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Disciplina: Desenvolvimento da Infância à Idade Adulta Profª: Bianca Novaes - Os Estágios de Desenvolvimento (segundo Piaget) * Estágio Operatório Abstrato/Formal (a partir dos 12 anos) “A metafísica própria ao adolescente, assim como suas paixões e megalomanias, são preparativos reais para a criação pessoal. O exemplo do gênio mostra que há sempre continuidade entre a formação da personalidade depois dos onze ou doze anos e a obra ulterior do homem” (Piaget, 2005, p.40). A partir dos 12 anos o desenvolvimento encontra sua forma mais equilibrada, mais objetiva e mais adaptada ao real. Além dos progressos atingidos nos estágios anteriores, o que permite este acabamento final são as três principais conquistas alcançadas pelo adolescente neste estágio: as operações intelectuais abstratas, a formação da personalidade e a inserção afetiva e intelectual do adolescente na sociedade dos adultos. Consequentemente, os diversos aspectos do desenvolvimento tornam-se cada vez mais interdependentes, sobretudo os referidos ao pensamento e às operações racionais, de um lado, e os aspectos sociais e afetivos, de outro. A) Plano do Pensamento/Operações Racionais A principal característica dessa fase é a passagem do pensamento concreto para o formal, o que dota o adolescente da capacidade de: - construção de sistema e teorias (facilidade de elaborar teorias abstratas) - reflexão livre e destacada do real - pensamento hipotético-dedutivo - linguagem dos símbolos - lógica das proposições - onipotência da reflexão (assimilação egocêntrica) até evoluir para a interpretação da experiência O adolescente encontra uma nova forma de pensamento por ideias gerais e abstratas. Assim, alguns escrevem, criam uma filosofia, uma política, uma estética e etc., outros não escrevem, mas falam e se envolvem em discussões sobre o assunto sobre o qual, em geral, eles têm uma ideia um pouco afastada do real. Nas palavras de Piaget: “ O que surpreende no adolescente é o seu interesse por problemas inatuais, sem relação com as realidades do dia-a-dia, ou por aqueles que antecipam, com uma ingenuidade desconcertante, as situações futuras, muitas vezes quiméricas” (Piaget, 2005, p.58). Ao invés de pensar concretamente sobre cada problema à medida que a realidade suscita questões, como fazia a criança do estágio operatório concreto, agora, após os doze anos, o adolescente pode realizar uma reflexão livre e espontânea, destacada do real, e substituir, em sua imaginação, a realidade por um mundo ideal. Assim, sistemas e teorias são construídos a fim de propor esses ideais de perfeição. O apego que adolescente sente em relações a esses ideais mostra que se trata de uma assimilação egocêntrica da realidade (ele vê o mundo à sua maneira e fica indignado com a realidade). O adolescente inicialmente crê no poder de suas ideias, acreditando poder mudar e transformar o mundo, pois experimenta uma onipotência da reflexão. Para o adolescente, que está deslumbrado com sua capacidade de pensar abstratamente, o mundo deve submeter-se aos seus sistemas e teorias, e não estas à realidade. Aos poucos, esta onipotência da reflexão é substituída por um pensamento mais adaptado ao real, então, essa capacidade de pensar em realidades abstratas passa a ser usada pelo adolescente como uma forma de interpretar a experiência: julgando-a e comparando-a com um amplo leque de possibilidades que não se apresentam no momento atual e na realidade concreta em que vive. O pensamento formal reconcilia-se com a realidade, restaurando o equilíbrio, por uma correção gradual do egocentrismo. Nenhuma de suas reflexões destacadas do real seriam possíveis se o adolescente não fosse capaz de realizar o pensamento hipotético-dedutivo. O próprio pensamento formal é hipotético-dedutivo – permite deduzir conclusões de puras hipóteses e não somente através de uma observação real da experiência. Por exemplo, raciocinamos de forma hipotética-dedutiva, quando pensamos em que medidas defensivas poderíamos tomar caso recebéssemos uma ameaça de invasão extra-terrestre. A hipótese de uma invasão alienígena é inteiramente afastada do real, no entanto, partindo dessa