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Scientific American Qdo o metano ditava o clima

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:r --~---- __ _ _ _ _ _ __ __
Há cerca de 2,3 bilhões de anos,
micróbios incomuns insuflaram vida nova no jovem planeta Terra,
preenchendo os céus com oxigênio. Sem esses seres, hoje denominados
cianobactérias, a maior parte da vida que conhecemos nunca teria evoluído.
Mas outro grupo de micróbios unicelu-
lares estava tornando o planeta habitável
muito tempo antes delas. Metanógenos
que detestam oxigênio reinaram supre-
mos durante os primeiros 2 bilhões de
anos de história da Terra, e o efeito estufa
que eles produziam teve conseqüências
profundas para o clima.
Os cientistas começaram a suspei-
tar da enorme importância do metano
há 25 anos, mas foi só nos últimos três
anos que os fragmentos dessa história
antiqüíssima se encaixaram. Simula-
ções em computador revelaram que o
gás (que sobrevive dez anos na atmos-
fera de hoje) pode ter durado até 10mil
anos num mundo sem oxigênio. Não
existe nenhum fóssil daquela época,
mas a maioria dos microbiólogos con-
sidera que os metanógenos estiveram
entre as primeiras formas de vida. Em
seu auge, esses micróbios podem ter
gerado metano suficiente para deter um
congelamento mundial. a época, o
Sol era consideravelmente menos bri-
lhante, de modo que o efeito estufa pro-
vocado pelo metano pode ter sido exa-
tamente o que o planeta necessitava
para se manter aquecido.
A predominância do metano também
significa que uma nebulosidade róseo-
alaranjada pode ter envolvido o planeta,
assim como acontece hoje com Tirã, a
maior lua de Saturno. Embora o metano
em Titã quase certamente tenha origem
não-biológica, as semelhanças dessa lua
com os primórdios da Terra poderiam
proporcionar novas informações sobre
como gases-estufa regularam o clima no
passado distante de nosso planeta.
Sol Fraco
QUANDO A TERRA SE FORMOU há 4,6 bi-
lhões de anos, o Sol tinha apenas 70% de
seu brilho atual. o entanto, o registro
geológico não contém evidências de gla-
ciação generalizada até cerca de 2,3 bi-
lhões de anos atrás, o que significa que o
planeta era até mais quente do que du-
rante o ciclo moderno das eras glaciais,
nos últimos 100 mil anos.°metano estava longe de ser o pri-
meiro candidato dos cientistas para ex-
plicar como a jovem Terra evitou o con-
gelamento. Carl Sagan e George H.
Mullen, da Universidade Cornell, su-
geriram, no início dos anos 1970, que
a amônia seria a culpada, já que ela é
• Antes de aproximadamente 2,3 bilhões de anos atrás, a atmosfera e os oceanos da Terra
praticamente não continham oxigênio, tornando o mundo um paraíso para micróbios que
detestam oxigênio, como os metanógenos.
• Os cientistas agora julgam que os metanógenos - assim denominados porque liberam gás
meta no como produto residual de seu processo biológico - poderiam ter preenchido os céus
de eras passadas com 600 vezes mais meta no do que existe hoje.
• Esse meta no extra teria produzido um efeito estufa forte o suficiente para aquecer o plane-
ta, embora, naquela época, o Sol fosse menos luminoso. Assim foi até que a atmosfera se
encheu de oxigênio e isolou os metanógenos.
40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
um gás-estufa mais eficaz que o meta-
no. Posteriormente, pesquisas revelaram
que os raios ultravioleta do Sol degra-
dam rapidamente a amônia na atmosfe-
ra sem oxigênio. Por isso, essa explica-
ção foi abandonada.
Outro candidato evidente era o dió-
xido de carbono (C02), um dos princi-
pais gases cuspidos pelos numerosos
vulcões da época. Embora discordassem
nos detalhes, durante mais de 20 anos a
maioria dos cientistas imaginou que esse
gás fora o principal responsável. Em
1995, porém, pesquisadores da Uni-
versidade Harvard descobriram evi-
dências de que os níveis de CO2 eram
baixos demais para que pudessem ter es-
quentado a jovem Terra.
