada com sêmen do próprio marido. Com essa técnica, quando o óvulo está pronto para ser fertilizado, o médico introduz o espermatozóide já colhido, do marido ou companheiro, no útero da mulher através de injeção do líquido seminal.33 b. Inseminação Artificial Heteróloga ou Exogâmica Entende-se por heteróloga a inseminação que é feita em mulher casada com sêmen de terceiro que não o seu próprio marido, ou ainda, em mulheres que não são casadas. Este técnica depende diretamente da ocorrência de um terceiro sujeito, ou seja, o doador. Assim, o consentimento do casal é necessário, pois o líquido seminal a ser injetado não será do marido ou companheiro, e sim de um doador fértil.34 A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1358/1992, em seu artigo 7º da Seção IV – Doações de Gametas ou Pré-embriões dispõe: “Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de Reprodução Assistida.” No que se refere ao risco de consangüinidade, assim estabelece a Resolução em seu artigo 5º da Seção IV – Doação de Gametas ou Pré-embriões: “Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes” 33 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995. p. 40. 34 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 30. 13 2.3.2 Fertilização In Vitro De acordo com Eduardo de Oliveira Leite a fertilização in vitro pode ser entendida como: “Técnica capaz de reproduzir artificialmente o ambiente onde a fertilização ocorre naturalmente até que o embrião é transferido para o útero35”. Esta técnica reproduz artificialmente o material genético do homem e da mulher num tubo de ensaio, além do ambiente próprio para a fertilização até a transferência para o útero materno. A técnica consiste em misturar óvulo e sêmen dentro de uma proveta com o objetivo de alcançar a fecundação. Observa-se, neste caso, que o sêmen pode ser do marido/companheiro ou não. O desenvolvimento do embrião se dará no útero da mulher após a transferência.36 3 DA MATERNIDADE SUBSTITUTIVA NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A NECESSIDADE DE SUA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA A expressão “útero (ou barriga) de aluguel”, como é coloquialmente denominada, pode receber outras designações como “gestante alternativa, mãe sub- rogada, mãe substituta, mãe hospedeira, mãe suporte, mãe de aluguel, mãe de empréstimo, ama de ventre e ama de sangue”.37 Nesta pesquisa é adotada a terminologia “maternidade substitutiva”, porque se entende ser a mais adequada, uma vez que, a mulher que gesta a criança em seu ventre sabe que aquela não lhe pertencee, logo após o nascimento, deverá entregar o bebê aos pais que solicitaram tal procedimento, portanto, ela “substitui” a mãe biológica no período gestacional, já que esta está impossibilitada de fazê-lo ou aquela que não é a biológica, mas é mentora da gestação com o intuito de ser a mãe. 35 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995. p. 41. 36 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 32. 37 BARBOZA, Heloisa Helena. A Filiação em Face da Inseminação Artificial e da Fertilização “in vitro”. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 1993. p. 87 14 A Maternidade Substitutiva “ocorre quando uma mulher concorda em ser inseminada artificialmente, ou receber embriões transferidos, com a compreensão de que a criança que irá gestar, ao nascer será criada pelas pessoas que propuseram este procedimento.”38 Assim, a mãe de substituição, durante um determinado período, carrega em seu ventre uma criança para outra mulher. Findado o prazo (gravidez), aquela que gestou o bebê em seu útero, e assim o alimentou, entregará a criança à mulher que solicitou o procedimento e espera ansiosamente aquela criança. “Se a mulher solicitante forneceu o óvulo, será mãe genética; se foi a mãe de substituição quem forneceu também o óvulo, será esta mãe genética e geradora, ao mesmo tempo.” O pai genético ou biológico, por sua vez, pode ser o marido ou companheiro da mulher solicitante, bem como, um doador anônimo.39 Nesta técnica requer-se a presença de uma terceira pessoa na relação para assegurar a gestação quando o útero materno não desenvolve normalmente o óvulo fecundado ou quando a gravidez pode apresentar risco para a mãe genética. Para a realização da gravidez por substituição, é necessária a utilização de Inseminação Artificial e Fecundação in vitro, que fecundam o óvulo da mãe biológica (ou até mesmo da mãe substituta) com o espermatozóide do pai biológico (que também pode ser doador anônimo), eliminando, assim, a necessidade do ato sexual. As possíveis causas necessárias para adotar a técnica da mãe de substituição são: “infertilidade vinculada a uma ausência (congênita ou adquirida) de útero, uma patologia uterina de qualquer tratamento cirúrgico, ou contra-indicações médicas a uma eventual gravidez”. Não importa a causa, uma anomalia de nascença ou a conseqüência de um problema grave descoberto na idade adulta que provocou o “problema” no útero, a sanção para a mulher é severa: absoluta impossibilidade de levar a termo uma gestação.40 38 GOLDIM, José Roberto. A Maternidade Substitutiva. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/matersub.htm. Acesso em 28.04.2008. 39 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 96. 40 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995. p. 67. 15 Uma das primeiras notícias de realização dessa técnica ocorreu nos Estados Unidos, no Texas, em 1980. O casal Andy e Nancy, da Califórnia, desejava ter um filho, mas não o conseguiam. Eles obtiveram a notícia que uma senhora, Carol Pavek, que era casada, aceitava realizar este tipo de procedimento, e contataram-na para gerar seu bebê, que foi fecundado in vivo, com sêmen de Andy, utilizando-se apenas uma seringa. O procedimento foi feito na casa de Carol, que após o nascimento entregou a criança para o casal e posteriormente teve outra gestação para outro casal.41 Em New Jersey, nos Estados Unidos, em 1988, ocorreu o conhecido caso do “Baby M” – um casal, Sr. e Sra. Stern, contrataram uma mulher, casada com um enfermeiro e mãe de duas crianças, Sra. Whitehead, que lhe foi paga o valor correspondente à dez mil dólares mais despesas diversas para que ela gestasse em seu útero o filho do casal Stern. Entretanto, após o nascimento da criança, por razões que a natureza não consegue explicar, o instinto materno da Sra. Whitehead falou mais alto, e ela recusou-se a entregar a criança, levado o caso a julgamento. O juiz Sorkow concedeu a guarda ao Sr. e Sra. Stern e, em sua sentença, utilizou-se de duas fundamentações: validade do contrato de “locação de útero” estabelecido entre as partes e melhor interesse da criança com melhores condições para sustento e educação do menor -. Cabe salientar que, o Tribunal de New Jersey jamais seguiu a mesma orientação que tal decisão.42 Até o nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, em 1978, a maternidade era demonstrada e provada pelo parto. “A mãe genética era a mãe gestacional e a mãe legal. Ninguém mais era biologicamente possível e legalmente necessária”.43 Esta foi a primeira referência deste novo momento, uma verdadeira 41 GOLDIM, José Roberto. A Maternidade Substitutiva. In: http://www.ufrgs.br/bioetica/matersub.htm. Acesso em 28.04.2008. 42 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1995. p. 187. 43 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. In: LEITE, Eduardo Oliveira (coord). Grandes Temas da Atualidade: DNA Como Meio de Prova da Filiação. Aspectos Constitucionais, Civis e Penais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2002. p. 211. 16 revolução, representando a possibilidade técnica de trazer soluções para um antigo problema, o de não ter filhos.44 A partir da entrevista45 concedida pela Dra. Mariângela Badalotti46, do Centro de Medicina Reprodutiva – FERTILITAT, localizado no Hospital São Lucas da PUCRS, a médica expôs três “normas” básicas para realização de um procedimento de Reprodução Assistida, neste caso, da Maternidade Substitutiva. Primeiramente é necessária uma indicação médica determinando a impossibilidade de gestar, neste caso, incapacidade física da mulher, ou seja, insuficiência ou inexistência de útero. É necessário que a mãe de substituição não sofra nenhuma coação, assim deve haver uma avaliação emocional de todas as partes envolvidas no procedimento. A Dra. Mariângela destaca que a filosofia da FERTILITAT é que a futura criança seja concebida num ambiente de amor e afeto e seja realmente fruto de um projeto parental sério. Por fim, todo o procedimento de Reprodução Humana Assistida deve seguir as normas do Conselho Federal de Medicina nº 1358/92. No entanto, a Maternidade Substitutiva vem causando grandes polêmicas e dúvidas; assim, cabe ressaltar que tal técnica tem abalado os institutos jurídicos fundamentais do Estado Democrático de Direito, tais como o Direito Contratual e o Direito de Família. 3.1 DO CONTRATO DE GESTAÇÃO Um grande problema acerca deste tema diz respeito à segurança dos “encomendantes” em relação a entrega da criança, uma vez que de acordo com a legislação brasileira, em conformidade com os artigos 185 e 104, ambos do Código Civil de 2002, e ainda conforme o artigo 82 do Código Civil de 1916, “deve ser objeto de contrato coisas móveis ou imóveis licitas e possíveis”. Considerando que a vida é 44 LEWICKI, Bruno Costa. O Homem Construível In: BARBOZA, Heloisa Helena e BARRETTO,Vicente de Paulo. Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2001. p. 99-154. 45 Entrevista realizada no dia 29/10/2008 no Consultório da Dra. Mariângela Badalotti na Clínica FERTILITAT. 46 Médica Ginecologista e Embriologista, professora da faculdade de Medicina da PUCRS e Diretora do Centro de Medicina Reprodutiva FERTILITAT. 