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:r --~---- __ _ _ _ _ _ __ __ Há cerca de 2,3 bilhões de anos, micróbios incomuns insuflaram vida nova no jovem planeta Terra, preenchendo os céus com oxigênio. Sem esses seres, hoje denominados cianobactérias, a maior parte da vida que conhecemos nunca teria evoluído. Mas outro grupo de micróbios unicelu- lares estava tornando o planeta habitável muito tempo antes delas. Metanógenos que detestam oxigênio reinaram supre- mos durante os primeiros 2 bilhões de anos de história da Terra, e o efeito estufa que eles produziam teve conseqüências profundas para o clima. Os cientistas começaram a suspei- tar da enorme importância do metano há 25 anos, mas foi só nos últimos três anos que os fragmentos dessa história antiqüíssima se encaixaram. Simula- ções em computador revelaram que o gás (que sobrevive dez anos na atmos- fera de hoje) pode ter durado até 10mil anos num mundo sem oxigênio. Não existe nenhum fóssil daquela época, mas a maioria dos microbiólogos con- sidera que os metanógenos estiveram entre as primeiras formas de vida. Em seu auge, esses micróbios podem ter gerado metano suficiente para deter um congelamento mundial. a época, o Sol era consideravelmente menos bri- lhante, de modo que o efeito estufa pro- vocado pelo metano pode ter sido exa- tamente o que o planeta necessitava para se manter aquecido. A predominância do metano também significa que uma nebulosidade róseo- alaranjada pode ter envolvido o planeta, assim como acontece hoje com Tirã, a maior lua de Saturno. Embora o metano em Titã quase certamente tenha origem não-biológica, as semelhanças dessa lua com os primórdios da Terra poderiam proporcionar novas informações sobre como gases-estufa regularam o clima no passado distante de nosso planeta. Sol Fraco QUANDO A TERRA SE FORMOU há 4,6 bi- lhões de anos, o Sol tinha apenas 70% de seu brilho atual. o entanto, o registro geológico não contém evidências de gla- ciação generalizada até cerca de 2,3 bi- lhões de anos atrás, o que significa que o planeta era até mais quente do que du- rante o ciclo moderno das eras glaciais, nos últimos 100 mil anos.°metano estava longe de ser o pri- meiro candidato dos cientistas para ex- plicar como a jovem Terra evitou o con- gelamento. Carl Sagan e George H. Mullen, da Universidade Cornell, su- geriram, no início dos anos 1970, que a amônia seria a culpada, já que ela é • Antes de aproximadamente 2,3 bilhões de anos atrás, a atmosfera e os oceanos da Terra praticamente não continham oxigênio, tornando o mundo um paraíso para micróbios que detestam oxigênio, como os metanógenos. • Os cientistas agora julgam que os metanógenos - assim denominados porque liberam gás meta no como produto residual de seu processo biológico - poderiam ter preenchido os céus de eras passadas com 600 vezes mais meta no do que existe hoje. • Esse meta no extra teria produzido um efeito estufa forte o suficiente para aquecer o plane- ta, embora, naquela época, o Sol fosse menos luminoso. Assim foi até que a atmosfera se encheu de oxigênio e isolou os metanógenos. 40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL um gás-estufa mais eficaz que o meta- no. Posteriormente, pesquisas revelaram que os raios ultravioleta do Sol degra- dam rapidamente a amônia na atmosfe- ra sem oxigênio. Por isso, essa explica- ção foi abandonada. Outro candidato evidente era o dió- xido de carbono (C02), um dos princi- pais gases cuspidos pelos numerosos vulcões da época. Embora discordassem nos detalhes, durante mais de 20 anos a maioria dos cientistas imaginou que esse gás fora o principal responsável. Em 1995, porém, pesquisadores da Uni- versidade Harvard descobriram evi- dências de que os níveis de CO2 eram baixos demais para que pudessem ter es- quentado a jovem Terra. A equipe de Harvard sabia que, se as concentrações atmosféricas de