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Apostila de História e Teologia da Unidade Cristã - Luiz Felipe Xavier

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Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix 
 
 
 
 
 
 
Apostila de História e 
Teologia da Unidade 
Cristã 
 
 
 
 
 
Prof. Ms. Luiz Felipe Xavier 
2016 2 
 
 2 
1. Liberalismo Teológico 
 
Historicamente falando, o “liberalismo teológico” refere-se a um movimento 
específico do protestantismo que dominou a teologia acadêmica entre o final do 
século XIX e início do século XX. Surgiu primeiramente na Alemanha entre os 
alunos e seguidores de Schleiermacher e Hegel, e encontrou sua forma de maior 
influência na escola de Albrecht Ritschl. 
Três pensadores se destacam como os mais representativos da essência 
da teologia liberal. São eles: 1) Albrecht Ritschl; 2) Adolf Harnack; e 3) Walter 
Rauschenbusch. Os dois últimos são compreendidos de forma mais apropriada 
como discípulos de Ritschl. Mesmo assim, eles deram novos rumos aos preceitos 
liberais. 
 
Características comuns do movimento chamado de teologia liberal clássica: 
1) Assim como Schleiermacher, os liberais estavam decididos a recontruir 
a fé cristã à luz do conhecimento moderno. Para eles, certos 
desenvolvimentos culturais desde o Iluminismo não podiam ser 
ignorados pela teologia cristã, mas deveriam ser assimilados de forma 
positiva. 
2) A teologia liberal enfatizava a liberdade que o pensador cristão possuía, 
como indivíduo, de criticar e recontruir crenças tradicionais. Isso 
implicava uma rejeição da autoridade da tradição ou da hierarquia da 
igreja e do controle exercido por elas sobre a teologia. 
3) A teologia liberal concentrava-se na dimensão prática ou ética do 
Cristianismo. Ritschl e seus seguidores, por exemplo, tinham a 
tendência de evitar aquilo que consideravam especulação vazia e 
tentavam moralizar a doutrina centrando todo o discurso teológico em 
torno do conceito de reino de Deus. 
4) A maioria dos teólogos liberais procurava basear a teologia em alguma 
outra fundação que não fosse a autoridade absoluta da Bíblia. Segundo 
eles, o dogma tradicional da inspiração sobrenatural das Escrituras 
 3 
havia sido irremediavelmente enfraquecido pela pesquisa histórico-
crítica. Consideravam não apenas as tradições da igreja, mas também 
grande parte da própria Bíblia como a “palha do milho”, que esconde 
dentro de si os “grãos” preciosos da verdade imutável. Isso não quer 
dizer que os teólogos liberais desprezavam a Bíblia ou a consideravam 
sem valor. Na verdade, eles procuravam dentro dela o “evangelho”, ou 
seja, o cerne e o referencial eterno da verdade que não podia ser 
corroído pelos ácidos do conhecimento científico e filosófico moderno. A 
tarefa da teologia era identificar o grão, a “essência do Cristianismo”, e 
separar claramente toda a palha de idéias culturais e expressões que o 
envolviam. Para a grande maioria dos teólogos liberais, essa palha 
incluía os milagres, os seres sobrenaturais como anjos e demônios e os 
acontecimentos apocalípticos. 
5) Talvez o fundamento inconsciente de todas as demais características 
seja o movimento contínuo da teologia liberal em direção à imanência 
divina às custas da transcendência. Antes do Iluminismo, os teólogos 
enfatizavam a separação entre aquilo que era radicalmente sagrado – o 
Deus transcendente – e os seres humanos finitos e pecadores, e viam a 
Encarnação como o acontecimento dramático em que Deus havia criado 
uma ponte sobre esse abismo. Começando no Iluminismo e 
encontrando seu ápice no liberalismo, os teólogos passaram a construir 
seus pensamentos sobre a ligação entre o divino e o humano manifesta, 
por exemplo, nas capacidades racionais, intuitivas ou morais. 
Conseqüentemente, Jesus era visto como um ser humano exemplar e 
não como o Cristo interventor. 
Em síntese, o liberalismo teológico pode ser caracterizado da seguinte 
maneira: 1) negação da divindade de Cristo; 2) idéia de que Deus é achado no 
andar de baixo – imanência; 3) ênfase na ética; 4) soteriologia universalista; 5) 
visão otimista do homem e da sociedade; 6) busca de outras fontes do 
conhecimento de Deus. 
 
 4 
2. Fundamentalismo Teológico 
 
No início do século XX, os cristãos ortodoxos pareciam incapazes de 
enfrentar o dilúvio de novas idéias, tais como a alta crítica alemã, o evolucionismo 
darwinista, a psicologia freudiana, o socialismo marxista, o niilismo de Nietzsche e 
o naturalismo da nova ciência. Todas essas coisas subvertiam a confiança na 
infalibilidade da Bíblia e na existência daquilo que é sobrenatural. 
Além disso, o banho de sangue produzido pela Primeira Guerra Mundial 
esmagou o conceito otimista, pós-milenista, de introduzir o reino de Deus 
imediatamente depois de se vencer o domínio dos males sociais e, de se cumprir 
a Grande Comissão de levar o evangelho a todas as partes do globo terrestre. Da 
luta contra o liberalismo teológico e o evangelho social (na Grã-Bretanha e na 
América do Norte) surgiu um fundamentalismo. 
 
As duas fases do fundamentalismo teológico 
O fundamentalismo teológico foi um movimento situado na história. Esse 
movimento pode ser dividido em duas fases: 
Primeira fase: 
Precursores: 1) Avivamento de Moody (1837 – 1899); 2) Universidade de 
Princeton (1812 – 1921); 3) Teólogos importantes: Alexander Archibald; Charles 
Hodge; A. A. Hodge; e Bejamim Worfield. 
Em 1910, acontece a publicação de uma série chamada “The 
Fundamentals”. Essa série saiu em 12 volumes que foram distribuídos, 
gratuitamente, nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Os cinco fundamentos 
eram: 1) os milagres; 2) o nascimento virginal; 3) a morte expiatória; 4) a 
ressurreição de Cristo; e 5) a autoridade das Escrituras. 
Segunda fase: 
Posteriormente, aparecem mais 18 volumes da série “The Fundamentals” 
(variação, mais ou menos 20 volumes). Esses volumes expressam uma postura 
conservadora relacionada, por exemplo, à cristologia e à Bíblia. 
 5 
O líder do movimento era W. B. Riley. Em 1919, ele declara que o 
dispensacionalismo é um dos fundamentos e o movimento começa a trincar. Sem 
dúvida alguma, a inserção do dispensacionalismo foi a principal característica da 
segunda fase. 
Em 1920, J. Manchen (presbiteriano de Princeton) assume o movimento. 
Em 1923, ele publica o livro: Cristianismo e Liberalismo. Em 1926 acontece um 
racha em Princeton. 
 
Características do fundamentalismo teológico: 
1) Defesa da Bíblia e das doutrinas clássicas (a princípio); 
2) Hermenêutica literalista (ou seja, as palavras ditas em uma determinada 
época são interpretadas hoje com o sentido atual das mesmas); 
3) Conservadorismo na ética e costumes; 
Obs. Essas três características são típicas do início do movimento. O 
fundamentalismo teológico trazido para o Brasil foi marcado também pelas 
características que seguem. 
4) Dispensacionalismo; 
5) Defesa do criacionismo FIAT (instantâneo); 
6) Postura separatista; 
7) Crítica ao “Evangelho Social”; 
8) Rejeição da cultura em geral (arte, teatro, etc.) 
9) Educação conservadora (domiciliar); 
10) Anti-comunismo. 
 
Obs.: Hoje, experimentamos um neo-fundamentalismo. Para melhor compreendê-
lo: GOUVÊA, Ricardo Quadros. Piedade Pervertida. São Paulo: Fonte Editorial, 
2012. 
 
