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Documento não controlado - AN03FREV001 1 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE Gestalt-terapia Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação Documento não controlado - AN03FREV001 2 CURSO DE Gestalt-terapia MÓDULO I Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. Documento não controlado - AN03FREV001 3 SUMÁRIO MÓDULO I 1 ORIGEM E HISTÓRIA 2 FREDERICK PERLS E SUCESSORES 3 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS 4 HOLISMO E VISÃO SISTÊMICA 5 CONCEITO DE SAÚDE EM GESTALT-TERAPIA MÓDULO II 6 PSICOLOGIA DA GESTALT 7 AQUI E AGORA 8 A RELAÇÃO FIGURA-FUNDO 8.1 VIVÊNCIAS ANTERIORES 8.2 SITUAÇÕES INACABADAS 8.3 O FLUXO DA EXPERIÊNCIA PRESENTE 9 TEORIA DE CAMPO 10 AWARENESS E TEORIA PARADOXAL DA MUDANÇA 11 TEORIA ORGANÍSMICA 11.1 A DINÂMICA DO ORGANISMO MÓDULO III 12 FRONTEIRAS DE CONTATO 13 FUNÇÕES DE CONTATO 14 CICLO DE CONTATO 15 RESISTÊNCIA E DISFUNÇÕES DE CONTATO 16 O EU-NEURÓTICO MÓDULO IV 17 RELAÇÃO EU-TU 18 TRABALHANDO COM SITUAÇÕES INACABADAS 19 O CORPO Documento não controlado - AN03FREV001 4 20 EXPERIMENTOS 21 CASAIS, FAMÍLIAS, GRUPOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Documento não controlado - AN03FREV001 5 MÓDULO I Raízes e Precursores 1 ORIGEM E HISTÓRIA Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica que teve sua origem na Alemanha. Seu nascimento oficial ocorreu com a publicação do livro “Gestalt- Teraphy”, em 1951, escrito por Fritz Perls, Hefferline e Goodman. A escolha do nome desta nova proposta de trabalho psicológico foi um processo difícil e controverso. Laura Perls sugeriu Psicanálise Existencial, porém em razão das críticas sobre o pessimismo da obra de Sartre, esta ideia foi descartada pelos demais. Já Hefferline propunha o título Terapia Integrativa, mas também não foi aceito. O nome Terapia Experimental foi levantado pelo grupo, mas logo recusado. Inicialmente, Perls batizara este método de “Teoria da Concentração”, uma clara oposição ao método psicanalítico da livre associação. Realmente, esta teoria sugeria ao cliente que este se concentrasse na experiência do aqui-agora, que houvesse uma consciência de seu estado físico e corporal, além de utilizar os recursos de relaxamento e respiração. Porém, este título não refletiria a sua nova teoria em todos os seus aspectos. Essa sugestão estaria enfocando apenas pontos menores em seu arcabouço prático e teórico. Seria necessário encontrar um nome mais global para o método sugerido. Foi então que Perls sugeriu “Gestalt-terapia”, o que não agradou a todos, principalmente a Laura Perls, que naquela ocasião fazia doutorado em Psicologia da Gestalt, e achava que o novo método proposto não tinha relação com esta teoria, a qual conhecia melhor que Perls. Goodman achava o termo estrangeiro e esotérico demais, só que era exatamente isto que agradava Perls, seu caráter provocativo e comercial (“marqueteiro”). A palavra Gestalt é amplamente adotada em todo o mundo e em todas as línguas, na sua forma original, uma vez que não apresenta uma tradução Documento não controlado - AN03FREV001 6 equivalente em nenhum país. Em dicionários comuns, Gestalt apresenta o sentido de “figura, forma, feição”. Gestalten, que é o seu plural, significa “dar forma, dar uma estrutura significante, moldar, arrumar”. E ainda buscando algo que apresente um sentido de mais ação e processo, encontramos a palavra Gestaltung que pode ser traduzida como “formação, conformação, criação e organização”. Quando falamos em Gestalt estamos falando de uma teoria que veio de uma escola de pensamento que é a psicologia da Gestalt. Tal escola estuda como os seres percebem as coisas e como o campo perceptivo se organiza espontaneamente por meio das “boas formas” ou “gestalten fortes e plenas”. Esta psicologia considera que os fenômenos psicológicos, físicos, biológicos e simbólicos constituem um conjunto autônomo, indivisível e articulado na sua configuração, organização e lei interna. Quando nos deparamos com um estímulo físico, tentamos compreendê-lo por meio de uma organização perceptual. Esta organização pode ocorrer de diversas maneiras, mas apenas uma organização aparecerá de cada vez. Caso você queira reorganizar sua percepção conscientemente, alterando o foco de percepção, isso poderá ser feito, mas sempre uma em cada momento. Por exemplo: quando vemos a Figura 1 qual é a organização predominante? Uma taça ou o perfil de duas pessoas, uma de frente para outra? Esta organização é individual e ocorrerá de cada vez, embora possa ser percebida alternadamente; uma vez se percebe os rostos, outra vez o vaso. Documento não controlado - AN03FREV001 7 FIGURA 11 Uma taça ou dois rostos? Só a Gestalt explica... A percepção ocorre por uma totalidade e não por “pontos isolados”. Podemos destacar que a partir deste princípio estrutura-se uma máxima que servirá de conceito precursor da abordagem da Gestalt-terapia: “O todo é maior que a soma de suas partes”. Este movimento conhecido como Psicologia da Gestalt, também pode ser chamado de Psicologia da forma, Gestaltismo ou simplesmente Gestalt. Foi criado pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887- 1967) e Kurt Koffka (1886-1940), nos princípios do século XX. É importante ressaltar que muitos dos princípios estudados na psicologia da Gestalt são aplicados na prática clínica e teórica da própria Gestalt-terapia. Porém, este conceito foi primeiramente apresentado pelo filósofo austríaco Christian Von Ehrenfels. Seus estudos apontam para a existência de “objetos perceptivos”, como as formas espaciais e as estruturas rítmicas, que se apresentam como “formas” ou relações estruturais e não se reduzem à soma de sensações precisas. Estas ideias estão apresentadas no livro "Sobre as qualidades formais" (1890). Desde a sua origem, a Gestalt-terapia, se apropriou e se nutriu, de forma consciente ou não, de várias correntes filosóficas e terapêuticas, não só da Psicologia da Gestalt, mas também da fenomenologia, do existencialismo, do 1 FONTE: Disponível em: http://sexualidadeegestalt.blogspot.com/2009/04/o-que-e-gestalt-terapia-parte-1.html. Acesso em 01 nov. 2009. Documento não controlado - AN03FREV001 8 psicodrama, da psicanálise, das terapias corporais e também de filosofias orientais, como o budismo e o taoísmo. Daí, se tira sua principal crítica, uma vez que alguns autores não a consideram uma abordagem autêntica, mas sim, uma “colcha de retalhos e técnicas”. Utilizando seu próprio princípio, de que é necessário olhar o todo e não a soma de suas partes, podemos esclarecer que esta nova organização teórica constitui algo novo e muito autêntico. A própria genialidade de Fritz Perls (seu criador) e de seus principais colaboradores, Laura Perls e Paul Goodman, foi elaborar esta síntese coerente, rica, única e dinâmica. A teoria da aprendizagem da Gestalt também contribui para a Gestalt-terapia com osconceitos de situação inacabada e figura-fundo. A situação inacabada impede a pessoa de seguir adiante e lhe trazer satisfação. O conceito de figura- fundo permite que o observador organize suas percepções em uma unidade mais forte. Este movimento pode levá-lo ao ritmo de awareness (consciência organísmica, ou processo de dar-se conta) e unawareness. Alfred Adler, psicólogo austríaco, foi médico psiquiatra e psicanalista. Traz a visão de que o homem é o criador consciente de sua vida. O estilo de vida e o eu criativo sustentam ao sujeito uma participação única e ativa. Em consonância com o pensamento de Adler, a Gestalt-terapia também acredita que o homem cria a si mesmo, sendo que sua maior energia advém do processo de estar em aware e da aceitação de si mesmo. Otto Rank, psicanalista, discípulo de Freud por vinte anos, muda a visão da resistência para uma perspectiva mais construtiva e inclui o seu papel na resolução das partes separadas de si mesmo. “A resistência construtiva a essas alternativas assustadoras leva a uma nova integração criativa dessas forças classicamente opostas” (POLSTER, 2001, p. 315). Junto dessa influência, a Gestalt-terapia reconhece o poder da resistência criativa e não tenta extirpá-la a todo custo, e sim, mobilizá-la para uma nova composição pessoal, considerando sua força e fazendo com que esta fique integrada ao indivíduo. Wihelm Reich, discípulo dissidente de Freud, desperta o interesse de Perls sobre o caráter do homem, que é o jeito de ser da pessoa. Reich elabora o conceito de couraça corporal, como uma forma de tensão muscular diante de uma repressão Documento não controlado - AN03FREV001 9 habitual, ou seja, a mesma repressão do nível mental está ocorrendo no corpo. Outro aspecto importante foi o fato de que Reich ao olhar para as ações simples de um modo simples permite que a fenomenologia se firme de forma mais ativa. Ele traz para o setting terapêutico o comportamento cotidiano, enfatizando as características linguísticas, posturais, musculares e gestuais. Moreno, por meio do psicodrama, reconhece o poder atemporal da arte da dramatização como meio para o processo de mudança. Este caminho abre as possibilidades criativas inerentes na arte e defende a potencialidade das descobertas quando a pessoa participa de uma experiência, muito mais ativamente do que apenas falar sobre ela. A Gestalt-terapia utiliza muito o psicodrama para seus trabalhos vivenciais junto ao cliente, e também