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HDB CONSTITUIÇÃO 1824

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
HISTÓRIA DO DIREITO BRASILEIRO
OBSERVAÇÕES ACERCA DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1823 (I)
Nos dois primeiros anos após a Independência, o debate político se configurou em torno da aprovação de uma Constituição, que deveria ser produzida e votada por uma Assembléia Constituinte que começou a se reunir no Rio de Janeiro em maio de 1823.
Logo no início dos trabalhos da Assembléia Constituinte, começaram a surgir divergências entre os constituintes (na maioria, liberais moderados) e as tendências centralizadoras, autoritárias e absolutistas de D. Pedro I, apoiado a princípio por Jose Bonifácio.
As desavenças entre o Imperador e os constituintes se produziram em torno das atribuições do Poder Executivo (o imperador) e o Legislativo – os constituintes não queriam que o imperador tivesse o poder de dissolver a Câmara dos Deputados, nem que pudesse negar a validade de qualquer lei aprovada pelo Legislativo.
Já o imperador e os círculos políticos que o apoiavam achavam que era necessário um Executivo forte, capaz de conter as “tendências democráticas e desagregadoras”.
Tais divergências levaram ao afastamento de José Bonifácio do ministério em julho de 1823 , imprensado entre as críticas dos liberais e as insatisfações dos conservadores e posteriormente à dissolução da Assembléia Constituinte, com o apoio dos militares.
Durante o período em que esteve reunida a Assembléia Constituinte para a elaboração da primeira constituição do Brasil independente (entre maio e novembro de 1823, o debate político foi intenso, com frequentes mudanças de posição.
Quando o projeto da Constituição começou a ser discutido, as galerias ficaram lotadas, com populares acompanhando o posicionamento dos parlamentares a respeito dos direitos civis e suas opiniões sobre a maior ou menor extensão dos direitos políticos, com uma tendência clara para a não extensão destes direitos a todos os membros da sociedade.
Havia a preocupação com as parcelas mestiças que podiam ser excluídas do processo político. Por sua vez a participação política dos que fossem considerados cidadãos deveria ser graduada entre cidadãos “passivos” e “ativos” – para ser brasileiro, segundo o deputado Rocha Franco, não bastava apenas a naturalidade ou a naturalização, devendo-se somar a tais critérios, a residência no Brasil e a propriedade, o que significava dizer que a residência e a propriedade seriam os caracteres distintivos da cidadania.
Quando se votou a proposição da extensão dos direitos de cidadãos aos LIBERTOS, ela foi rejeitada.
Aos poucos, a Assembléia ia sendo pautada pelo cotidiano das ruas e pela intensa participação popular, até a sua dissolução.
A constituição de 1824 (caracterização inicial):
Com a dissolução da Assembléia Constituinte e a prisão de vários deputados, dentre eles os irmãos Andradas (José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos), o imperador cuidou de criar uma comissão de “notáveis” que elaborassem um projeto de constituição que resultou na Constituição outorgada em 25 de março 1824 - apesar de OUTORGADA, esta constituição marcou o início da institucionalização da monarquia constitucional, configurando-se a partir daí os Poderes do Estado, as garantias de direitos e a contenção de abusos – a prática constitucional somente teria início em maio de 1826, quando se instalou o Legislativo.
A Constituição de 1824 não diferia muito da proposta dos constituintes de 1823 – a grande diferença é que ela foi imposta pelo imperador ao “povo”, ou seja àquela minoria de brancos e mestiços que tinham participação política. 
Com relação ao alcance da Constituição de 1824, devemos destacar dois pontos essenciais: Havia um contingente expressivo da população (os escravos) que estava excluído de seus dispositivos. Ainda que a Constituição representasse um avanço do ponto de vista da organização dos poderes, da definição de atribuições e de garantia dos direitos individuais, sua aplicação seria muito relativa, especialmente no campo dos direitos em um país onde a maioria da população livre dependia dos grandes proprietários rurais, onde só uma minoria (bem pequena) tinha alguma instrução e onde existia uma tradição autoritária. 