CO2 tives- sem excedido seu valor atual, em torno de 380 partes por milhão (pprn), o mine- ral siderita (FeC0 3 ) teria se formado nas camadas superiores do solo, àmedida que o ferro reagisse com o CO2 na atmosfera sem oxigênio. Mas quando os pesquisa- dores estudaram amostras de solos anti- gos, com idade entre 2,8 bilhões e 2,2 bilhões de anos, não encontraram traços de siderita. Essa ausência significa que a concentração de CO2 deve ter sido mui- to menor do que a necessária para impe- dir o congelamento do planeta. Mesmo antes que o CO2 deixasse de ser o primeiro da lista dos principais sus- peitos, os pesquisadores tinham come- çado a cogitar uma explicação alternati- va. No final dos anos 1980, os cientistas tinham aprendido que o metano aprisio- na mais calor do que uma concentração SETEMBRO 2004 helisson Highlight helisson Highlight darll Destacar ! - - ---- -- - --- ---~ Caldisphaerales PRODUTORES DE METANO NAÁRVORE DA VIDA Archaeoglobi Methanobacteriales Methanomicrobiales ARCHAEA Methanococcales Methanopyrales Thermoplasmatales Micróbios metanógenos (identificados em vermelho) constituem perto de metade de todos os organismos conhecidos no domínio Archaea, um dos três domínios da vida ao lado dos domínios Bacteria e Eukarya, que surgiram separadamente a partir de um ancestral desconhecido. Osmetanógenos têm diversas formas, como bastões e esferas (ver fotos), e vivem exclusivamente em ambientes onde não há oxigênio. Uma vez que a mais antiga das cinco ordens de metanógenos ocupa ramos mais baixos do domínio Archaea, a maioria dos biólogos acredita que esses micróbios foram alguns dos primeiros organismos na evolução. -J.F.K. equivalente de C02, porque absorve uma gama mais ampla de comprimen- tos de onda de radiação. Mas esses estudos iniciais subestimaram a influên- cia do metano. Meu grupo na Univer- sidade Estadual da Pensilvânia passou a investigar o metano porque sabíamos que ele teria um tempo de vida muito maior na atmosfera antiga. Hoje, o carbono no metano tende muito mais a se associar com o oxigênio em radicais hidroxílicos, produzindo CO2 e monóxido de carbono (CO) e li- WWW.SCIAM.COM.BR ... '''', - ~ .•.•.. .••. .• ""''' , >,\ Methanosarcinales Thermococcales Sulfolobales Thermoproteales inclui plantas, animais, protistas e fungos BACTÉRIAS inclui cianobactérias, proteobactérias e I •.• • I • bactérias grarn-posltlvas • I'· . I . ANCESTRALUNIVERSAL berando vapor d'água. Em conseqüên- cia disso, o metano permanece na atmos- fera durante apenas dez anos e tem papel pequeno no aquecimento do planeta. De fato, o gás existe nas concentrações mi- núsculas de apenas cerca de 1,7 ppm; o CO2 tem concentração 220 vezes maior na superfície, e o vapor d'água ocorre em concentração 6 mil vezes maior. Para determinar quão maiores preci- sariam ter sido essas concentrações de metano, meus alunos e eu trabalhamos com pesquisadores do Centro de Pesqui- sa Ames, da Nasa, para simular o antigo clima, Quando supusemos que o brilho do Sol era 80% do que é hoje, uma at- mosfera sem nenhum metano precisaria de fantásticas 20 mil ppm de CO2 para manter a temperatura da superfície aci- ma do congelamento. Essa concentração é 50 vezes maior do que os valores con- temporâneos e sete vezes superior àmaior quantidade de CO2 de todos os tempos, revelada pelo estudo de solos antigos. Quando as simulações calcularam o CO 2 em seu máximo valor possível, a atmos- SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 41 helisson Highlight COMO A N EVOA SE FORMA aumentado (a) - intensificando, assim, o efeito estufa [b] - durante não mais do que algumas dezenas de milhares de anos antes que a névoa que esfriou o clima começasse a se formar (e). O PAPEL PRINCIPAL DOMETANOna atmosfera da Terra pode ter começado praticamente junto com o aparecimento da vida, há 3,5 bilhões de anos. Micróbios oceânicos chamados