em situações específicas por meio de trabalhos com sonhos. A dramatização vai acontecendo juntando os diversos elementos do sonho ou da cena. O cliente vai entrando em cada papel e se identificando. É necessário sentir no corpo e nas emoções o impacto das imagens. Com relação ao sonho, cada parte é considerada como uma expressão parcial do próprio sonhador. Esta concepção teórica advém da visão de Jung de que os sonhos e seus simbolismos representam expressões criativas do eu e projeções de si mesmo. Esta ideia também é compartilhada pela Gestalt-terapia. Jung também influencia a Gestalt-terapia com o conceito de sombra que tem uma relação direta com a visão gestáltica de polaridades, em que a presença de um pólo só faz sentido na presença do outro, ou seja, os aspectos polares são complementares. Na Gestalt-terapia quanto maior é a polarização em uma das extremidades, mais neurótico o cliente se torna. Por exemplo, uma pessoa que se considera muito forte será incapaz de lidar com sua fraqueza em uma determinada situação. O trabalho da Gestalt-terapia será integrar as polaridades (por exemplo: força e fraqueza), e fazer com o cliente possa se perceber hora forte, hora fraco, e assim, transitar naturalmente por estas polaridades. Kurt Goldstein, neurologista e psiquiatra alemão foi um pioneiro da neuropsicologia moderna. A Gestalt-terapia foi bastante influenciada por sua teoria holística do organismo. A partir do seu trabalho com os soldados da Primeira Guerra Mundial que retornavam com lesões cerebrais e, também, da ideia de totalidade de Documento não controlado - AN03FREV001 10 Jan Smuts, ele desenvolveu sua teoria das relações cérebro-mente. Dentro de sua visão há uma severa crítica à forma como a medicina lida com a sintomatologia dos pacientes. Seu livro mais importante, em alemão, Der Aufbau des Organismus (1934) foi publicado novamente em inglês com o nome The Organism (1995). Tanto para Goldstein, quanto para a Gestalt-terapia, o sintoma passa a ter uma função de busca de equilíbrio do organismo. Exatamente por fazer parte desta totalidade, o sintoma sofre a influência do organismo com um todo. O organismo tem uma tendência inata de autorregulação e, muitas vezes, o sintoma é a melhor saída que este organismo teve para se organizar em um determinado momento diante de uma nova situação. Esta ideia traz uma nova concepção de saúde, que é justamente a capacidade de recuperação do equilíbrio do organismo, e não mais a ideia de ausência de doença. Isto também influencia a percepção da neurose que passa a ser entendida como um processo de ajustamento criativo. Kurt Lewin foi um psicólogo alemão que transitou muito entre os campos sociais e a necessidade de pesquisa. Sua contribuição deu-se por seus trabalhos com dinâmicas de grupo, fortalecendo o olhar da psicologia social como ciência, e desenvolvendo o conceito de pesquisa-ação. Dedicando-se a áreas de processos sociais, motivação e personalidade. Para a Gestalt-terapia, sua enorme influência parte do conceito denominado de Teoria de Campo. Para ele, é necessário entender a personalidade como um campo, onde as variações individuais do comportamento humano são estabelecidas pela tensão entre as percepções que o indivíduo tem de si mesmo e pelo ambiente psicológico em que está inserido (espaço vital). Não podemos falar dos pressupostos e da origem da Gestalt-terapia sem falar da necessidade de usar a criatividade dentro do setting terapêutico. Somente quando há ligação clara entre o cliente e o terapeuta é que se consegue a transformação e a mudança do cliente. Mas este contato só vai se tornar um ato criativo se tiver fluência e um sentimento mútuo de transformação. Zinker (2007, p. 17) afirma que “a terapia criativa é um encontro, um processo de crescimento, em evento para a solução de problemas, uma forma especial de aprendizagem e uma exploração de toda a diversidade de nossas aspirações de metamorfose e ascendência.” Para a Gestalt-terapeutas o profissional é o maior bem que o cliente poderá Documento não controlado - AN03FREV001 11 usufruir como canal, ferramenta e troca. Para isso, o próprio terapeuta precisará buscar a ousadia e a criatividade em sua prática diária, por meio dos experimentos, mas sempre baseados em sua concepção teórica. “A Gestalt-terapia é, na realidade, uma permissão para ser criativo” (ZINKER, 2007, p. 30). O método escolhido reforça esta ideia, que é o experimento. Permitir que se abram diante do terapeuta todas as possibilidades de trabalho, permitir tornar-se exuberante, provocando a vida em suas diversas facetas, são posturas essenciais de um Gestalt-terapeuta, buscando sempre ousar ao inusitado, e estimular a criatividade. 2 FREDERICK PERLS E SUCESSORES Como foi visto no item 1 do módulo, a Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica que sofreu influências de vários teóricos e ideologias diferentes. Perls, seu fundador, utilizou-se de um vasto arcabouço teórico, métodos, técnicas, porém, reformulando estas ideias em um estilo pessoal. Tanto Perls como seus sucessores sempre atribuíram grande atenção e valor ao estilo e à criatividade decada terapêutico. Sua forma de construir e apresentar esta nova abordagem psicológica reforça esta ideia. Esta síntese específica e coerente que foi costurada em cima da máxima de que “o todo é bem diferente da soma de suas partes”, é uma criação baseada nas intuições geniais e nas crises pessoais de seu principal fundador, Fritz Perls (um “enfant terrible”). A vida de Frederick Perls costuma ser um misto de ousadia, arrogância, impulsividade e autenticidade. É muito comum que seus discípulos e profissionais da Gestalt-terapia tenham, ao mesmo tempo, os sentimentos antagônicos de orgulho e vergonha de seu “mentor”. Sua vida extremamente controversa não esconde seu caráter egoísta, narcisista e avarento, mas seu poder de sedução e seu exibicionismo encantavam e mantinham as pessoas ao seu redor. Seus papéis familiares de filho, marido e pai foram exercidos de forma egocêntrica e indigna. Fritz costuma repetir com orgulho a Documento não controlado - AN03FREV001 12 definição que sua mulher tinha dele, “uma mistura de profeta e coitado”, achando-a perfeita e exata. Teve vários vícios em sua vida, como os três maços de Camel, LSD e outras drogas psicodélicas. Por toda a sua vida, Friz manteve um fascínio por grupos marginalizados. A Gestalt-terapia foi marcada por uma hostilidade contra os interesses e a ordem burguesa. Por muitos anos, a quebra de padrões sociais, choques de valores e rebeldia (incluindo o uso de drogas e prazeres efêmeros) conduziram os atos tanto do homem Fritz quanto do pensador e articulador da abordagem da Gestalt-terapia. Não foi à toa que aos 75 anos de idade foi considerado o “rei dos hippies”. Friedrich Salomon Perls, nasceu em 8 de Julho de 1893 em um gueto judeu no subúrbio de Berlim. Seu pai, Nathan, era um comerciante charmoso e sedutor que viajava muito e era muito infiel. De seu pai Fritz herda seu temperamento irritadiço, violento e orgulhoso. Sua mãe, Amália, era uma judia devota que respeitava as tradições. A partir da paixão de sua mãe pelo teatro e pela ópera, Fritz descobre esses encantos que carrega por toda a sua vida. O casal viveu em constantes brigas, muitas vezes violentas, em um clima quase que de ódio. Fritz tinha muito ciúmes de sua irmã mais velha, Else, que era protegida pela mãe por ser quase cega. Diz-se que ele não chorou uma lágrima quando sua mãe e Else morreram em um campo de concentração. Já de sua irmã Grete, ele era bastante próximo, inclusive morou com ele em Nova York. Durante dez anos de convivência, Grete serviu como empregada para Fritz e sua esposa. Do pai, Fritz, foi desenvolvendo uma raiva cada vez maior, cortando laços em definitivo e não indo ao seu enterro. Fritz passou a vida toda duvidando de sua paternidade. Durante sua infância ele foi um menino muito levado e apanhava constantemente. Chegou a ser expulso da escola por mal-comportamento. Aos treze anos começou a trabalhar como aprendiz em uma loja, abandonando no ano seguinte, quando voltou a estudar em uma escola liberal, onde desenvolveu seu gosto pelo teatro. Quando adolescente, fez vários cursos de artes dramáticas, mas não se considerava um bom ator. Sua influência maior foi do diretor expressionista Max Reinhardt que acreditava no envolvimento total do ator em seu papel. Nos primeiros quarenta anos de vida, Perls transitou por cidades na Alemanha e Áustria. Formou-se como psiquiatra e participou da Primeira Guerra Mundial, experiência que lhe conferiu graves sequelas dos traumas vividos, Documento não controlado - AN03FREV001 13 chegando a manifestar sinais de despersonalização e indiferença total pelo meio. Após a guerra, obteve doutorado em medicina, tornando-se um neuropsiquiatra. Ainda interessava-se por teatro, frequentando cafés esquerdistas de Berlim, onde se envolveu com artistas anarquistas da contracultura. Neste momento, ele se encontra com S. Friedlaender, autor de “A indiferença criadora” que era um ensaio que visava a superar o dualismo kantiano desenvolvendo o conceito de “vazio” ou “vazio fértil”. Aos 32 anos, Fritz ainda era um homem dependente e inseguro, morava com a mãe e era desprezado pelo pai. Quando conhece Lucy, sua vida sofre uma grande mudança e passa a buscar experiências mais ousadas e transgredir todos os tabus. Ela