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INTRODUÇÃO A liberdade de expressão, em suas mais variadas faces, pode entrar em rota de colisão com outros direitos fundamentais, como os direitos da personalidade, igualmente protegidos pela Constituição, sejam individuais, caso do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem; sejam de ordem pública, caso de atos que albergue em si possível discurso odioso. A superação destas colisões exige do profissional do direito uma análise cautelosa, individualizada e, sobretudo, fundada em premissas jurídico-constitucionais. I – O FENÔMENO DA COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS O legislador, portanto, deverá limitar-se a estabelecer parâmetros gerais, diretrizes a serem consideradas pelo intérprete, sem privá-lo, todavia, do sopesa mento dos elementos do caso concreto e do juízo de equidade que lhe cabe fazer. A postulação de uma dessas providências, initio litis, desencadeia uma colisão de direitos fundamentais, assim identificada: de um lado, o direito ao devido processo legal do qual decorreria que somente após o procedimento adequado, com instrução e contraditório, seria possível que uma decisão judicial produzisse efeitos sobre a parte. Pois bem: a legislação não apenas estabelece requisitos específicos para esse tipo de tutela, como impõe, em muitos casos, restrições à sua concessão, em razão do objeto do pedido ou do sujeito em face de quem se faz o requerimento. É que ela vedava a concessão de liminar em mandados de segurança e em ações ordinárias e cautelares decorrentes de um conjunto de dez outras medidas provisórias, bem como proibia a execução das sentenças proferidas em tais ações antes de seu trânsito em julgado. Nada obstante, o acórdão fez a ressalva de que tal pronunciamento não impedia o juiz do caso concreto de conceder a liminar, se em relação à situação que lhe competisse julgar não fosse razoável a aplicação da norma proibitiva. O legislador não está impedido de tentar proceder a esse arbitramento, mas suas decisões estarão sujeitas a um duplo controle de constitucionalidade: o que se processa em tese, tendo em conta apenas os enunciados normativos envolvidos, e, em seguida, a um outro, desenvolvido diante do caso concreto e do resultado que a incidência da norma produz na hipótese. II – A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO Como registrado acima, durante muito tempo a subsunção foi a única fórmula para compreender a aplicação do direito, a saber: premissa maior a norma incidindo sobre a premissa menor os fatos e produzindo como consequência a aplicação do conteúdo da norma ao caso concreto. Imagine-se uma hipótese em que mais de uma norma possa incidir sobre o mesmo conjunto de fatos várias premissas maiores, portanto, para apenas uma premissa menor, como no caso aqui em exame da oposição entre liberdade de imprensa e de expressão, de um lado, e os direitos à honra, à imagem, à intimidade e à vida privada, de outro. Como consequência, a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de lidar com o fato de que a Constituição é um documento dialético que tutela valores e interesses potencialmente conflitantes, e que princípios nela consagrados entram, frequentemente, em rota de colisão. Ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica13 aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, sobretudo quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. Pois bem: nessa fase decisória, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto serão examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos a serem atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas a preponderar no caso. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas e a solução por ele indicada deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. III – DIREITOS CONSTITUCIONAIS DA PERSONALIDADE A segunda característica peculiar dos direitos da personalidade consiste em que nem sempre sua violação produz um prejuízo que tenha repercussões econômicas ou patrimoniais, o que ensejará formas variadas de reparação, como o “direito de resposta”, a divulgação de desmentidos de caráter geral e/ou a indenização pelo dano não-patrimonial (ou moral, como se convencionou denominar). Na Constituição de 1988 é possível destacar: “Art. 5º (...) V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; ” De forma simples, os direitos à intimidade e à vida privada protegem as pessoas na sua individualidade e resguardam o direito de estar só. Também se entende que não há ofensa à privacidade, isto é, quer à intimidade, quer à vida privada se o fato divulgado, sobretudo por meios de comunicação de massa, já ingressou no domínio público, pode ser conhecido por outra forma regular de obtenção de informação ou se a divulgação se limita a reproduzir informação antes difundida. Confira-se, nesse sentido, a seguinte ementa de acórdão, relatado pelo Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, no qual se discutia se peça teatral que retratava a vida de determinados personagens históricos (Olga Benário e Luiz Carlos Prestes) violava sua intimidade: “Verificada a inexistência de ofensa à honra, tampouco se reconhece violação da privacidade, uma vez que os fatos mostrados são do conhecimento geral, ou pelo menos acessíveis a todos os interessados, por outros meios não excepcionais, como a leitura de livro para cuja redação ministrara informações o próprio titular do direito que se alega lesado." Para os fins relevantes ao presente estudo, é importante registrar que o conflito potencial entre a proteção à honra dos acusados e a divulgação de fatos criminosos ou de procedimentos criminais (no momento de sua apuração ou posteriormente) tem sido examinado com frequência pela doutrina e jurisprudência. Após proceder à oitiva de representantes do canal de televisão interessado, da comunidade editorial alemã, de especialistas nos diversos ramos do conhecimento pertinentes, do Governo Federal e do Estado da Federação onde o condenado haveria de se reintegrar, o Tribunal reformou o entendimento dos juízos anteriores, concedendo a liminar para impedir a veiculação do programa, caso houvesse menção expressa ao interessado. Também do ponto de vista dos traços do caso concreto, que acabaram por determinar a decisão do Tribunal Constitucional, o caso Lebach não serve de paradigma para este tipo de conflito, dadas as grandes especificidades que o cercaram, sobretudo a coincidência temporal entre a iniciativa de exibição do documentário e a soltura de um dos apenados. IV – LIBERDADE CONSTITUCIONAIS DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO E A LIBERDADE DE IMPRENSA A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão44, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado. A expressão designa a liberdade reconhecida (na verdade, conquistada ao longo do tempo) aos meios de comunicação em geral (não apenas impressos, como o termo poderia sugerir) de comunicarem fatos e ideias, envolvendo, desse modo, tanto a liberdade de informação como a de expressão. Se de um lado, portanto, as liberdades de informação e expressão manifestam um caráter individual, e nesse sentido funcionam como meios parao desenvolvimento da personalidade, essas mesmas liberdades atendem ao inegável interesse público da livre circulação de ideias, corolário e base de funcionamento do regime democrático, tendo, portanto, uma dimensão eminentemente coletiva, sobretudo quando se esteja diante de um meio de comunicação social ou de massa. Na verdade, tanto em sua manifestação individual, como especialmente na coletiva, entende-se que as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades, o que justifica uma posição de preferência – preferred position – em relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. A Constituição de 1988 traz diversas normas sobre o tema das liberdades de informação, de expressão e de imprensa. “Art. 5º. (...) IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem; IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; ” Para tratar dos meios de comunicação social e da liberdade de imprensa, a Constituição empregou artigo próprio, que confere àqueles tratamentos privilegiados, nos seguintes termos: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística." V – PARAMETROS CONSTITUCIONAIS PARA PONDERAÇÃO NA HIPÓTESE DE COLISÃO A partir das notas teóricas estabelecidas no tópico anterior, é possível desenvolver um conjunto de parâmetros que se destinam a mapear o caminho a ser percorrido pelo intérprete: veracidade do fato, licitude do meio empregado na obtenção da informação, personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, natureza do fato, existência de interesse público na divulgação em tese, existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos, preferência por sanções a posterior, que não envolvam a proibição prévia da divulgação. RESUMO A Constituição assegura o direito à imagem, à intimidade e à privacidade das pessoas, de maneira que, em linhas gerais, a liberdade de expressão, principalmente quando veiculada pelos meios de comunicação e se contiver excessos em seu conteúdo, desviando-lhe de sua essência, deve ceder de modo a possibilitar o equilíbrio necessário para não violar outros bens jurídicos, igualmente reconhecidos pela Constituição. Nesta perspectiva, poder-se-ia supor que o direito à imagem, à intimidade e à privacidade se sobrepõem à liberdade de expressão. Mas não é necessariamente assim. Em verdade, não há bens jurídicos que contenham conteúdo de direito absoluto. Por exemplo, se se estiver diante de pessoas públicas – artistas, por exemplo – dificilmente poder-se-á falar em direito à imagem nas mesmas condições de um sujeito que não disponha dessa fama. É que a imagem da pessoa pública já está incorporada e fluída no meio social, por vontade prévia e expressa de seu próprio titular que, ao exercer sua atividade profissional artística e pública, tacitamente, abdicou de parcela de sua individualidade. Isto se aplica, por igual razão, às autoridades públicas. A princípio, estas também fazem jus à intimidade e à privacidade