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SEXUALIDADE PSICO FEM

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Introdução
O presente estudo aborda a homossexualidade feminina enquanto fenômeno psicossocial. Este prisma de investigação implica na necessidade de lançar muitos e diferentes olhares sobre esta realidade a fim de obter a necessária – e sempre incompleta – aproximação acerca deste complexo e multideterminado objeto de estudo. O foco de luz que direcionará este olhar é múltiplo, como atesta a diversidade da literatura que os veicula, e partem essencialmente da Psicologia Social e de Gênero, da Psicanálise, da Sociologia, da Antropologia e da História.
Esta pesquisa reporta a in-visibilidade da mulher homossexual, sendo que a escolha deste tema partiu do interesse em compreender, como se dá a vivência e a construção desta in-visibilidade no contexto psicológico e sócio-histórico de nossa sociedade, tendo como propósito contribuir com os poucos estudos relacionados à referente problemática como também fazer algumas revisões na bibliografia sobre homossexualidade feminina. Portanto, levantamos algumas questões que esperamos encontrar as respostas com a efetivação deste trabalho.
A metodologia seguiu o referencial teórico de Minayo e Goldenberg, que nos deu suporte à pesquisa qualitativa na análise do sujeito que tendo uma amostra de 08 homossexuais femininos adultos. A referida pesquisa foi realizada na cidade de Aracaju-SE. Utilizamos a metodologia qualitativa, devido a seu caráter exploratório, que nos favoreceu compreender o fenômeno na sua complexidade e suas peculiaridades.
A mulher contemporânea possui inúmeras possibilidades de ser e estar no mundo e uma delas envolve o relacionamento amoroso entre outras mulheres. Ao longo da história da humanidade em decorrência das mudanças que a sociedade passou, a forma de aceitar a homossexualidade foi se modificando, embora o preconceito ainda predomine, mascarando a realidade que aprisionada não pode falar de si. Depois dos anos 60, com a eclosão de muitos movimentos sociais, inclusive de homossexuais na Europa e nos EUA, passaram a lutar por seus direitos, e reivindicaram que a homossexualidade fosse vista como uma opção sexual (hoje em dia emprega-se o termo orientação sexual) [1]. Esta, definida em função do gênero das pessoas homem, mulher ou os dois por quem sentimos atração ou afeto, tanto física como emocionalmente, não como uma doença (TREVISAN, 1986:178).
As mulheres homossexuais permanecem marginalizadas, assim como ocorre com as heterossexuais em vários seguimentos da sociedade. As homossexuais carregam o duplo fardo de serem mulheres e gays. O preconceito da sociedade à homossexualidade, acarreta resultados negativos, reforçando a condição de clandestinidade com inevitáveis problemas de culpa, vergonha, solidão e humilhação, assim como, propicia o favorecimento de chantagens e com isso, é cada vez mais freqüente, pacientes homossexuais procurando atendimento psicológico (MEIRELLES, 2004). A própria mulher foi apagada da história pelo papel secundário que a ela foi relegado durante muitos anos. É interessante ter em mente que há apenas 50 anos a mulher vem conseguindo certo poder de imagem, representação e discurso em algumas sociedades (por exemplo, as "recentes" conquistas promovidas pela revolução sexual, o anticoncepcional, o movimento feminista pelos direitos da mulher). "O discurso da homossexualidade feminina está sempre entremeado com pelo menos três outros: o discurso da feminilidade, o discurso da sexualidade e o discurso amoroso" (PORTINARI, 1989:28).
A ausência de material sobre o lesbianismo está intimamente ligada à estreita participação feminina no processo histórico e na produção cultural da humanidade. A linguagem se moldou nos termos de um universo que é percebido como dominado pelos signos da masculinidade. E por conseqüência o próprio discurso sobre o lesbianismo, acaba tratando a subjetividade lésbica dentro da construção heterossexual da sexualidade.
A heterossexualidade define e cria nossa sexualidade, seja ela qual for. "A sexualidade não é apenas definida, mas também reforçada como heterossexualidade, mesmo na forma homossexual" (Bad Object Choices, 1991:23). Por isso, muitas mulheres se mantêm na in-visibilidade, o que não é bom para o estado emocional e nem para sua autoconfiança. Porque para uma pessoa estar bem consigo mesma é preciso que todas as suas partes estejam integradas. Manter-se invisível é como negar uma parte de si ainda que seja para proteção. Invariavelmente, acaba tendo efeito menos satisfatório para a própria pessoa que fica privada de externar um sentimento significativo. Pretendemos complementar esse estudo da homossexualidade feminina, sendo este, pertinente dentro das Ciências Sociais e Psicológicas, percebendo-se que existem poucas pesquisas científicas sobre esse tema. Com isso, poderemos dar contribuição para a diminuição do preconceito em relação ao assunto, conscientizando a sociedade sobre a importância da livre orientação quanto à sexualidade de qualquer indivíduo, não mascarando qualquer realidade que possa vir a representar algum tabu.
Apresento o primeiro capítulo explicitando a sexualidade, trazendo desde a mitologia até a contemporaneidade. Falamos também dos papéis sociais, as relações de gênero, a história das relações entre homem/mulher, o papel feminino na história e a construção da sexualidade feminina. No segundo capítulo, enfatizamos a homossexualidade, tanto no contexto sócio-histórico, com tópicos sobre a homossexualidade feminina e o tema foco desta monografia que é a in-visibilidade. No terceiro capítulo, se dá a metodologia onde reportamos a técnica, autores utilizados e os procedimentos para execução desta pesquisa. No quarto capítulo é aonde se dá toda a análise das entrevistas, apresentando os resultados obtidos na elaboração do presente estudo o qual pudemos analisar os fatores econômicos, sociais, culturais e psicológicos. Por fim, as considerações finais.
CAPÍTULO I 
Sexualidade
1.1 Um Olhar Subjetivo
A extraordinária diversidade da sexualidade humana tem sido, ao longo dos tempos, objeto de incontáveis escritos, interpretações, comentários e temática obrigatória da religião, da política, da moral, da literatura e da ciência. Raramente estas abordagens foram objetivas e livres de contaminações morais, religiosas e culturais, e nem mesmo a psicologia conseguiu escapar a esta secular confusão ideológica. Entre toda a diversidade sexual humana a questão de orientação sexual tem sido talvez a mais distorcida.
“O fenômeno da orientação sexual que Bancroft designa como «peculiarmente humano, já que não se aplica a mais nenhuma espécie animal, (por ex. a preferência homossexual exclusiva só se encontra na espécie humana), não poderia, por isso mesmo, ter origens unicamente bio-genéticas, mas terá de ser também produto da aprendizagem psicológica e socio-cultural” (DARDE,1999).
Teríamos muita dificuldade em encontrar nos gregos (como nos latinos) uma noção semelhante à de “sexualidade” e à de “carne”. Queremos dizer; uma noção que se refira a uma entidade única e que permita agrupar, como sendo da mesma natureza, derivando de uma mesma origem ou fazendo intervir o mesmo tipo de causalidade, fenômenos diversos e aparentemente afastados uns dos outros: comportamentos como também sensações, imagens, desejos, instintos e paixões. (...) Nossa idéia de “sexualidade” não apenas cobre um campo muito mais amplo, como visa também uma realidade de outro tipo; e possui, em nossa moral e em nosso saber, funções inteiramente diversas (FOUCAULT,1990:35).
A vida sexual não começa na puberdade, mas desde a primeira infância. A puberdade nada mais é do que uma etapa psicofisiológica, o período em que a tendência sexual, tornada altruísta orienta-se para um novo alvo. A sexualidade depende tanto da maturação orgânica como das condições socioculturais. (SILLAMY,1998:216).
No princípio foi a Lenda de Métis:
Métis, a Prudência era a reflexão personificada, a sabedoria. Foi a primeira esposa de Zeus. Ela deu a Cronos a beberagem que o obrigoua vomitar os jovens deuses que havia engolido. Estando grávida, predisse a Zeus que teria em primeiro lugar uma filha e em seguida um filho que se tornaria o Senhor dos Céus. O rei dos deuses, assustado com a profecia, logrou-a fazendo com que ficasse bem pequena e engoliu Métis. Junto com Métis foi engolida a sabedoria e os valores do matriarcado pelo patriarcado (BOLEEN,1994).
Este mito representa o destino das mulheres na sociedade patriarcal: sua sabedoria foi eliminada, seu papel social minimizado, logrado e, finalmente, anulado. No mito, o momento mais apropriado para enganar, apequenar e anular a mulher é durante a gravidez. Coincidência ou não, sabe-se que é freqüente o espancamento de mulheres durante a gravidez ou o puerpério. As mulheres estariam mais vulneráveis nestas ocasiões resguardando o feto ou recuperando-se do stress do parto. O ato de produzir a vida manifesta força e poder singulares é seguido de um momento de maior fragilidade (blues). É ai que ela se torna presa fácil da sociedade patriarcal até recusar o papel que lhe é atribuído e, a partir da mudança interior, provoque uma ruptura capaz de mudar as feições da própria sociedade. É o momento do “stand up for your rights”, e esta ruptura extrapola em muito o interesse exclusivo do gênero. Retirar da sociedade o caráter patriarcal significa reconfigurar o todo social [2].
A sexualidade faz parte de nossa conduta. Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundo. A sexualidade é algo que nós mesmos criamos - ela é nossa própria criação, ou melhor, ela não é a descoberta de um aspecto secreto de nosso desejo. Nós devemos compreender que, com nossos desejos, através deles, se instauram novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo não é uma fatalidade; ele é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa (FOUCAULT,1984:26).