mostra-lhe uma série de práticas eróticas, como: sexo a dois, três, quatro, exibicionismo, voyerismo, homossexualidade, etc. Após três processos psicanalíticos consecutivos vividos como paciente, com Karen Horney, Clara Happel e Eugen Harnick, Fritz decide “trocar o divã psicanalítico pelo leito conjugal”, casando-se com Lore Postner, com quem teve dois filhos. Durante esta transição, ele sai de Berlim e instala-se em Frankfurt. Começa a trabalhar com Kurt Goldstein, utilizando a psicologia da Gestalt para sua pesquisa com distúrbios perceptivos em pessoas com problemas cerebrais. Lá conhece Lore Postner, ficando conhecida mais tarde como Laura Perls. Inicia o último processo terapêutico com Wilhelm Reich, quando foi notadamente inspirado por suas ideias sobre as couraças de caráter e a forma terapêutica ativa de tocar o corpo dos seus pacientes. Nesse período, estabeleceu- se como psicanalista. Após superar o medo de ser estéril, em 1931, nasce Renate, a primeira filha de Perls. Sua relação com ela era muito íntima e amorosa até nascer Steve, seu segundo filho, depois de quatro anos. Mais tarde, sua ligação com os dois filhos vai se desligando e a negligência a ambos vai imperar. Aos quarenta anos foge da Alemanha nazista, por ser judeu, e vai para Amsterdã. De 1934 até 1946 instala-se como psiquiatra na África do Sul, levando uma vida burguesa, rica, luxuosa e mundana. Fundou o Instituto Sul-africano de Psicanálise e tanto ele, quanto Lore tinham muitos clientes. Ainda usava as normas rígidas da psicanálise, cinco sessões por semana de cinquenta minutos, sem contato físico, visual ou social. Documento não controlado - AN03FREV001 14 No Congresso Internacional de Psicanálise em Praga (1936), sofre várias decepções que o marcam pelo resto de sua vida. Primeiro, Freud, em seu encontro, quando foi apresentar seu trabalho e suas ideias, não demonstrou interesse e não teve a acolhida esperada. Segundo, durante o congresso, Reich quase não o reconhece, mesmo após mais de dois anos em sessões diárias como analisando, e também, não se interessa por nada que ele expõe. Terceiro, foi o pouco interesse e aceitação geral dos seus colegas psicanalistas quando aborda a importância da oralidade e das modalidades de ingestão do bebê. Em 1942, ele publica o livro: “Ego, fome e agressão”. Ao escrever este livro, ele passa a desenvolver suas teses, o que seria um esboço de várias noções futuras da Gestalt-terapia, tais como: importância do momento presente, do corpo, contato direto e autêntico entre paciente e terapeuta, uma abordagem “holística” do organismo, e as ideias de uma “terapia da concentração”, compreendendo técnicas de visualização de utilização da primeira pessoa do singular, responsabilidade dos sentimentos, concentração do corpo e das sensações e observações das hesitações. Suas ideias, que ficam cada vez mais fortes a partir deste primeiro livro, sofreram uma grande influência de Smuts, o principal responsável por sua ida para a África do Sul. Ele foi o fundador do holismo, que é uma teoria elaborada a partir das ideias de Darwin, Gergson e Einstein. Sua conceituação a respeito de holismo considera não só o próprio organismo como um todo coerente, mas um todo em interdependência estreita com seu meio e com o universo. Nos dez anos seguintes, de 1953 a 1963, Fritz fixa residênciaem Nova York e faz viagens por todos os Estados Unidos. Cada vez mais ele se interessava pela terapia em grupo, e na sua vida pessoal, continuava envolvendo-se com anarquistas e revoltados que alardeavam uma grande liberdade de costumes e praticavam abertamente a bissexualidade e o sexo grupal. Em 1950, é constituído o grupo dos sete: Isadore Fromm, Paul Goodman, Paul Weisz, Elliot Shapiro, Sylvester Eastman, Fritz e Laura Perls, mais tarde Halph Hefferlin, que poderia avalizar o grupo, por ser professor universitário, e facilitaria a publicação das suas teses. Em 1951, surge a obra coletiva “Gestalt Therapy”, e marca o início oficial da nova prática. Nesta época, encontra-se com Goodman, que se torna um dos Documento não controlado - AN03FREV001 15 pensadores da nova escola, a Gestalt-terapia. Outro encontro importante ocorreu com Isadore Fromm, estudante de Fenomenologia, que foi um dos pilares do célebre Instituto de Gestalt de Cleveland. Em 1952, junto com Laura cria o primeiro instituto de Gestalt-terapia e começa a divulgar pelos Estados Unidos o seu novo método. Esta fase marca a troca de conhecimentos entre vários terapeutas, tais como: Charlotte Selver inspirando-se na tomada de consciência sensorial do corpo; Moreno com quem praticou o psicodrama, principalmente o monodrama; Hon Hubbard que o iniciou na dialética ou cientologia. De 63 até 67 anos, instala-se na Flórida e vive um período triste e deprimido. Fica doente, com problemas cardíacos, solitário, sem amigos, e começa a sonhar com a aposentadoria. Pela primeira vez na vida, renuncia às atividades sexuais com medo de uma crise cardíaca. Em 1957, apaixona-se por Marty From, retoma o gosto pela vida, e chega a declarar que a considera a mulher mais importante de sua vida, voltando a promover alguns seminários na Califórnia. Nesta época, vivia a procura de experiências sempre novas, entregando-se às drogas psicodélicas e acreditando que a droga dava-lhe a “consciência cósmica”. Sua paixão dura pouco, pois Marty não suporta suas crises psicóticas, seu ciúme doentio e, após suas cirurgias de hemorroidas e próstata, acaba deixando-o por um amante mais jovem. Nos quatro anos seguintes, de 1959 a 1963, consegue renunciar às drogas e passa a vagar por Califórnia, Nova York, Israel e Japão. Em Israel, vive em uma comunidade de beatniks, onde ficou fascinado com o modo de vida dos artistas. No Japão, tem uma experiência dentro de um mosteiro zen, onde se frustrou por precisar se prostrar diante de uma estátua de Buda, comparando o zen budismo com a psicanálise. Aos 71 anos, ele fixa residência numa propriedade em Big Sur, cheia de fontes de águas quentes e sulfurosas, a qual batiza de Esalen. Neste local, que seria idealizado por Michael Murphy, para ser um Centro de Desenvolvimento do Potencial Humano, parecia mais um grande albergue. Após a ida de Perls para Esalen, onde passou a promover seminários de demonstração e formação profissional em Gestalt-terapia, torna-se célebre. Documento não controlado - AN03FREV001 16 Aos 75 anos, sua foto é exibida na capa da revista Life, intitulando-o “rei dos hippies”. Finalmente chegara seu momento de glória e reconhecimento. Os grupos que eram pequenos até então, passaram a ter centenas de pessoas, e seu “circo”, como ele próprio chamava, passando a ser considerada como demonstrações espetaculares, a maioria das vezes, envolvendo a técnica da “cadeira vazia”. Muitos especialistas passaram a frequentar e ir constantemente para Esalen, tais como, Gregory Bateson (“ecologia do espírito” e double blind), Alexandre Lowen (“bioenergética”), Eric Berne (análise transacional), John Lilly (caixa de isolamento sensorial), Alan Watts (orientalismo), Stanislas Grof (psicologia transpessoal), John Grinder e Richard Bandler (programação neurolinguística), entre outros. Em 1969, publica as obras “Gestalt-therapy verbatim” e “In and out the garbage pail”. Fritz sonhava, nesta época, em inaugurar um Gestalt-kibutz, ou seja, uma comunidade onde se pudesse viver a Gestalt 24 horas por dia e onde ele pudesse se sentir realmente em casa. Em junho de 1969, ele funda, junto com trinta discípulos, uma comunidade em um antigo hotel de pescadores à beira do lago Cowichan, na ilha de Vancouver. Todos participavam de sessões de terapia e/ou formação, trabalhos coletivos, mas deixava claro que o mestre era ele, Fritz Perls. Chegou a declarar que pela primeira vez na vida estava feliz e não precisava brigar com ninguém. Em 14 de março de 1970, aos 77 anos, morre de infarto no miocárdio, Fritz Perls, o principal criador e porta-voz da Gestalt-terapia, mesmo que não tenha sido um exímio teórico. Após a autópsia foi revelado que havia, também, um câncer de pâncreas. Sua morte foi tão controversa quanto sua vida, havendo, a partir daí, uma ruptura em duas posições, os que acreditavam, como Paulo Goodman, que Perls havia “traído a Gestalt” e os seus efetivos seguidores. Podemos dizer que há uma segunda geração de Gestalt-terapeutas, com os profissionais, Isadore From, Joseph Zinker, Ervin e Miriam polster, etc. Isadore From foi um psicólogo da primeira geração de Gestalt-terapeutas. Faleceu aos 75 anos, em Nova York. Foi considerado um clínico extremamente talentoso, homem brilhante, íntegro, preciso e muito espirituoso. Era meticuloso e lúcido, embora fosse perfeitamente capaz de navegar em uma expedição nova e intuitiva se a situação o tocasse a tal ponto. Como um bom pesquisador experimental, ele considerava seus palpites como hipóteses provisórias, abertas Documento não controlado - AN03FREV001 17 para serem confirmadas ou refutadas. Não deixou muita contribuição escrita de seus pensamentos e experiências. Temos apenas acesso a algumas transcrições de entrevistas. Desde a década de 1950, ele participava do seleto círculo que se reunia no apartamento de Fritz e Laura em Manhattan. Também foi analisado, primeiro por Fritz Perls, depois por Laura. Seus primeiros estudos foram na área da filosofia, especificamente com a fenomenologia, o que contribuiu em muito para