metanógenos teriam vicejado num mundo sem oxigênio - como era a Terra na época- e o meta no que eles produziam teria sobrevivido muito mais tempo na atmosfera do que hoje. Esse meta no, ao lado de outro gás-estufa mais abundante, o dióxido de carbono (CO,) de vulcões (no destaque), teria aquecido a superfície do planeta aprisionando o calor da Terra (flechas pretos), enquanto pennitia a passagem da luz solar (flechas amarelas). Uma névoa de partículas de hidrocarbonetos induzida pelo meta no pode ter mantido a Terra primitiva em um delicado equilíbrio entre uma sauna e o congelamento. A concentração de meta no teria Gases-estufa Névoa de hidrocarbonetos UMA ESTUFAÚMIDA é o ambiente preferido de muitos metanógenos; quanto mais quente o mundo, mais meta no eles teriam produzido. Essa retroalimentação positiva teria fortalecido o efeito estufa, empurrando as temperaturas ainda mais para cima. Um clima mais quente teria intensificado o ciclo da água e aumentado a erosão de rochas nos continentes - um processo que retira CO, da atmosfera. As concentrações do gás teriam caído enquanto as do metano continuavam a aumentar, até que os dois gases existissem em quantidades quase iguais (destaque). Sob tais condições, o comportamento do meta no teria mudado dramaticamente. ESSA QUíMICA EM MUTAÇÃOteria impedido os níveis ascendentes de meta no de transfonnar a Terra numa sauna. Parte do metano teria se juntado para fonnar hidrocarbonetos complexos (destaque) que se condensavam em partículas poeirentas. Uma névoa dessas partículas em altitudes elevadas teria impedido o efeito estufa ao absorver a faixa visível da luz solar e irradiá-Ia de volta para o espaço, reduzindo a quantidade total de calor que alcançava a superfície do planeta. Poucos metanógenos amantes do calor conseguiriam sobreviver em clima mais frio; a névoa, assim, teria colocado um limite na produção total de metano. 42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL SETEMBRO 2004 ~~~~---- - I I I I ------ - -- ---- ---- - - - - fera exigia a contribuição de 1.000 ppm de metano para manter a temperatura mé- dia da superfície acima do congelamento - em outras palavras, 0,1% da atmosfera precisava ser metano. ÀAltura da Missão? A ATMOSFERA PRIMORDIAL poderia ter mantido concentrações tão altas apenas se o metano estivesse sendo produzido a taxas comparáveis às atuais. Os metanó- genos primordiais estariam à altura dessa missão? Meus colegas e eu nos juntamos à microbióloga [aner L. Sieíert, da Uni- versidade Rice, para tentar descobrir isso. Os biólogos têm diversas razões para suspeitar que níveis tão altos de metano poderiam ter sido mantidos. Siefert acredita que micróbios produto- res de metano estavam entre os primei- ros microrganismos. Os metanógenos teriam ocupado nichos hoje dominados por produtores de oxigênio e redutores de sulfato, o que lhes daria um papel biológico e climático muito mais des- tacado do que o atual. Os metanógenos teriam vicejado em um ambiente alimentado por erupções vulcânicas. Muitos se alimentam dire- tamente de hidrogênio (H) e CO2 e eli- minam metano; outros consomem ace- tatos e outras substâncias que se formam quando a matéria orgânica se decompõe na ausência de oxigênio. É por isso que os metanógenos atuais só vivem em ambientes onde não há oxigênio, como estômago da vaca e a lama debaixo de arrozais. Na jovem Terra, a atividade vulcânica liberava quantidades signi- ficativas de H2• Sem oxigênio para for- mar água, o hidrogênio provavelmente se acumulou na atmosfera e nos ocea- nos em concentrações que podiam ser usadas por metanógenos. Com base nessas considerações, al- guns cientistas formularam a hipótese de que metanógenos vivendo de hidro- gênio produzido geologicamente pode- riam ser a base de ecossisternas micro- bianos subterrâneos em Marte e em WWW.SCIAM.COM.BR 1 I 1 I I 1 I I I Ii Eras glaciais mundiais ~ I I I I 111#=======I I 1"oJ I ca >.