A equipe de Harvard sabia que, se as
concentrações atmosféricas de CO2 tives-
sem excedido seu valor atual, em torno
de 380 partes por milhão (pprn), o mine-
ral siderita (FeC0
3
) teria se formado nas
camadas superiores do solo, àmedida que
o ferro reagisse com o CO2 na atmosfera
sem oxigênio. Mas quando os pesquisa-
dores estudaram amostras de solos anti-
gos, com idade entre 2,8 bilhões e 2,2
bilhões de anos, não encontraram traços
de siderita. Essa ausência significa que a
concentração de CO2 deve ter sido mui-
to menor do que a necessária para impe-
dir o congelamento do planeta.
Mesmo antes que o CO2 deixasse de
ser o primeiro da lista dos principais sus-
peitos, os pesquisadores tinham come-
çado a cogitar uma explicação alternati-
va. No final dos anos 1980, os cientistas
tinham aprendido que o metano aprisio-
na mais calor do que uma concentração
SETEMBRO 2004
helisson
Highlight
helisson
Highlight
darll
Destacar
! -
- ---- -- - --- ---~
Caldisphaerales
PRODUTORES DE METANO NAÁRVORE DA VIDA
Archaeoglobi
Methanobacteriales
Methanomicrobiales
ARCHAEA
Methanococcales
Methanopyrales
Thermoplasmatales
Micróbios metanógenos (identificados em
vermelho) constituem perto de metade de
todos os organismos conhecidos no domínio
Archaea, um dos três domínios da vida ao lado
dos domínios Bacteria e Eukarya, que
surgiram separadamente a partir de um
ancestral desconhecido. Osmetanógenos têm
diversas formas, como bastões e esferas (ver
fotos), e vivem exclusivamente em ambientes
onde não há oxigênio. Uma vez que a mais
antiga das cinco ordens de metanógenos
ocupa ramos mais baixos do domínio Archaea,
a maioria dos biólogos acredita que esses
micróbios foram alguns dos primeiros
organismos na evolução. -J.F.K.
equivalente de C02, porque absorve
uma gama mais ampla de comprimen-
tos de onda de radiação. Mas esses
estudos iniciais subestimaram a influên-
cia do metano. Meu grupo na Univer-
sidade Estadual da Pensilvânia passou
a investigar o metano porque sabíamos
que ele teria um tempo de vida muito
maior na atmosfera antiga.
Hoje, o carbono no metano tende
muito mais a se associar com o oxigênio
em radicais hidroxílicos, produzindo
CO2 e monóxido de carbono (CO) e li-
WWW.SCIAM.COM.BR
...
'''', - ~
.•.•.. .••. .• ""'''
, >,\
Methanosarcinales
Thermococcales
Sulfolobales
Thermoproteales
inclui plantas, animais,
protistas e fungos
BACTÉRIAS
inclui cianobactérias,
proteobactérias e I •.• • I •
bactérias grarn-posltlvas
• I'· . I .
ANCESTRALUNIVERSAL
berando vapor d'água. Em conseqüên-
cia disso, o metano permanece na atmos-
fera durante apenas dez anos e tem papel
pequeno no aquecimento do planeta. De
fato, o gás existe nas concentrações mi-
núsculas de apenas cerca de 1,7 ppm; o
CO2 tem concentração 220 vezes maior
na superfície, e o vapor d'água ocorre em
concentração 6 mil vezes maior.
Para determinar quão maiores preci-
sariam ter sido essas concentrações de
metano, meus alunos e eu trabalhamos
com pesquisadores do Centro de Pesqui-
sa Ames, da Nasa, para simular o antigo
clima, Quando supusemos que o brilho
do Sol era 80% do que é hoje, uma at-
mosfera sem nenhum metano precisaria
de fantásticas 20 mil ppm de CO2 para
manter a temperatura da superfície aci-
ma do congelamento. Essa concentração
é 50 vezes maior do que os valores con-
temporâneos e sete vezes superior àmaior
quantidade de CO2 de todos os tempos,
revelada pelo estudo de solos antigos.
Quando as simulações calcularam o CO
2
em seu máximo valor possível, a atmos-
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 41
helisson
Highlight
COMO A N EVOA SE FORMA
aumentado (a) - intensificando, assim, o efeito estufa [b] - durante
não mais do que algumas dezenas de milhares de anos antes que a
névoa que esfriou o clima começasse a se formar (e).