 
 
 
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 3. Movimento Evangelical 
 
 Embora o evangelicalismo seja geralmente considerado um fenômeno 
contemporâneo, o espírito evangélico sempre se manifestou no decurso da 
história eclesiástica. Na época da Reforma, o nome “evangélico” era dado aos 
luteranos que procuravam reorientar o cristianismo de volta ao evangelho e 
renovar a igreja com base na palavra autorizada de Deus. 
 Pouco tempo depois, a palavra “evangélico” veio a ser aplicada 
coletivamente aos grupos luteranos e reformados
na Alemanha. As congregações 
que pertenciam a igreja unida da Prússia (fundada em 1817) também usavam a 
palavra, e na Alemanha atual “evangélico” (evangelisch) é sinônimo de 
protestante. 
 Em 1864, a Aliança Evangélica foi formada em Londres para unir os 
cristãos (mas não as igrejas nem as denominações em si) na proclamação da 
liberdade religiosa, das missões e outros interesses em comum. Alianças 
nacionais foram formadas na Alemanha, Estados Unidos e em muitos outros 
países. Em 1951, aquela organização internacional foi substituída pela recém-
formada World Evangelical Fellowship (Aliança Evangélica Mundial, 1923). 
Quando os fundamentalistas ficaram cada vez mais sectários e rígidos, os 
protestantes conservadores começaram a se separar do movimento, mas 
permaneceram teologicamente ortodoxos. Várias questões distinguiam os 
protestantes conservadores que queriam ser chamados de evangélicos dos 
fundamentalistas. As áreas de mútuo acordo também eram relevantes. 1) Tanto os 
fundamentalistas quanto os novos evangélicos enfatizavam a inspiração 
sobrenatural da Bíblia e as conquistas doutrinárias da igreja cristã primitiva, como 
o Credo de Nicéia e a ortodoxia protestante. 2) Os dois movimentos intimamente 
relacionados enfatizavam a piedade na conversão como uma marca do 
cristianismo autêntico e rejeitavam a regeneração batismal e o universalismo. 3) 
Os novos evangélicos rejeitavam o que consideravam um espírito de dissensão 
dos fundamentalistas quanto a questões doutrinárias e morais relativamente 
secundárias e queriam desenvolver e nutrir uma coalizão mais ampla do 
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cristianismo protestante conservador ligado à conversão. 4) Para eles, a 
inspiração bíblica implicava na infalibilidade das Escrituras, mas não exatamente 
na exatidão técnica absoluta de todos os pormenores registrados na literatura 
bíblica. 5) Também não exigia uma hermenêutica literalista, mormente no tocante 
à origem (criacionismo FIAT) e fim dos tempos (dispensacionalismo). 6) Os novos 
evangélicos afirmavam Deus como criador de tudo (creatio ex nehilo) e a segunda 
vinda de Jesus Cristo no futuro, mas permitiam diferentes interpretações dos 
pormenores dessas doutrinas. 
Pode-se dizer que depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma 
reviravolta dramática. Os empreendimentos missionários no estrangeiro, os 
institutos e faculdades bíblicos, os trabalhos entre os estudantes universitários e 
os ministérios através do rádio e da literatura floresceram, e as campanhas 
evangelísticas do então jovem Billy Graham tiveram um impacto global. Nos 
Estados Unidos, a fundação da Associação Nacional dos Evangélicos (1942), o 
Seminário Teológico Fuller (1947) e a revista Christianity Today (1965) foram 
importantes expressões do “novo evangelicalismo”, um termo criado por Harold J. 
Ockenga em 1947. 
As principais críticas de Ockenga ao fundamentalismo teológico são: 
1) Atitude errada: achar que só fundamentalista é cristão; 
2) Método errado: propor a separação do mundo; 
3) Resultados errados: não deteve o liberalismo. 
Carl F. H. Henry insistiu em que os fundamentalistas eram excessivamente 
antimundanistas, anti-intelectualistas e indispostos a aplicar sua fé à cultura e à 
vida social. 
No fim da década de 50, surge a Associação Billy Graham. Ela foi um 
importante catalisador evangelical, especialmente quando convocou o Congresso 
Mundial de Evangelização (Berlim, 1966). 
 8 
Concluindo esta primeira parte, o movimento evangelical é a conjunção dos 
esforços de evangelicais para levar adiante suas propostas. A principal instância 
de articulação é a Aliança Evangélica Mundial (AEM), fundada em 1923. A AEM 
exerceu grande influência nos congressos latino-americanos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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4. A Verdade do Evangelho 
 
STOTT, John R. W. A Verdade do Evangelho: Um Apelo à Unidade. 
Curitiba: ABU, 2000. 
 
Prefácio 
Dois motivos conscientes: 1) Tristeza pela tendência evangélica à fragmentação; 
2) Desejo de deixar às gerações posteriores um legado espiritual, um testemunho 
de fé. 
 
1. Introdução: As verdades essenciais do evangelho 
1.1. Três refutações – 1) A fé evangélica não é uma inovação recente; 2) A fé 
evangélica não é um desvio do cristianismo ortodoxo; 3) A fé evangélica 
não é sinônimo de fundamentalismo. 
1.2. Fundamentalismo e evangelicalismo – 1) Quanto ao pensamento humano: 
Fundamentalistas (F) = anti-intelectualismo, Evangelicais (E) = Toda 
verdade é verdade de Deus; 2) Quanto à natureza da Bíblia: F= Literalismo 
excessivo, E= Embora acreditem que tudo que a Bíblia afirma é verdade, 
ressaltam que parte do que ela afirma é verdade figurativa ou poética; 3) 
Quanto à inspiração bíblica: F= Ditada por Deus, E= dupla autoria da 
Escritura; 4) Quanto à interpretação bíblica: F= Aplicar o texto diretamente a 
si mesmo como se este tivesse sido escrito primariamente para eles, E= 
Tentam fazer a transposição cultural; 5) Quanto ao movimento ecumênico: 
F= Rejeição cerrada, acrítica e feroz, E= Tentam agir com discernimento; 6) 
Quanto à igreja: F= Eclesiologia separatista, E= Acreditam que neste 
mundo não se pode atingir a pureza perfeita; 7) Quanto ao mundo: F= 
Tendem a assimilar acriticamente os valores e parâmetros deste (vide 
teologia da prosperidade); e então, em outras ocasiões, guardam distância 
deles, por medo de se contaminar, E= Procuram manter em mente a 
exortação bíblica a não nos conformarmos com este mundo e esforçam-se 
ao máximo para obedecer ao chamado de Jesus para impregnarmos este 
 10 
mundo sendo sal e luz; 8) Quanto à questão da raça: F= Mito da 
superioridade branca e defender a segregação racial, E= Igualdade racial; 
9) Quanto à missão cristã: F= “Missão” e “Evangelização” são sinônimos e 
a vocação da igreja consiste tão somente em proclamar o evangelho, E= 
Mesmo dando prioridade à evangelização, acham impossível dissociá-la da 
responsabilidade social; 10) Quanto à esperança cristã: F= Tendem a criar 
dogmas sobre o futuro (ex: dispensacionalismo), E= Ao mesmo tempo que 
afirmam com fervor e expectativa a volta visível, gloriosa e triunfante de 
nosso Senhor Jesus Cristo em pessoa, preferem continuar agnósticos no 
que diz respeito aos detalhes sobre os quais até mesmo cristãos de 
profunda solidez bíblica diferem em seus pontos de vista. 
1.3. Tendências e doutrinas do evangelicalismo – Prioridades evangélicas: 1) A 
iniciativa reveladora de Deus Pai; 2) A obra redentora de Deus Filho; 3) O 
ministério transformador de Deus Espírito Santo. 
1.4. O evangelho trinitário – 1) Origem: Revelação de Deus; 2) Substância do 
evangelho: Sabedoria e poder de Deus; 3) Seis aspectos do evangelho que 
são dignos de nota: A) O evangelho é cristológico; B) O evangelho é 
bíblico; C) O evangelho é histórico; D) O evangelho é teológico; E) O 
evangelho é apostólico; F) O evangelho é pessoal; 4) A eficácia do 
evangelho: Ele precisa de uma demonstração do poder do Espírito. 
1.5. Hapax e mallon – Hapax (de uma vez por todas): Cristo é a palavra última e 
absoluta na revelação de Deus (sua palavra foi falada); Mallon (mais e 
mais): O Espírito Santo, enquanto “espírito de sabedoria e de revelação” 
em nosso conhecimento de Cristo, abre nossos olhos para vermos cada 
vez mais aquilo que Deus nos revelou em Cristo. 
 