A sexualidade humana possui diversas dimensões tão complexas quanto o próprio ser e provavelmente, a mais notável distorção se dá, no que diz respeito à compreensão e vivência da sexualidade nos dias de hoje, seja o reducionismo, isto é, a diminuição da sexualidade a uma única, qual seja, a biológica. E em muitos casos, a redução: a concepção da sexualidade na mera visão biológica-genital ou gonádica (órgãos sexuais). Ora, se essa dimensão existe e é importante, mas não ocupa – se ocupa – todo o tempo da vida. É necessário tomar consciência das dimensões que a sexualidade abrange: Sexo biológico (formulação cromossômica (celular), formação de gônadas, vias genitais e dos órgãos externos e a produção de hormônios); sexo psicológico o qual segundo Oraison (1977:25), “o órgão principal da sexualidade humana é o cérebro. Então, podemos dizer que é um fenômeno psíquico”. Temos ainda a visão socio-cultural enquanto forma de expressão social da masculinidade e feminilidade – duas formas de ser e de agir.
Sexo é comunicação, é linguagem, é diálogo inter-subjetivo, é o reconhecimento do outro, é alteridade. A sexualidade revela o ser humano como desejo do outro e este ser mostra sobretudo a afetividade, mundo onde se realiza ou se frustra enquanto tal, situa-se na esfera do amor que é sempre uma esfera sexuada. A maioria de nós, nascemos em famílias heterossexuais, esta é uma comunidade afetiva com base na união entre um homem, uma mulher e seus filhos. E é na família que os valores são agregados, transmitidos, ensinados e se dá muito mais pela vivência. A família e a escola têm o papel de fixar a sexualidade e, fazer dela seu suporte de permanência, um exemplo de sexualidade, despertando a atenção para o sexo e, ao mesmo tempo, impedindo-o e atrelando-o ao perigo.
A partir dessa vigília constante e a tentativa de reprimir essas sexualidades periféricas, em que se relacionam o prazer e o poder, estes se reforçam. Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; prazer de escapar a esse poder. Poder que se deixa invadir pelo prazer que persegue - poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar, de resistir.
A sexualidade, como manifestação biopsicossocial do ser humano, sofreu através da história, toda a sorte de controle por interesses diversos. Negada ou incentivada, a Igreja, o Estado e o poder econômico sempre se valeram deste meio profundo do relacionamento humano (onde a afetividade e o prazer formam a base motivacional), para dominar, corromper, atemorizar ou lucrar. Atualmente a exploração comercial da sexualidade feminina, oferece uma idéia superficial, desvinculada do afeto, sustentada em modelos descartáveis, consumistas, estereotipados e preconceituosos, com a imposição da estética e como prerrogativa exclusiva da juventude. Mesmo com uma imagem muito explorada, a sexualidade feminina sempre foi terreno inóspito, com conhecimento centrado geralmente nos aspectos da reprodução humana. Nas escolas bem intencionadas, ainda hoje, palestras esporádicas sobre sexualidade, resumem-se em estudar o corpo reprodutivo e estimular a prevenção à gravidez indesejada. Não falam sobre homossexualidade de uma forma que venha até a esclarecer aos jovens o que realmente é orientação sexual.
O prazer é assunto negado, ou quando muito, mascarado numa linguagem subliminar de que o corpo feminino é um espaço sem muitos direitos. Com o prazer vinculado a um corpo que engravida, que gera, que culpa e martiriza, as mulheres protegem-se num contrato social definido por leis, que longe de garantir-lhe este almejado prazer, obriga-lhes após tantas expectativas frustradas, à manutenção da relação dependente, neurótica, sadomasoquista. para fugir, da categoria pejorativa criada culturalmente para as mulheres que estariam desprotegidas destas leis. Seriam as "descasadas", "mães solteiras", "largadas do marido", "as que estão em falta" (BAMPI, 2001).
Todo um discurso de verdade sobre o sexo é buscado e apoiado nas instituições, o que não é institucionalizado é excluído, pois somente este é aceito como verdadeiro e tido como exemplo para atuações dos indivíduos. Mas efetivamente o que se fala sobre o sexo é esmiuçado e analisado pela sociedade para controle da população, mesmo que esse discurso não seja o “verdadeiro”, divulgado e esperado. De acordo com Foucault (1992:244), a partir do século XVIII, há uma proliferação de discursos sobre sexo, constituindo uma “técnica do poder vigente que incita a propagação de discursos, através de instituições como a Igreja, a escola, a família, o consultório médico, para que se possa controlar o indivíduo e a população”. Nessa perspectiva, se torna primordial o controle populacional, o controle de doenças, o controle da família, pois um possível descontrole ocasionaria muito dispêndio ao poder.
Com todo o desenvolvimento de uma rede de discursos sobre o sexo, houve o incremento de uma adequação do vocabulário sobre o mesmo, de forma que se distinguisse um vocabulário autorizado e outro tido como chulo/impróprio, e de um ajustamento aos lugares onde se pode falar sobre ele e a forma como se pode falar em cada lugar. Dessa maneira, o silêncio sobre o sexo deveria se concretizar nas relações familiares (principalmente as que envolviam crianças); na escola; com as pessoas que não seriam íntimas ou legitimadas para tal. O sexo colocado em discurso não foi restringido, mas incitado, a vontade de saber passa a se constituir uma ciência da sexualidade e de seus comportamentos. “Ao invés de reprimir o sexual, exaltam-se os discursos sobre ele, discursos com metáforas e com locais próprios e impróprios para se propagar” (FOUCAULT apud RABELO,2002).
O que não é regulado para a geração ou por ela transfigurado não possui eira, nem beira, nem lei. Nem verbo também. É ao mesmo tempo expulso, negado e reduzido ao silêncio. Não somente não existe, como não deve existir e à menor manifestação fá-lo-ão desaparecer – sejam atos ou palavras . As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não têm sexo: boa razão para interdita-lo, razão para proibi-las de falarem dele, razão para fecharos olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifesta-lo, razão para impor o silêncio geral aplicado. Assim marcharia, com sua lógica capenga, a hipocrisia de nossas sociedades burguesas. Porém, forçada a algumas concessões. Se for mesmo preciso dar lugar às sexualidades ilegítimas, que vão incomodar noutro lugar: que incomodem lá onde possam ser reinscritas, senão nos circuitos de produção, pelo menos nos do lucro. O prazer a que não se alude para a ordem das coisas que se contam; as palavras e, os gestos, então autorizados em surdina, trocam-se nesses lugares a preço alto. “Somente aí o sexo selvagem teria direito a algumas das formas do real mas, bem insular e a tipos de discurso clandestinos, circunscritos, codificados. Fora desses lugares, o puritanismo modero teria imposto seu tríplice decreto de interdição, inexistência e mutismo”( FOUCAULT, 1990:10).
Se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, o simples fato de falar dele e de sua atenção possui como que um ar de transgressão deliberada. “Há dezenas de anos que nós só falamos de sexo fazendo pose: consciência de desafiar a ordem estabelecida, tom de voz que demonstra saber que se é subversivo, ardor em conjurar o presente e aclamar um futuro para cujo apressamento se pensa em contribuir” (op.cit:12).
O ser humano sempre foi caracterizado pelo parâmetro do homem branco heterossexual e, a partir dessa acepção, todas as outras manifestações sócio-culturais são vistas. "A mulher existe na cultura patriarcal como o significante do outro masculino, presa por uma ordem simbólica na qual o homem pode exprimir suas fantasias e obsessões através do comando lingüístico, impondo-as sobre a imagem silenciosa da mulher, ainda presa a seu lugar como portadora de significado e não produtora de significado" (MULVEY, 1991:438). Estes preconceitos acompanham as mulheres pela história; Inventam as categorias e as mulheres vão aos poucos "incluindo-se" nelas, sem contestarem, com submissão e dependência. Nos tempos da Inquisição, criaram a categoria das bruxas e muitas mulheres comportavam-se como tal, porque havia esta categoria. Na época das Cruzadas, no século XIII, segundo Veiga (1997) “os cavaleiros iam para o Oriente Médio deixando suas mulheres sozinhas nos castelos, o que representava para eles um sério risco. Voltaram, então, com uma novidade em termos de aprendizado religioso: o culto à Virgem Maria, comum em Bizâncio e ausente até então na Europa”. A partir daí:
"(...) inventou-se o culto a puríssima dama, a quem deveria dedicar-se um amor, não um simples amor carnal, 'animalesco', mas o amor romântico pela deusa, adorada e casta, tanto mais adorada quanto mais casta. Os trovadores cantavam este amor e os homens que tinham ficado para trás, se convenciam dele. Isto acabou se constituindo num cinto de castidade mais eficaz dos que os de ferro e cadeado, mais folclóricos que realmente usados. Isto também reforçou imensamente nos homens a tendência de pensar as mulheres ou como santas ou como prostitutas..." (VEIGA,1997:34 apud BAMPI, 2001).
Sabe-se que, mesmo que algumas mulheres busquem hoje o que lhes é de direito, tanto biológico quanto emocional, muitas vezes lhes é negado pela sociedade, por desconhecimento sobre a sexualidade feminina, preconceito ou desinteresse pela questão. Onde e quando nascem estes "nós" na subjetividade feminina? Até quando as mulheres permanecerão neste estado de amarras a um gênero tão dependente e inseguro quanto elas próprias? Muitas mulheres ainda permanecem com a idéia impingida de que nunca poderão ficar sozinhas sem estar correndo algum risco. As diversas influências educativas levam-nas a crer que toda a garantia da sua vida, está no outro "para lhe amar e proteger". Assim, na dependência, a salvação. Os vínculos familiares paternalistas reforçam esta condição, criando no inconsciente feminino estruturas rígidas que as levam a desacreditar na sua capacidade de buscar, exigir, criar e conquistar o melhor para si mesmas.