17 um direito indisponível, não pode ser comercializável e, portanto não pode ser objeto de contrato.47 Em alguns países, existe a possibilidade de que esta relação possa ter caráter comercial, para assegurar que a criança, ao nascer, não terá contato com a mãe gestacional, assim a “mãe de aluguel” recebe, mediante um contrato, uma remuneração pelo período em que estiver gestando o bebê, além dos gastos extras e tratamento médico.48 De acordo com o autor Ferrando Mantovani, a prática da Maternidade de Substituição constitui ofensa à dignidade da mãe e da criança, pois ofende a dignidade da mulher, porque a locação do útero descaracteriza o desenvolvimento da maternidade e reduz a mulher a mero organismo reprodutor. Ainda fere a dignidade da criança nascida, pois é considerado como “res comerciável”, estando assim sujeito à comercialização e estipulação de valores, quando bem sabemos que a vida é bem indisponível, não podendo ser comerciável.49 Quanto ao contrato de gestação, o autor Silvio de Salvo Venosa entende que, na ausência de normas, um contrato oneroso dessa espécie deve ser considerado nulo, uma vez que é imoral o seu objeto e a obrigação decorrente deste contrato, quando muito, pode ser considerada como uma obrigação natural. Assim, o autor entende que tal pacto deveria ser feito de forma gratuita para não ferir a moral e os bons costumes, bem como para solucionar problemas de infertilidade da mulher. Acrescenta ainda que “o Código de ética Médica passou a admitir a prática desde que os participantes estejam esclarecidos.” 50 47 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 98. 48 GOLDIM, José Roberto. A Maternidade Substitutiva. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/matersub.htm. Acesso em 28.04.2008. 49 MANTOVANI, Ferrando. Principi di Diritto Penale. Padova: CEDAM. 2002. p. 234. 50 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. Quinta Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005. p. 264. 18 De acordo com a autora Silvia da Cunha Fernandes, o procedimento ora mencionado apresenta-se hostil às mães de substituição, uma vez que existe uma terceira pessoa interferindo na relação íntima do casal. A autora afirma que a utilização de tal técnica parece “extremamente excessiva e pouco louvável” para justificar o desejo de ter um filho, pois a gravidez que ocorre por uma terceira pessoa, estranha ao casal, apresenta-se contrária aos ensinamentos éticos pautados na vida em sociedade. “Não parece condizente com a dignidade humana que uma mulher utilize seu útero como incubadora para a criança de outra mulher”.51 Alguns autores entendem que este procedimento se equipara a aluguel temporário de órgãos, bem como um novo “tipo” de prostituição, quando se comercializa parte do corpo da mulher.52 Dessa forma, em se tratando de comércio de parte do corpo humano, na Maternidade Substitutiva, o simples fato da utilização se dar no corpo da mulher, sem destaque do órgão (neste caso, útero), já seria motivo relevante para não ser admitida qualquer negociação do corpo, como afirma Pontes de Miranda que nenhum negócio jurídico pode-se dar tendo como objeto parte do corpo humano, sem que antes dele esteja separado.53 Além disso, a Constituição Federal pôs fim ao comércio de órgãos quando, em seu artigo 199, § 4º diz: Art. 199, § 4º: “A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. (grifo nosso) 51 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 101. 52 GOLDIM, José Roberto. A Maternidade Substitutiva. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/matersub.htm. Acesso em 28/04/08. 53 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Bens. Fatos Fatos Jurídicos. Atualizado por: Vilson Rodrigues Alves. Tomo II. 1ª Edição. Campinas – SP: Editora Bookseller. 2000. p. 40. 19 A contrário sensu, Caio Mário da Silva Pereira afirma que uma das formas que exprimem o direito do indivíduo diz respeito a sua integridade física, sendo esta um complemento do poder de si próprio. Assim, seria perfeitamente admissível a alienação da parte do corpo suscetível de regeneração, como exemplo, o cabelo pode ser comercializado.54 Contudo, o Conselho Federal de Medicina orienta que é autorizada a Maternidade Substitutiva desde que a doadora temporária de útero seja da família daquela que não pode gerar o próprio filho, em parentesco até segundo grau, descaracterizando, portanto, a possibilidade de “contrato de útero”, tendo em vista a solidariedade e a relação de afeto existente entre pessoas da mesma família, evitando qualquer possibilidade de interesse lucrativo. A Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, dispõe em seu artigo 1º, da Seção VII: Art. 1º: “As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina 55 .” No Brasil, em 2007, em Recife, tivemos um caso de Maternidade Substitutiva realizada por parente de até segundo grau, no qual a avó materna, Rosinete Serrão, gestou os “filhos-netos” (gêmeos) para a filha Cláudia Michele que por alguma deficiência uterina não podia gestá-los. O médico responsável, Dr. Cláudio Ribeiro, realizou tal procedimento em sua clínica, e este caso, cabe salientar, é inédito no mundo, uma vez eu não há registro de gêmeos gerados pela mãe gestacional. A doutrina admite a cessão temporária de útero quando se tratar de empréstimo sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente até segundo grau, ou seja, mãe, avó, neta ou irmã daquela que deseja o filho, porém, também tem se 54 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1999. p. 49. 