~ Qj o:: o,ca o-~ E., u c o w Dióxido de carbono Metano Metanógenos começam a expelir grandes quantidades de gás 4.5 2.5 1.5 Tempo (bilhões de anos atrás) L Oxigênio começa a aparecer na atmosfera Surgem as bactérias produtoras de oxigênio Primeiras formas de vida microscópica começam a consumir dióxido de carbono Elevada presença de dióxido de carbono compensa o Sol jovem e fraco CONCENTRAÇÕESRELATIVASde importantes gases atmosféricos podem explicar por que eras glaciais mundiais (linhas tracejadas) ocorreram no passado distante da Terra. Inicialmente, microrganismos produtores de metano floresceram, mas, à medida que a presença de oxigênio ficou muitíssimo maior, cerca de 2,3 bilhões de anos atrás, esses micróbios passaram repentinamente a encontrar poucos ambientes onde pudessem sobreviver. D simultâneo decréscimo de meta no - um potente gás- estufa - pode ter congelado o planeta inteiro. O papel do dióxido de carbono, o mais notável gás- estufa na atual atmosfera, era provavelmente muito menos intenso. Europa, a lua gelada de J úpiter. De fato, uma observação recente da sonda Mars Express, da Agência Espacial Européia, sugere que a atmosfera marciana pode conter 10 partes por bilhão de metano. Essa descoberta seria coerente com a presença de metanógenos abaixo da su- perfície de Marte. Os geoquímicos estimam que, na jovem Terra, o H2 atingia concentra- ções de centenas de milhares de partes por milhão - até que a evolução pro- duziu metanógenos e eles converteram a maior parte do gás em metano. Nesse cenário, os metanógenos teriam produ- zido as aproximadamente 1.000 ppm de meta no necessárias para manter o planeta quente. Surgiram evidências ainda maiores da predominância primordial de metanóge- nos quando os microbiólogos analisaram como os atuais metanógenos teriam rea- gido a um clima muito quente. A maioria deles se desenvolve melhor a tempera- turas acima de 40°C; alguns chegam a preferir quenríssimos 85°C. Os que se desenvolvem a temperaturas mais altas também crescem mais depressa, de modo que, conforme a intensificação do efeito estufa aumentava as temperaturas, maio- res quantidades desses especialistas de crescimento rápido e amantes do calor JAMES F. KASTING estuda a origem e a evolução de atmosferas planetárias, especialmente as da Terra e de seus vizinhos mais próximos, Vênus e Marte. Desde que obteve seu doutorado em ciência atmosférica, na Universidade de Michigan, em AnnArbor, em 1979, ele vem usando modelos teóricos em computador para investigar a química atmosférica e calcular o efeito estufa causado por diferentes gases e partículas, tanto atualmente quanto no passado distante. Recentemente, Kasting começou a investigar se planetas semelhantes à Terra poderiam existir em torno de outras estrelas em nossa galáxia. Ele é membro do grupo de trabalho científico para o Terrestrial Planet Finder, da Nasa, um telescópio espacial projetado para localizar planetas em torno de outras estrelas e varrer suas atmosferas em busca de sinais de vida. SCIENTlFIC AMERICAN BRASIL 43 helisson Highlight helisson Highlight helisson Highlight helisson Highlight ometano nunca mais voltaria a exercer um efeito predominante sobre o clima, mas pode ter tido influência importante em épocas posteriores ---------- teriam sobrevivido. °processo acabaria tornando o planeta ainda mais quente - mais quente até do que hoje, apesar do Sol mais frio. A Névoa Salva o Dia EM CONSEQÜÊNCIA dessa retroalimenta- ção positiva, o mundo poderia ter se tor- nado uma estufa tão abafada que a vida teria sido difícil até para os micróbios que se davam bem em temperaturas extremas. Mas essa espiral ascendente não poderia ter se mantido para sempre. Depois que o metano se torna mais abundante que o CO2, ocorre uma mudança na sua rea- ção à luz do Sol. Em vez de ser oxidado, virando CO ou CO 2 , o metano sofre po- limerização, ou seja, interliga-se, forman- do hidrocarbonetos complexosque se condensam em partículas de poeira, numa névoa orgânica. Os cientistas pla- netários observam coisa parecida na at- mosfera de Titã, a maior lua de Saturno. Ela consiste principalmente em nitrogê- nio (N2), com um pequeno percentual de metano (ver quadro na pág. ao lado). A possível formação de névoa orgâ- nica na jovem atmosfera da Terra com- plica ainda mais a história do clima. Por se formarem a grandes altitudes, essas partículas têm efeito contrário ao dos ga- ses-estufa. Um gás-estufa permite que a maior parte da radiação solar visível o atravesse, mas absorve e torna a irradiar ondas infravermelhas emitidas pela Ter- ra, o que resulta em aquecimento. Por outro lado, a névoa orgânica absorve a luz que chega do Sol e a irradia de volta para o espaço, reduzindo, assim, a quantida- de total de radiação que atinge a superfí- cie. Em Titã, esse antiefeito estufa resfria a superfície em cerca de 7°C. Uma ca- mada semelhante na jovem Terra também a teria resfriado, reconvertendo, assim, a população de metanógenos naquelas es- 44 SCIENTlFIC AMERICAN BRASIL pécies de crescimento mais lento que pre- ferem condições climáticas mais frias e, portanto, limitando novos aumentos na produção de metano. Essa intensa retro- alimentação negativa tenderia a estabili- zar a temperatura e a composição atmos- férica da Terra exatamente no ponto no qual a camada de nebulosidade orgânica começou a se formar. Nada é para Sempre A NÉVOA I DUZIDA pelo metano manteve a jovem Terra confortavelmente aqueci- da - mas não para sempre. Eras glaciais mundiais ocorreram pelo menos três ve- zes no período denominado Proterozóico, primeiro há 2,3 bilhões de anos, novamen- te há 750 milhões de anos e, finalmente, há 600 milhões de anos. Era difícil expli- car essas glaciações, mas a hipótese do papel do meta no oferece respostas convin- centes também nesse aspecto.°primeiro desses períodos glaciais é denominado glaciação huroniana, por- que é bastante evidente em rochas ao norte do lago Huron, no sul do Canadá. Assim como as mais bem estudadas gla- ciações do Proterozóico tardio, o evento huroniano parece ter sido mundial, se nos basearmos em interpretações de que al- guns dos continentes estavam próximos do equador à época em que estavam co- bertos de gelo. Esse surto de frio formou camadas de amontoados irregulares de fragmentos de rochas e de outros materiais que uma ge- leira arrastou para o sítio e depois deposi- tou no solo, quando o gelo derreteu, em algum momento entre 2,45 bilhões e 2,2 bilhões de anos atrás. As rochas mais anti- gas sob esses depósitos glaciais são forma- das por detritos de uraninita e pirita, dois minerais que são evidência de níveis mui- to baixos de oxigênio atmosférico. Acima das camadas glaciais há um arenito ver- melho contendo hematita - mineral que se forma apenas sob céus ricos em oxigê- nio. (A hematita também foi encontrada no lugar onde o jipe Opportunitypousou em Marte.) A disposição das camadas des- ses tipos distintos de rocha indica que as glaciações huronianas ocorreram exata- mente quando houve a primeira elevação nos níveis de 02 na atmosfera. Essa aparente coincidência permane- ceu inexplicada até recentemente: se acei- tarmos a hipótese de que o metano man- teve a jovem Terra aquecida, podemos concluir que houve uma era glacial mun- dial há 2,3 bilhões de anos, porque isso teria sido uma conseqüência natural do aumento de oxigênio. Muitos dos meta- nógenos e outros organismos anaeróbicos que dominaram o planeta antes do aumen- to da presença de oxigênio teriam pereci- do nessa revolução ou se veriam confina- dos a hábitats cada vez mais limitados. Embora esse desfecho soe como o fim da história do metano, a coisa não é exata- mente assim. °metano nunca voltou a exercer um efeito dominante