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FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 40. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. Resumo: Em Vigiar e Punir, Focault relata a transição das formas de punição desde os suplícios, atos de pura crueldade, até a criação das prisões, que têm caráter corretivo. Expondo o contexto social e político de cada época para melhor compreensão dessa transformação. Primeira Parte – Suplício No início do primeiro capítulo apresenta-se um exemplo de suplício no qual um indivíduo chamado Damiens é condenado por parricídio e como pena é atenazado até a morte em público; ainda mostra-se um cronograma do dia a dia dos presos. Com o tempo houve o desaparecimento do suplício como forma de punição, pois se constatou sua ineficácia na reeducação dos criminosos e na prevenção de novos crimes, além de apresentar violência gratuita. Novos tipos de penalidades foram adotados em que o corpo é colocado em um sistema de coação e de privação, de obrigações e interdições. A dor do corpo passou a não ser o elemento constitutivo da pena. Em meados do século XIX, desapareceram os espetáculos de punição física, iniciando a época de sobriedade punitiva. O objeto de punição torna-se a perda de um bem ou de um direito, descartando a dor do corpo como elemento constitutivo da pena. Desloca-se o objeto da ação punitiva do corpo para a alma, adotando o princípio de Mably: “Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma que o corpo”. Definido pelos grandes códigos dos séculos XVIII e XIX, o novo sistema penal deu início a um processo global que levou os juízes a julgar coisa bem diversa do que crime. De acordo com o pensamento de Rusche e Kirchheimer, a penalidade não é uma maneira de reprimir os delitos. Analisa-se os “sistemas punitivos concretos” como fenômenos sociais. As penas físicas variavam de acordo com os costumes, a natureza dos crimes e o status do condenado. Define-se ainda o que é suplício e quais são os três critérios principais para que este se torne uma pena. Os elementos do suplício correlacionam-se com os do crime. Enquanto para a vítima o suplício deve ser marcante, para a justiça deve ser ostentoso, sendo o excesso de violência cometida visto como parte da glória. Pela confissão, o próprio acusado toma lugar no ritual de produção de verdade penal. No entanto, para uma confissão poder ser usada ela deve ter como base algumas provas que lhe deem sustentação. O interrogatório é uma prática regulamentada que tem seu funcionamento comparado ao suplício da verdade. O suplício judiciário também pode ser considerado um ritual político. O suplício não restabelecia a justiça, e sim reativava o poder, baseando-se no funcionamento político da penalidade. Por de certa forma ser sempre atingido pelo crime, direta ou indiretamente, o soberano tem o poder que vinga a lei e, ainda, tem o poder de suspender tanto a lei quanto a vingança. O suplício deve ocorrer com a presença do povo, com isso percebe-se que o protagonismo se encontra neles. O povo apresenta um papel tanto de espectador como de testemunha, sendo o suplício também uma forma de intimidá-los para não cometerem o nenhum crime. Segunda Parte – Punição Na segunda metade do século XVIII houve protestos contra os suplícios, pois o povo começou a perceber que essa prática era intolerável, revoltante e gerava uma violência gratuita, tendo a necessidade de punir de maneira diferente. Era preciso que a justiça criminal passasse a punir ao invés de se vingar, respeitando acima de tudo a “humanidade” de cada um. Desde o fim do século XVII começou a se observar uma redução nos crimes que empregam a violência, predominando os delitos contra a propriedade. Houve, ainda, um abrandamento nas punições. A crítica dos reformadores se pauta na “má economia dos poderes”, visto que há uma distribuição desregulada do poder na mão dos juízes, muitas vezes concentrando-se em um único ponto. A reforma seria para formular uma nova “economia” do poder de punir, distribuindo-a de forma igualitária. No Antigo Regime havia uma tolerância com certas ilegalidades dependendo de cada estamento. O alvo da ilegalidade popular era os direitos, mas a partir da segunda metade do século XVIII passou a ser os bens. É preciso que no meio dessas irregularidades as infrações sejam bem definidas e punidas. Uma reforma