sua prática em Gestalt-terapia. Por mais de três décadas, ele praticou e ensinou a Gestalt- terapia em Nova York. Ele também viajou regularmente, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, especialmente na Alemanha e na Itália, para ações de formação e grupos de supervisão. Sua história seguiu no rumo de dar uma direção para a Gestalt-terapia. Ele acreditava que as mudanças eram feitas em pequenos passos, permitindo que os pacientes pudessem assimilá-las mais facilmente. Porém, essas pequenas mudanças podem fazer diferença significativa: quando você faz uma pequena mudança na configuração de uma Gestalt estabelecida, o resultado é uma nova configuração. A melhor fonte de suas inspirações, entretanto, foi em grande parte o que é imediatamente dado e, portanto, facilmente esquecido - o óbvio, por assim dizer. Quando ensinava ou fazia demonstrações, Isadore mostrava aos alunos como eles próprios deveriam fazer. Sempre com muita paciência demonstrava suas observações e conclusões, passo a passo, sem ter interesses em obscuridades ou mistificações. Isadore permaneceu purista sobre a Gestalt-terapia, e neste contexto, um conservador. Talvez, tenha se tornado demasiadamente inflexível quanto aos benefícios da Gestalt-terapia em aceitar novas ideias. Seu crescente alarme, no entanto, veio de tendências dentro de Gestalt-terapia em si: Ele estava perturbado que os ensinamentos passados por Perls e com a possibilidade de que estes fossem confundidos com experiências de conversão. O casal Miriam e Ervin Polster contribuiucom o clássico livro “Gestalt-terapia Integrada” na década de 70, além de iniciarem um centro de treinamento em La Jolla. Ambos têm um papel ativo na Gestalt-terapia quase desde o início. Trabalharam diretamente com Perls e Laura e fizeram terapia com Isadore From. Tiveram uma ativa atuação no Instituto Gestalt de Cleveland por quase vinte anos. Documento não controlado - AN03FREV001 18 Depois se mudaram para Califórnia, onde se estabeleceu o Gestalt Training Center de San Diego. Também realizaram oficinas de formação e seminários para várias intuições em todo o país e fora dele. Erving tem um estilo efusivo e irreverente, além da capacidade de transmitir fascínio e entusiasmo. Apresenta uma habilidade em transformar ideias velhas em experiências inéditas. Miriam faleceu em 19 de dezembro de 2001 de câncer. Ela tinha um jeito delicado e envolvente muito evidente em seu contato humano, e se comunica de forma clara e precisa. Juntos ou separados, o casal, sem dúvida, contribuiu muito para ampliar as fronteiras da Gestalt-terapia. Joseph Chaim Zinker é mestre em psicoterapia e cofundador do Instituto Gestalt, Wellfleet, Massachusetts. Ele treinou com Fritz durante a década de 1960 e tem mais de três décadas de experiência e desenvolvimento da Gestalt-terapia. Zinker publicou diversos livros, tais como: “Motivação e a escassez de Morrer”, “Processo Criativo em Gestalt-terapia”, “A busca da elegância em psicoterapia” e “Sketches: uma antologia de ensaios, Arte e Poesia”. Também contribuiu em várias revistas participando do conselho editorial, tais como: “Vozes”, “The Gestalt Journal”, “Gestalt Review” e “Jornal da terapia de casal”. Atualmente, participa de vários institutos internacionais de Gestalt-terapia em todo o mundo, incluindo o Gestalt International Study Center e o Centro para o Estudo de Sistemas de Sexo em Massachusetts. Um dos conceitos que Zinker aborda constantemente em seu trabalho é a criatividade. Para ele, criatividade é um atributo essencial e básico para a vida das pessoas, e também um fator de transformação para o processo psicoterapêutico. Para ele, criatividade engloba os níveis abstratos e concretos, quer dizer, não basta apenas criar intelectualmente algo, é necessário que se realize efetivamente esta experiência. É necessário com isso, que tal experiência criativa seja compartilhada com os semelhantes. Com esta visão, o consultório passa a ser um terreno experiencial, pois o cliente por meio da sua liberdade investiga sua natureza interior. Este contato cliente-terapeuta poderá abrir um canal criativo para ambos que trará uma profunda capacidade de transformação, crescimento e integração. 3 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS Documento não controlado - AN03FREV001 19 A Gestalt-terapia sofreu influência da filosofia por meio do existencialismo e da fenomenologia. Para entender um pouco esta diferença é necessário que se enxergue a fenomenologia como um método e o existencialismo como uma filosofia. Podemos dizer que a Gestalt-terapia é uma abordagem fenomenológica e existencialista. Embora Fritz pouco tenha desenvolvido e estabelecido as correlações das influências filosóficas sobre a Gestalt-terapia, atualmente, é quase uma “obrigação” de seus sucessores resgatarem esta importância que é ampla e inegável. Muito da Gestalt-terapia de Fritz foi criada a partir de sua prática, agora é necessário que se retome criticamente as bases filosóficas da Gestalt-terapia. Para, então, dar uma nova e consistente consciência teórica a nossa prática e nossos projetos. Em relação à fenomenologia, é necessário que haja um predomínio da experiência imediata, do fenômeno, ou seja, de algo que emerge em um determinado momento. Esta vivência deverá se apresentar da forma como é percebida ou sentida corporalmente, dentro do aqui-agora. O que é essencial é a vivência imediata. Como método, é mais importante descrever do que explicar, ou seja, o como precede o porquê. Os sentidos atribuídos à percepção dos eventos do mundo são atribuídos aos fatores irracionais e são diferentes em cada um de nós. Dizer que a Gestalt-terapia é fenomenológica implica em um processo em que a pessoa experiência o fenômeno de forma particular e única. Junto a este conceito está o fato de que apenas no aqui-agora tal fato será possível, oferecendo a esses fenômenos pessoais o existencial imediato. A sensação confere o primeiro nível experiencial do aqui-agora, porém manter este contato sensorial nem sempre é uma tarefa fácil. Dentro da concepção temporal, podemos dizer que, para a Gestalt- terapia, a realidade só existe no presente. Neste presente podemos incluir também as lembranças que são reencenadas, trazidas de volta para o presente e revividas concretamente. O espaço em que a pessoa vive a experiência fica limitado ao aqui, ou seja, o espaço que ocupa e pela amplitude dos sentidos. Podemos concluir que “o aqui-agora representa uma experiência de caráter altamente pessoal, sensorialmente ancorada neste momento de tempo, no local em que me encontro” (ZINKER, 2007, p. 101). Dentro deste contexto, a experiência precisa ser entendida como algo Documento não controlado - AN03FREV001 20 contínuo, fluído e dinâmico, sempre focalizando o processo em andamento que a pessoa está se colocando. Nunca será priorizada a interpretação do fenômeno, mas sim, um estudo da natureza processual e mutável da experiência humana. Analisando por este prisma, a pessoa passa a ser a única autora de suas próprias experiências, se responsabilizando por sua realidade, encarando-a como uma experiência solitária e única, ou seja, apenas a própria pessoa poderá dar conta e experienciar a sua vida interior. Assim como, a própria validade da experiência é também única e inquestionável. Edmund Husserl (1859 - 1938) é considerado o pai da fenomenologia. Ele foi matemático, filósofo austríaco e aluno de Franz Bretano, de quem sofreu grande influência. Para respeitar a linha temporal da construção do conhecimento apresentarei as ideias de Bretano e depois de Husserl, em seguida, Scheler que pode ser considerado um filósofo fenomenologista e por último Merleau-Ponty. Bretano (1838 - 1917) foi precursor da fenomenologia. Diferente do empirismo inglês que observava vários fatos generalizando o que havia em comum, Bretano acreditava em um empirismo que buscava ver o que há de essencial em um “único caso”. Isto levará para a ideia da essência do fenômeno. Ele propõe uma psicologia descritiva, enfatizando o como e não o por quê. Esta ideia é bastante forte na Gestalt-terapia até hoje. Este pensamento ressalta a necessidade de se valorizar o processo associado à psicologia do ato, em oposição ao estruturalismo que evidenciava a psicologia dos conteúdos. A psicologia deveria estudar os processos mentais ou psíquicos da pessoa e não os conteúdos ou objetos físicos. Bretano trata da intencionalidade dos fenômenos psíquicos, num prenúncio da fenomenologia, desenvolvida por Husserl. A consciência não é um recipiente, mas um farol. Husserl vivia em um mundo onde a filosofia se volta para as ciências positivas (matemática, física, etc.) e a psicologia tentava ser uma ciência exata adotando o mesmo método das ciências naturais e abandonando a subjetividade e a intuição. Husserl não acreditava no movimento empirista de que todo o conhecimento advém da prática. Esta máxima fugia ao imediatismo da situação presente e entra no campo da abstração, uma vez que é impossível inferir cada conhecimento e sua prática originária. Também, não concordava com o psicologismo do final do século XIX, onde se reduzia tudo o que se conhecia aum fenômeno natural. Não se Documento não controlado - AN03FREV001 21 explicava o próprio conceito das coisas, apenas o ato de se conhecer os objetos por meio dos mecanismos fisiológicos. Partindo dessas oposições e do