no clima, mas ainda pode ter tido influência importante mais tarde - por exemplo, durante o Pro- terozóico tardio, quando, sugerem alguns cientistas, os oceanos congelaram total- mente por ocasião de uma série de episó- dios em que a Terra virou uma bola de neve, a chamada Snowball Earth. De fato, as concentrações de metano poderiam ter se conservado substancial- mente mais altas do que são hoje durante grande parte do Proterozóico, que termi- nou cerca de 600 milhões de anos atrás, se a quantidade de oxigênio atmosférico tivesse permanecido um pouco menor e se as profundezas oceânicas ainda fossem pouco oxigenadas e com baixos teores de sulfato, um sal comumente presente na água do mar em nossa época. A taxa à qual o meta no escapou dos mares para a SETEMBRO 2004 helisson Highlight helisson Highlight helisson Highlight helisson Highlight helisson Highlight helisson Highlight I I , ----- ~-- - --- --~-- - -- ---- da ESA) deverão ser capazes de detectar a presença de gases que sinalizariam a exis- tência de vida em suas atmosferas. Oxigênio em qualquer quantidade apreciável quase certamente indicaria uma biologia comparável à da Terra mo- derna, desde que o planeta fosse também dotado da água líqüida necessária à vida. Elevados níveis de metano também su- geririam alguma forma de vida. Até onde sabemos, apenas organismos vivos po- dem produzir metano em níveis elevados. Esse fato poderá ser a base para uma das melhores maneiras de os cientistas am- pliarem sua compreensão sobre como era nosso próprio planeta durante os está- gios iniciais de sua história. lirJ atmosfera pode ter sido até dez vezes su- perior à atual, e a concentração de me- tano na atmosfera poderia ter sido de até 100 ppm. Esse cenário poderia explicar por que o Proterozóico permaneceu livre do gelo por quase 1,5 bilhão de anos, embora o Sol ainda estivesse relativamen- te frio. Meus colegas e eu especulamos que um segundo aumento no 02 atmos- férico, ou no sulfato, poderia também ter provocado os episódios de transformação da Terra em Snowball Earth. MetanoExtraterrestre POR MAIS PERSUASIVO que possa parecer esse relato de um passado em que os metanógenos dominaram o mundo, os cientistas são obrigados a admitir que não há nenhuma evidência direta para fundamentar essa história. Encontrar uma rocha que contenha bolhas da at- mosfera daquela época constituiria uma evidência definitiva, mas é improvável que deparemos com tal revelação. ° melhor que podemos dizer é que a hi- WWW.SCIAM.COM.BR pótese é coerente com diversos frag- mentos indiretos de evidência - espe- cialmente os baixos níveis de CO2 at- mosférico inferidos de solos antigos e o momento em que ocorreu a primeira era glacial envolvendo o planeta inteiro. Embora talvez nunca possamos com- provar essa hipótese na Terra, talvez possa- mos testá-Ia indiretamente observando pla- netas semelhantes à Terra orbitando outras estrelas. Tanto a Nasa quanto a Agência Espacial Européia (ESA) estão projetando grandes telescópios que operarão no espa- ço para procurar planetas do tamanho da Terra orbitando 120 estrelas próximas. Se tais planetas existem, essas missões (TerrestrialPlanet Finder, da Nasa, eDarwin, SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 4S PARA CONHECER MAIS Greenhouse Warming by CH4 in the Atmosphere of Early Earth. Alexander A. Pavlov, James F. Kasting, Lisa L. Brown, Kathy A. Rages e Richard Freedman em Journal of Geophysical Research - Planets, VaI. 105, No. E5, págs. 11.981-11.990; maio de 2000. Life and the Evolution of Earth'sAtmosphere. James F.Kasting and Janet L. Siefert in Science, VaI. 296, págs. 1066-1068; 10 de maio de 2002. Methane-Rich ProterozoicAtmosphere? Alexander A. Pavlov, Matthew T. Hurtgen, James F.Kasting and Michael A. Arthur in Geology, VaI. 31, No. 1, págs. 87-90; janeiro de 2003.
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