O PAPEL PRINCIPAL DOMETANOna atmosfera da
Terra pode ter começado praticamente junto com o
aparecimento da vida, há 3,5 bilhões de anos.
Micróbios oceânicos chamados metanógenos teriam
vicejado num mundo sem oxigênio - como era a Terra
na época- e o meta no que eles produziam teria
sobrevivido muito mais tempo na atmosfera do que
hoje. Esse meta no, ao lado de outro gás-estufa mais
abundante, o dióxido de carbono (CO,) de vulcões
(no destaque), teria aquecido a superfície do planeta
aprisionando o
calor da Terra
(flechas pretos),
enquanto
pennitia a
passagem da luz
solar (flechas
amarelas).
Uma névoa de partículas de hidrocarbonetos induzida pelo meta no
pode ter mantido a Terra primitiva em um delicado equilíbrio entre
uma sauna e o congelamento. A concentração de meta no teria
Gases-estufa
Névoa de hidrocarbonetos
UMA ESTUFAÚMIDA é o ambiente preferido de muitos
metanógenos; quanto mais quente o mundo, mais
meta no eles teriam produzido. Essa retroalimentação
positiva teria fortalecido o efeito estufa, empurrando
as temperaturas ainda mais para cima. Um clima mais
quente teria intensificado o ciclo da água e aumentado
a erosão de rochas nos continentes - um processo
que retira CO, da atmosfera. As concentrações do gás
teriam caído enquanto as do metano continuavam a
aumentar, até que os dois gases existissem em
quantidades
quase iguais
(destaque). Sob
tais condições, o
comportamento do
meta no teria
mudado
dramaticamente.
ESSA QUíMICA EM MUTAÇÃOteria impedido os
níveis ascendentes de meta no de transfonnar a
Terra numa sauna. Parte do metano teria se
juntado para fonnar hidrocarbonetos complexos
(destaque) que se condensavam em partículas
poeirentas. Uma névoa dessas partículas em
altitudes elevadas teria impedido o efeito estufa ao
absorver a faixa visível da luz solar e irradiá-Ia de
volta para o espaço, reduzindo a quantidade total
de calor que alcançava a superfície do planeta.
Poucos metanógenos amantes do calor
conseguiriam
sobreviver em
clima mais frio;
a névoa, assim,
teria colocado
um limite na
produção total
de metano.
42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL SETEMBRO 2004
~~~~---- -
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I
I
I
------ - -- ---- ---- - - - -
fera exigia a contribuição de 1.000 ppm
de metano para manter a temperatura mé-
dia da superfície acima do congelamento
- em outras palavras, 0,1% da atmosfera
precisava ser metano.
ÀAltura da Missão?
A ATMOSFERA PRIMORDIAL poderia ter
mantido concentrações tão altas apenas
se o metano estivesse sendo produzido a
taxas comparáveis às atuais. Os metanó-
genos primordiais estariam à altura dessa
missão? Meus colegas e eu nos juntamos
à microbióloga [aner L. Sieíert, da Uni-
versidade Rice, para tentar descobrir isso.
Os biólogos têm diversas razões
para suspeitar que níveis tão altos de
metano poderiam ter sido mantidos.
Siefert acredita que micróbios produto-
res de metano estavam entre os primei-
ros microrganismos. Os metanógenos
teriam ocupado nichos hoje dominados
por produtores de oxigênio e redutores
de sulfato, o que lhes daria um papel
biológico e climático muito mais des-
tacado do que o atual.
Os metanógenos teriam vicejado em
um ambiente alimentado por erupções
vulcânicas. Muitos se alimentam dire-
tamente de hidrogênio (H) e CO2 e eli-
minam metano; outros consomem ace-
tatos e outras substâncias que se formam
quando a matéria orgânica se decompõe
na ausência de oxigênio. É por isso que
os metanógenos atuais só vivem em
ambientes onde não há oxigênio, como
estômago da vaca e a lama debaixo de
arrozais. Na jovem Terra, a atividade
vulcânica liberava quantidades signi-
ficativas de H2• Sem oxigênio para for-
mar água, o hidrogênio provavelmente
se acumulou na atmosfera e nos ocea-
nos em concentrações que podiam ser
usadas por metanógenos.