2. A revelação de Deus 
2.1. Revelação – A palavra “revelação” deriva do latim revelatio, “tirar o véu”, 
descreve uma ação objetiva através da qual uma coisa que estava 
escondida por uma cortina é descoberta e, com isso, exposta à visão. No 
princípio do pensamento evangélico está
o reconhecimento da 
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razoabilidade lógica e óbvia da revelação. 1) Revelação geral ou natural: É 
assim chamada porque se manifesta a todos, à generalidade da raça 
humana. É também chamada “natural” porque se dá por meio da natureza, 
através da ordem da criação; 2) Revelação especial ou sobrenatural: Se 
deu através de milagre (inspiração e encarnação). O único Cristo 
verdadeiro é o Cristo da Bíblia. A revelação especial de Deus é, 
comumente, uma combinação de ato e palavra, evento e testemunho. Ela é 
pessoal e proposicional; 3) Revelação gradativa: Deus foi ensinando 
gradativamente, a medida que eram capazes de entender; 4) Revelação é 
pessoal: Neste ponto, o ministério do Espírito Santo pode ser dividido em 
dois: a) revelação: neste contexto descreve um evento objetivo, a saber, o 
Espírito Santo expõe a glória de Deus na natureza ou através da Escritura; 
b) iluminação: por sua vez, descreve um evento subjetivo, a saber, o 
Espírito Santo ilumina nossos olhos para que agora possamos ver o que ele 
revelou. 
2.2. Inspiração – A palavra “inspiração” indica como Deus se fez conhecido, 
pelo menos tratando-se da revelação especial: foi falando com os autores 
humanos e por meio deles. 1) Dupla autoria das Escrituras: A Bíblia é, ao 
mesmo tempo, Palavra de Deus e palavras de homens, ou melhor, é a 
Palavra de Deus expressa em palavras humanas. Deus coopera no, com e 
por meio do livre exercício da própria mente humana. 2) Uma dupla 
abordagem das Escrituras: a) A Bíblia deve ser lida com uma mente crítica 
(uso de 4 tipos básicos de crítica bíblica: 1) Crítica textual: O objetivo é 
estabelecer o texto autêntico das Escrituras; 2) Crítica histórica: O âmbito 
de preocupação abrange tanto o estudo das circunstâncias históricas nas 
quais os livros da Bíblia foram compostos, quanto a avaliação do elemento 
histórico no próprio texto; 3) Crítica literária: Analisa as fontes das quais 
dispôs o autor e as formas pelas quais o material oral foi preservado e se 
tornou disponível; 4) Crítica da redação: é valiosa por reconhecer que os 
autores e editores (redatores) bíblicos tinham uma motivação teológica por 
trás daquilo que escreveram); b) A Bíblia deve ser lida com reverência: Na 
 12 
abordagem crítica, nós esquadrinhamos as Escrituras, enquanto que na 
“reverente” nos dispomos a ser examinados pelas Escrituras. Tanto o 
estudo atento é necessário, quanto a oração honesta. 
2.3. Autoridade – indica o resulta do processo iniciado por Deus ao se revelar. 
Como Jesus exerce sua autoridade e governa a sua igreja hoje? 1) 
Resposta da Igreja Católica Romana: Através do magistérium ( as igrejas 
ortodoxas também enfatizam a tradição); 2) Resposta dos liberais: Através 
da razão e da consciência de cada indivíduo, pela iluminação do Espírito 
Santo, ou por meio do consenso de uma opinião formada (a autoridade da 
experiência é sustentada também pelos cristãos pentecostais e 
carismáticos); 3) Resposta anglicana: Por meio da tríade Escritura, tradição 
e razão; 4) Resposta dos evangélicos: Por intermédio das Escrituras (a 
Bíblia é o cetro com o qual reina o Rei Jesus). 
2.4. Mais três palavras – 1) Perspicuidade (Clareza): Sua natureza é perspícua 
(que se pode ver nitidamente), ou translúcida, transparente. A essência da 
mensagem bíblica – que a salvação vem pela graça, por meio da fé – é 
simples o suficiente para ser entendida até pelos iletrados; 2) Suficiência 
(Sola Escriptura): A Escritura é suficiente para a salvação (a suficiência das 
Escrituras deve-se à suficiência do Cristo de quem elas testificam); 3) 
Inerrância (ou infalibilidade): A Bíblia é verdadeira e, portanto, digna de toda 
confiança (quanto às suspeitas de erros nas Escrituras, a resposta mais 
cristã não é emitir um juízo negativo prematuro, nem tentar conceber uma 
armonização qualquer, mas suspender o julgamento, esperando 
pacientemente até que seja dada uma nova luz). 
2.5. Duas elucidações – Quando os evangélicos afirmam que a Bíblia é a 
Palavra de Deus, eles têm em mente dois aspectos cuja elucidação é de 
importância vital: Primeiro, estão se referindo às Escrituras como proferidas 
originalmente (não reivindicamos autoridade sobre nenhum texto ou 
tradução específicos, mas apenas para o texto original, tal como foi escrito 
por seu autor; Segundo, quando falamos na Bíblia como palavra de Deus 
 13 
estamos nos referindo às Escrituras corretamente interpretadas (não 
atribuímos autoridade aos erros do intérprete). 
 
3. A cruz de Cristo 
3.1. Somos aceitos por Deus – Nós nos gloriamos na cruz para sermos aceitos 
por Deus. “Nós sustentamos que uma enfermidade espiritual de tal 
gravidade requer, para sua cura, uma medicação espiritual igualmente 
poderosa” (Ryle). Subestimar o pecado é subestimar a salvação e, 
portanto, a cruz. A condição do ser humano sem Cristo é extremamente 
séria. Somos pecadores perdidos e culpados (contra o movimento que 
advoga o potencial humano) que precisamos clamar a Deus por 
misericórdia. Pecado, segundo Brunner: é o desejo do homem de obter 
autonomia; consequentemente, em última instância, pecado é negar a 
Deus, é a divinização de si próprio: é declarar-se livre do Senhor Deus e 
proclamar nossa própria soberania. Nós somos incapazes de fazer 
qualquer coisa que seja para ganhar a aceitação de Deus. A única forma de 
sermos redimidos da maldição da lei é o fato de que Cristo a assumiu em 
nosso lugar; que ele se tornou maldição em nosso lugar; que ele suportou 
em sua própria pessoa inocente a condenação que nós merecíamos. Isso é 
a “substituição penal”. 
3.2. Justificação pela fé – Trata-se de uma palavra de conotação legal, 
emprestada das cortes judiciais; justificação é o contrário de condenação. 
Deus quando justifica um pecador, anuncia um veredito, já em antecipação 
ao dia final: ele não apenas perdoou todos os seus pecados como também 
lhe conferiu a condição de justo aos seus olhos. Cinco aspectos da 
justificação: 1) De onde ela provém? Somos justificados gratuitamente por 
sua graça (Rm. 3:24); 2) Em que ela se baseia? No sangue de Cristo 
vertido em sua morte sacrificial (Rm. 5:9; 8:1,3); 3) Qual a sua esfera? 
Somos justificados em Cristo, por meio de nossa união com ele (Gl. 2:17); 
4) Qual o seu significado? Fomos justificados pela fé (Rm. 3:28). Fé é, nada 
mais, nada menos do que a mão que recebe a dádiva, o olho que 
 14 
contempla o doador e a boca que recebe a água da vida; 5) Qual é o seu 
fruto? Somos salvos para as boas obras (Ef. 2:8-10; Gl. 5:6). Cinco 
diferenças fundamentais entre justificação e santificação que os puritanos 
costumavam enfatizar: 1) A justificação consiste no veredito do juízo de 
Deus, em que ele declara o pecador justo; a santificação é o seu ato moral, 
pelo qual ele torna o pecador justo; 2) Deus justifica por meio da morte de 
Cristo e santifica por meio da regeneração; 3) A justificação é imediata e a 
santificação é gradativa; 4) A justificação é completa e a santificação é 
incompleta; 5) A justificação se dá somente pela fé, sem obras e a 
santificação é pela fé e pelas obras. 
3.3. Nosso discipulado diário – Cristo nos chama a negarmos a nós mesmos; 
quer que tomemos a nossa cruz e o sigamos. Portanto, se nós estamos 
carregando a nossa cruz e seguindo a Cristo, há somente um lugar para 
onde podemos estar indo: a morte. “Quando Cristo chama um homem ele, 
o convoca a ir e a morrer” (Dietrich Bonhoeffer). Jesus nos convida a 
abnegação, a deixarmos o egocentrismo. O discipulado cristão não é 
tranqüilo e barato como muitos afirmam hoje. 
3.4. Nossa missão e nossa mensagem – Temos uma missão de sair pelo 
mundo anunciando a mensagem da cruz. O anúncio dessa mensagem
é 
uma pedra de tropeço para o orgulho humano. É uma pregação que destrói 
os alicerces da nossa auto-justificação. William Temple afirmou: “Tudo é de 
Deus; a única coisa minha mesmo com a qual eu posso contribuir para a 
minha própria redenção é o pecado do qual preciso ser redimido” (crítica ao 
“ministério do gatinho”). Com toda a certeza a mensagem da cruz 
provocará hostilidade como sempre provocou ao longo da história. 
 