A outorga da Constituição de 1824.
O primeiro processo constitucional do Brasil iniciou-se com um decreto do príncipe D. Pedro, que no dia 3 de junho de 1822 convocou a primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa da nossa história, visando a elaboração de uma constituição que formalizasse a independência política do Brasil em relação ao reino português. Dessa maneira, a primeira constituição brasileira deveria ter sido promulgada. Acabou porém, sendo outorgada, já que durante o processo constitucional, o choque entre o imperador e os constituintes, mostrou-se inevitável.
Haviam conservadores e liberais radicais. Os primeiros, representados por José Bonifácio resistiram inicialmente à idéia de uma Constituinte, mas por fim pressionados, acabaram aderindo, com a defesa de uma rigorosa centralização política e a limitação do direito de voto. Já os liberais radicais, por iniciativa de Gonçalves Ledo, defendiam a eleição direta, a limitação dos poderes de D. Pedro e maior autonomia das províncias.
A posição da Assembléia em reduzir o poder imperial, faz D. Pedro I voltar-se contra a Constituinte e aproximar-se do partido português que defendendo o absolutismo, poderia estender-se em última instância, à ambicionada recolonização. Com a superação dos radicais, o confronto político se polariza entre os senhores rurais do partido brasileiro e o partido português articulado com o imperador. Declarando-se em sessão permanente, a Assembléia é dissolvida por um decreto imperial em 12 de novembro de 1823. A resistência conhecida como "Noite da Agonia" foi inútil . Os irmãos Andradas, José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos, são presos e deportados.
Perdendo o poder que vinham conquistando desde o início do processo de independência, a aristocracia rural recua, evidenciando que a formação do Estado brasileiro não estava totalmente concluída.
Esta constituição vigorou, com algumas modificações, até o final do período imperial e apresentou como principais características:
A forma de governo foi definida como MONÁRQUICA, HEREDITÁRIA e CONSTITUCIONAL.
O império teria uma nobreza, mas não uma aristocracia, cujos títulos seriam concedidos pelo imperador, não sendo, todavia hereditários.
A religião católica continuou como religião oficial, (o Estado Monárquico Brasileiro era CONFESSIONAL) permitindo-se o culto particular de outras religiões, sem que houvesse, todavia, “forma alguma exterior de templo”.
O Poder Legislativo foi dividido em duas instâncias: a Câmara dos Deputados e o Senado – para a Câmara, a eleição era temporária, enquanto que, para o Senado, era vitalícia.
O voto era INDIRETO e CENSITÁRIO – INDIRETO (até a reforma de 1881) porque os votantes (que corresponderiam a massa atual de eleitores) votavam em um CORPO ELEITORAL, em ELEIÇÕES PRIMÁRIAS, o qual elegia os deputados e CENSITÁRIO porque para ser votante primário, fazer parte do CORPO ELEITORAL (COLÉGIO ELEITORAL), ser deputado ou ser senador, o indivíduo deveria atender a alguns requisitos, dentre os quais (e principalmente) de NATUREZA ECONÔMICA.
O país foi dividido em províncias cujos presidentes eram nomeados pelo imperador, ao mesmo tempo em que se asseguravam, formalmente, os direitos individuais (igualdade perante a lei, liberdade de religião com algumas restrições, liberdade de pensamento e de manifestação).
o Judiciário, apesar de formalmente independente, encontrava-se sob a égide dos interesses da administração. 
Foram instituídos o Conselho de Estado e o Poder Moderador que desempenhariam importantes papéis no desenvolvimento da história política do Império.
O Conselho de Estado era um órgão composto por conselheiros vitalícios nomeados pelo Imperador dentre cidadãos brasileiros com idade mínima de 40 anos (idade avançada para a época), renda nãoinferior a 800 mil-réis e que fossem pessoas de “saber, capacidade e virtude” – o Conselho deveria ser ouvido nos “negócios graves e medidas gerais da pública administração”, como por exemplo, declaração de guerra e ajustes de pagamentos.