Segundo Foucault (apud RABELO,2002), na Grécia Clássica, o amor compreendia não só as relações entre sexos opostos, mas uma relação que abarcava a temperança, não importando, que esta seja heterossexual. O amor pelos rapazes era admitido, até mesmo, como o verdadeiro amor, entre um homem mais velho e um jovem rapaz. Essa verdadeira paixão era atrelada a um caráter pedagógico de preparação do rapaz para o exercício da cidadania, reforçando a virilidade e o seu papel de homem. O amor pelos rapazes era transitório, pois quando o rapaz se tornava um homem (tanto fisicamente como preparado para exercer sua cidadania) os amantes tinham que se distanciar. O amor pelas mulheres era atrelado ao cuidado com a descendência, à definição de regras familiares e à fixação da temperança exigida. Já o amor pelos rapazes se desligava dessas preocupações, tomava assim a forma mais perfeita e bela (não esquecendo, nesse momento, que os gregos valorizavam o belo e que o homem era símbolo da perfeição, beleza e saber, tanto quanto a mulher bela e virtuosa), uma relação vinculada à real afeição, ao cuidado com o outro e a independência entre um e outro.
Dr. César Nunes afirma que:
"Sexualidade é uma marca humana, vivenciada a partir dos desejos e escolhas afetivas, psicossociais e históricas. O sexo na experiência natural e cultural dos homens, transformou-se em sexualidade, isto é, foi capaz de assumir qualidades e significações existentes, sociais, estéticas eróticas, éticas, morais e até espirituais." Salientou também que "a mulher só se libertará quando tiver autonomia intelectual, filosófica, econômica, e ética comportamental." Concluiu com chamados para a importância da mulher colocar a sua marca feminina na construção da sociedade, não de forma "revanchista ou vitimista," mas redimensionando-se e "reconstruindo sua história social e política" (NUNES, 2001).
1.2 – A mulher
Segundo Língua Portuguesa on-line, mulher é definida como: do latim, muliere. Pessoa do sexo feminino, depois da puberdade; pessoa adulta do sexo feminino; esposa; consorte; senhora; pessoa do sexo feminino pertencente à classe popular; o conjunto das pessoas do sexo feminino. Acreditava-se que na pré-história o poder era matriarcal – aparente subordinação dos homens que não reconheciam a sua participação na procriação. Esse contexto foi modificado quando os homens descobriram que tinham parte na procriação. A partir disso surge o patriarcado, uma “organização social baseada no poder do pai, e a descendência e parentesco segue a linha masculina. As mulheres são consideradas inferiores aos homens e, por conseguinte, subordinadas à sua dominação” (LINS, 1997:32), portanto a mulher passa a servir ao homem numa sociedade estruturada na hierarquia dos sexos, dando espaço a desigualdade e estabelecendo uma ordem moral do que o homem pode e o que a mulher não pode fazer.
Na Idade Média, os filhos são postos ao poder do pai, que determinará o casamento, identificados com o sobrenome do pai. A mulher submete-se à autoridade do pai e depois do marido. Após o casamento usa apenas o sobrenome do marido (LINS, 1997). A cultura está tão enraizada às pessoas que mesmo depois que a lei não obriga mais que a mulher carregue o nome do marido, como no Brasil, vêem como natural sem dar-se conta que são propriedade do homem. No século XII tinha um único fim específico, enriquecer e fixar as terras que eram oferecidas como dote ou como herança (LINS,1998; SEIXAS,2002).
O patriarcado é um sistema tão bem-sucedido que se sustenta porque as pessoas subordinadas ajudam a estimular a subordinação, visto que idéias novas são logo descartadas pelas próprias mulheres que sobrevivem pela manutenção de valores conservadores. Vários autores ressaltam a questão da subordinação feminina. Parker (1991), Connell (1995) e Bourdieu (2002) afirmam que a construção da relação de subordinação se dá no modo ativo – penetrar – e passivo – ser penetrado. Através da atividade e passividade se constrói uma relação de poder, dividindo em dois ouniverso sexual: masculino e feminino.
A mulher feminina tem o perfil: ‘elegante, delicada, frágil, sensível, cheirosa, ousada, que chora, se emociona facilmente, mãe, carinhosa, recatada, indecisa, cuidadora’ é um esteriótipo , por isso a mulher não pode ser autônoma e feminina ao mesmo tempo. Prisioneira de dois papéis opostos, impossibilitada de assumir suas escolhas, visto que as recatadas são fixadas no modelo patriarcal e as ousadas no modelo moderno.
As mulheres vêm travando duras lutas para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho e galgar sucesso na vida pessoal. Num mundo dominado por homens, as pressões das empresas em relação ao trabalho feminino por diversas vezes são maiores, pois o homem traz o esteriótipo de ‘forte, competente’, enquanto a mulher é frágil, dócil, um perfil inadequado para ocupar cargos de chefia. Diferentemente do homem que tem que estar provando sua potência, a mulher tem que provar sua competência.
Ser uma mulher autônoma não recorre à cultura patriarcal onde renuncia parte do seu eu, numa tentativa de corresponder ao que esta sociedade espera dela. Ela busca os seus objetivos dentro de um paradigma escravizante. Entende-se por autonomia, “ser você mesma, em sua totalidade, sem negar ou repudiar aspectos de sua personalidade para se submeter às exigências sociais”(LINS, 1997:119). Antes da emancipação feminina, a mulher que não casasse continuava submetida às exigências do homem. Aquelas que aos 25 anos estivessem solteiras, eram motivos de chacota. Caso optassem por uma vida diferente da normal eram ditas promíscuas. Segundo Aires e Duby (apud LINS, 1997:145), “a família, portanto, deixa de ser uma instituição para se tornar um simples ponto de encontro de vidas privadas”. 
O que é, afinal, uma mulher autônoma? Em primeiro lugar, ela olha com novos olhos para o mundo, o amor, o homem, a mulher, sem estar presa aos condicionamentos que tanto limitam as pessoas. Tem coragem de ser ela mesma na sua totalidade, e não renuncia a partes do seu eu tentando corresponder ao que dela se espera. Se sente livre para expressar todos os aspectos de sua personalidade, mesmo os considerados masculinos pela nossa cultura, como força, decisão, ousadia. Na relação amorosa, não se preocupa em se submeter às exigências sociais do que é aceito ou não para uma mulher e vive o máximo possível em sintonia com seus próprios desejos. Entretanto, a autonomia não é fácil de ser alcançada. São anos e anos de condicionamento, em que vamos assimilando os valores do lugar em que vivemos, como se fosse nosso idioma natal. Mas neste começo de século, cada vez mais mulheres questionam a suposição da nossa cultura de que a verdadeira felicidade se equipara a estar envolvida com um homem. Isso já é um bom sinal. Ter ou não um homem ao lado está aos poucos deixando de ser a questão básica da vida feminina. Porém, ainda são poucas as mulheres que realmente buscam autonomia.
É muito comum se dizer que o homem teme a relação com a mulher independente. Alega-se que, além de não estar preparado para abrir mão da superioridade que o papel de provedor lhe confere, poderia se sentir desvalorizado caso a parceira ganhasse mais do que ele. Mas na realidade não é isso o que acontece. O homem não teme a mulher que tem uma profissão e ganha muito dinheiro. Ele teme, sim, a mulher autônoma. Ser uma mulher independente ou uma mulher autônoma não é a mesma coisa. É evidente que sem independência financeira não existe autonomia. Mas não basta. Existem mulheres totalmente independentes sem autonomia alguma. Quantas conhecemos que alcançam sucesso profissional, se tornam brilhantes executivas, chegam a ocupar cargos como ministras e que, no entanto, vivem sonhando em encontrar o príncipe encantado?
Muita gente acredita só ser possível encontrar a realização afetiva através da relação amorosa fixa e estável com uma única pessoa. A propaganda a favor é tão poderosa que a busca da "outra metade" se torna incessante e muitas vezes desesperada. E quando surge um parceiro disposto a alimentar esse sonho, pronto: além de se inventar uma pessoa, atribuindo a ela características que geralmente não possui, se abdica facilmente de coisas importantes, imaginando que, agora, nada mais vai faltar. E o mais grave: com o tempo passa a ser fundamental continuar tendo alguém ao lado, pagando-se qualquer preço, mesmo quando predominam as frustrações. Não ter um par significaria não estar inteiro, ser incompleto, ou seja, totalmente desamparado. Mas de onde vem essa idéia?
1.2.1 – Construção da sexualidade feminina
LINS (sd) diz que “na fusão com a mãe no útero, experimentamos a sensação de plenitude, bruscamente interrompida com o nascimento. A partir daí, o anseio amoroso parece ser o de recuperar a harmonia perdida.” A criança, então, dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego. No Ocidente aprendemos que, na vida adulta, somente através do convívio amoroso com outra pessoa nos sentiremos completos. Quem, além do ser amado, pode suprir nossas carências e nos tornar inteiros? Aí é que entra o amor romântico, que promete o encontro de almas e a fusão dos amantes, acenando com a possibilidade de transformar dois num só, da mesma forma que na fusão original com a mãe.