Com base nessas considerações, al-
guns cientistas formularam a hipótese
de que metanógenos vivendo de hidro-
gênio produzido geologicamente pode-
riam ser a base de ecossisternas micro-
bianos subterrâneos em Marte e em
WWW.SCIAM.COM.BR
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I I Ii Eras glaciais mundiais ~
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Dióxido de carbono
Metano
Metanógenos começam a expelir grandes quantidades de gás
4.5 2.5 1.5
Tempo (bilhões de anos atrás)
L Oxigênio começa a aparecer na atmosfera
Surgem as bactérias produtoras de oxigênio
Primeiras formas de vida microscópica começam a consumir dióxido de carbono
Elevada presença de dióxido de carbono compensa o Sol jovem e fraco
CONCENTRAÇÕESRELATIVASde importantes gases atmosféricos podem explicar por que eras glaciais
mundiais (linhas tracejadas) ocorreram no passado distante da Terra. Inicialmente, microrganismos
produtores de metano floresceram, mas, à medida que a presença de oxigênio ficou muitíssimo
maior, cerca de 2,3 bilhões de anos atrás, esses micróbios passaram repentinamente a encontrar
poucos ambientes onde pudessem sobreviver. D simultâneo decréscimo de meta no - um potente gás-
estufa - pode ter congelado o planeta inteiro. O papel do dióxido de carbono, o mais notável gás-
estufa na atual atmosfera, era provavelmente muito menos intenso.
Europa, a lua gelada de J úpiter. De fato,
uma observação recente da sonda Mars
Express, da Agência Espacial Européia,
sugere que a atmosfera marciana pode
conter 10 partes por bilhão de metano.
Essa descoberta seria coerente com a
presença de metanógenos abaixo da su-
perfície de Marte.
Os geoquímicos estimam que, na
jovem Terra, o H2 atingia concentra-
ções de centenas de milhares de partes
por milhão - até que a evolução pro-
duziu metanógenos e eles converteram
a maior parte do gás em metano. Nesse
cenário, os metanógenos teriam produ-
zido as aproximadamente 1.000 ppm
de meta no necessárias para manter o
planeta quente.
Surgiram evidências ainda maiores da
predominância primordial de metanóge-
nos quando os microbiólogos analisaram
como os atuais metanógenos teriam rea-
gido a um clima muito quente. A maioria
deles se desenvolve melhor a tempera-
turas acima de 40°C; alguns chegam a
preferir quenríssimos 85°C. Os que se
desenvolvem a temperaturas mais altas
também crescem mais depressa, de modo
que, conforme a intensificação do efeito
estufa aumentava as temperaturas, maio-
res quantidades desses especialistas de
crescimento rápido e amantes do calor
JAMES F. KASTING estuda a origem e a evolução de atmosferas planetárias, especialmente as da Terra e de
seus vizinhos mais próximos, Vênus e Marte. Desde que obteve seu doutorado em ciência atmosférica, na
Universidade de Michigan, em AnnArbor, em 1979, ele vem usando modelos teóricos em computador para
investigar a química atmosférica e calcular o efeito estufa causado por diferentes gases e partículas,
tanto atualmente quanto no passado distante. Recentemente, Kasting começou a investigar se planetas
semelhantes à Terra poderiam existir em torno de outras estrelas em nossa galáxia. Ele é membro do
grupo de trabalho científico para o Terrestrial Planet Finder, da Nasa, um telescópio espacial projetado
para localizar planetas em torno de outras estrelas e varrer suas atmosferas em busca de sinais de vida.
SCIENTlFIC AMERICAN BRASIL 43
helisson
Highlight
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Highlight
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Highlight
helisson
Highlight
ometano nunca mais voltaria
a exercer um efeito predominante sobre o clima, mas pode ter tido
influência importante em épocas posteriores ----------
teriam sobrevivido. °processo acabaria
tornando o planeta ainda mais quente -
mais quente até do que hoje, apesar do
Sol mais frio.
A Névoa Salva o Dia
EM CONSEQÜÊNCIA dessa retroalimenta-
ção positiva, o mundo poderia ter se tor-
nado uma estufa tão abafada que a vida
teria sido difícil até para os micróbios que
se davam bem em temperaturas extremas.
