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Escolas teoricas funcionalismo, acao social e interacionismo

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Escolas teóricas - panorama sobre funcionalismo, sociologia da ação social e interacionismo simbólico
Marcus Alves[1: Anotações para aula. Sociologia Geral e Jurídica. Doutor em Sociologia pela UnB.]
Em nossos encontros temos nos esforçado no entendimento da sociologia enquanto uma ciência que tem um desenvolvimento histórico preciso. Nesse esforço a sociologia aparece como sendo uma disciplina detentora de um conjunto de conceitos, categorias analíticas e sistema metodológico precisos – capazes de lhes dar a autonomia que a ciência construiu ao longo dos séculos XIX e XX. 
Conceitos como fato social, ação social, classe, conflito, mudança, modernidade, cultura, e civilização tem aparecido com freqüência em nosso cotidiano acadêmico. Esse conjunto de conceitos foi se cristalizando desde Augusto Comte aos nossos dias, passando por autores clássicos como Max Weber, Karl Marx, Durkheim, George Simmel ao mais contemporâneos como Giddens ou Aron e Alain Touraine. 
Vocês já devem ter percebido a dificuldade típica da sociologia em trabalhar exclusivamente com uma única perspectiva teórica ou metodológica. É uma ciência que não comportar uma síntese única em torno de modelo. A diversidade paradigmática faz parte do próprio desenvolvimento da sociologia desde os seus primeiros tempos. Raymond Boudon há algum tempo atrás já nos indicava isso: “De fato nessa disciplina observamos, ao contrário, permanentes divergências sobre os princípios que a definem”.[2: Conf. BOUDON, Raymond. Tratado de Sociologia. Jorge Zahar Editor.Rio de Janeiro, 1995. p. 11]
No entanto, quando dizemos diversidade e multiplicidade teóricas não falamos necessariamente da ausência de paradigmas ou de escolas teóricas capazes de orientar o debate e o desenvolvimento intelectual da ciência. É que os paradigmas da sociologia se nutrem e se estruturam a partir dessa tradição da diversidade. É disso que falamos. E já podemos identificar esse cenário a partir mesmo dos clássicos, aqui pensado em torno da obra de Marx, Durkheim e Max Weber. Cada um desses autores nos é apresentado como um clássico, um dos fundadores do campo da sociologia. 
É o que podemos recortar, por exemplo, nas próprias discussões temáticas que temos apresentado a vocês ao longo desses nossos encontros semanais. Muitos conceitos que apresentamos aqui tiveram suas origens no pensamento de algum desses clássicos. E eles nos deixam de herança matrizes teóricas e metodológicas capazes de iluminar os nossos melhores debates em nossos dias. Podemos ver isso, por exemplo, na tríade das escolas teóricas desenvolvidas por Anthony Giddens. 
O autor inglês, ele próprio responsável por uma espécie de renovação teórica da sociologia, nos fala da existência de três grandes escolas sociológica: o funcionalismo, a teórica do conflito e o interacionismo simbólico. O funcionalismo, como vimos a partir de Durkheim, se sustenta sob hipótese da sociedade ser um sistema complexo, cujas partes (instituições, indivíduos, grupos sociais, normas, leis e tradições) trabalhariam para manter esse sistema em equilíbrio. “O funcionalismo enfatiza a importância do consenso moral para se manter a ordem e a estabilidade na sociedade”, acrescenta Giddens. [3: Vimos essa perspectiva, por exemplo, nos conceitos de solidariedade orgânica e mecânica desenvolvidos por Durkheim. Conferir detalhes dessa perspectiva em GIDDENS, Anthony. Sociologia. Artmed, 2005. p. 35.]
A partir de noções desenvolvidas inicialmente na esfera biológica, o funcionalismo é como nos adverte William Outhwaite e Tom Bottomore, uma orientação na qual as conseqüências dos fenômenos empíricos constituem o centro das atenções. Acrescento de comum acordo com vários autores, que o termo funcionalismo tem uma variedade de abordagens divergentes, mas elas tem em comum o sentido de integração sistêmica da sociedade. Será nesse sentido de função como elemento de correspondência entre instrumentos diversos, que o próprio Durkheim ao estudar a divisão do trabalho vai caracterizar o termo função. Ao mostrar a função da divisão do trabalho, o autor francês explica o método para determinar essa função. Durkheim escreve: 
“A palavra função é empregada de duas maneiras bastante diferentes. Ora designa um sistema de movimentos vitais, fazendo-se abstração das suas conseqüências, ora exprime a relação de correspondência que existe entre esses movimentos e algumas necessidades do organismo. Assim, fala-se da função da digestão, de respiração, etc.; mas também se diz que a digestão tem por função presidir à incorporação no organismo das substâncias líquidas ou sólidas destinadas a reparar suas perdas; que a respiração tem por função introduzir nos tecidos do animal os gases necessários à manutenção da vida etc. É nessa segunda acepção que entendemos a palavra. Perguntar-se qual é a função da divisão do trabalho é, portanto, procurar a que necessidade ela corresponde....”[4: Conf. DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 13.]
Peço desculpas pela longa citação, mas ela torna-se absolutamente importante se se considerar a necessidade de pensarmos o modo específico de Durkheim elaborar suas questões. A citação também no permite entender como o funcionalismo durkheimeniano trabalha numa perspectiva sistêmica da sociedade que teria primazia sobre o indivíduo. O sentido geral do funcionalismo indica que a sociedade é vista como um organismo vivo cujas partes exercem funções úteis que fazem avançar o todo. 
Ao mesmo tempo em que a perspectiva funcional de Durkheim tinha muito seguidores, também encontrava uma série de críticos entre os quais podemos identificar os sociólogos que se afiliam às correntes da teoria do conflito e também aqueles apegados à escola do interacionismo simbólico.