O Poder Moderador provinha de uma idéia do escritor francês Benjamin Constant que defendia a separação entre o Poder Executivo, cujas atribuições caberiam aos ministros do rei, e o poder propriamente imperial, chamado de neutro ou MODERADOR – tal poder, exercido pelo monarca (pelo imperador), teria a função de moderar as disputas mais sérias e gerais, interpretando a “vontade e o interesse nacional”, não intervindo na administração do dia-a-dia.
No Brasil nunca houve uma clara separação entre o Poder Moderador e o Poder Executivo, resultando uma concentração de atribuições nas mãos do imperador.
Assim, pelos princípios constitucionais, a figura do imperador foi considerada sagrada e inviolável, NÃO ESTANDO SUJEITA A RESPONSABILIDADE ALGUMA, cabendo a ele, dentre outros pontos, a nomeação de senadores, a faculdade de dissolver a Câmara e convocar eleições para renová-la e o direito de sancionar, ou seja, aprovar ou vetar as decisões da Câmara e do Senado. 
Estrutura da Constituição de 1824. 
Foi a primeira constituição de nossa história e a única no período imperial. Com a Assembléia Constituinte dissolvida, D. Pedro I nomeou um Conselho de Estado formado por 10 membros que redigiu a Constituição, utilizando vários artigos do anteprojeto de Antônio Carlos. Após ser apreciada pelas Câmaras Municipais, foi outorgada (imposta) em 25 de março de 1824, estabelecendo os seguintes pontos:
- um governo monárquico unitário e hereditário.
- voto censitário (baseado na renda) e descoberto (não secreto).
- eleições indiretas, onde os eleitores da paróquia elegiam os eleitores da província e estes elegiam os deputados e senadores. Para ser eleitor da paróquia, eleitor da província, deputado ou senador, o cidadão teria de ter, agora, uma renda anual correspondente a 100, 200, 400, e 800 mil réis respectivamente.
- catolicismo como religião oficial.
- submissão da Igreja ao Estado.
- quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. O Executivo competia ao imperador e o conjunto de ministros por ele nomeados. O Legislativo era representado pela Assembléia Geral, formada pela Câmara de Deputados (eleita por quatro anos) e pelo Senado (nomeado e vitalício). O Poder Judiciário era formado pelo Supremo Tribunal de Justiça, com magistrados escolhidos pelo imperador. Por fim, o Poder Moderador era pessoal e exclusivo do próprio imperador, assessorado pelo Conselho de Estado, que também era vitalício e nomeado pelo imperador.
O poder arbitrário e absoluto do imperador 
Nossa primeira constituição fica assim marcada pela arbitrariedade, já que de promulgada, acabou sendo outorgada, ou seja, imposta verticalmente para atender os interesses do partido português, que desde o início do processo de independência política, parecia destinado ao desaparecimento. Exatamente no momento em que o processo constitucional parecia favorecer a elite rural, surgiu o golpe imperial com a dissolução da Constituinte e consequente outorga da Constituição. Esse golpe, impedia que o controle do Estado fosse feito pela aristocracia rural, que somente em 1831 restabeleceu-se na liderança da nação, levando D. Pedro I a abdicar.
O Poder Judiciário 
Denominado Poder Judicial, com competências definidas, mas que foram, todavia, inviabilizadas no próprio texto constitucional pela força atribuída ao Poder Moderador. Os atributos constitucionais do Poder Real provocaram profundos efeitos sobre a organização do Poder Judiciário e sobre o exercício de suas atribuições também estabelecidas pela Constituição. Na vigência do período monárquico, acima dos poderes políticos, havia a função moderadora do chefe de Estado, que a eles se sobrepunha para dirimir os conflitos.
Diferentemente de outras Constituições da época,2 a atividade jurisdicional no Império era também exercida pelo Poder Moderador,3 que a si resguardava não só as competências para perdoar e moderar as penas, como também as de suspender os magistrados do exercício de suas funções. 