Poderíamos portanto dizer que toda mãe contém a filha em si mesma e toda filha, a mãe; e que toda mulher projeta-se para trás estendendo-se na mãe e para a frente, na filha. Essa participação e "entremeação" produz uma estranha incerteza no que concerne ao tempo; a mulher vive antes como mãe e mais tarde como filha. A experiência consciente desses laços produz o sentimento de que sua vida está espalhada sobre gerações - o primeiro passo na direção da experiência imediata e convicção de estar fora do tempo, que traz consigo um sentimento de imortalidade (JUNG apud SEABRA,sd).
Entender o feminino - objeto de pesquisas da antropologia, da sociologia e da psicologia contemporâneas nos remete a buscar no ser mulher uma sexualidade plural onde existem redes subjetivas de ver essa mulher não apenas fêmea, reprodutora, nem tão pouco feita somente para servir ao homem, e sim, ver um ser capaz de amar, sentir prazer e busca-lo também da forma que lhe satisfaça. Há algum tempo as mulheres estão se libertando do estigma de “Marias” tornando-se elas próprias. A análise de Freud da sexualidade feminina, se não foi o marco inicial, é contribuição valiosa para o esforço coletivo de aprofundar esse conhecimento. Este tópico se insere nesse esforço ao abordar um aspecto do psiquismo feminino: a relação mãe e filha. Em seu relato sobre a sexualidade das crianças, Freud apresenta bastante explicitamente o feminino como derivado. "Nós somos agora obrigados a reconhecer", escreve "que aquela menininha é um homenzinho." Os meninos aprendem "como extrair sensações agradáveis de seus pequenos pênis... As menininhas fazem o mesmo com seus ainda menores clitóris. Parece que com elas todos os seus atos masturbatórios são feitos sobre esse equivalente do pênis e que a verdadeira vagina feminina permanece desconhecida por ambos os sexos" (FREUD,1996:118). A investigação do lugar da mulher em vários discursos revelará a lógica em funcionamento nessas sutis e não-sutis opressões, mas em nenhum lugar são os resultados mais interessantes e sugestivos do que no discurso da psicanálise, que tem especial importância, uma vez que se tornou nossa principal teoria da sexualidade e autoridade na diferença sexual.
A feminilidade começa como uma versão atenuada da sexualidade masculina; a distinção sexual surge quando a mulher identifica a si própria como uma versão inferior do homem. Freud fala de:
"uma enorme descoberta que as menininhas estão destinadas a fazer. Elas notam o pênis de um irmão ou amigo, impressionantemente visível e de grandes proporções, logo o reconhecem como a contraparte superior de seu próprio órgão pequeno e imperceptível, e daí em diante caem vítimas da inveja do pênis" (FREUD,1996: 252).
A menina é dita tomar o homem como norma desdeo começo. Sem dúvida, ela imediatamente se define como uma aberração: "Ela faz seu julgamento e toma sua decisão em um lampejo", Freud continua: "Ela já ouviu e sabe que ela não o tem e quer tê-lo". Desse reconhecimento, seguem-se terríveis conseqüências. "Ela admite o fato de sua castração e, com ele, a superioridade do homem e sua própria inferioridade" (op.cit,: 229). Mais tarde, a descoberta da vagina certamente tem outras conseqüências, mas a vagina é algo de um extra; ela suplementa seu órgão inadequado e, no relato de Freud, não lhe dá uma sexualidade autônoma ou independente. Ao contrário, a estrutura de dependência e derivação ainda é operante. A sexualidade feminina madura, focada na vagina, é constituída pela repressão da sexualidade clitoriana, que é essencialmente masculina. A mulher é um homem inadequado cuja sexualidade é definida como a repressão de sua masculinidade inicial, e a psique feminina continua a ser caracterizada, acima de tudo, pela inveja do pênis.
Muito pode ser, e tem sido, escrito sobre o preconceito masculino de Freud. Sua linguagem sugere onde ele se situa: ele fala da mulher "reconhecendo o fato de sua castração", de sua descoberta de que ela é “castrada” e de sua imediata “admissão” do “muito superior equipamento do menino” (FREUD, 1996:126). Mas invés de rejeitar Freud, pode-se, como Sarah Kofman (1996) faz, levar seus escritos a sério e ver como sua teoria que tão claramente privilegia a sexualidade masculina e define a mulher como um homem incompleto, se desconstrói. Fazer isso, não é confiar em Freud enquanto homem, mas dar-se a máxima oportunidade de aprender com a escrita de Freud, suponho que, caso seu poderoso e heterogêneo discurso esteja em determinado ponto operando com hipóteses injustificadas, essas hipóteses serão expostas e solapadas por forças internas ao texto que uma leitura pode evidenciar.
O mundo das mulheres é impregnado de uma intimidade. Ninguém se espanta, por exemplo, ver com que facilidade as mulheres se tocam - uma pede a outra que a ajude a abotoar-se, uma pede a outra que examine alguma coisa em seu corpo. Amigas podem andar de mãos dadas, podem se abraçar, fazer carinhos, andar sempre juntas, viajar e é aí aonde há in-visibilidade permeia sem levantar sussurros homofóbicos. A mãe pode levar horas penteando os cabelos da filha que, tranqüila, se deixa pentear, Em viagens, podemos perceber como essa prática é universal: às vezes, a mãe retira os elásticos e começa a escovar os cabelos da filha que nem estavam despenteados. As duas sentem ser uma boa ocupação do tempo de espera - uma escovando e a outra se deixando escovar. Estão no seu mundo.
CAPÍTULO II
Homossexualidade
2.1 - Homossexualidade na História 
A homossexualidade, ainda que com muitas e diferentes designações, é referida como existente em todas as sociedades humanas e em todas as épocas, apesar de haver algumas cuja linguagem não possui uma palavra para a nomear. A interação sexual entre indivíduos do mesmo sexo é ainda observável, num grande número de outras espécies animais. A acesa discussão para saber se tem ou não uma causalidade biológica e a velha e falsa oposição filosófica entre biológico (natureza) e aprendizagem (construção cultura) tem vindo a inquinar o debate nesta área.
No século XIX, a homossexualidade passou a ser considerada, pela primeira vez, como uma categoria social, mas discutia-se se era doença ou pecado. Esta discussão transborda para o século XX e nem mesmo os trabalhos de Freud e dos primeiros sexologistas, como Hirschfeld [3], vêm a ser decisivos, mantendo-se a disputa até aos nossos dias. A dúvida mais persistente tem exatamente a ver com a causalidade da orientação sexual, pois se esta for essencialmente bio-genética, terá que ser tirada da categoria de pecado (logo mutável) e passar para a categoria de doença (logo imutável).
Etimologicamente, a palavra homossexual é formada pela junção dos vocábulos “homo” e “sexu”. Homo, do grego “hómos”, que significa semelhante e sexual do latim, “sexu”, que é relativo ou pertencente ao sexo. Portanto, a junção das duas palavras indica a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo [4].
Não podemos falar de homossexualidade, se não tivermos noção de sua construção histórica, e isto se deve ao fato de que: a homossexualidade sofreu e ainda sofre, grandes preconceitos e estigmas. O Lócus social em que o indivíduo homoerótico foi obrigado a construir sua rede de identificações, suas subjetividades, ou o que lhe foi permitido desejar, e mesmo construir como relação possível com o outro, influíram e tiveram preponderância, nas hoje chamadas “relações homoeróticas”. Segundo Graña (1998:09,10), a homossexualidade é tão antiga como a heterossexualidade, ou como a sexualidade mesma. No Gilgamesh, primeiro épico de que se tem notícia, escrito em caracteres cuneiformes pelos sumérios há aproximadamente cinco mil anos, encontramos o relato da história de ódio, amor e morte de Gilgamesh (rei de Uruk) e Enkidu. O amor entre eles foi tão forte que provocou um insuperável enlutamento de Gilgamesh, que determinou logo também a sua morte. O mesmo autor diz que, na epopéia grega A ilíada, escrita há cerca de três mil anos, é a narrativa que exalta o homoerotismo através da descrição do estreito laço amoroso que unia Aquiles a Pátroclo. “A morte de Pátroclo provoca em Aquiles tamanha dor que ele, após esfregar o barro em seu rosto como expressão de pesar e cólera, lançando sobre os troianos a tal ira (a “ira de Aquiles”).
A homossexualidade permeou a história da humanidade alternando papéis, “era vista como uma relação aberta, em que configurava-se também o amor. Sem uma instituição que a estabelecesse, a regulação da conduta estava na própria relação” ( FOUCAULT,1984: 179). A homossexualidade grega estava ligada a côrte, reflexão moral e ascetismo filosófico. Ou seja, na Grécia o sexo não foi realizado só por prazer. Cedia-se em prol de uma elaboração cultural. Às vezes, a prática era estimulada e outras não. Na Grécia antiga, Platão escreveu muito sobre o assunto em "O Banquete", Aristófanes diz que Eros, o primeiro dos deuses, tinha ambos os sexos. Diferente de hoje, havia na época três gêneros: o macho, a fêmea e o andrógino. O comportamento rebelde de Eros contra o Olímpio é o que origina a separação dos seres. Após longa reflexão, na dúvida sobre que destino os daria, Zeus opta por enfraquecê-los, reduzindo cada ser à metade, já que eram formados pela junção de dois (homem-homem/mulher-mulher/homem-mulher, o ser andrógino). Atitude um tanto sábia, pois ao mesmo tempo que estariam mais fracos, teriam mais a oferecer, já que estariam em maior número. Cada um andaria ereto sobre suas duas pernas. Separados de sua metade, os seres decidem buscá-la. Os que eram homens buscam uma metade de homem, os que eram mulheres buscam uma metade mulher e os andróginos procuram cada um a sua metade oposta.