penal no século XVIII era necessária para a constituição de uma nova economia e de uma nova tecnologia do poder de punir. O direito de punir se deslocou da vingança do soberano à defesa da sociedade. Por ter elementos bem fortes, que chegam a serem temíveis, há a necessidade de um princípio de moderação das penas que se articula através do discurso do coração, devendo aplicar punições “humanas”. A pena deve ser calculada não em função do crime e de seu horror, mas sim de uma possível repetição de tal delito. O poder de punir fundamenta-se em seis regras: Regra da quantidade mínima; Regra da idealidade suficiente; Regra dos efeitos laterais; Regra da certeza perfeita; Regra da verdade comum; Regra da especificação ideal. As regras expostas exigem uma economia calculada do direito de punir. As penas devem possuir o mínimo de arbitrariedade possível. Para tornar o crime menos atraente, a pena deve ser mais temível. O tempo é considerado o operador da pena, de modo que o tempo máximo estipulado para pena deve limitar-se de forma que a punição não se torne suplício. Que as penas não sejam mais ostensivas, mas inúteis. O castigo deve ser visto como uma retribuição pelo que o criminoso fez. A cerimônia do castigo deve ser sustentada a partir da reativação do Código, o reforço da ligação entre a ideia de crime e a ideia de pena, deixando em segundo plano a visão do soberano. A população difunde através de boatos o discurso severo da lei. A ideia de reclusão é vista de forma negativa pelos reformadores, pois é incapaz de responder à especificidade dos crimes, além de não ter efeito sobre o público e pelo fato de ser um ato de tirania ao privar um homem de sua liberdade e ainda vigiá-lo na prisão. No século XIX, o princípio de leis específicas tornou-se a lei de detenção para qualquer infração pouco importante. Há três formas de detenção para as penas aflitivas: a masmorra, a “limitação” e a prisão. Surgiram protestos contra a utilização “fora da lei” da detenção arbitrária e indeterminada, sendo a prisão marcada por abusos do poder. O mais antigo modelo de encarceramento punitivo e que serviu de exmeplo para outros é o Rasphuis de Amsterdam que inicialmente destinava-se a mendigos ou jovens malfeitores. O Rasphuis de Amsterdam uniu a ideia de uma transformação pedagógica e espiritual dos indivíduos através de exercícios contínuos às técnicas penitenciárias. Estabelecem-se pontos de convergências e disparidades entre os modelos punitivos analisados no livro. As ideias se convergem na questão de que ambos modelos têm como objetivo não apagar o crime, mas sim evitar que a prática se repita. Há divergências no procedimento adotada para obter tal resultado. Terceira Parte – Disciplina Durante a época clássica o corpo era objeto e alvo de poder. No século XVIII, uma nova visão foi empregada em relação ao corpo. Disciplinas são os métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, impondo uma relação de docilidade-utilidade. São mecanismos de dominação. A disciplina ao passo que aumenta as forças do corpo em relação a utilidade, diminui as mesmas forças relacionadas a obediência, criando com isso corpos exercitados e submissos, corpos “dóceis”. A disciplina utiliza várias técnicas para distribuir os indivíduos no espaço. Por exemplo: a criação de locais heterogêneos e fechados; o espaço pode ser trabalhado de maneira mais flexível e fina; lugares que possuam localizações funcionais. A disciplina utiliza técnicas para o controle da atividade. Por exemplo: rigor do horário; elaboração temporal do ato; disciplinar o corpo; articulação corpo-objeto; utilizar o tempo da melhor forma. As disciplinas também têmcomo função adicionar e capitalizar o tempo, através de quatro processos: dividir a duração em segmentos; utilizar um esquema analítico para organizar a sequência, do mais simples ao mais complexo; finalizar os segmentos temporais e aplicar uma prova aos indivíduos; estabelecer séries de séries, dividindo cada indivíduo de acordo com suas características. A disciplina terá ainda como objetivo compor forças para obter um aparelho eficiente, sendo cada indivíduo uma importante peça para fazer toda a máquina funcionar. O poder disciplinar “adestra” as multidões e “fabrica” os indivíduos. O sucesso deste poder está vinculado ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame. A vigilância hierarquizada, contínua e funcional pode ser considerada uma das grandes “invenções” do século XVIII. Tendo como elemento constituinte os “observatórios”. Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona um pequeno mecanismo penal. A disciplina traz uma maneira específica de punir. O castigo disciplinar tem como objetivo diminuir os desvios, através de exercícios, tendo caráter corretivo. O exame é uma síntese das técnicas da vigilância hierárquica e da sanção normalizadora, tendo um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Expõe medidas que deveriam ser tomadas se uma cidade tivesse a disseminação de alguma peste. O Panóptico de Bentham é uma obra arquitetônica construída na periferia na forma de um anel dividido em celas que possuem apenas duas janelas, uma voltada para o centro e outra para o exterior, e no centro encontra-se uma torre que deve ter um vigia. O indivíduo confinado em sua cela não consegue se comunicar com os demais companheiros, no entanto, é constantemente observado pelo vigia, garantindo-se a ordem. A importância do Panóptico está em induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade garantindo o funcionamento do poder que torna-se visível e inverificável. Quarta Parte – Prisão A forma-prisão existe antes mesmo de sua utilização sistemática nas leis. Apenas no fim do século XVIII e início do XIX começa a se aplicar a detenção. A privação da liberdade é considerada um castigo “igualitário”. A prisão tem o papel de transformar os indivíduos, sendo a forma mais imediata e civilizada das penas. Deve ser um aparelho disciplinar exaustivo. O primeiro princípio seria o isolamento do condenado em relação ao mundo exterior, tendo a solidão como condição primeira da submissão total. O trabalho também pode ser considerado um agente da transformação carcerária. O trabalho penal transforma o prisioneiro em um elemento que exerce sua função com perfeita regularidade, requalificando-o em operário dócil, necessitando de um salário para adquirir amor e hábito pelo trabalho. A prisão tende a se tornar um instrumento de modulação das penas, podendo quantificá-las e graduá-las segundo as circunstâncias. O Panóptico foi devidamente utilizado nas prisões, substituindo a força ou as coações violentas pela eficácia vigilância, além de possibilitar um estudo sobre os presos a partir da observação. O delinquente, diferente do infrator, não é tanto seu ato quanto a sua vida que mais o caracteriza, estando ele também amarrado a seu crime por vários fatores. Com classificação de Ferrus, tem-se uma tipologia sistemática dos delinquentes. O importante é qualificar “cientificamente” o ato enquanto delito e o indivíduo enquanto delinquente, surgindo a possibilidade de uma criminologia. A prisão começa a ser criticada por volta dos anos de 1820-1845. As prisões não reduzem a taxa de criminalidade, provocando muitas vezes a reincidência. Além de fabricar delinquentes diretamente por causa do modo como tratam os detentos, e indiretamente por “condenar” a família deles a miséria. Existem sete máximas universais da boa “condição penitenciária” as quais ainda não obtiveram o resultado esperado. São elas: princípio da correção; princípio da classificação; princípio da modulação das penas; princípio do trabalho como obrigação e como direito; princípio da educação penitenciária; princípio do controle técnico da detenção; princípios das instituições anexas. No fim do século XVIII, o esquema geral da reforma penal foi aplicado no combate as ilegalidades. A prisão conseguiu produzir os delinquentes, que ainda que aparentemente marginalizado pode ser controlado. O sucesso da prisão é observado nas lutas em torno da lei e das ilegalidades, especificando uma “delinquência”. A instituição de uma delinquência que constitua uma ilegalidade fechada pode apresentar algumas vantagens, como a possibilidade de controlá-la. O arquipélago carcerário transporta a técnica penitenciária para o corpo social inteiro, realizando a formação da delinquência a partir das ilegalidades sutis. O efeito mais importante deste sistema é que ele tem a capacidade de naturalizar e legitimar o poder de punir, além de baixar o limite de tolerância à penalidade. O problema está no avanço dos dispositivos de normalização e em toda a extensão dos efeitos de poder que eles produzem, através da colocação de novas objetivades.