pressuposto de que o objeto de estudo da psicologia é diferente das outras ciências, uma vez que a vida psíquica apresenta um dado imediato que podemos ter acesso por meio da descrição, ele propõe que a Fenomenologia reúna os dados da experiência em sua totalidade (fenômeno) e o pensamento racional (logos). Ele faz da fenomenologia um método que busca a verdade partindo do questionamento: “como podemos perceber a verdade?” Quando tentou responder a esta pergunta, ele percebeu que antes de perceber a verdade, ele se deparou com a capacidade de perceber algo, ou seja, o ato mais originário é o ato de perceber algo que é percebido. Se o ato de perceber depende do percebido, o ato de pensar depende do pensando. Então, ele concluiu que a consciência é sempre “de alguma coisa”, sendo necessário um objeto e um foco. Quando percebe que esta consciência tem em vista algo, ele define que há uma intencionalidade de algo ou uma consciência intencional. O fato de que na Gestalt-terapia não há uma atitude interpretativa vem da compreensão fenomenológica de que os fenômenos são dados pelos nossos sentidos, e que estes são dotados por um sentido ou essência, uma espécie de “retorno às coisas mesmas”. É importante entender a necessidade de uma intuição originária que poderá ser revelada na busca do sentido do fenômeno pelo próprio cliente, por meio da identificação e integração das partes alienadas. Um dos fortes conceitos da Gestalt-terapia é que o aqui-agora estabelece suas raízes no método fenomenológico, afinal esta estrutura de “perceber o percebido” acontece impreterivelmente no presente, no aqui-agora. O fenômeno só acontece no agora. Outra influência grande na Gestalt-terapia de seus conceitos teóricos é a relação cliente-terapeuta. Baseado no fato de que a mesma estrutura perceber/percebido não é divisível, podemos entender que o observador/observado também não é, ou seja, tanto o terapeuta que “observa” quanto o cliente que é “observado” faz parte de uma mesma unidade. Caminhando mais um pouco dentro desta relação dialógica, percebemos que as duas partes (observador/observado) interagem e interferem neste campo. Quando paramos para descrever o observado, Documento não controlado - AN03FREV001 22 na verdade, descrevemos a nossa relação com o observado, enfim, descrevemos parte de nós mesmos. Em relação à visão de mundo, para a Gestalt-terapia as pessoas se constituem nas relações que criam em suas vidas. A fenomenologia, por sua vez, também compartilha a ideia de que o sentido das coisas não está em si, mas sobressai em cada relação observador/observado. É preciso entender como cada indivíduo vê o mundo. Afinal, o “eu inteiro” influencio e sou influenciado pelo contexto como um todo. Max Scheler (1874 - 1928) foi um filósofo alemão que ficou conhecido por seu trabalho sobre fenomenologia, ética e antropologia filosófica. Scheler desenvolveu o método fenomenológico de Husserl, chegou a conhecê-lo na Universidade de Viena, mas não foi seu aluno. Scheler acreditava que a fenomenologia não era o nome de uma nova ciência, nem uma palavra de substituição para filosofia, mas uma postura espiritual. O centro do pensamento de Scheler era a sua teoria do valor. De acordo com Scheler, o ser-valor de um objeto precede a percepção. Os valores e seus correspondentes opostos existem em uma ordem objetiva. Sua obra mais importante foi publicada em 1923, e intitulou-se “Essência e Forma da Simpatia”. Desenvolve o conceito referente a uma fenomenologia da afetividade na qual é a intuição emocional e a simpatia que permitem o contato profundo. Ao longo de sua vida, Scheler apresentou diversas posturas e ideias contrárias, até adotar uma doutrina claramente modernista e gnóstica no final de sua vida. A relação do homem com o divino sofre uma reviravolta: o ser primeiro interioriza-se no homem no mesmo ato em que o homem se interioriza nele. O lugar, portanto, da autorrealização do ser, ou seja, da unidade de impulso e espírito vem a ser o homem, o eu, o coração do homem. Homem e Deus são correlativos: o homem não pode realizar o seu destino sem participar dos dois atributos do ente supremo e sem ser imanente a ele. Em 1954, Karol Wojtyla, posteriormente Papa João Paulo II, defendeu sua tese sobre "Uma avaliação da possibilidade de construir uma Ética Cristã baseada do sistema de Max Scheler". Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961), um psicólogo, antropólogo e filósofo francês, tem como tema fundamental de seu trabalho a relação entre o homem e o mundo. Afirma que a consciência é sempre um eu consagrado ao mundo. Vê o Documento não controlado - AN03FREV001 23 mundo e o homem como sempre ‘abertos’, ‘inacabados’ em seu significado, dotados de ambiguidade e reenviando sempre para além de suas manifestações determinadas. Valoriza a experiência vivida e a percepção corporal imediata. Busca eliminar a interpretação causal da relação entre corpo e alma. Publicou, em 1945, a obra “Fenomenologia da Percepção”. O existencialismo proporcionou maior concretude à metodologia fenomenológica por meio de sua aplicação às questões da existência humana. Do existencialismo, a Gestalt-terapia herdou a valorização das questões comuns e cotidianas da vida dentro de uma nova perspectiva terapêutica, envolvendo aspectos como: nascimento, morte, violência, etc. Esta visão enfatiza a vivência concreta do indivíduo em prol dos princípios abstratos, ou seja, a forma como o homem experimenta sua existência, a assume, a orienta e a dirige. É necessário que haja uma autocompreensão do processo de viver, de existir, sem se prender a questões filosóficas ou teóricas. O existencialismo definiu novas visões de autoridade, confiança, experiência participante e responsabilidade. Todas essas concepções mudam o foco da psicoterapia para o crescimento pessoal e não apenas para o lado patológico do cliente. Tudo isso, em função da valorização da singularidade de cada existência humana e da necessidade da originalidade irredutível da experiência individual, objetiva ou subjetiva. Outro ponto importante dentro do existencialismo e muito utilizado na prática da Gestalt-terapia, é a noção da responsabilidade. Cada pessoa deverá se responsabilizar por suas escolhas e participar ativamente da construção de sua própria vida. Estas ações podem ser unidas numa visão referente ao projeto existencial de cada indivíduo. Este projeto deverá conferir um sentido próprio e único a tudo que acontece no aspecto interno deste sujeito e também no mundo que o rodeia, criando, impreterivelmente, a cada dia, sua relativa liberdade. O primeiro autor que se destacou como um precursor do existencialismo foi o filósofo cristão, dinamarquês, Soren Kierkegard (1813 - 1855). Muitos o consideram como o “pai do existencialismo”. Kierkegard desenvolveu suas ideias a partir de sua existência pessoal, atribuindo grande valor à subjetividade e à contradição e rejeitando qualquer sistematização e superenfatizando a existência pessoal. “Quanto mais eu penso, menos sou, e quanto menos eu penso, mais eu Documento não controlado - AN03FREV001 24 sou”. Isto se revela na Gestalt-terapia em sua negligência à objetividade, à existência coletiva e à necessidade de teorização sistemática. Martin Buber (1878 - 1965) foi um filósofo judeu que desenvolveu a categoria do diálogo. Ele pregava a necessidade de um encontro autêntico,a relação direta e fraterna como uma atitude integradora entre a vivência e a reflexão. A atitude Eu-Tu é caracterizada pelo envolvimento, reciprocidade, imediatismo, presença e responsabilidade; a atitude Eu-Isso é caracterizada pela separação, ou distanciamento, necessários para a produção teórico-científica. A Gestalt-terapia como uma psicoterapia baseada no encontro existencial seria dotada de dois movimentos: relação (Eu-Tu) e distanciamento (Eu-Isso), sem os quais não se caracteriza como tal, uma vivência da teoria e uma teorização da vivência. Em 1923, Buber publicou o livro: “Eu e Tu”. Martin Heidegger (1889 - 1976), filósofo alemão, desenvolveu a concepção da análise existencial do “ser aí” ou “dasein”. Sem dúvida, foi um dos maiores pensadores do século XX, quer pela visão do “ser”, quer pela refundação da ontologia. Heidegger influenciou muitos outros filósofos, tal como, Sartre, e foi muito influenciado por Husserl. Foi assistente de Husserl em Freiburg e depois professor na Universidade de Marburg. Em 1927, Heidegger publicou o seu mais famoso trabalho “Ser e Tempo”. Ele considerava seu método fenomenológico e hermenêutico, porém, Husserl não concordava e acabaram rompendo laços. O trabalho hermenêutico tem como objetivo interpretar o que se mostra pondo à luz, o que se manifesta, mas que, no início e na maioria das vezes, não se deixa ver. Heidegger afirma que esta metodologia corresponde a um modelo kantiano, ou coperniciano da colocação ou projeção da perspectiva. Até o final da década de 1930, a leitura da filosofia de Heidegger estrutura- se sobre conceitos como Dasein (o ser-aí ou o ser-no-mundo), morte ou finitude do ser, valorização da angústia ou decisão por meio da dúvida existencial. Suas categorias básicas seriam o entendimento, pouco valorizado pela Gestalt-terapia; o sentimento (enfatizado pela mesma) e a linguagem (destacada por Fritz, mas pouco enfatizada pela Gestalt-terapia). Jean Paul Sartre (1905 - 1980) foi um grande nome do existencialismo, mas foi pouco referenciado por Fritz. Dentro da Gestalt-terapia, poderíamos nos referir a Documento não controlado - AN03FREV001 25 sua noção de “projeto” (o homem como próprio construtor de sua essência) e de “responsabilidade” (habilidade de resposta), ou seja, responsabilidade pela escolha de seu próprio projeto, de sua parte da liberdade. 