55 BARBOZA, Heloisa Helena. A Filiação em Face da Inseminação Artificial e da Fertilização “in vitro”. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 1993. p. 87 20 admitido que as parentes por afinidade, tais como, sogra ou cunhada, podem ceder o útero.56 Em Uberlândia/Minas Gerais, em 2004, nasce Bianca filha de Veridiana do Vale Menezes (que nasceu sem útero, mas ovulava normalmente) e Fabiano Sales de Menezes. Devido ao fato da mãe biológica ser impossibilitada de gestar o próprio filho, a sogra (mãe de Fabiano), num ato de amor e altruísmo, gesta o embrião em seu útero. Procedimento este realizado pelo ginecologista João Pedro Junqueira Caetano. (ver anexo 02) Assim, conforme afirma José Roberto Goldim, no Brasil existe a obrigatoriedade de vínculo familiar entre a mãe gestacional e a mãe social, estabelecida pela Resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1358 de 1992, que é a únicadiretriz nacional a este respeito. Esta Resolução tem por finalidade manter este procedimento entre pessoas previamente ligadas, ou seja, da mesma família, eliminando a possibilidade de exploração comercial.57 Quanto à maternidade, Silvio de Salvo Venosa entende que “mãe é aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma que o estado de família é irrenunciável e não admite transação.” 58 3. 2 DA FILIAÇÃO Analisaremos uma questão que vem tendo grande controvérsia no Direito de Família, a filiação face às novas técnicas de reprodução humana assistida, uma vez que, a partir desse momento, há o desmembramento de idéias até então inseparáveis – a relação sexual e a concepção. 56 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2005. p. 340. 57 GOLDIM, José Roberto. A Maternidade Substitutiva. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/matersub.htm. Acesso em 28.04.2008. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. Quinta Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005. p. 264. 21 De acordo o autor Sílvio de Salvo Venosa “Filiação é o status familiae, que exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram”.59 No mundo Ocidental, toda a relação de parentesco se embasava na presunção de paternidade ligada ao casamento, porém, em decorrência da evolução científica e tecnológica, esta presunção foi dando lugar à filiação biológica. Acontece que, com o advento das procriações por métodos artificiais, toda essa conjectura foi alterada, uma vez que a verdade biológica não mais se sobrepõe à verdade afetiva. Assim, apesar do vínculo biológico que liga pais e filhos ser um fator relevante, diante das novas técnicas de Reprodução Humana Assistida, torna-se necessária a criação de novos conceitos de maternidade e paternidade.60 O novo Código Civil brasileiro, lei nº 10.406/2002, tentou adequar-se ao “novo direito de família” apresentado pela atual realidade – evolução das técnicas de Reprodução Humana Assistida - quando em seu artigo 1.597 estende a presunção de filiação aos filhos nascidos por fecundação artificial homóloga e heteróloga, bem como aos embriões excedentes. Maria Berenice Dias em sua obra “Manual do Direito das Famílias” afirma: 61 A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina de proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias aos filhos nascidos ou não na relação de casamento e aos filhos havidos por adoção. Em virtude dos conceitos de família então vigentes, o elemento socioafetivo da filiação vem tomando grande importância. O aspecto afetivo passa a prevalecer ao biológico, uma vez que, “a família passa a ser vista como um elo de amor, afeto e 59 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. Quinta Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005. p. 244. 60 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 96. 61 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2005. p. 328. 