4. O ministério do Espírito Santo 
4.1. Os inícios da fé cristã – Referindo-se ao início da fé cristã, o termo 
“regeneração” é mais apropriado que o termo “conversão”. As duas coisas 
são radicalmente diferentes: A conversão é obra humana (embora só seja 
possível pela capacitação da graça de Deus), enquanto que a regeneração 
 15 
depende inteiramente da ação de Deus. Conversão = Arrependimento + Fé. 
Mas a regeneração ou novo nascimento é outra coisa: 1) O novo 
nascimento é obra de Deus (Jo. 3:3,7; Jo. 3:5-8); 2) O novo nascimento é 
imediato; 3) O novo nascimento não é necessariamente uma experiência 
consciente, embora o seja para algumas pessoas; 4) O novo nascimento 
não é o mesmo que batismo (ref. ao batismo nas águas) O batismo é, pois 
o signo ou símbolo (ou “sacramento”) do novo nascimento; entretanto, não 
se deve confundir o signo com a coisa significada. 
4.2. A segurança cristã – O Espírito Santo não produz o novo nascimento para 
depois nos abandonar. Ele fica conosco. Ou melhor ainda, ele vem habitar 
em nós. Conseqüentemente, o novo nascimento no Espírito é seguido pela 
vida no Espírito. Os apóstolos tinham, durante a vida terrena de Jesus, 
duas grandes vantagens que seriam superadas com a vinda do Espírito 
Santo (ref. Jo. 16:7): 1) Quando Jesus estava com eles na terra, sua 
presença era sempre localizada. O que o Espírito Santo faz é universalizar 
a presença de Jesus, torná-lo acessível a todo mundo, em todo lugar; 2) 
Quando Jesus estava com eles na terra, sua presença era externa. Ele não 
podia penetrar a personalidade deles e mudá-los por dentro. Assim, o 
Espírito Santo internaliza a presença de Jesus; dessa forma, ele habita em 
nossos corações por meio do seu Espírito (Ef. 3:16-17) e nosso corpo 
passa a ser templo do seu Espírito Santo (I Co. 6:19). A habitação do 
Espírito Santo em nós é o selo pelo qual Deus indica que pertencemos a 
ele. A doutrina da certeza da salvação é uma ênfase especialmente 
evangélica. A segurança do cristão está alicerçada, acima de tudo, na cruz. 
A este fundamento objetivo de nossa segurança o Espírito acrescenta o seu 
próprio testemunho subjetivo (ref. a “Aba, Pai” – Rm. 8:15-16). Os cristãos 
pentecostais afirmam que o batismo do Espírito Santo é uma experiência 
isolada posterior ao novo nascimento. Essa experiência é evidenciada pelo 
falar em outras línguas. Já os cristão não-pentecostais dizem que o batismo 
do Espírito é a mesma coisa que o dom do Espírito (At. 1:5; 2:33,38-39). 
Ele é concedido a todos os crentes, embora muitas vezes estes recebam 
 16 
também, em momentos posteriores à conversão, outras experiências de 
diferentes tipos. Em pontos comuns deveria haver concordância entre os 
dois grupos (p. ex.: todos os cristãos possuem o Espírito Santo; durante o 
processo de santificação Deus pode nos presentear com muitas outras 
experiências do Espírito, mais ricas, mais plenas e mais profundas). 
4.3. A santidade cristã – Um dos grandes propósitos da habitação do Espírito no 
cristão é a sua transformação ou santificação (cf. Ez 36:27; Jr. 31:33). O 
que o Espírito faz quando é posto “dentro de nós” é escrever ali a lei de 
Deus (Rm. 8:3-4). Com o Espírito a santidade é essencial; sem o Espírito é 
impossível haver santidade. Dr. Martyn Lloyd-Jones afirma: “Estou cada vez 
mais convencido de que a razão por que a maioria das pessoas tem tanta 
dificuldade de viver a vida cristã é porque elas vivem se paparicando 
espiritualmente”. Ou seja, ao invés de executarmos a nossa natureza 
egoísta, nós a adulamos (ref. Gl. 5). “Fórmula 4D” – Cinco passos ou 
etapas que descrevem como o Espírito Santo opera a santificação em nós: 
1) Opera em nossa mente, capacitando-nos a discernir a vontade de Deus; 
2) Opera em nossa consciência, capacitando-nos a distinguir entre o certo e 
o errado; 3) Opera em nosso coração, capacitando-nos a desejar 
ardentemente os caminhos de Deus; 4) Opera em nossa vontade, 
capacitando-nos a determinar resolutamente a seguir a vontade de Deus; 5) 
Só depois de tudo isso é que se dá a etapa final: realizar. A história do 
evangelicalismo tem sido uma história de busca por santificação (p. ex. 
reformados, puritanos, pietistas, metodistas, e diversos movimentos 
recentes). Em alguns momentos apareceram movimentos pretendendo a 
“erradicação” da nossa natureza caída, ou então a “santificação total” ou o 
“amor perfeito”. João Wesley é um exemplo de precursor deste tipo de 
movimento. Porém, o Novo Testamento não promete em lugar algum, nem 
a erradicação do mal, nem a possibilidade de uma perfeição sem pecado. 
Handley Moule consegue manter um equilíbrio bíblico ao tratar da questão 
da santidade cristã em termos de “alvos” e “limites”. 
 17 
4.4. A comunidade cristã – A igreja de Cristo se encontra no centro do eterno 
propósito histórico de Deus. Ela está em continuidade direta com o Israel do 
Antigo Testamento. A igreja é chamada no Novo Testamento de 
“comunidade do Espírito” (II Co. 13:14; cf. Fp. 2:1) porque é a nossa 
comunhão (koinonia), o fato de fazermos parte desse corpo, que nos faz 
ser igreja. A palavra koinonia não aparece nos Evangelhos. Sua primeira 
ocorrência é em At. 2:42, onde Lucas descreve a igreja de Jerusalém, pois 
não podia haver koinonia alguma antes que o Espírito viesse. Duas 
convicções significativas que todos compartilhamos: 1) Todos os 
evangélicos aceitam a diferença entre igreja a igreja visível e a igreja 
invisível; 2) Para todos os evangélicos, a pureza (tanto doutrinária como 
ética) da igreja é um alvo a ser perseguido, pois foi estabelecido por Deus. 
4.5. A missão cristã – A missão sempre foi uma preocupação dos evangélicos, 
tanto que evangelicalismo e evangelismo são palavras muito semelhantes. 
O Espírito Santo é o evangelista principal. Certa vez William Temple disse: 
“Ninguém pode possuir o Espírito de Deus (ou melhor, ser habitado por ele) 
e guardar esse Espírito para si. Onde quer que o Espírito esteja, ele flui 
livremente; se isso não ocorrer é porque ele não está ali”. Duas marcas 
essenciais de uma igreja cheia do Espírito: 1) Compassiva penetração na 
comunidade local; 2) Seriedade com seu compromisso com a missão 
global. Três aspectos que convém abordar: 1) Evangelização e ação social: 
a) Ação social é uma conseqüência da evangelização; b) Ação social pode 
ser uma ponte para a evangelização; c) Ação social é uma parceira da 
evangelização; 2) Evangelização e milagres: Deveríamos evitar duas 
reações extremas: a) O ceticismo (negar até mesmo a possibilidade de um 
milagre, seja em virtude de um preconceito teológico, seja por secularismo 
científico, é beirar o absurdo); b) A credulidade (no extremo oposto se 
encontram aqueles que, em palavras de John Wimber, consideram os 
sinais e maravilhas como uma característica da “vida cristã norma”. No que 
diz respeito aos milagres não podemos negligenciar a tensão escatológica 
 18 
do “já, mas ainda não”; ”; 3) Evangelização e reavivamento. Uma igreja 
avivada dedica-se às boas obras. 
4.6. A esperança cristã – A era messiânica seria a era do Espírito. Assim, o dom 
do Espírito era, ao mesmo tempo, o “princípio do fim” e a garantia divina do 
resto que viria a seguir. Era “tanto o cumprimento da promessa quanto a 
promessa
do cumprimento”. Essa dupla expectativa é expressa no Novo 
Testamento pelo uso de três metáforas: 1) Comercial: O dom do Espírito é 
comparado ao pagamento da primeira parcela de uma transação comercial: 
é como se recebêssemos o pagamento da primeira prestação e, com isso, 
a garantia de que depois disso virá a quitação, o valor total da compra (II 
Co. 1:22; cf. 5:5; Ef. 1:14); 2) Agrícola: A dádiva do Espírito é como o 
amadurecer dos primeiros frutos; ela é, ao mesmo tempo, o início da 
colheita e a garantia de que o resto virá depois (Rm. 8:23); 3) Social: O dom 
do Espírito é como o primeiro prato de um banquete, aquilo que às vezes 
chamamos de “aperitivo” ou “entrada”. É, ao mesmo tempo, uma 
antecipação do que virá e a garantia de que o resto da refeição está a 
caminho (Hb. 6: 4-5). Em todos os três casos o Espírito Santo é, ao mesmo 
tempo, a dádiva e a promessa, tanto a experiência inicial como a esperança 
futura. 
 