“As legislações que nos séculos XII e XIII surgiram visando à penalização dos homossexuais, condenavam, ao mesmo tempo e com a mesma severidade, os judeus. O anti-semitismo e o anti-sodomitismo foram, portanto, as ideologias sustentadoras da legislação ditada pelo primeiro código civil ocidental que prescreveu a pena de morte para os homossexuais. A Idade Média reservar-lhes-ia ainda um terror maior a partir da instalação da Santa Inquisição, por Gregório IX, em 1231” (GRAÑA,1998:13).
Morici (apud Graña 1998:165) diz que, “a Idade Média incorpora a concepção clerical da homossexualidade, que já vimos, e a converte numa enfermidade. O diagnóstico médico se apoiava em duas evidências: uma física, a dos estigmas do “vício”; outra moral, a de uma tendência quase congênita para o vício e que entranhava um período de contaminação para os demais. Pertenciam ao mundo marginal dos perversos.”
As organizações homossexuais “tribalistas” ou “subculturais” constituíram-se em verdadeiras redes ou guetos protegidos, nos séculos XVII e XIII, através dos quais os “sodomitas” (o termo homossexual não existia ainda)intercambiavam experiências, idéias e afetos, protegendo-se das severas penas que lhes eram impostas pela legislação remanescente da ordem medieval. No século XIX (DANIEL & BAUDRY, 1973), a homossexualidade era vista como uma aberração, uma patologia passível de cura, nesta época, os homossexuais eram casos isolados e mantidos em sigilo, a perseguição tornou-se fanática e carolíngia, na França prescreveu a pena de morte também para as mulheres que cometessem atos sexuais com outras mulheres.
Conforme Posterli [5] (1996) é oportuno, agora, ressaltar que homossexualismo deixou de ser doença. “Á décima revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial de Saúde, exclui, depois de quase vinte anos, o homossexualismo como doença.”... o então presidente do Conselho Federal de Medicina, psiquiatra Ivan Moura Fé, afirmou que muitas vezes, os próprios pais levam os filhos homossexuais ao médico, porque acreditam que eles são doentes; a situação deixa os profissionais confusos, já que não é encontrado nenhum sinal que indica a existência de uma anomalia.
Nos países “de primeiro mundo”, sobre tudo da Europa Ocidental, a homossexualidade já é encarada como orientação sexual de cada indivíduo, sendo, inclusive em alguns países, permitida, reconhecida e até mesmo protegida a união entre pessoas do mesmo sexo. Quando examinamos as diferentes maneiras pelas quais as pessoas têm vivenciado sua liberdade sexual - a maneira que elas têm criado suas obras de arte – constatamos que a sexualidade tal qual a conhecemos hoje torna-se uma das fontes mais produtivas de nossa sociedade e de nosso ser. Deveríamos compreender a sexualidade em um outro sentido: o mundo considera que a sexualidade constitui o segredo da vida cultural criadora; ela é mais um processo que se inscreve, para nós hoje, na necessidade de criar uma nova vida cultural, sob a condução de nossas escolhas sexuais. Na prática, uma das conseqüências dessa tentativa de colocar em jogo o segredo é que o movimento homossexual não foi mais longe do que a reivindicação de direitos civis ou humanos relativos à sexualidade. Isso quer dizer que a liberação sexual tem se limitado ao nível de uma exigência de tolerância sexual. (FOUCAULT,1984:26).
A Constituição Federal no seu artigo 226, § 3º afirma que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar...” Os intérpretes costumam entender que através de tal dispositivo constitucional, a lei protege apenas “a união estável entre o homem e a mulher”, não protegendo outras espécies de união homem com homem e/ou mulher com mulher. Se a lei, não exclui, expressamente, a proteção das uniões homoafetivas, então caímos no que Bobbio (1997:184) chamou de “Norma Geral Exclusiva”, que é uma das premissas básicas do pensamento Kelseniano, que afirma que “tudo o que não está explicitamente proibido, está, implicitamente, permitido”, idéia protegida pela Constituição Federal que afirma que “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º, inciso II).
2.2 – Homossexualidade feminina
“Embaralhar as cartas. Masculino? Feminino? Mas isso depende dos casos. Neutro é o único gênero que sempre me convém. Se ele existisse na nossa língua, não se observaria essa flutuação do meu pensamento. Eu seria, seguramente, um bom exemplo dele. (Bonnnet, 1930 : 176)”.
Segundo Rosito (apud GRAÑA, 1998), o homossexualismo feminino tem suas origens na Antigüidade. “Safo, a célebre poetisa da antiga Grécia, é tida como a fundadora do culto do amor lésbico, que por sua vez, tomou seu nome de Lesbos, ilhas de forma triangular situada no mar Egeu, da qual a poetisa era natural”. De acordo com os velhos historiadores gregos, Safo era conhecida pelo amor que nutria pelas mulheres. Seu nome tem sido associado, através dos tempos, com a tradicional prática denominada safismo (cunilíngua). 
O nome safo significa voz cristalina, ou brilhante. Na verdade tratava-se de uma mulher brilhante, pois seus poemas se tornaram célebres em todo o mundo. Suas jovens pupilas, às quais dedicou várias de suas poesias amorosas, eram denominadas saphos. Essas jovens converteram-se em discípulas do novo culto. O lesbianismo, ao que tudo indica, era muito disseminado em Roma. O santuário das homossexuais era estabelecido especialmente nos suntuosos estabelecimentos de banhos. Ali, as lésbicas se entregavam às mais diversas práticas sexuais com escravas especialmente treinadas, denominadas fellators (id,130). Bassa, a célebre lésbica romana, era assim descrita por um vate contemporâneo: “Ousais unir duas vulvas e, através do simulacro de amor, substituir o homem ausente. Lograis um milagre tão espantoso quanto o mistério tebano: cometer adultério sem a participação do homem” (apud Caprio:26).
Schüler (1985:47), situa a poesia de Safo na expressão do tipo lírico, dos anos 600 e 500, nascida da convulsão social e cultural profunda. Safo é descrita pelo mesmo autor como alguém que, por ser mulher, livre dos problemas políticos e sociais, descobre o caminho de si mesma através das amigas que reúne em torno de si. Longe das armas, dos banquetes e de acalorados debates,“ela inventa a poesia da interioridade da qual não existe modelo”(ibid:49).
Em 1927, Jones (apud GRAÑA,1998:133), baseado na análise de cinco casos de mulheres homossexuais, interessa-se em definir o que corresponde exatamente nas mulheres ao medo de castração dos homens, distinguindo o desenvolvimento de uma mulher homossexual do desenvolvimento de uma mulher heterossexual. O reportado estudioso destaca que a não gratificação dos desejos edipianos com a ameaça da afanisia daí resultante impulsiona o processo homossexual, distinguindo duas formas segundo o nível de regressão: na primeira, as mulheres que conservam interesse pelos homens, mas gostariam de ser consideradas como um entre eles, e na segunda, as que não se interessam pelos homens, mas pelas mulheres, as quais representam para elas sua própria feminilidade, que não podem desfrutar diretamente .
Já Klein (1960), antecipa os pontos de regressão e fixação da homossexualidade feminina numa etapa anterior a postulada por Freud, enfatizando o temor fundamental da menina em relação ao interior do seu corpo e a curiosidade e ataques sádicos dirigidos ao interior do corpo da mãe, tentando arrebatar-lhe o pênis cobiçado. Já Aisemberg (1986:133) diz que: “Todo vínculo vem de uma identificação ou toda identificação contém a história de um vínculo, história que reconstruímos quando na análise nos desidentificamos”. O mesmo autor ainda descreve três tipos de identificações sexuais, na mulher, que se encontram seriamente perturbadas na homossexualidade clínica:
“1) A identificação com a mãe materna, fruto do desenlace da fase edípica, portanto, ligada à estruturação narcísica e ao desejo de ter e criar filhos; 2) A identificação com a mãe erótica, a mãe rival do Complexo de Édipo positivo. Resultado do desenlace edípico onde a mãe é identificada como aquela que se oferece ao pai como objeto de desejo. Identificação para a vida amorosa e erótica; 3) A identificação com o pênis do pai, e identificação com os aspectos ativos e penetrantes do pai interditor, que tira a filha do narcisismo com a mãe e a introduz no mundo externo, com o que já não será psicótica e nem perversa” (Aisemberg apud Graña,1998).
É necessário uma outra identificação com o pai, que confirma a menina como desejável na encruzilhada edípica. Se a expressão da experiência erótica feminina chega a ser tão problemática, a representação da sexualidade lesbiana o é ainda mais, pois rompe com as relações dominantes de gênero, ao excluir a figura do homem e colocar a mulher em uma posição de sujeito atuante, em vez do papel tradicional de objeto do desejo masculino. Assim, o desejo lesbiano na obra de escritoras brasileiras não só representa uma dimensão importante da sexualidade feminina, como também servepara expor e questionar o controle social sobre a sexualidade e o corpo feminino.
O lesbianismo abre um espaço para a realização pessoal e sexual da mulher, no qual a identificação com outro ser seu igual torna possível a auto integração do sujeito feminino. Como tem sido analisado pela teoria crítica contemporânea, as origens dessa identificação física e psíquica entre mulheres remonta ao semiótico (quando a criança encontra-se num estágio de perfeita simbiose com a mãe. Esse primeiro estágio de união influencia as relações posteriores do sujeito e determina na mulher um tendência à bissexualidade e a uma sexualidade mais fluida.