22 carinho”, assim, tais características têm assumido o papel principal para o estabelecimento dos vínculos de filiação. Como afirma o autor Fabrício Silveira Barros “o ato de ser pai não se limita à procriação, mas exige amar, compartilhar, cuidar, construir uma vida juntos.” Assim, se a procriação é apenas um dado, a verdadeira relação entre pais e filhos – a socioafetiva – exige mais que apenas laços sanguíneos.62 Essas alterações no sistema vigente se dão a partir dos novos vínculos de parentalidade, levando o surgimento de novos conceitos, tais como filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo. Assim, a filiação passou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo que liga as pessoas de uma mesma família. “A identificação dos vínculos de parentalidade não pode ser mais encontrada exclusivamente no campo genético”. Portanto, não se pode mais afirmar que pai é aquele que cedeu o espermatozóide ou mãe é aquela que cedeu o útero.63 Defendendo a idéia da paternidade socioafetiva, o autor Fabrício Silveira Barros afirma64: Tendo em foco a nova concepção de família, percebe-se que a efetiva relação paterno-filial requer mais que a natural descendência genética atribuindo relevância aos laços afetivos. E para a completa integração do fenômeno paternidade não basta que o pai seja apenas o pai biológico, na família atual é fundamental a presença do elemento afetivo, valorizando o pai de afeto, para poder finalmente construir-se a paternidade jurídica. Para o direito, até então, “a maternidade era tida certa e determinada pelo notório fato de que a criança era filha da mãe de cujo ventre havia nascido”, sendo declinado o conceito de maternidade de acordo com o princípio “mater semprer certa est” (maternidade sempre certa está).65 62 BARROS, Fabrício Silveira. O Interesse da Criança Como Paradigma da Filiação Socioafetiva. In: BRAUNER, Maria Claudia Crespo. (Coord.). O Direito de Família: Descobrindo Novos Caminhos. São Leopoldo: Edição da Autora. 2001. p. 215 63 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2005. p. 330. 64 BARROS, op. cit. p. 221. 65 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 96. 23 Em tempos passados, como já fora mencionado anteriormente, a maternidade era sempre tida como certa, ou seja, a mulher que gestava a criança era a mãe da mesma, porém com os avanços tecnológicos e a utilização de técnicas de Reprodução Humana Assistida, como a Maternidade por Substituição, a certeza quanto à maternidade apresenta-se abalada, tendo em vista que “a mãe pode ser a que esteja gestando o filho, pode ser a que forneceu o óvulo para fecundação ou ainda, a que recebeu o óvulo de uma terceira pessoa e que contratou a barriga de substituição para gestá-lo”66. Portanto, a mãe era sempre a mãe biológica e aquela que dava a luz a criança, contudo, com o avanço das técnicas de Reprodução Assistida, atualmente a mãe de substituição pode não ter nenhuma ligação genética com a criança que está gestando.67 Ora, diante da nova situação apresentada, o conceito de maternidade deve sofrer adaptações para se adequar a nova realidade. Eduardo Oliveira Leite, em sua obra “Direito Civil aplicado – Direito de Família” afirma que o parâmetro até então entendido como dominante – o suporte biológico – se inverte radicalmente passando a ser entendido sobre um suporte psicossocial e afetivo.68 José Roberto Moreira Filho afirma que “a mãe será aquela que assumiu e levou adiante o sonho da maternidade ao recorrer até mesmo a estranhos para que sua vontade fosse satisfeita”. Assim, o autor confirma sua posição dizendo que a mãe de substituição “é apenas a hospedeira daquele ser gerado sem a contribuição de suas células germinativas”.69 66 MOREIRA FILHO, José Roberto. O Direito Civil em Face das Novas Técnicas de Reprodução Assistida. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2747.Acesso em 26.06.2008. 67 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 96. 68 LEITE, Eduardo Oliveira. Direito Civil Aplicado – Direito de Familia. Volume 5. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 204 69 MOREIRA FILHO, op. cit. 24 Assim, a paternidade ou maternidade não mais pode ser definida pelo simples ato da procriação, é preciso haver laços de afetividade. De tal forma, a verdadeira paternidade, não se presume pelo nascimento, e sim pelo amor, carinho, cuidados e convívio entre pais e a criança nascida. “O direito de ser pai se funda na liberdade de escolha, no querer, de forma que aquele que gerou não é necessariamente o que mais ama, podendo a paternidade de afeto se estabelecer em relação a uma terceira pessoa.” 70 De acordo com José Roberto Moreira Filho, podemos definir a filiação concebida por reprodução humana assistida, “tanto pelo aspecto biológico quanto pelo aspecto afetivo, levando-se em consideração sempre o melhor interesse da criança71”. A Autora Silvia da Cunha Fernandes, diz que a verdadeira filiação dos dias atuais é aquela ligada ao afeto que une pais e filhos, independentemente da origem genética destes. “A filiação está solidificada na vontade do casal de ter um filho, mesmo que a natureza lhe tenha negado essa possibilidade”.72 Ainda sob o aspecto da paternidade/maternidade socioafetiva, encontramos a adoção como uma situação que permite separar o ato da procriação com o ato da maternidade em si, ou seja, a adoção se caracteriza por ato de opção e escolha que estabelece “laços jurídicos perpétuos de filiação”, como se vê determinado na Subseção IV (artigos 39 a 52) do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no Subtítulo II, Capitulo IV (artigos 1.618 a 1.629) do Código Civil, os quais regulamentam a adoção. Dessa forma, “o que determina a verdadeira filiação não é a descendência genética, e sim os laços de afeto que são construídos, em especial na adoção”. 