no que tange às suas vidas privadas. Todavia, em determinadas circunstâncias, cumpre aquilatar se esses direitos individuais não conflitam com o interesse público que perpassa pela sociedade; em caso positivo, será o interesse público que deverá prevalecer. Em suma, se a liberdade de expressão estiver em confronto com outro(s) Direito(s) Fundamental(is), o caso deverá ser dirimido à luz do princípio da proporcionalidade, mediante os elementos que o compõem (adequação, necessidade e proporcionalidade propriamente dita), os quais irão franquear a solução jurídica e Constitucional que deve imperar no episódio. A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos necessita, assim, de uma atitude de ponderação dos valores em jogo, decididos, com base no caso concreto e nas circunstâncias da hipótese, qual direito deverá ter primazia. Trata-se do mecanismo de resolução de conflito de direitos fundamentais, hoje amplamente divulgado no Direito Constitucional comparado e utilizado pelas Cortes Constitucionais no mundo. CONCLUSÃO A colisão de princípios constitucionais ou de direitos fundamentais não se resolve mediante o emprego dos critérios tradicionais de solução de conflitos de normas, como o hierárquico, o temporal e o da especialização. Os direitos da personalidade, tidos como emanação da dignidade da pessoa humana, conquistaram autonomia científica e normativa, são oponíveis a todos e comportam reparação independentemente de sua repercussão patrimonial (dano moral). A liberdade de informação diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado. Na colisão entre a liberdade de informação e de expressão, de um lado, e os direitos da personalidade, de outro, destacam-se como elementos de ponderação: a veracidade do fato, a licitude do meio empregado na obtenção da informação, a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, o local do fato, a natureza do fato, a existência de interesse público na divulgação, especialmente quando o fato decorra da atuação de órgãos ou entidades públicas, e a preferência por medidas que não envolvam a proibição prévia da divulgação. O legislador infraconstitucional pode atuar no sentido de oferecer alternativas de solução e balizamentos para a ponderação nos casos de conflito de direitos fundamentais. O § 2° do art. 21 da Lei n° 5.250/67 (Lei de Imprensa) e o art. 20 do Novo Código Civil devem ser interpretados conforme a Constituição para que possam subsistir validamente, em ambos os casos, a presunção do interesse público na livre circulação de notícias e de ideias impede o cerceamento da liberdade de informação e de expressão, a menos que a presunção possa ser excepcionalmente afastada à vista do caso concreto, mediante comprovação cabal de uma situação contraposta, merecedora de maior proteção. É legítima a exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nas quais: (i) sejam citados os nomes ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado; Por fim concluímos que, a liberdade de imprensa, quando mal exercida pode atingir direitos personalíssimo, avançando e atingindo à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade da pessoa humana. O abuso da liberdade de imprensa pode gerar uma infinidade de conflitos que podem causar danos, notadamente de ordem moral. Na liberdade de informação e do pensamento, a imprensa assume um papel primordial, emitindo fatos e opiniões, e tem como função levar a todos a notícia verdadeira, sendo de suma importância inclusive que atuem de maneira com que os direitos da personalidade sejam respeitados. Os direitos da personalidade são direitos originários, adquiridos simplesmente no fato de nascerem, sem a necessidade de concurso de qualquer meio de aquisição, ou seja, são conaturais ao sujeito já que resultam da próprianatureza do homem, como o direito à vida, ao corpo, à integridade, à honra e à liberdade. Já a liberdade de imprensa ou a liberdade da informação consiste em propiciar a notícia para a população, sendo um componente imprescindível em uma sociedade democrática, bem como de expressar sem qualquer tipo de censura ou retaliação. Contudo não há de se negar que a própria imprensa possui seus interesses particulares, como por exemplo, alavancar suas receitas, utilizando-se do sensacionalismo como forma de alcançar este fim. Os resultados esperados versam sobre o exercício responsável da liberdade, uma vez que os danos causados quando a liberdade de imprensa é má empregada pode ser irreversível. A liberdade de imprensa deve ser exercida atendendo o dever de apresentar a verdade dos fatos, e prevalecem da ética no exercício profissional. Os danos ocasionados pela exploração indevida do caso podem deixar marcas indeléveis não aqueles que foram vítimas dos abusos da imprensa, cabendo assim aos profissionais da área da comunicação uma reflexão sobre o seu papel social, visto que existe uma linha tênue que separa o direito à informação e o direito personalíssimo de preservar a integridade física e social de todos os brasileiros.
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