Muitas mulheres se mantêm na in-visibilidade, o que não é bom para o estado emocional e nem para sua autoconfiança. É dessa maneira que uma parte da homossexualidade feminina se põe no mundo. Como uma região incógnita, uma espécie de caixa de surpresas que suspeita do discurso que veicula, o amor entre mulheres é capaz de disseminar perplexidade, seja quando parece optar pelo seu ruidoso silêncio, seja quando autoriza alguma tradução. Em ambos os casos, esse amor que não ousa dizer o nome aparece como alguma coisa que ininteligível, não encontra correspondência na gramática sexual abrangente. Filha bastarda de uma sexualidade pouco afinada à sua voz, a homossexualidade feminina figura como subterrânea e por vezes inexistente aos olhos do mundo e de si mesma. Tudo se passa como se o amor entre mulheres fosse projetado para fora da linguagem. É como se a homossexualidade feminina recebesse a missão de ornar presente o non-sense, já que sua pretensa exclusão do universo falado a caracteriza como impensável, do mesmo modo que a tentativa de traduza-la faz aparecer aquilo que nela resiste à classificação.
A própria mulher foi apagada da história pelo papel secundário que a ela foi relegado durante muitos anos. É interessante ter em mente que há apenas 50 anos a mulher vem conseguindo certo poder de imagem, representação e discurso em algumas sociedades (por exemplo, as "recentes" conquistas promovidas pela revolução sexual, o anticoncepcional, o movimento feminista pelos direitos da mulher). "O discurso da homossexualidade feminina está sempre entremeado com pelo menos três outros: o discurso da feminilidade, o discurso da sexualidade e o discurso amoroso" (PORTINARI, 1989:28).
Outro aspecto muito importante ao se tratar desse assunto é que o padrão heterossexual de análise leva em consideração a presença do falo na relação sexual. No senso comum só há sexo se houver penetração, e a penetração "necessita" do órgão masculino, e ao mesmo tempo da mulher como não portadora do órgão, portanto, castrada. Como estou falando sobre sexualidade (a prática), além do erotismo (o desejo), percebo a necessidade de tecer alguns comentários sobre o ato sexual. O principal erro nesse pensamento é considerar a penetração como a única forma possível de se fazer sexo; partindo-se deste princípio deixa-se de lado o desejo, o envolvimento que gera tesão, e o apetite sexual. Essa visão encara a transa como algo mecânico e ignora a participação do nosso cérebro como também responsável pelo desejo. "Tudo existe e a sexualidade é vivida na singularidade individual, com maior ou menor sujeição às representações sociais comuns." (NAVARRO-SWAIN, 2000:86).
Hoje existem estudos sobre a questão feminista (da mulher na sociedade) e a questão lésbica (da orientação sexual da mulher), mas ainda estamos longe de visibilidade e sobretudo, respeito generalizado. No plano dos direitos da pessoa, a maioria dos países não adotou uma lei que proíba a discriminação por orientação sexual. Em todos os países, as lésbicas são objeto de numerosas discriminações sistemáticas diante das leis e regulamentações e também em políticas públicas e serviços públicos. A maioria dos países não reconhece os casais de mulheres, nem social nem juridicamente. Muitas lésbicas perdem seus empregos, outras perdem a guarda de seus filhos e a outras até se nega o acesso a uma moradia.
Há lésbicas em todos os países do mundo. Estejam casadas, sejam mães de família ou solteiras, a maioria vive seu amor na clandestinidade, por temor à violência. A opressão engendra sua in-visibilidade no espaço público; em certos idiomas nem sequer existe uma palavra para nomeá-las. A afirmação das lésbicas depende então do grau de mentalidade aberta que se tenha sobre elas. A comparação Em Feminilidade Freud, ainda tenta, dizer-nos algo, reafirma algumas idéias, corrige outras, mas o que mais fica evidente é o quanto não conseguiu saber desta:
"Os senhores, agora, já estão preparados para saber que também a psicologia é incapaz de solucionar o enigma da feminilidade." (...)"De acordo com a sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher - seria esta uma tarefa difícil de cumprir -, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher de desenvolve desde criança dotada de disposição bissexual."(...)"Não é minha intenção seguir o comportamento ulterior da feminilidade através da puberdade até o período de maturidade. Nossos conhecimentos seriam, de resto, insuficientes para tal propósito." (...)"Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas, ou aguardem até que a ciência possa dar-lhes informações mais profundas e mais coerentes." (FREUD,1996:144, 160 e 165).
Embora Freud tenha sido muito arrojado para o seu tempo, entendemos que explicou a feminilidade não explicando-a, mas, não há nada mais feminino do que não concluir e continuar em busca constante.
2.3 – In-visibilidade na homossexualidade feminina
Como uma região incógnita, uma espécie de caixa de surpresas que suspeita do discurso que veicula, o amor entre mulheres é capaz de disseminar perplexidade, seja quando parece optar pelo seu ruidoso silêncio, seja quando tenta uma tímida visibilidade. A promessa de transpor para uma realidade discursiva tudo aquilo que incide sobre os mais obscuros lugares da experiência humana faz do não dito algo, senão indesejável, ao menos incomodo à nossa disposição de tornar as coisas, mais que classificadas, bem ditas.
Enquanto as mulheres heterossexuais começam a caminhar na direção de uma maior liberdade, no sentido de manifestar e discutir as questões relativas à sexualidade, as lésbicas exercem e discutem a sua sexualidade à margem da sociedade, tolhidas pela discriminação.
Em relação ao homoerotismo feminino pode ser percebido através de uma economia do silêncio e da in-visibilidade provinda de longa data. No antigo Testamento, mais precisamente no capítulo XVIII do terceiro livro de Moisés, chamado Levítico, aparecem significativas considerações acerca dos "casamentos ilícitos" e das "uniões abomináveis". Entretanto, nesta ampla lista de advertências não consta qualquer referência ao homoerotismo feminino.Mas, o silêncio que parece emudecer a homossexualidade feminina não se restringiu às escrituras bíblicas. Até o Tribunal do Santo Ofício Português fez "vista grossa" ao lesbianismo. Tamanha complacência adquiriu o status de lei a partir de 22 de março de 1646, quando o Conselho Geral da Inquisição de Lisboa, num ato surpreendente, decidiu ignorar a prática sexual entre mulheres (MUNIZ,1990).
Conforme esclarece Mott (1987), antes mesmo do Santo Ofício formalizar esta postura de tolerância, ou melhor, de desconfiança acerca da possibilidade deste tipo de pecado existir, já se podia detectar uma expressiva descrença em relação ao homoerotismo feminino. Segundo o historiador, "raríssimos são os processos de mulheres-sodomitas existentes na Torre do Tombo, não havendo registro de nenhuma lésbica lusitana que tenha sido queimada pelos tribunais religiosos". O período vitoriano, famoso por seu policiamento aos bons costumes, também não debruçou sua ira sobre a homossexualidade feminina (...)“A rainha Vitória, através de uma lei sancionada em 1885, condenou somente às práticas sodomitas entre os homens, negandoincluir punição contra o sexo entre mulheres por não acreditar na viabilidade desse invisível amor.”"(...) o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem" (BOURDIEU, 1989:08).
Bourdieu cita os neo-kantianos (Hegel, Strauss, Bauer, Stirner e Feuerbach entre outros) e o tratamento dado por eles aos diferentes universos simbólicos: mito, língua, arte, ciência. Para eles, cada um desses instrumentos constitui-se num instrumento cognoscente e de construção do mundo objetivo. Ele faz referência a Durkheim e à sua tentativa de elaborar ciência, sem empirismo e apriorismo, como o primeiro passo na inauguração de uma "sociologia das formas simbólicas" (...) o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem" (op.cit: 08).
A mesma ambiência de segredo e in-visibilidade também é constatável no fluxo da vida diária. Ainda que o amor entre mulheres suscite comentários e reflexões provindos das "bocas pequenas" e dos "buchichos" que animam o nosso dia a dia, não se pode negar que suas visitas à linguagem se revestem de recato e discrição. Ora, freqüentemente, a homossexualidade feminina é interpretada como alguma coisa sigilosa ou mesmo invisível. Principalmente quando contrastada com a reconhecida visibilidade do universo homossexual masculino. A própria caricatura do "sapatão", apesar de bastante popular, possui menor publicidade que as clássicas figuras do "viado", da "bicha" e do "travesti". Nas anedotas, ditadas e provérbios, assim como nos trabalhos científicos, se observa mais uma vez um tímido registro do lesbianismo.
Também no circuito gay a presença de mulheres é menos significativa, e são poucos os locais cuja freqüência é marcadamente feminina. A propósito desta suposta in-visibilidade vale ressaltar que, quando realizamos uma pesquisa no "mercado homossexual carioca", constatamos não só a ausência de espaços abertos dedicados à "pegação" [6] entre mulheres, bem como a inexistência de "casas de chá" [7] e similares especializados no atendimento à clientela feminina (LINS,sd).
Outros fatores contribuíram para haver um olhar diferente em relação a homossexualidade feminina. Nunca se deu importância à sexualidade da mulher, convencidos de que o grande prazer dela era ter filhos e criá-los ou, quando não casavam, ajudar a criar os sobrinhos. Por outro lado, sempre houve maior liberdade para as mulheres se tocarem, se beijarem, manifestando carinho umas pelas outras. “É muito mais fácil, portanto, a mulher dissimular sua verdadeira orientação sexual, na medida em que a relação amorosa entre elas é menos evidente” (op.Cit).