73 70 BARROS, Fabrício Silveira. O Interesse da Criança Como Paradigma da Filiação Socioafetiva. In: BRAUNER, Maria Claudia Crespo.(Coord.). O Direito de Família: Descobrindo Novos Caminhos. São Leopoldo: Edição da Autora. 2001. p. 224. 71 MOREIRA FILHO, José Roberto. O Direito Civil em Face das Novas Técnicas de Reprodução Assistida. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2747. Acesso em 26.06.2008. 72 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 61. 73 BARROS, op. cit., p. 229. 25 Completando a idéia do autor acima, Maria Berenice Dias afirma que “o parentesco não mantém, necessariamente, correspondência com o vínculo consangüíneo, pois basta lembrar a adoção e a fecundação heteróloga”. Assim, jamais houve tamanha urgência para o resgate de valores como a afetividade, ao passo que a ciência desmonta a filiação jurídica. “O paradigma da afetividade de faz presente na família constitucional, transparecendo como o valor por excelência que deve imperar nas relações familiares.74” 3. 3 DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA Devemos ainda levar em consideração o melhor interesse a criança, ou seja, devemos nos questionar até que ponto é legitimo o desejo de procriar a “qualquer custo”, recorrendo-se a um processo, em que, após o nascimento, a criança é retirada de sua mãe natural (mãe gestora); uma vez que, ainda não há conhecimento sobre as conseqüências que tal procedimento possa vir a causar na vida desse novo ser. Assim, os avanços da biomedicina no campo da reprodução ainda não conseguem entender a relação de interdependência que se cria entre o embrião e a pessoa que o está gerando.75 Para defender o interesse do menor, a Constituição Federal exerce papel relevante, sobretudo em razão da posição hierárquica que exerce em seu artigo 227 onde o legislador tentou alcançar o Direito da Criança e do Adolescente, com a condição que o interesse da criança esteja sempre em primeiro lugar, assim, vale dizer que este artigo consagra um princípio jurídico, o “Principio do Melhor Interesse da Criança”. Assim, este princípio torna-se indispensável em todo o ordenamento jurídico, orientando decisões judiciais e atividades legislativas quem envolvam 74 GOMES, Renata Raupp. A Relevância da Bioética na Construção do Novo Paradigma da Filiação na Ordem Jurídica Nacional. In: LEITE, Eduardo Oliveira (Coord.). Grandes Temas da Atualidade. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2004. p. 337-356. 75 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 97. 26 interesses de crianças, enquadrando-se na categoria de Direito Fundamental, com dignidade constitucional por força do disposto no § 2º, do artigo 5º da Constituição Federal.76 Estabelecida a premissa que todos devem se adequar ao princípio ora em questão resta a dúvida de como aplicá-lo, uma vez que na pratica não se sabe qual seria o melhor interesse para a criança. Até então, não há resposta exata para tal questão; assim, as soluções vão depender do caso concreto, ou seja, analisando-se situações especificas e soluções pré-concebidas.77 2. 4 PROJETOS DE LEI SOBRE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA Como já mencionado anteriormente, em nosso país inexiste uma legislação específica que regule Reprodução Humana Assistida, o texto mais semelhante com força de lei é a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1358 de 11 de novembro de 1992, que disciplinou a utilização de tais técnicas a partir de normas éticas dos profissionais da área médica. “Essa resolução dispõe sobre princípios básicos que devem nortear a utilização de tais técnicas, dando ênfase ao Consentimento Informado das partes envolvidas, bem como proibindo a fecundação com outra finalidade que não a procriação humana”.78 (ver anexo 03) Em março de 2002, encontravam-se no Congresso Nacional três projetos leis referentes à Reprodução Humana Assistida, o primeiro (PL nº 3.638), de autoria do Deputado Luiz Moreira, datado de 29 de março de 1993, o segundo (PL nº 2.855), de autoria do Deputado Confúcio Moura, datado de 13 de março de 1997 e o terceiro (PLS nº 90), de autoria do Deputado Lúcio Alcântara, datado de 09 de março de 1999; porém em 03 de junho de 2003, foi apresentado ao Plenário do Congresso Nacional o Projeto Lei nº 1184 (ver anexo 04), de autoria do Senado Federal que 76 LAURIA, Flávio Guimarães. A Regulamentação de Visitas e o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2003. p. 36 77 Ibid., p. 37 78 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 117. 