5. Conclusão: O desafio da fé evangélica 
5.1. O chamado à integridade evangélica – ou a viver uma vida digna do 
evangelho. O conceito de se viver uma vida “digna” expressa, não mérito, 
mas correspondência. Nenhuma dicotomia pode haver entre aquilo que 
professamos e o que praticamos, entre o que dizemos e aquilo que somos; 
pelo contrário, nossa vida deve refletir uma consistência fundamental. 
5.2. O chamado à estabilidade evangélica – ou a permanecer firme no 
evangelho. Este ponto refere-se à estabilidade do cristão, ao manter-se 
firme. Estabilidade é coisa que está em falta hoje em dia, tanto na doutrina, 
quanto na ética. É mais fácil deixar-se levar pela correnteza do que nadar 
 19 
contra ela. O chamado à estabilidade se faz muito necessário hoje. O seu 
alicerce principal é a rocha da Escritura Sagrada. 
5.3. O chamado à verdade do evangelho – ou lutar pela fé evangélica. É a 
combinação entre evangelismo e apologética. Não basta proclamarmos as 
boas novas; precisamos também defendê-las e confirmá-las. Paulo não 
separava essas duas tarefas. Nunca deveríamos contrapor o uso de 
argumentos e a confiança no Espírito. Uma coisa não exclui a outra, mas 
ambas se complementam. 
5.4. O chamado à unidade evangélica – ou a trabalhar juntos pelo evangelho. A 
ênfase aqui recai sobre a unidade. A tendência à fragmentação no meio 
evangélico é patológica. É preciso distinguir entre as verdades essenciais 
do evangelho, que não podem ser comprometidas, e as adiaphora 
(“questões indiferentes”) sobre as quais, por serem de importância 
secundária, não precisamos necessariamente insistir. O que se poderia 
incluir hoje na categoria de adiaphora? 1) Batismo; 2) Santa Ceia; 3) 
Governo da Igreja; 4) Culto; 5) Charismata; 6) Mulheres; 7) Ecumenismo; 8) 
Profecias do Antigo Testamento; 9) Santificação; 10) Estado; 11) Missão; 
12) Escatologia. “Na verdade, unidade; nas questões duvidosas, liberdade; 
e em todas as coisas, caridade” (Rupert Meldenius). 
5.5. O chamado à perseverança evangélica – ou a sofrer pelo evangelho. Um 
vez que Paulo recomenda aos filipenses que lutem pela fé evangélica, isso 
implica a existência de adversários. O discípulo é chamado a compartilhar o 
sofrimento do seu mestre e também o sofrimento dos apóstolos. Este é um 
aspecto inevitável da sucessão apostólica: Uma sucessão não de ordem, 
doutrina ou missão, mas de sofrimento. Fontes fidedignas comprovam que 
o número de cristãos que foram martirizados no século vinte é bem maior 
do que em qualquer outro período da história da igreja. 
 
Posfácio: A preeminência da humildade – A qualidade suprema que a fé 
evangélica produz (ou pelo menos, deveria produzir) é a humildade. Tudo isso 
porque o cristianismo evangélico é um cristianismo trinitário. Nós defendemos os 3 
 20 
R’s: Revelação, redenção e regeneração. Esses 3 R’s ressaltam o poder de Deus 
e a dependência do homem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 21 
5. O movimento ecumênico no século XX – algumas observações 
sobre suas origens e contradições 
 
Antonio Gouvea Mendonça 
 
Introdução 
O movimento ecumênico é uma das mais importantes marcas do século 
XX, desde que se considere válido o pressuposto da importância da religião no 
desenrolar da história humana. Há muito se reconhece que as relações com o 
sobrenatural, nas diversas formas que o sagrado assume na sociedade humana, 
condicionam os estilos, as normas e a práxis do homem nas suas relações uns 
com os outros e com a natureza. Mesmo onde a racionalização filosófica ou 
científica passa por alto na nomenclatura dos deuses, estão presentes 
configurações de poderes que desenham universos diferenciados pelos quais os 
homens lutam, às vezes, até às últimas conseqüências. Estes universos 
assumem, para merecer tão extraordinários modelos de comportamento humano, 
feitios que, embora sob disfarces diversos, são poderes verdadeiramente 
religiosos. 
Não é necessário descer a exemplos para comprovar isso que estamos 
afirmando, até porque ideologias políticas, econômicas, símbolos e bandeiras têm 
estado presentes com muita nitidez neste século. Todos nós sabemos os conflitos 
a que têm levado. Assim, o movimento ecumênico, com sua intenção de unificar 
as diversas forças religiosas, acabou revelando mais os desencontros do que os 
pontos de acordo. E o que é muito significativo é que, mais uma vez, embora não 
seja possível negar a sinceridade religiosa dos iniciadores do movimento já no 
século XIX, é a leitura sociopolítica que revela as racionalizações e as intenções 
subjacentes aos conflitos religiosos do nosso tempo. 
É nossa intenção neste trabalho tecer algumas considerações sobre as 
origens do movimento ecumênico e também a de demonstrar como, através da 
sua história, o movimento ecumênico manifesta suas próprias contradições. Isso é 
mais perceptível numa parte do mundo onde a dependência econômica e política 
 22 
se expressa de diversas maneiras, em particular através das idéias e da práxis 
religiosa. Os últimos eventos eclesiásticos e a germinação ininterrupta de novos 
movimentos religiosos mostram como o sobrenatural, na sua multiplicidade de 
faces, está mais presente do que nunca na luta pelas hegemonias de toda ordem. 
Consideramos que o movimento ecumênico é algo que diz respeito 
exclusivamente ao cristianismo. As reações positivas ou negativas a formas não 
cristãs de religião mostradas aqui e ali pelos líderes do movimento ecumênico, a 
nosso ver essas reações nada mais são do que demonstrações de boa vontade e 
de boa vizinhança política, de um lado para com as religiosidades populares e, de 
outro, para com as religiões poderosas do Oriente. Isto sob o ponto de vista 
político, porque sob o prisma da teologia cremos não ser possível ir além do que 
Visser’t Hooft disse a respeito das relações do cristianismo com as outras 
religiões, isto é, que essas relações são de diálogos através dos quais o 
testemunho de Jesus Cristo deve ser dado. 
O diálogo não deve conduzir à aceitação da relatividade, mas ao 
testemunho. A cooperação em tarefas comuns que não colidam com os 
postulados da fé cristã é desejável, mas o sincretismo religioso não está na base 
do movimento ecumênico. É por essa razão que, em certos casos, a expressão do 
movimento ecumênico se torna possível entre segmentos historicamente 
conflitantes do cristianismo quando se trata de confrontar movimentos religiosos 
não-cristãos ou para-cristãos ameaçadores da hegemonia religiosa clássica do 
Ocidente. 
Desse modo, algumas das contradições que aparecerão ao longo deste 
texto são resultantes das contradições internas do próprio
cristianismo quando 
defrontado com os desafios sócio-políticos e, em especial, nas áreas de 
dependência em que a concorrência econômico-política assume formas de 
racionalização religiosa. 
A história do movimento ecumênico é uma história de reações contra 
desafios filosóficos, científicos, econômico-políticos e mesmo religiosos, diante 
dos quais a desunião do cristianismo protestante, em certos momentos, se 
apresentou com preocupante fraqueza. Que elementos podemos recuperar da 
 23 
história do movimento ecumênico que nos ajudem no entendimento de algumas 
de suas atuais dificuldades. 
 