4 HOLISMO E VISÃO SISTÊMICA Holismo foi um termo adotado por Jan Smuts no seu livro “Holism and Evolution” de 1926. Ele definiu esta ideia como "A tendência da Natureza a formar, através de evolução criativa, ‘todos’ que são maiores do que a soma de suas partes". Desde Aristóteles, podemos ver as raízes desta ideia, quando em sua metafísica ele afirma: “o inteiro é mais do que a simples soma de suas partes”. Embora antiga essa concepção só tomou força a partir da década de 1980 quando passou a ser empregada para tentar explicar um novo paradigma que deveria ser utilizado com o objetivo de minimizar os diversos distúrbios causados pelo homem na natureza. Por isso, o holismo é frequentemente associado a discursos ambientalistas. Este conceito traz uma visão de mundo integrado, como um organismo. Esta nova visão baseia-se na inter-relação e interdependência entre todos os fenômenos, sejam eles físicos, biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. Esta proposta prevê uma formulação gradual de uma rede de conceitos e modelos interligados, além de se contrapor ao modelo mecanicista e reducionista ainda dominante na biologia e na medicina. Desde o século XVII, principalmente com as ideias de Descartes e Newton, o homem vem sendo comparado a uma máquina, concentrando nas propriedades mecânicas da matéria viva e negligenciando o estudo sistêmico da natureza do organismo. A descrição reducionista foi vantajosa para desenvolver um caráter evolutivo, e ainda é, em alguns casos, útil e necessária, porém torna-se perigosa quando é interpretada como uma explicação completa. Atualmente, a biologia traz um paradigma chamado “biologia de sistemas”, o qual vê o organismo como um sistema vivo e não como uma máquina. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de Documento não controlado - AN03FREV001 26 unidades menores. A abordagem sistêmica enfatiza os princípios básicos de organização. O pensamento sistêmico é um pensamento de processo. Na ciência sistêmica, toda estrutura é vista como a manifestação de processos subjacentes. Esta visão carrega a primeira grande diferença entre o homem e a máquina. Afinal, máquinas são construídas e os organismos se desenvolvem. Outra ideia que podemos trazer é o alto grau de flexibilidade e plasticidade encontradas nos organismos. Os organismos variam sua estrutura dentro de um limite. Este fenômeno de automanutenção é chamado de flutuação ou homeostase, que é um estado de equilíbrio dinâmico, transacional. Não há, portanto, dois organismos que sejam rigorosamente idênticos, muito diferentes das máquinas que funcionam de acordo com cadeias lineares de causa e efeito. O funcionamento do organismo é guiado por modelos cíclicos de fluxo de informação, conhecidos por laços de realimentação. Quando um sistema é afetado, esta é usualmente causada por múltiplos fatores. Todas estas comparações entre organismos e máquinas originaram, mais tarde, as principais realizações da cibernética, que tinha como intenção, desde o início, criar uma ciência exata da mente. A cibernética sofreu influência da biologia organísmica e da teoria geral dos sistemas, mas logo se tornou independente, configurando um poderoso movimento intelectual. Nunca esquecendo a interação entre a biologia, matemática e engenharia. Uma das grandes diferenças entre as máquinas de Descartes e a cibernética, é que esta última prevê o conceito de realimentação em seu funcionamento, que passou a significar o transporte de informações presentes nas proximidades do resultado de qualquer processo, depois, de volta até sua fonte. Um padrão lógico subjacente à concepção de alimentação é a ideia de causalidade circular. Por outro lado, o entusiasmo entre os cientistas e o público em geral, pelo computador como uma metáfora para o cérebro humano tem um paralelo interessante no entusiasmo de Descartes e de seus contemporâneos pelo relógio como uma metáfora para o corpo. Um organismo vivo é um sistema auto-organizador, o que significa dizer que tem certo grau de autonomia. Sua ordem e estrutura são determinadas pelo próprio sistema, e não pelo meio. Porém, não significa dizer que os sistemas estejam Documento não controlado - AN03FREV001 27 isolados do seu meio. Os sistemas interagem continuamente com o meio, mas estes não determinam sua organização. Os sistemas vivos são sistemas abertos, o que significa que é preciso manter uma contínua troca de energia e matéria com o meio ambiente, a fim de permanecerem vivos. Os sistemas auto-organizadores têm um alto grau de estabilidade, porém, é uma estabilidade dinâmica, diferente da ideia de equilíbrio, pois é necessário manter uma estrutura global apesar de mudanças e substituições de suas partes. Os dois principais fenômenos dinâmicos da auto-organização são: a autorrenovação e a autotranscendência. O primeiro, fala da capacidade dos sistemas vivos de renovar e reciclar continuamente seus componentes. Diferente das máquinas que são construídas para produzir um produto específico ou executar uma tarefa, o organismo se renova o tempo todo. O segundo, da capacidade de se dirigir criativamente para além das fronteiras físicas e mentais nos processos de aprendizagem,desenvolvimento e evolução. Os organismos apresentam uma complementaridade no seu funcionamento com tendências autoafirmativas e integrativas. Além disso, temos uma tendência fantástica dos organismos de se superarem. Essa superação criativa em busca da novidade leva a um desdobramento ordenado de complexidade e pode ser visto como uma propriedade fundamental da vida. Associando esta realidade com o processo terapêutico, podemos dizer que só poderemos ajudar o nosso cliente em seu processo de mudança, quando conseguirmos inserir a novidade e o interesse em sua terapia. É bastante difícil definir precisamente as fronteiras entre o organismo e o meio. Existem organismos que só podem ser considerados vivos quando estão num certo ambiente, como é o caso dos vírus. Por outro lado, temos exemplos de organismos que se integram harmoniosamente em seu meio ambiente, convertendo- os em ecossistemas capazes de sustentar uma grande diversidade de animais e plantas, como é o caso dos corais. Os ecossistemas tendem a ter uma convivência em que combinam competição e dependência, este balanço propicia um crescimento exponencial de sua população. As relações entre os organismos vivos são essencialmente cooperativas, caracterizadas pela coexistência e a interdependência, e simbióticas em vários graus, a fim de manter o equilíbrio. Mesmo a relação predador-presa, Documento não controlado - AN03FREV001 28 embora seja destrutiva para a presa imediata, são geralmente benéficas para ambas as espécies. Há uma tendência dos sistemas vivos de se estruturarem por meio de múltiplos níveis, que diferem em sua complexidade. Isto pode ser visto como um princípio básico de auto-organização. Em cada nível de complexidade encontramos sistemas integrados, todos auto-organizadores, que consistem em partes menores e atuam como partes de totalidades maiores. Em cada nível existe um equilíbrio dinâmico entre tendências autoafirmativas e integrativas. Podemos representar estes níveis por meio de uma “árvore sistêmica”. Estes sistemas estratificados evoluem muito mais rapidamente e têm uma probabilidade maior de sobrevivência do que os sistemas não estratificados. O aspecto importante da ordem estratificada na natureza não é a transferência de controle, mas a organização da complexidade. Outro ponto importante desta ordem é a questão da morte. A autorrenovação do sistema maior consiste no seu próprio ciclo de nascimento e morte, tornando-se aspectos importantes do próprio processo auto-organizador. Podemos dizer, que além da morte, outro ciclo importante para a evolução é o ciclo reprodutivo. Sem sexo não haveria diversidade, sem morte não haveria individualidade. Dentro deste conceito de sistemas estratificados, podemos concluir que o planeta, como um todo, pode ser considerado como um único organismo vivo. Considerar Gaia como um ser planetário vivo é uma ideia que transcende largamente o âmbito da ciência, e reflete uma profunda consciência ecológica, que é, em última instância, espiritual. Na teoria neodarwiniana clássica, a evolução avança para um estado de equilíbrio, com os organismos adaptando-se cada vez mais perfeitamente ao seu ambiente. De acordo com a visão sistêmica, a evolução opera longe do equilíbrio e desenrola-se por meio de uma interação de adaptação e criação. Também considera que o meio é, em si mesmo, um sistema de adaptação e evolução. O que sobrevive é o “organismo em seu meio ambiente”. Um organismo que pense unicamente em termos de sua própria sobrevivência destruirá invariavelmente seu meio ambiente. A evolução precisa ser entendida de forma aberta e indeterminada. Quando Documento não controlado - AN03FREV001 29 um sistema se aproxima do ponto crítico, ele mesmo “decide” que caminho seguir, o que determinará sua evolução. Na visão sistêmica, o processo evolutivo não é determinado pelo “acaso cego”, mas representa um desdobramento de ordem e complexidade que pode ser visto como um processo de aprendizagem, envolvendo autonomia e liberdade de escolha. Podemos dizer que duas etapas na evolução da vida aceleram o processo evolutivo. A primeira foi a reprodução sexual, com toda a sua variedade genética; e a segunda foi o surgimento da consciência. Este processo tornou possível substituir os mecanismos genéticos da evolução por mecanismos sociais, mais eficientes, baseados nos pensamentos conceituais e na linguagem simbólica. Quando entendemos que a mente e a matéria se aproximam, nos distanciamos da dicotomia cartesiana e podemos considerar que representam aspectos diferentes do mesmo processo universal. O cérebro humano é um sistema vivo por excelência e amolda-se em resposta às mudanças que surgem. A mente humana é capaz de criar um mundo interior que espelha a realidade exterior. Este domínio psicológico envolve certos números de fenômenos característicos da natureza humana que incluem a autoconsciência, a experiência consciente, o pensamento conceitual, a linguagem simbólica, os sonhos, a arte, a criação de cultura, senso de valores, interesse no passado remoto e preocupação com o futuro distante. Os mundos, interior e exterior, estão sempre interligados no funcionamento de um organismo humano. Os modelos de matéria espelham modelos da mente, coloridos por sentimentos e valores subjetivos. Nossas respostas ao meio ambiente são determinadas pelos estímulos externos, pelo sistema biológico, e também por nossas experiências passadas, expectativas, propósitos e a interpretação simbólica individual de nossa experiência perceptiva. Moldamos nosso meio ambiente com muita eficácia porque somos capazes de representar o mundo exterior simbolicamente, pensar conceitualmente e comunicar nossos símbolos, conceitos e ideias, utilizando a linguagem abstrata, a pintura, a música, e outras formas de arte. Ao pensarmos e nos comunicarmos, tanto lidamos com o presente, como nos referimos ao passado e antevemos o futuro, o que nos dá um grau de autonomia muito superior às outras espécies. Os seres humanos possuem Documento não controlado - AN03FREV001 30 consciência, e estamos conscientes de nossas sensações tanto quanto de nós próprios como indivíduos pensantes e experientes. A concepção sistêmica da mente estende sua concepção para os sistemas sociais e ecológicos. Então, podemos dizer que grupos de pessoas, sociedade e culturas têm uma mente coletiva, unificando a concepção científica e mística. Considera que a matéria primária e a consciência são propriedades de complexos modelos materiais que surgem num certo estágio da evolução biológica. Para entender a natureza humana, precisamos estudar as manifestações sociais e culturais, além das físicas e psicológicas. A fim de se adaptar às mudanças da vida, a espécie humana usou a consciência, o pensamento conceitual e a linguagem simbólica de que dispõe para transferir-se da evolução genética para a evolução social, esta mais acelerada do que a primeira. A grande relação entre a teoria sistêmica e a Gestalt-terapia é a concepção de que o todo é maior do que a soma de suas partes. Quando analisamos os elementos de forma isolada, as propriedades sistêmicas do fenômeno são destruídas, embora seja possível discernir as partes individuais em qualquer sistema, a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. O pensamento sistêmico se apresenta de forma contextual. É importante analisarmos que o conceito parte todo fica muito relacionado com as concepções, reducionista e sistêmica,respectivamente. Porém, é mais importante entendermos que estas concepções deverão ser utilizadas para a compreensão mais aprofundada da vida. Reducionismo e holismo, análise e síntese devem ser vistos como enfoques complementares. Assim, fica claro que tanto a parte influencia o todo, quanto o todo às suas partes. A evolução da consciência no homem criou a potencialidade desta espécie de viver pacificamente e em harmonia com o mundo natural. A evolução continua a oferecer esta possibilidade de escolha ao homem, caberá a ele decidir qual caminho ele deverá seguir. Podemos deliberadamente alterar nosso comportamento mudando nossas atitudes e nossos valores, a fim de readquirirmos a espiritualidade e a consciência ecológica que perdemos. Documento não controlado - AN03FREV001 31 5 CONCEITO DE SAÚDE EM GESTALT-TERAPIA Kurt Goldstein foi um teórico que muito influenciou a Gestalt-terapia e seus estudos sobre os efeitos secundários das lesões cerebrais estabeleceram a base para o seu ponto de vista organísmico. Não temos como falar de saúde na Gestalt- terapia sem explicar a visão do sintoma para esta abordagem. Goldstein foi o primeiro teórico que passou a ver o sintoma como uma forma adaptativa, portanto saudável, diferente do que se pensava, até então, que seria “um sinal” de que algo estaria errado e que deveria ser eliminado. Não podemos falar da organização primária do organismo de Goldstein sem entender que esta faz parte do processo de figura/fundo. Ou seja, figura é qualquer processo que emerge, que tem fronteira definida e destaca-se de um fundo a partir de uma necessidade do próprio organismo. O fundo é contínuo e se estende por trás da figura. Depois, novas figuras emergem como tarefas da mudança do organismo. Goldstein também salientou que existem três tipos de comportamento: os desempenhos, que são atividades voluntárias; as atitudes, organização emocional mais ampla incluindo os valores, os sentimentos, os estados de ânimo, etc.; e os processos, que são funções corporais que só podem ser experienciadas indiretamente. Ele também aborda a diferença entre o comportamento concreto e o comportamento abstrato. No primeiro, reagi-se a um estímulo de maneira automática ou direta, já no segundo, pensa-se antes de agir. Estes dois dependem de atitudes contrastantes em relação ao mundo. Os principais conceitos apresentados por Goldstein são: o processo de equalização, no qual aparece como a base para o conceito de ciclo de autorregulação; a autorrealização é o que dá sustentação ao potencial humano e o “chegar a um acordo” com o ambiente (ou mundo), afinal este ambiente se impõe ao organismo estabelecendo uma interação entre ambiente e organismo, necessária para que este lhe proporcione meios pelos quais a autorrealização possa ser obtida. O processo de equalização consiste em fazer com que o organismo volte para um estado “médio” de tensão depois que um estímulo muda o equilíbrio Documento não controlado - AN03FREV001 32 originário. Portanto, podemos dizer que a meta de uma pessoa normal não é simplesmente descarregar a tensão, mas equalizá-la, redistribuindo toda a energia necessária. A autorrealização traduz, na verdade, o único motivo que o organismo possui que é realizar-se, e representa a tendência criativa da natureza humana. A maneira como cada pessoa busca esta autorrealização varia muito conforme as potencialidades inatas de cada um. Estas potencialidades ou preferências dão forma aos fins e dirigem o desenvolvimento e o crescimento individuais. Este princípio orgânico torna o organismo mais desenvolvido e mais complexo. Com relação à interação organismo/ambiente podemos dizer que o ambiente perturba o organismo por meio de estímulos e, este, busca no próprio ambiente aquilo que necessita para equalizar o seu funcionamento normal. Porém, se a discrepância entre as metas do organismo e as realidades do ambiente for muito grande, o organismo entra em colapso, ou desiste de algumas metas e tenta realizar-se em um nível inferior de existência. Em conformidade com as ideias de Goldstein, Perls traz a concepção de que nenhum organismo é autossuficiente, e que necessita do mundo para satisfazer suas necessidades. Há uma interdependência do organismo e seu ambiente, dentro de uma realidade objetiva e uma realidade subjetiva. É a partir do mundo objetivo que o indivíduo cria seu mundo subjetivo. Partes do mundo objetivo são selecionadas de acordo com nossos interesses, limitadas apenas pelos instrumentos de percepções e por inibições sociais e neuróticas. A realidade que importa é a realidade dos interesses – a realidade interna e não a realidade externa. Relacionando estas ideias com o conceito de figura/fundo, podemos concluir que não percebemos a totalidade de nosso ambiente, mas ao mesmo tempo selecionamos objetos de acordo com nossos interesses, e estes objetos aparecem como figuras proeminentes contra um fundo “escuro”. O organismo e o mundo apresentam uma relação tão integrada que não podemos definir quem serve a quem; ou seja, as ações e reações que ocorrem no mundo e no organismo estão entrelaçadas, sem que haja uma relação de causalidade, ou uma simples resposta para uma pergunta. Em toda e qualquer investigação biológica, psicológica ou sociológica temos Documento não controlado - AN03FREV001 33 de partir da interação entre o organismo e seu ambiente. Podemos ir, além disso, quando percebemos que na verdade não apenas selecionamos nosso mundo, como podemos ser selecionados por outras pessoas como objetos de seus interesses. Toda esta realidade sugere uma organização maior, uma realidade coletiva, por meio de leis, compromissos, convenções, etc. Não podemos nos esquecer também da realidade imaginária, em que o homem cria um mundo adicional, cheio de projeções. Desse