27 dispunha sobre Reprodução Humana Assistida, definindo normas para realização das técnicas: Inseminação Artificial e Fertilização in vitro, proibindo a Gestação de Substituição e os experimentos de clonagem radical. Este projeto foi o que mais evoluiu no processo de tramitação. Em 15 de julho de 2003 foi apensado a esta proposta o Projeto Lei nº 120, de 19 de fevereiro de 2003, de autoria do Deputado Roberto Pessoa. Na mesma data, foi também apensado o Projeto Lei nº 2855/1997, anteriormentecitado. Em 08 de outubro de 2003, o Projeto Lei nº 2061, de autoria da Deputada Maninha, também foi apensado ao Projeto Lei 1184.79 A regulamentação legislativa sobre as tecnologias reprodutivas conceptivas não significará apenas possibilidades e restrições para a Medicina, mas principalmente um registro histórico sobre padrões sociais de parentesco, filiação e reprodução. Nesse sentido, o acompanhamento dos desdobramentos legislativos é decisivo. A entrada do Projeto 1184/2003 na Câmara Federal representa um novo momento no debate, especialmente com a tramitação conjunta de três outros projetos com especificações e determinações tão distintas. 3. 5 DA NECESSÁRIA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA De acordo com o grande avanço tecnológico da biociência, é necessária uma intervenção do Direito para “limitar o uso das descobertas cientificas, e ao mesmo tempo, não impedir os avanços das ciências80”, salientando-se que tais restrições devem ser estabelecidas de acordo com os anseios da sociedade. Primeiramente, é necessário destacar que “não há em nosso ordenamento jurídico nenhum impedimento ou restrição, para que se realize fertilização humana, 79 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2005. p. 123. 80 ALMEIDA, Aline Mignon de.Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2000. p. XV 28 bastando apenas que haja o consentimento expresso da mulher, e se casada, de seu marido ou companheiro.81” Além disso, pelas normas até então vigentes, a mãe substitutiva (aquela que gesta o bebê) é considerada como mãe – mesmo que não tenha nenhum vínculo genético com a criança - uma vez que a maternidade é comprovada pela gestação e pelo parto. Contudo, sabemos que essa premissa já não é segura, pois, atualmente podemos considerar mãe aquela que doa óvulo.82 O Autor Silvio de Salvo Venosa afirma que é necessária uma lei especifica para regulamentar tal questão, “o Código Civil de 2002 não autoriza nem regulamenta a Reprodução Assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto paternidade”. Esta nova técnica realizada traz grandes dúvidas à sociedade e, tendo em vista essa situação, o legislador deve urgentemente regulamentar tal questão. Assim, o autor afirma que “a nova lei deve examinar as várias técnicas possíveis de Reprodução Assistida”, uma vez que não se tem como prever o terreno pelo qual está sendo trilhado esse novo horizonte da ciência. É necessária uma lei rígida para que, no futuro, a sociedade não sofra com problemas éticos e jurídicos decorrentes de tal situação.83 Importante também mencionar que a nova lei, a ser criada e regulamentada, determine que a procriação assistida seja permitida com expresso consentimento dos cônjuges ou companheiros, ou seja, o Consentimento Informado será essencial para a fertilização, devendo os cônjuges ou companheiros concordar com os métodos utilizados, bem como com suas conseqüências.84 81 MOREIRA FILHO, José Roberto. O Direito Civil em Face das Novas Técnicas de Reprodução Assistida. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2747. Acesso em 26.06.2008. 82 ALDROVANDI, Andrea e FRANÇA, Danielle Galvão de. A Reprodução Assistida e as Relações de Parentesco. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3127&p=2. Acesso em: 11.04.2008. 83 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. Quinta Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005. p. 260. 84 Ibid., p. 261. 29 É importante ressaltar, ainda, que a Reprodução Artificial somente deverá ser permitida única e exclusivamente nos casos de infertilidade e quando os demais tratamentos possíveis para reprodução natural tiverem se esgotado. Apesar do novo Código Civil de 2002 se referir ao tema ora exposto, fica clara a omissão normativa a respeito e a necessidade de uma lei especial para regulamentar tais casos. A legislação brasileira não possui nenhuma referência normativa ao estado de filiação no caso de Maternidade Substitutiva, sendo necessária, portanto uma legislação específica para resolver os litígios que dela surgirem. CONSIDERAÇÕES FINAIS As técnicas de Reprodução Humana Assistida trouxeram situações extraordinárias para a sociedade, que está cada vez mais perplexa, não sabendo como enfrentar os novos desafios trazidos pelo avanço biotecnológico. Uma das conturbadas conseqüências causadas por esse avanço é a questão da Maternidade Substitutiva. Do ponto de vista jurídico, a situação ora apresentada é bastante complicada e merece nossa atenção. A partir dessa constatação, a presente pesquisa teve o intuito de verificar a existência e a necessidade de normas que regulamentem