hipótese, podemos extrair dela conclusões lógicas válidas. Assim, não é absurdo concluir dessa hipótese fantasiosa que deveríamos acionar a defesa aérea de todos os países, para nos protegermos da invasão. Embora não corresponda à realidade factual, a conclusão é válida logicamente. Todo raciocínio que obedece à forma “se....logo....” é um raciocínio hipotético-dedutivo (por exemplo, “se amanhã faltar luz, não assistirei televisão”). Para que se efetue a passagem do pensamento concreto para o pensamento formal é necessário o domínio da linguagem dos símbolos e da lógica das proposições. Nas palavras de Piaget: Ora, após os 11 ou 12 anos, o pensamento formal torna-se possível, isto é, as operações lógicas começam a ser transpostas do plano da manipulação concreta para os das idéias, expressas em linguagem qualquer (a linguagem das palavras ou dos símbolos matemáticos etc.), mas sem o apoio da percepção, da experiência, nem mesmo da crença (Piaget, 2005, p.59). A lógica das proposições permite ao pensamento ultrapassar o plano concreto, porque substitui a ação pela proposição. Em outras palavras, enquanto o pensamento concreto apenas representa uma ação possível (quando a criança planeja uma ação, por exemplo), o pensamento abstrato é a representação de uma representação possível, por isso necessita de uma lógica de proposições. A lógica das proposições coordena várias representações de representações de ações possíveis. É um exemplo de lógica proposicional o célebre silogismo: “Todo homem é mortal. Socrátes é homem. Logo, Socrátes é mortal.” B) Plano Social/Plano Afetivo Paralelamente à elaboração de operações formais e ao término das construções do pensamento, a vida afetiva do adolescente caracteriza-se por uma dupla conquista: formação da personalidade e inserção na sociedade adulta. A formação da personalidade inicia-se no estágio anterior (operatório concreto), quando, por volta de 8 a 12 anos, a criança torna-se capaz de uma organização autônoma das regras e dos valores e de uma afirmação da vontade. A personalidade necessita da organização autônoma das regras e valores, pois esta organização permite ao sujeito, por um lado, abandonar a heteronomia (submissão a regras impostas do exterior) e, por outro, escapar da anomia (ausência de regras). Em outras palavras, conforme já vimos em relação ao estágio antecedente, a moral autônoma pressupõe o acordo comum, mediante discussão de pontos de vista contrários. É o acordo resultante de tal discussão que confere validade e legitimidade a uma regra ou lei moral. Portanto, essa organização autônoma das regras pressupõe, por um lado, que o sujeito recuse a obediência cega a regras exteriores vindas de figuras de autoridade e, por outro, que o sujeito ultrapasse sua individualidade (seus caprichos e opiniões particulares) em prol do acordo coletivo. Assim, recusando a heteronomia, o sujeito não sucumbe à anomia, pois a substitui pela autonomia. Vimos também que não chegamos à moral autônoma sem a afirmação do ato de vontade – entendendo a vontade não como nossos desejos particulares, mas como um princípio regulador que faz com que o dever seja mais forte. A vontade como princípio regulador de nossos sistemas de regras e valores permite que possamos recusar um desejo nosso particular e provisório por um dever em respeito a uma lei moral que nós mesmos concordamos em considerá-la válida. Por isso, a vontade pressupõe a auto- disciplina,pois seu ato implica em fazer prevalecer uma regra que no momento atual podemos não estarmos inclinados a segui-la. (Por exemplo, podemos ter escolhido, por um acordo estabelecido com os outros, que acordar cedo para ir à aula é uma regra que deve ser respeitada, e a colocamos na mais alta hierarquia de nossa escala de valores. Mas pode acontecer que um dia estejamos com muito sono e nosso desejo mais forte seja o de continuar a dormir. O ato da vontade consiste em superar o desejo de dormir em nome de um dever que nós mesmos consideramos digno de ser seguido (o de acordar e ir à aula). Se essas duas condições para a formação da personalidade (organização autônoma das regras e dos valores e afirmação da vontade) já se apresentam no estágio operatório