modo, em qualquer estudo de ciências do homem, incluindo a psicoterapia, temos de falar de um campo no qual interagem pelo menos fatores socioculturais, animais e físicos. Tudo isto comprova e denota uma interdependência muito forte e dinâmica que ocorre entre o organismo e o ambiente. Ampliando este conceito, podemos dizer que a própria psicologia estuda a operação da fronteira de contato no campo organismo/ambiente. Esta relação pode ser bem representada por meio do ciclo de contato sugerido por Perls, em que há uma compreensão de um dos fenômenos mais importantes, a autorregulação organísmica, muito diferente da regulação de instintos por princípios morais ou autocontrole. O princípio que governa nossas relações com o mundo externo é o mesmo princípio intraorgânico de busca de equilíbrio, que é a autorregulação. Entender a abordagem holística dentro da saúde também é um novo movimento de quebra de paradigmas, afinal nem todas as culturas tradicionais abordaram a saúde desta forma. Por meio dos tempos, as culturas têm oscilado entre o reducionismo e o holismo em suas práticas médicas. Enquanto o foco da medicina científica ocidental incide sobre os mecanismos biológicos e os processos fisiológicos que produzem a evidência da enfermidade, a principal preocupação do xamanismo está relacionada com o contexto sociocultural em que a enfermidade ocorre, obedecendo a um enfoque psicossomático e trabalhando com o inconsciente coletivo e social, compartilhado por toda a comunidade. No âmago da medicina hipocrática, a medicina devia ser exercida como uma disciplina científica. As doenças não são causadas por demônios ou forças sobrenaturais, mas são fenômenos naturais que podem ser estudados e influenciados por procedimentos terapêuticos e pela conduta de vidado indivíduo, incluindo a influência dos fatores ambientais (ar, água, alimentos, etc.). A tradição hipocrática, com sua ênfase na inter-relação fundamental de Documento não controlado - AN03FREV001 34 corpo, mente e meio ambiente, representa um ponto alto da filosofia médica ocidental. Estes princípios foram desenvolvidos na China antiga, muito influenciado pelo xamanismo, taoísmo e confucionismo. Para a medicina Chinesa, o universo inteiro, natural e social, encontra-se em estado de equilíbrio dinâmico, e o organismo humano é um microcosmo do universo. A doença é o resultado de um conjunto de causas que culminam em desarmonia e desequilíbrio. A finalidade da medicina chinesa é, antes, realizar a melhor adaptação possível do indivíduo ao meio ambiente como um todo. O paciente, para isso, desempenha um papel importante e ativo e é responsável pela manutenção da sua própria saúde. Embora o sistema chinês apresente esta concepção holística da saúde, ainda sim negligenciou o holismo no que se refere aos aspectos psicológicos e sociais da doença. Para entender esta complexidade holística que envolve a saúde, é necessária compreender o conceito de saúde. Saúde é um estado de bem-estar que se estabelece quando o organismo funciona de certa maneira, e que reflete uma teia de relações entre múltiplos aspectos do fenômeno da vida. A saúde é um fenômeno multidimensional, que envolve aspectos físicos, psicológicos e sociais, todos interdependentes. Podemos então dizer que a saúde é uma experiência subjetiva. Baseado no novo paradigma da visão sistêmica a saúde é encarada como um processo contínuo, refletindo a resposta criativa do organismo aos desafios ambientais. Saúde, também pode ser entendida como um equilíbrio dinâmico que envolve os aspectos físicos, psicológicos e sociais do organismo, assim como suas interações com o meio ambiente natural e social. Este conceito de saúde é compatível com a concepção sistêmica de vida, com a tradição hipocrática e a tradição da medicina do leste asiático. A doença é, portanto, uma consequência de desequilíbrio e harmonia, e por outro lado, ser saudável significa estar em sintonia consigo mesmo – física e mentalmente – e com o mundo circundante. Como indivíduos, temos o poder e a responsabilidade de manter nosso organismo em equilíbrio, respeitando algumas regras de qualidade de sono, alimentação, exercícios e medicamentos. Atualmente, entendemos que a natureza psicossomática da doença subentende a possibilidade de autocura psicossomática. Documento não controlado - AN03FREV001 35 Como exemplo, podemos citar o fenômeno do biofeedback (vasta gama de processos físicos é influenciada pelos esforços mentais de uma pessoa). Algumas enfermidades graves exigirão um enfoque terapêutico que inclua além dos aspectos físicos e psicológicos, o estilo de vida e a visão de mundo do paciente. Tudo isso como parte integrante do processo de cura. Acredita-se que o estresse excessivo contribua para a origem e o desenvolvimento da maioria das doenças, manifestando-se no desequilíbrio inicial do organismo. O pensamento sistêmico é um pensamento ambientalista, ou melhor, a percepção ecológica profunda traz o novo paradigma da visão de mundo holística e reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, enquanto indivíduos e sociedade, e a interligação dos processos cíclicos da natureza. A nova ciência da ecologia enriqueceu a maneira sistêmica de pensar introduzindo duas novas concepções – comunidade e rede. Comunidade ecológica é um conjunto de organismos aglutinados em um todo funcional por meio das suas relações mútuas. A concepção de sistemas vivos como redes fornece uma nova perspectiva sobre as camadas hierárquicas da natureza. Devemos considerar que os sistemas vivos são redes, interagindo à maneira de rede com outros sistemas. A teia da vida consiste em redes dentro de redes. Para esta proposta não há separação entre seres humanos e meio ambiente natural, concebendo os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida, baseados nos valores ecocêntricos (centralizados na Terra). Podemos concluir que esta percepção ecológica profunda é uma percepção espiritual ou religiosa, fortalecida pelas sensações de pertinência, de conexidade com o cosmos como um todo. Esta mudança de paradigma exige uma expansão nas nossas percepções, maneiras de pensar, e, principalmente, nos valores. Para isso, é necessário que as tendências autoafirmativas e integrativas funcionem de forma equilibrada. A partir da visão sistêmica teremos que ter em mente que um grande desafio do nosso tempo é a criação de comunidades sustentáveis, ou seja, ambientes sociais e culturais que podem satisfazer as necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras. Documento não controlado - AN03FREV001 36 Em contrapartida, temos muitos trabalhos de corpo que podem ajudar a manter o equilíbrio. A terapia de trabalho de corpo baseia-se na crença de que todas as nossas atividades, pensamentos e sentimentos refletem-se no organismo físico, manifestando-se em nossa postura e movimentos, nas tensões e nos sinais corporais. Outro recurso é trabalhar padrões de respirações que refletem a dinâmica de todo o sistema corpo/mente. A Gestalt-terapia se destina a “curar” as patologias “comuns”, decorrentes da frustração de necessidades de nível inferior, além das metadoenças de nossa sociedade, os sofrimentos do espírito e das mais altas potencialidades humanas. É importante inspirar os clientes, propondo um modelo humano de amplo espectro, capaz de instigá-lo a almejar metas que antes não tinham compreendido e cogitado alcançar. A autorregulação organísmica é a consciência espontânea da necessidade dominante e sua organização das funções de contato. Numa situação de perigo, quando a tensão se inicia a partir de fora, a cautela e a deliberação são similarmente espontâneas. A ação autorreguladora é mais vívida, mais intensa e mais sagaz, o que parece espontaneamente importante de fato organiza realmente a maior parte da energia do comportamento. Porém, a experiência neurótica é também autorreguladora e se caracteriza por excesso de deliberação, fixação da atenção e músculos preparados para uma resposta específica. O self fica impossibilitado de passar de uma energia para outra, a energia fica presa a uma tarefa que não pode ser completada. O neurótico tem uma sensibilidade ao perigo extremamente aguçada, ou seja, ele é cauteloso quando poderia relaxar com segurança. O que ocorre em situações de emergência é que fica clara a hierarquia subjacente e, assim, descobre-se “o que um homem é”. Podemos concluir que a autorregulação ocupa uma posição ética privilegiada, porque só ela guia a consciência organísmica e a força mais vigorosa. Qualquer outro tipo de avaliação tem de atuar com energia reduzida. O problema da psicoterapia é arregimentar o poder de ajustamento criativo do paciente sem forçá-lo a encaixar-se no estereótipo da concepção científica do terapeuta. É obviamente desejável ter uma terapia que estabeleça o menos possível uma norma, e tente retirar o máximo possível da estrutura da situação concreta, aqui Documento não controlado - AN03FREV001 37 -agora, pois assim, podemos ter melhores esperanças de dissolver os elementos neuróticos. O sintoma é tanto uma expressão de vitalidade quanto uma “defesa” contra a vitalidade, além de representar a expressão da singularidade de um homem. O impulso neurótico não é unicamente negativo, ele exerceu um efeito modelador sobre o paciente, e não se pode explicar um efeito positivo
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