Eleições: o afastamento do povo 
A constituição outorgada afastou totalmente a grande maioria do povo da vida política que, assim, não tinha cidadania plena. De que maneira? Condicionou o direito eleitoral a certos níveis de renda, que a maior parte da população não tinha (voto censitário). Para votar, a pessoa precisava ter renda anual de, pelo menos, 100 mil réis. Para ser candidato a deputado, a renda anual deveria ser de 400 mil réis, para senador a renda deveria ser maior: 800 mil réis. Só os ricos podiam votar e ser eleitos. 
A submissão da Igreja ao imperador 
A constituição de 1824 declarou o catolicismo religião oficial do Brasil. A relação entre a Igreja Católica e o Estado era regulada pelo regime do padroado. 
Os membros da Igreja recebiam ordenado do governo sendo quase considerados funcionários públicos, e o imperador nomeava os sacerdotes para os diversos cargos eclesiásticos.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO PERÍODO IMPERIAL: 
A Constituição de 1824 deu nova feição à Justiça brasileira, elevando-a à condição de um dos poderes estatais (Do Poder Judicial – Título VI). Pela Constituição imperial, o Poder Judiciário se organizava da seguinte forma: 
PRIMEIRA INSTÂNCIA:
Juizes de Paz – para conciliação prévia das contendas cíveis e, pela Lei de 15 de outubro de 1827, para instrução inicial das causas criminais, sendo eleitos em cada distrito. 
Juizes de Direito – para julgamento das contendas cíveis e criminais, sendo nomeados pelo Imperador. 
SEGUNDA INSTÂNCIA:
Tribunais de Relação (Provinciais) - Para julgamento dos recursos das sentenças (revisão das decisões)
TERCEIRA INSTÂNCIA: 
Supremo Tribunal de Justiça - Para revista de determinadas causas e solução dos conflitos de jurisdição entre Relações Provinciais. (O Supremo Tribunal de Justiça foi efetivamente criado pela Lei de 18 de setembro de 1828, compondo-se de 17 Ministros - ao mesmo tempo em que foi extinta a Casa da Suplicação, o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens). 
ATENÇÃO (I) !!!
O Poder Moderador, exercido pelo Imperador, agia sobre o Poder Legislativo (direito de dissolução da Câmara, direito de adiamento e de convocação, direito de escolha, na lista tríplice, dos senadores), agia sobre o Poder Judiciário pelo direito de suspender magistrados (na prática, o texto constitucional negava a vitaliciedade e inamovibilidade dos juízes, assim como não assegurava a irredutibilidade de vencimentos), influía sobre o Poder Executivo pelo direito de escolher livremente seus ministros de Estado e livremente demiti-los – em nosso parlamentarismo o Imperador reinava e governava – a ação do poder do soberano encontrava-se reforçada pela existência de dois órgãos no aparelho político central: o Senado (órgão de reação contra as possíveis tendências excessivamente liberais da Câmara dos Deputados) e o Conselho de Estado (órgão consultivo que aconselhava o Imperador nas medidas administrativas e políticas, constituindo-se em intérprete supremo da Constituição).
ATENÇÃO (II) !!!
A carta constitucional de 1824 criou um Estado Unitário, vigorosamente centralizado política e administrativamente na capital do Império e nos poderes que a Constituição criou, tornando impraticável qualquer aspiração de autonomia dos poderes locais – o art. 165 estabelecia que cada província teria um presidente nomeado pelo Imperador que o poderia remover quando o bom serviço do Estado assim o entendesse; os artigos 81 e 84 tratavam das atribuições dos Conselhos Gerais das Províncias, que entre 1826 e 1834 se constituíram em meros órgãos consultivos, devendo as deliberações tomadas em maioria serem remetidas ao Poder Executivo (no Rio de Janeiro), por intermédio do Presidente da Província – se a Assembléia Geral estivesse reunida, as deliberações eramenviadas pela Secretaria de Estado para serem propostas como projetos de lei e para obterem a aprovação da Assembléia por uma única discussão em cada câmara - no caso do Legislativo não estar reunido, o Imperador poderia mandar executá-las provisoriamente ou negar-lhes aplicação.

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