Desde pequenas as meninas são educadas para o casamento com o sexo oposto e para o papel materno. Na adolescência surgem conflitos quando percebem que seu desejo amoroso e sexual é dirigido para pessoas do seu próprio sexo. Assim como acontece com os gays, as lésbicas precisam lutar para ser autônomas, não se submetendo aos valores impostos nem absorvendo os preconceitos que a sociedade tem contra os homossexuais, assim como contra todas as minorias.
O relacionamento entre duas mulheres lésbicas é diferente do de dois homens gays. Cada casal, de forma inconsciente, leva para a relação características que a sociedade determina para o homem e para a mulher. Talvez isso explique por que Kinsey (apud LINS,sd) comprovou “em suas pesquisas que 63% das lésbicas constituem relacionamentos estáveis e duradouros e entre os gays8 essa percentagem não passa de 40%”. Numa proporção menor do que entre as mulheres heterossexuais, as lésbicas têm casos fora dos seus relacionamentos principais. E quando se separam, em geral ficam amigas de suas ex-companheiras. A maioria dos casais de lésbicas não sente necessidade de reproduzir o padrão de relacionamento heterossexual, onde um tem o poder sobre o outro. Entre elas, existe mais facilidade do que entre os gays de viver uma relação onde duas pessoas são iguais, fora dos estereótipos patriarcais de gênero.
A lésbica não se sente homem, nem quer ser homem. Entretanto, do mesmo modo que ocorre com alguns gays9, encontramos entre elas, de forma também defensiva, as que se esforçam para corresponder aos estereótipos, neste caso masculino, da nossa cultura. São mulheres que adotam atitudes típicas do machão. Entretanto, duas mulheres lésbicas, bonitas e atraentes podem confundir as pessoas quanto à sua orientação sexual. Claro que muitos machões desinformados acreditam que uma mulher só é lésbica porque foi mal-amada por um homem.
Não é à toa que a maior queixa das mulheres nas relações sexuais com os homens seja exatamente a de que, por não saberem disso, eles iniciam o ato sexual tocando diretamente o clitóris e partem diretamente para a penetração, sem preliminares. Kinsey também já tinha observado que as relações sexuais entre lésbicas tendem a ser mais demoradas, envolvendo maior sensibilidade do corpo todo, já que o orgasmo não marca automaticamente o final da sensação sexual, como acontece muito nas relações heterossexuais. (apud, LINS,sd).
Contudo, o fato que mais intriga as pessoas na homossexualidade feminina é o corpo da mulher não ser provido de órgão de penetração. É difícil para elas entenderem como pode haver uma relação sexual sem a presença do pênis. A questão é que as mulheres se excitam no corpo todo e não só na área genital. Lábios, língua, pescoço, orelha, barriga, costas, seios, nádegas, quadris, joelhos são algumas das zonas erógenas mais importantes do corpo feminino.
"As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo (...) Este efeito ideológico, produzi-lo a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante" (BOURDIEU, 1989: 11).
A in-visibilidade é o estar dentro de uma visibilidade; não em sua totalidade, pois pensando assim seria uma utopia. Algumas pessoas notam a visibilidade do indivíduo homossexual mas, não tendo certeza concreta, não se pode afirmar que aquela pessoa seja ou não. Mesmo assim, murmúrios se espalham onde criam-se a imagem daquele indivíduo, rotulando num esteriótipo o qual não se têm certeza do que falam e pra quem falam, podendo assim, voltarem as palavras aos próprios emissores delas.
Para melhor entendimento, podemos contextualizar numa ordem desordenada do que significa ser a in-visibilidade: sujeito, indivíduo, pessoa, ser, identidade, subjetividade, insight, gestalt, res-significação, encontro, sombra, sociedade, esquizoanálise, comunidade, psicanálise, saúde, comportamento, psicopatologia, neurose, histeria, campo, seio bom, seio mal, esquizóide, fenômeno, condicionamento, des-sensibilização, cognição, espelho, construção, protagonismo, des-contrução.
2.4 – Representações sociais
A Teoria da Representação Social, criada pelo psicólogo social Serge Moscovici, elucida os motivos pelos quais os movimentos representativos de grupos excluídos são criados. Apesar de não ser definida pelo autor, o mesmo faz as seguintes considerações:
"Por representações sociais entendemos um conjunto de conhecimentos, proposições e explicações originadas na vida cotidiana, no curso de comunicações interpessoais. Elas são equivalentes, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crença das sociedades tradicionais e podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum" (Oliveira, apud Jacques, 1988).
Modificar uma realidade comum é tarefa árdua de inúmeras associações, entidades e ONG´s que representamgrupos sociais historicamente discriminados. Prostitutas, Travestis, Transexuais e homossexuais carregam o estigma da marginalidade: imoralidade, violência, perversão, promiscuidade. São conceitos do senso-comum, que possuem vida própria, resistindo a várias gerações. Segundo Goffman (1988) acreditamos que o estigmatizado não seja completamente humano e por isso, muitas vezes sem pensar, os discriminamos, reduzindo suas chances de vida.
Podemos compreender este processo através da analise da origem da representação social, segundo Oliveira e Werba (1998: 114):
"Constata-se que criamos as RS para tornar familiar o não familiar. Este movimento que se processa internamente, vem a serviço de nosso "bem-estar", pois tendemos a rejeitar o estranho, o diferente, enfim, tendemos a negar as novas informações, sensações e percepções que nos trazem desconforto. Para assimilar o não familiar, dois processos básicos podem ser identificados como geradores de representação social, o processo de ancoragem e objetivação."
Neste caso, fica claro que a representação social que caracteriza tais grupos foram criados pelo processo de ancoragem, definido da seguinte forma pelas autoras citadas no parágrafo anterior: "É o processo pelo qual procuramos classificar, encontrar um lugar, para encaixar o não familiar”. Pela nossa dificuldade de aceitar o estranho e o diferente, este é muitas vezes percebido como ameaçador. “(...) A ancoragem nos ajuda em tais circunstâncias.” É um movimento que implica, na maioria das vezes, em juízo de valor, pois, ao ancorarmos, classificamos uma pessoa, idéia ou objeto e com isso já situamos dentro de alguma categoria que historicamente comporta esta dimensão valorativa. “Quando algo não se encaixa exatamente a um modelo conhecido, nós os forçamos a assumir determinada forma, ou entrar em determinada categoria, sob pena de não poder ser decodificado” (OLIVEIRA; WERBA1998: 114).
É desta forma que se processa a classificação, pela sociedade, dos que assumem um comportamento adverso. O conceito previamente estabelecido , criado como forma de proteção, acompanha um comportamento de exclusão, dificultando e limitando a vida de tais pessoas. Como forma de sobrevivência, são formados subgrupos, que constituem verdadeiras sociedades alternativas, cada qual com suas normas, linguagens e territórios. Objetivando a aceitação social, os movimentos utilizam o mesmo processo na qual foram criadas as representações que caracterizam seus grupos, valendo-se, então, da comunicação para tal.
Segundo Jovchelovitch (2000):
"Construir representações sociais envolve ao mesmo tempo a proposição de uma identidade e de uma interpretação da realidade. Isso significa que, quando sujeitos sociais constroem e organizam campos representacionais, eles o fazem de forma a dar sentido à realidade, a apropriá-la e interpretá-la. Ao assim fazê-lo, eles também dizem quem são como entendem a si mesmos e a outros, como se situam no campo social e, quais são os recursos cognitivos e afetivos que lhes são acessíveis, em um dado momento histórico."
Redefinir seus conceitos em um processo de construção identitária é a intenção de cada entidade, com o apoio de organismos governamentais, tanto locais quanto mundiais. Nuances - grupo pela livre expressão sexual (ONG), divulga, educa e informa sobre questões relacionadas à sexualidade, direitos humanos, preconceito e violência, na defesa dos direitos civis, políticos e sociais de lésbicas, gays, bissexuais e aqueles que sofrem qualquer tipo de discriminação por sua expressão sexual.
Através de ações junto à sociedade em geral e ao próprio grupo, estas entidades desempenham uma intensa atividade no sentido de modificar suas representações sociais, buscando a integralização de seus direitos e a valorização como seres humanos.
CAPÍTULO III
Metodologia
Ao elaborarmos um projeto científico, estamos trabalhando com pelo menos três dimensões que são interligadas: a técnica, a ideológica e a científica. Neste capítulo é dada a ênfase á dimensão científica, pois viabiliza o acesso ao conhecimento, não desmerecendo as outras citadas. Os elementos constitutivos de uma pesquisa, iniciam pelo tema que indica uma área de interesse a ser investigada e a formulação de perguntas ao tema proposto constituindo-se na problematização. O segundo elemento diz respeito à definição da base teórica e conceitual, sendo imprescindível à definição clara dos pressupostos teóricos para que se possa fazer a análise e conceitos a serem utilizados. O terceiro elemento é a formulação de hipóteses, como tentativa de criar indagações a serem verificadas na investigação. A justificativa descreve os motivos da realização da pesquisa, contribuições, intervenção ou solução para o problema.
Quando se trata dos objetivos, buscamos responder ao que se pretende na pesquisa, que metas almeja-se alcançar ao término da investigação, e a metodologia, como a definição de instrumentos e procedimentos para a análise dos dados. O cronograma é utilizado para traçar o tempo necessário para a realização de cada uma das etapas propostas. Em seguida, encontramos as referências bibliográficas e para finalizar os anexos. Destacamos a entrevista semi-estruturada e a observação participante como componentes importantes da pesquisa qualitativa.