A teoria do conflito, como vimos em outro encontro nosso, tinha como matriz o pensamento dialético de Karl Marx e todos os aspectos da luta de classes. Vamos nos apegar agora neste momento na tendência teórica identificada como sociologia da interação social ou da ação social. 
O primeiro princípio da sociologia da ação social, como nos lembra Boudon, consiste em considerar seriamente que todo fenômeno social, é resultado de ações, atitudes e de comportamentos individuais. Se Durkheim é a fonte para o funcionalismo e Marx é a matriz para a teoria do conflito, Max Weber passa a ser a referência teórico-metodológica mais forte para a teoria da ação social. Mas, nos adverte Giddens, ainda que Max Weber seja apontado como o mais antigo defensor da perspectiva da ação social, esse ponto de vista foi mais amplamente desenvolvido no ambiente intelectual do interacionismo simbólico. Escreve Boudon, ao distinguir os termos sociologia da ação, sociologia interacionista e sociologia acionista: 
“(...) Designa-se interacionismo simbólico um paradigma, ou melhor, um estilo de investigação sociológica que se caracteriza pela ênfase dada aos aspectos simbólicos das relações de interação social”. [5: Op. cit. p. 29.]
É uma linha que trabalha numa perspectiva do que nos acostumamos chamar de uma microssociologia, voltada para análise de grupos sociais concretos. Influenciada por Max Weber, essa corrente se desenvolve de forma forte nos Estados Unidos onde é considerada um produto da Escola de Chicago, que por várias décadas se cristalizou como uma espécie de oposição ao funcionalismo e às abordagens empíricas quantitativas. 
É como diz Outhwaite e Bottomore: “A expressão ‘interação simbólica’ foi cunhada por Herbert Blummer em 1937. Indica que esse ramo da sociologia e da psicologia social se concentra em processos de interação que lhe enfatiza o caráter simbolicamente mediado”[6: Ver: Outhwaite e Bottomore op. cit. p. 393.]
A partir dessa perspectiva podemos entender melhor como as linhas teóricas de Durkheim e também de Marx começam a receber uma série de questionamentos, pois já não se trata de perceber estruturas sociais rígidas que vão condicionar os indivíduos no mundo vivido. As relações sociais, se seguirmosos passos sugeridos por Outhwaite e Bottomore, não seria apenas a concretização de regras pré-estabelecidas. As relações sociais passam a abertas e construídas de variadas situações de diálogos, de tensões e conflitos negociados e constituídos por meio de uma aprovação comum dos indivíduos envolvidos no processo. 
No dizer de Outhwaite e Bottomore: “Esse princípio básico do interacionismo simbólico explica a sua afinidade metodológica como os chamados métodos qualitativos, particularmente a abordagem da observação participante e a utilização de dados biográficos “[7: Op. cit. p 393. ]
A entrada desses recursos metodológicos no ambiente da sociologia indicam-nos uma tendência ao questionamento ao predomínio das estruturas sociais sobre os indivíduos, que pode ser vista na tradição da escola francesa liderada por Durkheim. Segundo os críticos ao funcionalismo, de acordo com Giddens, o homem habita um mundo permeado por significações culturais. “ Para eles, os fenômenos sociais são significados precisamente diferentes das ‘coisas’, mas dependem dos significados simbólicos que emprestamos ao que fazemos. Não somos as criaturas da sociedade, mas os criadores desta”.[8: GIDDENS, op. cit. p. 531.]
Após diversos desenvolvimentos teóricos e metodológicos da sociologia ao fim do século XIX e durante todo o século XX, Anthony Giddens nos indica que estamos ainda longe de resolvermos totalmente essas controvérsias que de um modo geral habitam a teoria funcionalista e a teoria do conflito. Giddens no esforço de fazer uma síntese nos deixa uma colaboração muito própria, que dá valor a muitos aspectos da teoria funcionalista ao mesmo tempo em que a supera por meio do conceito de estruturação. 
Giddens avalia que as instituições sociais de fato precedem a existência de qualquer indivíduo e do mesmo modo elas exercem uma coerção sobre nós. Mas, entretanto, seria um erro supor que a sociedade seja “externa” a nós do mesmo modo que o mundo físico. Além disso, acrescenta Giddens, ainda que os fatos sociais possam restringir aquilo que fazemos, eles não determinam o que fazemos. Ele lembra, por exemplo, que um indivíduo pode optar por vivem ser uso do dinheiro, mesmo que vá passar por sérias dificuldades em seu dia-a-dia. Escreve Giddens: “Como seres humanos, nós, de fato, fazemos escolhas e não simplesmente respondemos passivamente aos acontecimentos à nossa volta”.
A partir de tal afirmativa, ele considera que o caminho para preencher a lacuna entre as abordagens da “estrutura” (leia-se Karl Marx e Durkheim ) e a abordagem da “ação” seria o reconhecimento de que temos um papel ativo na construção e na reconstrução da estrutura social em nosso cotidiano. Para essa tendência que considera o indivíduo como ativo no processo, ele desenvolve o conceito de estruturação. 
Por esse seu entendimento, recente na sociologia podemos entender uma relação entre a estrutura e a ação. Como o próprio Giddens defende: 
“As sociedades, as comunidades ou os grupos sociais somente possuem uma ‘estrutura’ até onde as pessoas se comportam de modo regular e até certo ponto previsível. Por outro lado a ‘ação’ só é possível porque cada um de nós, enquanto indivíduos, possui um enorme conhecimento socialmente estruturado”. [9: Conf. GIDDENS, op. cit. p. 531.]

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