Mas essa espiral ascendente não poderia
ter se mantido para sempre. Depois que
o metano se torna mais abundante que o
CO2, ocorre uma mudança na sua rea-
ção à luz do Sol. Em vez de ser oxidado,
virando CO ou CO
2
, o metano sofre po-
limerização, ou seja, interliga-se, forman-
do hidrocarbonetos complexosque se
condensam em partículas de poeira,
numa névoa orgânica. Os cientistas pla-
netários observam coisa parecida na at-
mosfera de Titã, a maior lua de Saturno.
Ela consiste principalmente em nitrogê-
nio (N2), com um pequeno percentual de
metano (ver quadro na pág. ao lado).
A possível formação de névoa orgâ-
nica na jovem atmosfera da Terra com-
plica ainda mais a história do clima. Por
se formarem a grandes altitudes, essas
partículas têm efeito contrário ao dos ga-
ses-estufa. Um gás-estufa permite que a
maior parte da radiação solar visível o
atravesse, mas absorve e torna a irradiar
ondas infravermelhas emitidas pela Ter-
ra, o que resulta em aquecimento. Por
outro lado, a névoa orgânica absorve a luz
que chega do Sol e a irradia de volta para
o espaço, reduzindo, assim, a quantida-
de total de radiação que atinge a superfí-
cie. Em Titã, esse antiefeito estufa resfria
a superfície em cerca de 7°C. Uma ca-
mada semelhante na jovem Terra também
a teria resfriado, reconvertendo, assim, a
população de metanógenos naquelas es-
44 SCIENTlFIC AMERICAN BRASIL
pécies de crescimento mais lento que pre-
ferem condições climáticas mais frias e,
portanto, limitando novos aumentos na
produção de metano. Essa intensa retro-
alimentação negativa tenderia a estabili-
zar a temperatura e a composição atmos-
férica da Terra exatamente no ponto no
qual a camada de nebulosidade orgânica
começou a se formar.
Nada é para Sempre
A NÉVOA I DUZIDA pelo metano manteve
a jovem Terra confortavelmente aqueci-
da - mas não para sempre. Eras glaciais
mundiais ocorreram pelo menos três ve-
zes no período denominado Proterozóico,
primeiro há 2,3 bilhões de anos, novamen-
te há 750 milhões de anos e, finalmente,
há 600 milhões de anos. Era difícil expli-
car essas glaciações, mas a hipótese do
papel do meta no oferece respostas convin-
centes também nesse aspecto.°primeiro desses períodos glaciais é
denominado glaciação huroniana, por-
que é bastante evidente em rochas ao
norte do lago Huron, no sul do Canadá.
Assim como as mais bem estudadas gla-
ciações do Proterozóico tardio, o evento
huroniano parece ter sido mundial, se nos
basearmos em interpretações de que al-
guns dos continentes estavam próximos
do equador à época em que estavam co-
bertos de gelo.
Esse surto de frio formou camadas de
amontoados irregulares de fragmentos de
rochas e de outros materiais que uma ge-
leira arrastou para o sítio e depois deposi-
tou no solo, quando o gelo derreteu, em
algum momento entre 2,45 bilhões e 2,2
bilhões de anos atrás. As rochas mais anti-
gas sob esses depósitos glaciais são forma-
das por detritos de uraninita e pirita, dois
minerais que são evidência de níveis mui-
to baixos de oxigênio atmosférico. Acima
das camadas glaciais há um arenito ver-
melho contendo hematita - mineral que
se forma apenas sob céus ricos em oxigê-
nio. (A hematita também foi encontrada
no lugar onde o jipe Opportunitypousou
em Marte.) A disposição das camadas des-
ses tipos distintos de rocha indica que as
glaciações huronianas ocorreram exata-
mente quando houve a primeira elevação
nos níveis de 02 na atmosfera.
Essa aparente coincidência permane-
ceu inexplicada até recentemente: se acei-
tarmos a hipótese de que o metano man-
teve a jovem Terra aquecida, podemos
concluir que houve uma era glacial mun-
dial há 2,3 bilhões de anos, porque isso
teria sido uma conseqüência natural do
aumento de oxigênio. Muitos dos meta-
nógenos e outros organismos anaeróbicos
que dominaram o planeta antes do aumen-
to da presença de oxigênio teriam pereci-
do nessa revolução ou se veriam confina-
dos a hábitats cada vez mais limitados.