A opção pela abordagem qualitativa desta realidade deu-se em função dos objetivos desta pesquisa, na qual busco atingir a compreensão – ainda que parcial – de como as homossexuais vivem na in-visibilidade, como percebem, pensam e sentem essas vivências. Utilizamos a metodologia qualitativa, devido a seu caráter exploratório, que nos favoreceu compreender o fenômeno na sua complexidade e suas peculiaridades. São discutidos neste momento alguns aspectos acerca de determinadas questões imbricadas no processo de investigação desenvolvido quando da consecução do presente estudo.
Minayo (1992) nos coloca o embate sobre a cientificidade das ciências sociais em relação às ciências da natureza. A interrogação em torno da cientificidade das ciências sociais se desdobra em várias questões: o tratamento de uma realidade da qual somos agentes, a busca pela objetivação descaracteriza a subjetividade e por último, que método geral trataria de uma realidade marcada pela especificidade e pela diferenciação. Outro aspecto das Ciências Sociais é o fato de que ela é intrínseca e extrinsecamente ideológica, pois a ciência veicula interesses e visões de mundo historicamente construído, e seu objeto é essencialmente qualitativo, na medida em que a realidade social é mais rica que qualquer teoria, pensamento e discurso que possamos elaborar sobre ela. Desta forma, a autora destaca a metodologia como o caminho do pensamento e a prática exercida sobre a realidade, porém, nada substitui a criatividade do pesquisador.
O processo de descoberta da realidade via indagações é também proposto por MINAYO (1992:23,35), quando a autora enfatiza o caráter “intrinsecamente inacabado e permanente” deste processo, entendendo-o como uma atividade inesgotável de aproximação da realidade. A autora prossegue nesta linha de pensamento ao propor que, no campo das ciências sociais, “a objetividade não é realizável”, existindo assim espaço apenas para a objetivação, esta obtida mediante a utilização de adequados referenciais teóricos e instrumentais técnicos.
O trabalho de campo, foi efetivado na cidade de Aracaju-SE, com um ideal de amostra composta por 20 (vinte) mulheres, as quais representam a população homossexual feminino, sendo estes cônjuges ou não. Inicialmente foram feitos contatos com as homossexuais, a fim de constatar a disponibilidade dos sujeitos em participar deste estudo. A partir do grupo formado, fizemos entrevistas semi-estruturadas, usamos como instrumentos: gravador, lápis, borracha e papel. Após a coleta de dados, elencamos quais as representações da in-visibilidade feminina no contexto homossexual e buscaremos as fundamentações teóricas confluentes às nossas interpretações a respeitodo estudo.
Embora que tivemos contatos com as 20 (vinte) mulheres sujeitos da amostra desta pesquisa, somente 08 (oito) se propuseram a dar-nos as entrevistas de fato, contanto que também fossem colocados pseudônimos (por ordem alfabética) para que pudessem ter uma forma de se protegerem . O que dificultou foi que as demais sentiram-se inibidas pelo fato que seria gravado, não queriam dispor de tempo como também do local disponível para que se pudesse fazer a coleta deste estudo. Notando essa dificuldade, foi proposto desligar o gravador, mas, percebido que não se modificou a postura de resistência dos sujeitos. Como alternativa, foi pensado no questionário, acreditando ser assim, que fosse mais fácil para o sujeito, tendo o mínimo de disposição, responder. Mais uma vez, o nosso objetivo não fora alcançado, pois não recebemos devolução de nenhum. Percebemos que muito mais do que somente a palavra ou o se dizer viver na in-visibilidade, há o poder simbólico imbricado na construção deste indivíduo e em sua representação social.
Goldenberg (2000:13) diz que: nenhuma pesquisa é totalmente controlável, com início, meio e fim previsíveis. A pesquisa é um processo em que é impossível prever todas as etapas. O pesquisador está sempre em estado de tensão porque sabe que seu conhecimento é parcial e limitado – o “possível” para ele.
É evidenciado neste momento o percurso metodológico implicado quando da coleta de dados, cuja explicitação se faz necessária uma vez que a metodologia é parte inerente da visão social de mundo implicada no aporte teórico que sustenta a prática científica (MINAYO, 1992). À guisa de conceituação, a autora entende por metodologia “o caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade” (op.Cit.:22).
Cabe ter sempre em mente a indagação proposta por MINAYO (op.Cit:27) acerca do produto de nossa ação: “Como vai ser empregado e interpretado?”. Entendo ser este questionamento ainda mais válido quando tratamos de um objeto de estudo socialmente discriminado, como é o caso da lésbica. Cientes disso, mantivemos esforços constantes e consistentes no sentido de sustentar esta pesquisa dentro dos pressupostos éticos a ela concernentes.
CAPÍTULO IV
Análise da Pesquisa e Resultados
A análise começa a ser construída através das representações sociais que a partir do conjunto de ações compartilhadas por determinado grupo e expressam seus valores e sentimentos em relação aos objetos do mundo social. Possibilitando compreender a interação entre o universo individual e as condições sociais nas quais os indivíduos interagem. Permite, ainda, compreender os processos que intervêm na adaptação sócio-cognitiva dos indivíduos às realidades cotidianas e ao seu ambiente social e ideológico. Moscovici afirma que:
A representação social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas e liberam os poderes de sua imaginação (1969. p. 28).
Uma outra função das representações sociais é a de justificar os comportamentos adotados por um determinado grupo. Neste processo, o ser social, enquanto subjetividade objetivada apropria-se e modifica-se a partir de um conjunto de objetivações vinculadas ao contexto histórico-social em que está inserido.
Este “apropriar-se” está contido na relação do indivíduo com a sociedade. Esta relação se dá através de incorporação dos costumes, valores, crenças, condutas e práticas institucionalizadas no cotidiano, tecidas pelas relações objetivas da sociedade. O habitus forja no individuo um modo de viver vincado na sua existência social, em que se misturam o fictício, o real, o abstrato e o concreto, o fragmentário e o hierárquico.
O habitus vem a ser portanto, um princípio operador que leva a cabo a interação entre dois sistemas de relações, as estruturas objetivas e as práticas. O habitus completa o movimento de interiorização de estruturas anteriores, ao passo que as práticas dos agentes exteriorizam os sistemas de disposições incorporadas e modificados. (Bourdieu, 1994, p.50/51).
Partindo do pressuposto de que as diferenças de gênero são produzidas e reproduzidas a partir das matrizes dos habitus feminino e masculino, supomos, também, que as relações sociais de gênero existem num sistema de oposição no interior quais os atores sociais se colocam em relações recíprocas e contraditórias. As relações de poder penetram, pois as relações de gênero, que são construídas hierarquicamente e contribuem para a sua naturalização.
Dentro desta perspectiva, Joan Scott (1990), quando faz a análise da identidade feminina ressalta a necessidade de se entender a dinâmica das relações sociais como sexuada, introduz a categoria gênero, redirecionando a discussão para o humano, assimétrico e diversificado (em termos de relações entre os sexos) e o reconhecimento do ser homem e do ser mulher. Apresenta também uma proposta de compreensão do conceito de gênero e de como as relações entre os sexos se estruturam ao longo da história. De um lado, o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e, de outro lado, o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder em que as representações dominantes são apresentadas como naturais e inquestionáveis.
"A compreensão deve preceder, acompanhar e fechar a explicação, envolvendo-a completamente, possibilitando a apropriação do sentido posto a descoberto pela etapa metodológica e abrindo-a em direção à existência, ao ontológico. Neste sentido, ela introduz uma intersubjetividade irredutível no processo de interpretação, um componente específico" (Costa, 1995:66).
A dialética explicação-compreensão permite que o processo interpretativo aplicado ao texto escrito direcione-se para a elucidação e tratamento científico da ação humana. Esta assume uma dimensão inter-humana e histórica. O texto escrito marca o tempo social e registra-se na história, podendo ser atualizado em diferentes situações. O agir é uma obra aberta cujos efeitos escapam ao controle de seus agentes e cuja significação é dada pelas sucessivas interpretações (op.Cit,).
Foram utilizados os seguintes indicadores sociais, a fim de ajudar a traçar o perfil social da população homossexual feminino que vive na in-visibilidade na cidade de Aracaju: faixa etária, orientação sexual, formação, escolaridade, com quem mora, se possui plano de saúde, discriminação, sobre o conhecimento da sua sexualidade perante a família e a sociedade, sobre o casamento civil, questão da visibilidade e sobre ser passivo ou ativo.
Fica claro perceber, no contexto psicológico na análise desta pesquisa que, como conseqüência o indivíduo homossexual feminino pode desenvolver processos depressivos, oriundos do preconceito e discriminação que sofre no seu dia-a-dia. O suicídio pode ser aceito como recurso de fuga psicossocial para o homossexual. Este pode lançar mão do uso de drogas como forma de diminuir a pressão psicológica da família e até de si mesmo. A não aceitação da sua orientação sexual pode trazer conflitos psicológicos que afetam de sobremaneira a estrutura mental destas pessoas. Com isso, há uma promoção de encontros recônditos ou mesmo dupla relação. O fato de não poder assumir sua homossexualidade devido a fatores como o medo do preconceito, e violência, faz com que estes indivíduos procurem viver na in-visibilidade, podendo ocorrer problemas e somatizações no corpo físico e psíquico.
Já no que diz respeito ao contexto sócio-histórico, a família é aonde tudo começa perpassando por um silencioso olhar homofóbico e nas sutis piadinhas as quais podemos dizer o “não-dito”. Se o preconceito existe e pode ser percebido facilmente, isso nos leva a crer que ele relega a homossexualidade à clandestinidade, tornando-se ela uma abstração no imaginário coletivo. Isso foi verificado pelo instrumento de investigação desta pesquisa, levando em conta que a

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