1. O movimento ecumênico e seu ponto de partida: missões 
protestantes e movimento leigo 
 
1.1. As missões protestantes 
 As missões modernas tiveram início nos últimos anos do século XVIII e 
desde logo foi sentida a necessidade de colaboração entre as diversas 
corporações eclesiásticas para maior eficiência diante da gigantesca tarefa de 
levar a mensagem cristã a um mundo cada vez maior. William Carey, considerado 
o fundador das missões protestantes modernas, propugnou desde o início a 
cooperação entre todos os cristãos no campo missionário. 
Há três fatores importantes a serem considerados no estudo das missões 
protestantes modernas: primeiro, a expansão colonial dos povos protestantes; 
segundo, o enriquecimento desses povos, decorrente diretamente ou não dessa 
expansão; terceiro, a vitória de uma proposta teológica que, embora não sendo 
nova na história do pensamento protestante, ganhara relevo a partir do movimento 
religioso de João Wesley, na Inglaterra do século XVIII. 
a) Consideramos o primeiro fator, a expansão colonial dos povos 
protestantes. A Revolução Comercial provocou a europeização do mundo e 
promoveu a extensão do poder político das nações da Europa Ocidental sobre a 
maior parte dos continentes. De fato, as grandes companhias mercantis, como a 
Companhia Inglesa das Índias Orientais, a Companhia Holandesa das Índias 
Orientais, a Companhia de Plymonth, a Companhia de Hudson etc., não somente 
exploravam comercialmente as áreas onde se instalavam, mas também exerciam 
sobre elas o poder político em nome de suas respectivas nações. Essas empresas 
comerciais eram companhias privilegiadas, isto é, possuíam cartas de privilégio 
dos governos que lhes concediam o monopólio do comércio em certa localidade e, 
o que é mais importante sob o nosso ponto de vista, lhes conferia ampla 
 24 
autoridade sobre os habitantes. À presença comercial e política das nações 
protestantes juntava-se sempre a presença religiosa. 
O caso dos holandeses no Nordeste do Brasil, de 1630-1654, sob o 
patrocínio da Companhia das Índias Ocidentais, ilustra bem este fato. O início da 
tentativa de implantação da Reforma naquela parte do país é simultânea com a 
chegada das tropas holandesas comandadas pelo coronel Diederick 
Waerdenburch, em 15 de fevereiro de 1630, que trouxera como capelão o pastor 
Johannes Baers. Parece ter sido esta a prática de todas as expedições comerciais 
que, na maioria dos casos, eram expedições de conquista em todos os sentidos, 
inclusive cultural. A partir do padre Antônio Vieira cresce a convicção de que a 
influência protestante permaneceu no Nordeste, como certas noções calvinistas 
entre os índios da região. A influência da religião holandesa permaneceu também 
em outras partes do mundo, em conseqüência do mesmo tipo de ocupação, à 
semelhança das áreas de influência inglesa. Onde iam os conquistadores, ia 
também a religião. 
b) Um segundo fator foi o enriquecimento dos povos protestantes. Mas o 
mercantilismo provocou o enriquecimento não só das nações que empreendiam 
expedições comerciais, como promoveu a circulação e a acumulação de riquezas 
de modo geral. Assim, a Alemanha e os Estados Unidos também se enriqueceram 
e o acúmulo de bens e bem-estar constituiu estímulos para a expansão 
missionária. 
c) O terceiro fator se situa no contexto da proposta teológica. Observemos 
que desde o Renascimento o individualismo ganhara espaço, inclusive 
introduzindo uma cunha na teologia calvinista. Isto aconteceu na Holanda 
enriquecida quando a burguesia comercial inclinava-se necessariamente para as 
idéias de liberdade individual. Regra geral, o calvinismo anulava o homem, 
cerceando-lhe a liberdade, e Tiago Armínio (1560-1609), teólogo calvinista 
holandês, propôs a doutrina da liberdade humana e a sua capacidade de escolha 
e opção. Para Armínio, Deus dotou o homem da possibilidade de escolher entre a 
bênção e a maldição. Desse modo, Armínio afastava a doutrina calvinista da 
predestinação, que depunha em Deus o destino do homem e colocava nas mãos 
 25 
do homem o seu futuro eterno. As idéias de Armínio provocaram muitas 
controvérsias, mas conquistaram um lugar definitivo no protestantismo. 
É possível, todavia, que as idéias arminianas jamais passassem de mais 
uma oportunidade de debate entre teólogos, não fosse o pregador anglicano João 
Wesley (1703-1791) tê-las assumido e aperfeiçoado. Já gozava o arminianismo de 
certa influência na Igreja Anglicana através das idéias da graça ao alcance de 
todos, da universalidade da obra expiatória de Cristo e da responsabilidade do 
homem pela sua salvação. João Wesley avança no aperfeiçoamento dessas 
idéias, principalmente distinguindo entre a graça, dom de Deus, e a fé, atributo 
humano. Influenciado pelo misticismo e pelo pietismo, Wesley introduz na sua 
teologia os elementos emocionais e os da perfeição cristã ou santificação. 
A salvação em Wesley segue um caminho simples: Deus, pela sua graça, 
oferece a todos os homens a obra expiatória de Cristo; pela fé e num ato 
voluntário o homem aceita ou se apropria dessa oferta, e é justificado; daí por 
diante procura ser digno do sacrifício de Cristo e busca santificar-se cada vez 
mais, vivendo de modo a agradar a Cristo. Este é o aspecto prático da teologia de 
Wesley, visto por muitos como adesão à salvação pelas obras. Mas o fato é que 
Wesley desenvolveu um cristianismo prático e apropriado à sua época e às 
posteriores porque favorecia o individualismo, regulava a vida em épocas de 
grandes mudanças sociais e, principalmente, estimulava a piedade ao lado do 
desempenho pessoal. 
O Renascimento, a Revolução Comercial e a Industrial haviam provocado 
profundas alterações sociais na Europa Ocidental, introduzindo a insegurança 
cada vez maior na massa de indivíduos que buscavam um lugar na sociedade. 
Como resultado, ao lado das oportunidades de ascensão social até então 
inexistentes, os males sociais também se avolumaram, como a violência, vícios 
como o jogo e a embriaguês, a imoralidade e as cruéis repressões tantas vezes 
achadas excessivas pelos filósofos do direito, como o milanês Cesare Beccaria no 
seu famoso tratado Dos delitos e das penas (1764). 
 