Embora esse desfecho soe como o fim
da história do metano, a coisa não é exata-
mente assim. °metano nunca voltou a
exercer um efeito dominante no clima, mas
ainda pode ter tido influência importante
mais tarde - por exemplo, durante o Pro-
terozóico tardio, quando, sugerem alguns
cientistas, os oceanos congelaram total-
mente por ocasião de uma série de episó-
dios em que a Terra virou uma bola de
neve, a chamada Snowball Earth.
De fato, as concentrações de metano
poderiam ter se conservado substancial-
mente mais altas do que são hoje durante
grande parte do Proterozóico, que termi-
nou cerca de 600 milhões de anos atrás,
se a quantidade de oxigênio atmosférico
tivesse permanecido um pouco menor e
se as profundezas oceânicas ainda fossem
pouco oxigenadas e com baixos teores de
sulfato, um sal comumente presente na
água do mar em nossa época. A taxa à
qual o meta no escapou dos mares para a
SETEMBRO 2004
helisson
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I
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----- ~-- - --- --~-- - -- ----
da ESA) deverão ser capazes de detectar a
presença de gases que sinalizariam a exis-
tência de vida em suas atmosferas.
Oxigênio em qualquer quantidade
apreciável quase certamente indicaria
uma biologia comparável à da Terra mo-
derna, desde que o planeta fosse também
dotado da água líqüida necessária à vida.
Elevados níveis de metano também su-
geririam alguma forma de vida. Até onde
sabemos, apenas organismos vivos po-
dem produzir metano em níveis elevados.
Esse fato poderá ser a base para uma das
melhores maneiras de os cientistas am-
pliarem sua compreensão sobre como era
nosso próprio planeta durante os está-
gios iniciais de sua história. lirJ
atmosfera pode ter sido até dez vezes su-
perior à atual, e a concentração de me-
tano na atmosfera poderia ter sido de até
100 ppm. Esse cenário poderia explicar
por que o Proterozóico permaneceu livre
do gelo por quase 1,5 bilhão de anos,
embora o Sol ainda estivesse relativamen-
te frio. Meus colegas e eu especulamos
que um segundo aumento no 02 atmos-
férico, ou no sulfato, poderia também ter
provocado os episódios de transformação
da Terra em Snowball Earth.
MetanoExtraterrestre
POR MAIS PERSUASIVO que possa parecer
esse relato de um passado em que os
metanógenos dominaram o mundo, os
cientistas são obrigados a admitir que
não há nenhuma evidência direta para
fundamentar essa história. Encontrar
uma rocha que contenha bolhas da at-
mosfera daquela época constituiria uma
evidência definitiva, mas é improvável
que deparemos com tal revelação. °
melhor que podemos dizer é que a hi-
WWW.SCIAM.COM.BR
pótese é coerente com diversos frag-
mentos indiretos de evidência - espe-
cialmente os baixos níveis de CO2 at-
mosférico inferidos de solos antigos e o
momento em que ocorreu a primeira era
glacial envolvendo o planeta inteiro.
Embora talvez nunca possamos com-
provar essa hipótese na Terra, talvez possa-
mos testá-Ia indiretamente observando pla-
netas semelhantes à Terra orbitando outras
estrelas. Tanto a Nasa quanto a Agência
Espacial Européia (ESA) estão projetando
grandes telescópios que operarão no espa-
ço para procurar planetas do tamanho da
Terra orbitando 120 estrelas próximas.
Se tais planetas existem, essas missões
(TerrestrialPlanet Finder, da Nasa, eDarwin,
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 4S
PARA CONHECER MAIS
Greenhouse Warming by CH4 in the Atmosphere of Early Earth. Alexander A. Pavlov, James F. Kasting,
Lisa L. Brown, Kathy A. Rages e Richard Freedman em Journal of Geophysical Research - Planets, VaI.
105, No. E5, págs. 11.981-11.990; maio de 2000.
Life and the Evolution of Earth'sAtmosphere. James F.Kasting and Janet L. Siefert in Science, VaI. 296,
págs. 1066-1068; 10 de maio de 2002.
Methane-Rich ProterozoicAtmosphere? Alexander A. Pavlov, Matthew T. Hurtgen, James F.Kasting and
Michael A. Arthur in Geology, VaI. 31, No. 1, págs. 87-90; janeiro de 2003.

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