tal questão. Entende-se que a Maternidade Substitutiva é uma variante da fertilização in vitro, ou seja, realiza-se o procedimento in vitro, mas ao invés de introduzir no útero da mãe genética ou solicitante, implanta-se o embrião no útero de uma mulher estranha ao casal. A Maternidade de Substituição deve ser utilizada quando a mãe genética ou solicitante não consegue, por alguma razão, manter a gravidez. Acontece que, a ciência ainda não consegue explicar a relação de interdependência existente entre a mãe gestacional e o feto, razão pela qual, muitas vezes pode ocorrer que a mãe substituta não aceite entregar a criança aos pais 30 solicitantes. Dessa forma, as partes envolvidas buscam resolver tal impasse mediante um contrato no qual a “mãe de aluguel” recebe uma remuneração pelo período em que estiver gestando o bebê. Ocorre que, em conformidade com os artigos 185 e 104, ambos do Código Civil de 2002, deve ser objeto de contrato coisas móveis ou imóveis lícitas e possíveis; considerando que a vida é bem indisponível, não pode ser comercializável, portanto, não pode ser objeto de contrato – caso assim fosse, teríamos a “coisificação” do ser humano, pois, seria reduzido a “rés comerciável”. Assim, buscam-se resolver tal impasse no Direito de Família, através da filiação que representa a relação entre filhos e pais, aqueles que o geraram ou adotaram. Desde os tempos antigos, a maternidade era determinada pelo fato notório que a criança era filha da mãe de cujo ventre havia nascido. Acontece que, com o advento das procriações medicamente artificiais toda essa conjectura foi alterada, uma vez que a verdade biológica não mais se sobrepõe à verdade afetiva. A identificação dos vínculos de parentalidade não pode ser mais encontrada exclusivamente no campo genético. Portanto, não se pode mais afirmar que pai é aquele que cedeu o espermatozóide ou mãe é aquela que cedeu o útero. Dessa forma, a paternidade ou maternidade não mais pode ser definida pelo simples ato da procriação, é preciso haver laços de afetividade, ou seja, para esta nova definição de paternidade, pai ou mãe não é apenas a pessoa que gera e que tenha vinculo genético com a criança. Ser pai ou mãe, antes de tudo, é ser a pessoa que cria, instrui, ampara, dá amor, carinho, proteção, educação, dignidade, enfim a pessoa que realmente exerce as funções próprias de pai ou mãe em atendimento ao melhor interesse da criança. Outro grande exemplo de relação existente entre pai e filho que se sobrepõe ao vínculo genético é a adoção, em cujo instituto se verifica a paternidade como um ato de amor e não simplesmente como fenômenobiotecnológico. 31 Nesse contexto, ressalte-se ainda que o afeto não decorre da herança genética que se recebe dos pais biológicos. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. A partir deste ponto, apregoa-se que deva haver uma desbiologização da paternidade. Assim, a mãe será aquela que assumiu e levou adiante o sonho da maternidade ao recorrer até mesmo a estranhos para que sua vontade fosse satisfeita. Diante de tais fatos, percebe-se que o direito deve repensar os modelos de maternidade, paternidade e os vínculos de filiação; assim, deve o legislador estabelecer normas sobre essa nova realidade fática a fim de que se abram possibilidades de solução para possíveis conflitos, bem como, se estabeleçam limites de ação que permitam um controle mais efetivo da vida em sociedade. Não se pretende criar barreiras ao desenvolvimento científico envolvendo seres humanos a fim de que sejam preservados padrões éticos irreais. O que se pretende é que qualquer experimento científico tenha por base o respeito do ser humano, pois, seria incoerente pensar que sob o pretexto de se beneficiar a humanidade agrediríamos a dignidade da pessoa humana. Nesse ponto, a necessidade da regulamentação jurídica dos valores bioéticos torna-se imprescindível para a tutela dos valores humanos fundamentais em beneficio de toda a humanidade. O grande desafio do mundo jurídico, neste momento, está em estimular o desenvolvimento da ciência dentro de suas fronteias humanas e reprimi-lo quando a dignidade da pessoa humana estiver ameaçada. Devemos, dessa forma, lutar para que a dignidade da pessoa humana seja respeitada pelas ciências médicas e através de legislação própria, definir conceitos, estabelecer limites e regulamentar tais práticas. 32 REFERÊNCIAS ALDROVANDI, Andrea e FRANÇA, Danielle Galvão de. A Reprodução Assistida e as Relações de Parentesco. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3127&p=2. Acesso em: 11.04.2008. ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris. 2000. BARBOZA, Heloisa Helena. A filiação em Face da Inseminação Artificial e da Fertilização “in vitro”. Editora Renovar. Rio de Janeiro. 1993. _________, Heloisa Helena. Direito à identidade genética. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (coord.). 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