 26 
A perversidade do homem e a correspondente insatisfação diante de tal 
estado de coisas foram atribuídas à civilização. O iluminismo romântico 
preconizava a reversão do homem civilizado para o homem natural, no que ele 
encontraria a felicidade. Mas não havia como renegar a civilização. Ela 
apresentava suas regras e o seu progresso exigia obediência às normas de 
probidade, trabalho e cumprimento dos deveres civis e familiares. A felicidade, 
então, parecia estar numa terceira via entre o princípio do prazer e o princípio da 
realidade, isto é, viver de modo a pagar o preço devido à civilização e ao 
progresso com o menor atrito possível com o princípio de realidade. 
Se os ideais românticos sonhavam com o homem natural vivendo em 
simbiose com a natureza, os ideais da civilização e do progresso não tinham outro 
caminho a não ser tentar colocar
o homem em harmonia com o mundo do trabalho 
e da competição. As regras desse novo mundo eram vistas como naturais e a 
harmonia com elas levaria o homem à felicidade. Seria, pelo menos, o máximo de 
felicidade possível no melhor dos mundos possíveis. Uma espécie de estoicismo 
moderno, uma combinação de Zenon de Citium com Leibniz. Seria, como 
registraria bem mais tarde Marcuse: “Uma falta de liberdade confortável, suave, 
razoável, um testemunho do progresso...”. 
É nessa acepção que nos referimos acima ao sentido prático da teologia de 
Wesley. Ela ajudava a inserir os homens no mundo do trabalho, nas suas variadas 
formas e situações, sustentava as normas que o regulamentavam e criava meios 
de reduzir os atritos entre os princípios do prazer e da realidade. Introduzia uma 
terceira via de paz e felicidade relativas, que tornava possível viver razoavelmente 
bem neste mundo, enquanto se esperava a felicidade completa no outro. É por 
isso que o protestantismo ocidental do mundo industrializado e capitalista não 
encontrou até hoje fórmula teológica melhor do que a do metodismo wesleyano, 
pelo menos ao nível da vivência popular. Todas as demais expressões ou 
tentativas teológicas que têm surgido, desde a segunda metade do século XIX até 
hoje, acabaram esbarrando, em última instância, com a velha fórmula de 
conversão do wesleyanismo: converter-se é enquadrar-se da melhor maneira nas 
regras e estruturas deste mundo, que é o melhor possível enquanto se espera a 
 27 
vinda do reino da perfeição, o reino a-histórico de Deus. Para os pobres é assim, 
enquanto que para os poderosos o reino de Deus, seja em que tempo for, antes 
ou depois da Parousia, não é coisa que interesse muito. 
Conseqüentemente, a conversão assim considerada conseguiu reunir e 
solucionar os velhos conceitos pessimistas do mundo. O mundo era originalmente 
bom, mas a civilização o estragou; entretanto, é possível fazer com que a 
civilização se torne um lugar razoavelmente bom para o homem e, para isso, 
certas normas têm de ser seguidas; converter-se é bom para o indivíduo e bom 
para o mundo. E o reino de Deus dos Evangelhos? Esse fica para quando este 
mundo acabar. Esta teologia é imbatível porque consola os despossuídos ao 
mesmo tempo em que dá sustentação às estruturas do mundo moderno. É uma 
teologia romântica e ao mesmo tempo muito racional. 
No confronto com a teologia liberal, a teologia do despertamento religioso 
tomou de empréstimo algumas de suas idéias. Entre elas a idéia de imortalidade, 
que no liberalismo mais radical era uma maneira de descartar a discussão das 
questões referentes ao destino do homem após a morte, já que o que valia era a 
vida em si mesma. Mas para a teologia do mundo industrializado, em que era 
impossível a aquisição da plena felicidade, a discussão do problema da vida após 
a morte era importante porque só ali se completava aquele ideal. Embora a idéia 
de imortalidade da alma tenha sido bem cedo incorporada ao cristianismo, nunca 
ela ganhou tanta relevância como na civilização moderna. Incorporando-lhe as 
idéias de prêmio e castigo, ela se tornou forte esteio das instituições porque o 
futuro da alma depende de como se vive esta vida. A teologia wesleyana, mesmo 
com suas variações posteriores, transformou-se numa espécie de theologia 
perennis do protestantismo contemporâneo. Nas áreas de missão norte-
americana, como exemplo especial o Brasil, esta é uma verdade constatada. 
Essa theologia perennis serviu, ao mesmo tempo, a dois objetivos: primeiro, 
ao desejo de superar, ao menos ao nível das formas de crença, o divisionismo 
protestante, sendo, por isso, assimilada pelo movimento “evangelical”; segundo, à 
necessidade de uniformizar a mensagem missionária. Propiciou, dessa forma, a 
organização de um vasto movimento que, se em nenhum momento conseguiu 
 28 
suplantar o denominacionalismo, constituiu a espinha dorsal do pan-
protestantismo, fornecendo aos protestantes um útil esquema de auto-
identificação diante das várias ameaças à “ortodoxia da Reforma”. No entanto, 
embora estejam no pan-protestantismo as origens do movimento ecumênico, nele 
também estão os germes dos futuros conflitos, especialmente nas áreas de 
missão. 
A apropriação do espírito do “evangelicalismo” por parte do movimento 
missionário levou clérigos de todas as denominações à formação de sociedades 
missionárias interdenominacionais. A Sociedade Missionária de Londres (1795) foi 
a primeira manifestação “ecumênica” protestante, seguindo-se outras como a 
Sociedade de Tratados Religiosos (1799), a Sociedade Bíblica Britânica e 
Estrangeira (1804), a Sociedade Bíblica Americana (1816), a Sociedade 
Americana de Tratados (1825), e assim por diante. Embora algumas dessas 
sociedades interdenominacionais tenham permanecido, como as Sociedades 
Bíblicas, por exemplo, logo o denominacionalismo triunfou e a Sociedade 
Missionária de Londres tornou-se congregacional, enquanto as igrejas iam 
organizando suas próprias juntas missionárias. 
É certo que o esforço para pregar uma mensagem cristã uniforme 
permaneceu, ao mesmo tempo em que se concentraram esforços comuns em 
alguns objetivos como a disseminação da Bíblia e a promoção da saúde através 
da fundação de hospitais. No entanto, na área da educação as missões foram 
criando escolas denominacionais que, apesar de refletirem objetivos e padrões 
uniformes, dependiam das denominações e para elas tentavam canalizar os 
resultados. As missões concentraram suas forças na mensagem conversionista 
“evangelical”, mas foram organizando os convertidos em congregações 
denominacionais, levando para as áreas de missão seus conflitos e suas 
tendências competitivas. Dessa maneira, elas não conseguiam levar o cristianismo 
essencial, mas a denominação. Apesar disso, as missões constituíram forte 
elemento de aproximação das igrejas pela necessidade de companheirismo e 
cooperação entre os agentes missionários, na maioria das vezes trabalhando em 
situações muito adversas. 
 29 
 
1.2. Movimentos leigos 
É possível que as raízes mais robustas do movimento ecumênico tenham 
sido as associações leigas mundiais de jovens, que começaram a surgir a partir da 
segunda metade do século XIX. Talvez os leigos e jovens não estivessem tão 
picados pelas animosidades teológicas e pelo orgulho denominacional e, assim, 
suas organizações puderam ter vida longa e prestar grande serviço ao 
ecumenismo, principalmente no preparo dos seus futuros líderes. A primeira 
dessas instituições foi a Associação Cristã de Moços (ACM), fundada em Londres, 
em 1844, por George William (1821-1905), que se espalhou pelo mundo e se 
organizou mundialmente pela Aliança Mundial das ACM, em 1855. Neste mesmo 
ano foi criada, também em Londres, a Associação Cristã Feminina, sendo formada 
sua Aliança em 1894. 
Além desses ressaltamos um outro importante movimento de jovens, que 
foi o Movimento de Estudantes Voluntários para Missões Estrangeiras, organizado 
em 1886, sob a influência de Dwight L. Moody (1837-1899). Seu organizador foi o 
incansável John R. Mott (1865-1955), leigo metodista norte-americano, uma das 
maiores expressões do movimento ecumênico. Mott criou também, em 1895, a 
Federação Mundial de Estudantes Cristãos. 
Foi secretário geral internacional da Associação Cristã de Moços, presidiu a 
Conferência Internacional de Missão, em Edimburgo (1910), e o Conselho 
Internacional de Missões (1921). Mott teve reconhecidos serviços à causa 
internacional, através dos esforços pela cooperação de todos os cristãos ao longo 
de quase 70 anos, ao receber o Prêmio Nobel da Paz em 1946. Chegou a presidir 
o Conselho Mundial de Igrejas (1954), um ano antes de sua morte.
Mott escreveu 
diversas obras, todas versando sobre missões e cooperação internacional. Outro 
importante movimento de fortes características leigas encontra-se nas 
Convenções Mundiais de Escolas Dominicais, que começaram a acontecer a partir 
de 1889, formando finalmente a Associação Mundial de Escolas Dominicais, em 
1907. 
 30 
A prática do diálogo ecumênico muito deve ao movimento de associações 
mundiais de jovens, ao qual se atribui o uso, pela primeira vez, da palavra 
“ecumênico” na acepção moderna. Ela aparece na correspondência mundial de 
Henri Dunant (1828-1910), quando a serviço da Associação Cristã de Moços, em 
Genebra. Pode-se dizer, no entanto, que o movimento missionário, seja 
interdenominacional, seja eclesiástico-denominacional, e o movimento leigo, 
estavam sob a égide da theologia perennis. A diferença estava nos objetivos, pois 
enquanto as missões buscavam a conversão pura e simples das pessoas à fé 
cristã protestante, as associações de jovens leigos tinham como meta a vivência 
prática do cristianismo e a convivência fraterna dos cristãos sem acepção 
confessional. Por exemplo, parece evidente a presença de católicos nesses 
movimentos, pelo menos nas ACM, pela proibição aos católicos de nela entrar por 
parte do papa Bento XV (1914-1922). 8 Os anglo-católicos, como outro exemplo, 
inseriram-se no movimento ecumênico pela influência do Movimento de 
Estudantes Cristãos Britânicos (Student Christian Movement — SCM). 
 