concreto, por que então a personalidade somente alcança seu acabamento final no último estágio de desenvolvimento, o operatório abstrato? De acordo com Piaget, a personalidade somente se constitui inteiramente quando o indivíduo torna-se capaz de elaborar um “programa de vida”, que lhe serve tanto de fonte de disciplina para a vontade quanto de instrumento de cooperação. E este programa de vida só pode ser construído quando o adolescente é capaz de fazer as construções reflexivas que caracterizam o pensamento formal. Nas palavras de Piaget: “Este plano de vida supõe a intervenção do pensamento e da reflexão livres, e é por isto que só se elabora quando certas condições intelectuais, como o pensamento formal ou hipotético-dedutivo, são preenchidas” (Piaget, 2005, p.61). No entanto, assim como inicialmente o adolescente revive um momento de egocentrismo quando experimenta pela primeira vez o pensamento formal, também esse “programa de vida” o levará a um egocentrismo, despertando nele sentimentos exacerbados de messianismo, fanatismo religioso ou misticismo e intenso romantismo. O messianismo se manifestará no desejo intenso de salvar o mundo, a partir de seus ideais. O fanatismo religioso e o misticismo também podem manifestar-se no apego excessivo aos valores religiosos que propõem modos de vida. E o romantismo intenso se apresenta nas primeiras paixões da adolescência movidas por um ideal romântico que em nada se assemelha ao que se passa na vida real. Assim, conforme assinala Piaget: O adolescente, graças à sua personalidade em formação, coloca-se em igualdade com seus mais velhos, mas sentindo-se outro, diferente deles, pela vida nova que o agita. E, então, quer ultrapassá-los e espantá-los, transformando o mundo. É este o motivo pelo qual os sistemas ou planos de vida dos adolescentes são, ao mesmo tempo, cheios de sentimentos generosos, de projetos altruístas ou de fervor místico e inquietante megalomania e egocentrismo consciente. (Piaget, 2005, p.62) Uma vez que, em um momento inicial, o seu programa de vida sempre ultrapassa a realidade, lhe trazendo “desequilíbrios” que são, na verdade, normais porque são transitórios; o adolescente experimentará também uma ambivalência em suas relações sociais. Inicialmente, passa por uma fase de interiorização, em que apresenta uma atitude anti-social, muito embora sua aversão à sociedade decorra de uma intensa preocupação com a vida social. Ele se ressente da sociedade apenas por que faz para ela seus melhores planos – porque deseja que ela seja ideal, e por isso indigna-se com o estado atual das coisas na sociedade. Mas tarde, costumam vincular-se à sociedades de discussões, através das quais encontrará, aos poucos, o caminho para a construção de projetos adequados à realidade. Sem dúvida, os ideais iniciais são importantes, pois através deles discernirá o que é possível empreender e o que é quimera vã. Gradualmente, o adolescente liberta-se do egocentrismo e passa a executar trabalhos efetivos mais adaptados ao real. Nas palavras de Piaget: A verdadeira adaptação à sociedade vai se fazer automaticamente, quando o adolescente, de reformador, transformar-se em realizador. Da mesma maneira que a experiência reconcilia o pensamento formal com a realidade das coisas, o trabalho efetivo e constante, desde que empreendido em situação concreta e bem definida, cura todos os devaneios. (Piaget, 2005, p.64) Assim, podemos resumir, de um modo geral, as principais conquistas relativas à afetividade e ao plano social neste último estágio do seguinte modo: a) formação da personalidade - elaboração de um programa de vida -egocentrismo provisório (messianismo, fanatismo religioso e misticismo e intenso romantismo) b) inserção na sociedade adulta - egocentrismo provisório (atitude anti-social, rebeldia e desejo de transformar o mundo) - passagem de reformador a realizador (atitude empreendedora, trabalho) - BIBLIOGRAFIA: PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 2005. - QUESTÃO A SER RESPONDIDA: Quais são as principais características do estágio Operatório Abstrato, nos planos do pensamento e das operações e nos planos afetivo e social?
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