2. Ecumenismo, Congresso de Edimburgo (1910) e o início da perda da 
convergência 
Sob o influxo da Aliança Evangélica que, embora expressando interesses 
individuais muito já tivesse feito pela aproximação entre as igrejas, avançou o 
movimento ecumênico através da obra missionária e do movimento leigo 
internacional até o marco decisivo do ecumenismo, o Congresso de Edimburgo, 
em 1910. 
Esse Congresso constituiu a matriz de vários desdobramentos do 
movimento ecumênico, sendo que alguns deles merecem uma rápida análise. No 
entanto, o próprio Congresso, tanto na sua organização como no 
desenvolvimento, revelou uma contradição fundamental que iria afetar o 
movimento ecumênico de maneira muito sensível e duradoura. Ao contrário das 
conferências missionárias que o antecederam, compostas, regra geral, por 
pessoas interessadas e de boa vontade, preocupadas com o relacionamento 
intereclesiástico nas áreas de missão, freqüentemente prejudicada pela 
 31 
competição, a Conferência Missionária Mundial de Edimburgo reuniu 
representantes oficiais de várias sociedades missionárias. Foi uma conferência 
tecnicamente muito bem preparada e muitos dos líderes do movimento ecumênico 
do século atual ali receberam inspiração e direção. Edimburgo foi momento 
decisivo na história ecumênica. 
a) A primeira das grandes conquistas ecumênicas de Edimburgo foi a sua 
preparação: John R. Mott, idealizador, realizador e presidente do Congresso, 
escreveu sozinho cartas pessoais a cerca de 600 pessoas do mundo inteiro 
solicitando pronunciamento sobre a “expansão do Evangelho no mundo não 
cristão.” A correspondência de Mott constituiu o primeiro diálogo ecumênico. Aliás, 
nunca é demais ressaltar a obra de Mott quando o assunto é ecumenismo. Mott foi 
Prêmio Nobel da Paz (1946) e presidente do Conselho Mundial de Igrejas (1954), 
após ter desenvolvido intensa atividade ecumênica internacional, criando a 
Federação Mundial de Estudantes Cristãos (1895). Também foi secretário geral 
internacional da Associação Cristã de Moços, presidindo o Congresso de 
Edimburgo (1910) e o Conselho Internacional de Missão (1921), sendo também o 
seu presidente honorário (1942). O pensamento de Mott centralizava-se na 
evangelização do mundo através de um labor comum de todas as igrejas, levando 
em conta a essência do Evangelho acima das barreiras confessionais. Isto está 
presente em sua ação e relatado em seus escritos: Evangelization of the world in 
this generation (1900), Cooperation and the world mission (1935) e Adresses and 
papers of John R. Mott (1946). De fato, a intensa preparação do Congresso, 
liderada por Mott, chamava a atenção dos líderes mundiais do protestantismo para 
a necessidade e possibilidade de cooperação entre as igrejas na área missionária, 
pondo de lado as diferenças confessionais, o que por si só caracterizou o 
Congresso como marco do movimento ecumênico. 
b) A segunda das grandes conquistas do Congresso de Edimburgo foi a 
determinação de que as pessoas que viessem ao Congresso fossem delegados 
de suas organizações, isto é, sociedades missionárias, não igrejas. Como diz Jan 
Hermelink, 10 “estava rompida a esfera de puro diletantismo em assuntos 
 32 
ecumênicos, e um saudável elemento de compromisso e responsabilidade 
ingressou a partir de então nos encontros ecumênicos”. diletante 
c) A terceira conquista foi o princípio da liberdade, isto é, as decisões 
tomadas no Congresso em hipótese alguma comprometiam as instituições ali 
representadas. Esse princípio tornou-se chave no movimento ecumênico e evoluiu 
até à constituição do Conselho Mundial de Igrejas, afastando, assim, o risco do 
surgimento de uma futura “super-Igreja”. No entanto, é bom lembrar que, apesar 
disso, os inimigos do ecumenismo, dentre eles Carl McIntire, nunca deixaram fugir 
a oportunidade de apontar o movimento ecumênico como projeto, não só de uma 
Igreja mundial, mas de um Estado mundial. 
Todavia, como já pudemos registrar, o Congresso de Edimburgo, a exemplo 
do que freqüentemente acontece na história, e apesar da sua cuidadosa 
preparação, revelou desconhecimento por parte da liderança organizadora da 
verdadeira situação das chamadas “igrejas novas” nas áreas missionárias, 
principalmente naquelas regiões já historicamente ocupadas pela Igreja Católica. 
Não houve consciência das formas e estratégias pelas quais essas igrejas haviam 
se inserido nos interstícios de sociedades culturalmente configuradas pela 
civilização católica romana. 
Decorre disso o grande erro que, embora de boa fé, cometeu o Congresso 
ao ignorar a América Latina, não contemplando esta parte do mundo como área 
de evangelização, dado a presença histórica da Igreja Católica. Atribuímos este 
fato ao elevado espírito ecumênico do Congresso ao considerar a Igreja Católica 
como cristã em todos os sentidos, reputando desnecessária ação missionária 
onde ela estava presente. A orientação do Congresso demonstrou como grandes 
e teoricamente corretas decisões podem produzir efeito contrário ao pretendido, 
principalmente quando não se levam em conta as situações conjunturais e até 
estruturais da realidade. Por isso, se o Congresso constituiu, no sentido global, o 
grande marco do movimento ecumênico, para a América Latina veio a ser um 
entrave que se prolonga até hoje. Esta foi a contradição fundamental do 
Congresso. 
 33 
A reação a esse aspecto do Congresso de Edimburgo veio alguns anos 
após, em 1916, através do Congresso de Obra Cristã na América Latina, ocorrido 
no Panamá. Mas, como argumentamos atrás, a desinformação do Congresso a 
respeito da realidade religiosa da América Latina foi um fator negativo e que pode 
ser analisado sob dois aspectos: o sociológico e o teológico. No primeiro caso, 
não se levou em conta que o protestantismo na América Latina era absolutamente 
minoritário e buscava espaço num campo religioso inteiramente dominado pelo 
catolicismo romano. Era uma dura disputa de mercado religioso. No segundo, 
desconheceu-se a característica teológica da mensagem religiosa empregada 
pelas missões. 
A mensagem missionária tinha duas características principais, entre outras: 
era conversionista e doutrinária. A separação entre estes dois
aspectos da 
mensagem é meramente pedagógica porque, de fato, são complementares na 
maioria das vezes. Os casos de adesão exclusivamente intelectual ao 
protestantismo, passando pelo convencimento da “verdade” protestante em 
relação à “falsidade” católica, não foram raros. Esta epistemologia comparativa foi 
muito usada pelos missionários e pregadores nacionais e se fez presente nos 
seus sermões e cânticos sagrados adaptados no Brasil e na América Latina. A 
pregação doutrinária, pedagógica, às vezes de um racionalismo muito acentuado, 
tem sido historicamente o forte dos púlpitos protestantes. Contudo, o elemento 
emocional da teologia perennis percorria caminho mais rápido na adesão das 
pessoas ao protestantismo. Os melhores pregadores sempre foram aqueles que 
conseguiram aliar a lógica à emoção. 
A mensagem das missões protestantes, fosse conversionista ou doutrinária, 
objetivava sempre uma “mudança de mente” e uma “mudança de vida”, o que 
equivalia à substituição de valores tradicionais por novo padrão de cultura, 
resultando num forte distanciamento do mundo circundante. Este mundo era o 
lugar do pecado, do erro, antagônico, portanto, ao universo da “verdade” que o 
converso passava a aceitar. Ora, toda a responsabilidade pelo “erro” cabia ao 
ensino e à prática da Igreja Católica. Assim afirmavam os missionários nas suas 
 34 
mensagens e nos hinos que ensinavam aos seus adeptos. Vejamos, a título de 
exemplo, o que diz um desses hinos na sua versão tradicional: 
 
Da vaidade fiéis servos / Ou romanos ou ateus 
Muitas vezes nos assaltam / Para nos tornarem seus; 
Mas se alguém procura ver-nos / Sem o gozo do bom Deus. 
Vencendo vem Jesus! (Salmos e Hinos, 1957, n. 579). 
 
Em suma, a mensagem missionária visava converter os católicos ao 
protestantismo, tirando-os do “erro” e oferecendo-lhes a “verdade”. Como, pois, 
convencer os protestantes, principalmente seus líderes, que haviam abandonado 
a Igreja Católica, acusada de herética, para aceitar uma “nova religião”, afirmada 
como verdadeira, de que sua antiga Igreja era cristã e de que não era necessário 
continuar evangelizando os católicos? Teriam sido vítimas de um trágico engodo?

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