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TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 1 Condicionantes da Tolerância Política no Brasil Ednaldo Ribeiro (UEM) Mario Fuks (UFMG) Introdução Parece estar em curso, em várias partes do mundo, um retrocesso democrático, senão nas instituições, ao menos na opinião pública e nas urnas. Dessa vez, o problema não é um monopólio das novas democracias ou circunscrito à América Latina ou África. Basta olhar para os casos da França, Inglaterra, Polônia, Hungria, Áustria e Estado Unidos. Embora ocorra em um contexto próprio, o Brasil não é exceção. Nesses últimos 30 anos, vivemos, a maior parte deles, com a sensação de que a sociedade caminhava na direção da formação de alguns consensos: 1) opção pela democracia; 2) avanço nos direitos das minorias; 3) maior adesão a políticas que afirmam valores de autoexpressão (Inghehart e Welzel, 2005). Nos últimos anos, essa sensação foi perdendo espaço, com o crescimento e mobilização dos interesses associados à religião e à segurança, com a emergência de movimentos que defendem a volta do regime militar e, mais afinado com o tema do presente artigo, manifestações de intolerância em relação a minorias e expressões culturais. Soma-se a essa polarização o crescimento de atitudes e comportamentos negativos do público em relação aos políticos, instituições políticas e partidos políticos. O conjunto de eventos mais emblemáticos desse processo foram as manifestações e protestos que levaram milhares de pessoas às ruas, alguns indignados com a corrupção política e pedindo a saída da presidente Dilma Rousseff e outros defendendo a continuidade do governo e o respeito ao resultado das últimas eleições. Nesses eventos coletivos eram comuns manifestações verbais, cartazes e faixas com conteúdos que sugerem padrões de intolerância política. Em alguns casos, felizmente esporádicos, essa rejeição se converteu em violência física, o que levou inclusive a construção de um aparato de segurança, semelhante a um muro, separando grupos favoráveis e contrários ao governo no momento em que ocorreram as votações na Câmara e no Senado sobre a admissibilidade do processo de impeachment da TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 2 presidente. Se nas ruas a polarização política se converteu em intolerância, o ambiente virtual proporcionado pelas redes sociais, provavelmente em razão do anonimato, potencializou ainda mais as atitudes de negação à pluralidade de ideias e projetos políticos. Após o afastamento da presidente Dilma Rousseff e o início do governo interino de Michel Temer, o quadro de polarização permanece inalterado e os episódios de intolerância continuam se repetindo. Se, por um lado, esse cenário pode indicar uma positiva elevação do interesse dos brasileiros por política (efêmero ou não, só o tempo irá dizer), por outro, nos obriga a pensar sobre os seus efeitos sobre a jovem democracia nacional, já que tal forma de governo pressupõe a liberdade de ideias e a pluralidade de projetos políticos. Essa liberdade deve envolver as ações e comportamentos relacionados à persuasão política, ao direito ao voto e de competir pelo poder político. Ela engloba, portanto, desde a possibilidade de realizar discursos até lançar candidaturas a cargos públicos. Violações desses direitos de minorias são historicamente impetradas por governos que sentem sua posição ameaçada, mas são igualmente relevantes aquelas ameaças mais sutis que operam no nível da cultura política da sociedade (MILL, 2007). Ou seja, crenças, valores, atitudes e comportamentos podem restringir fortemente o espaço de atuação de minorias, comprometendo fortemente a extensão da liberdade pelo estabelecimento de um contexto de intolerância para com as diferenças políticas (GIBSON, 2009). Tão importante quanto inventariar as ações concretas de restrição de liberdades impetradas por governos autoritários é, portanto, avaliar em que medida os cidadãos de um determinado país partilham uma cultura de tolerância que favoreça a constituição de um ambiente onde o debate aberto e livre possa ocorrer, até porque essa cultura atua como freio indispensável contra medidas governamentais restritivas. O atual contexto nacional (e internacional) caracterizado pela mobilização social, polarização e crescimento de atitudes não democráticas aponta a relevância de estudos sobre a tolerância política. Ao investigar a tolerância política, entramos numa dimensão pouco estudada, no Brasil, sobre cultura política democrática. Seguimos aqui os passos de uma crescente literatura que entende que o apoio à democracia deve ser examinado como um fenômeno que envolve múltiplas dimensões (BOOTH e SELIGSON, 2009; SCHEDLER e TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 3 SARSFIELD, 2007; CARLIN e SINGER, 2011; FUKS et al, 2016; CASALECCHI, 2016) e que, portanto, o “cidadão democrático” não é aquele que apenas afirma preferir a democracia como forma de governo, mas que também adere a um conjunto de valores e crenças democráticos, do qual a tolerância é parte importante. A relevância deste tipo de investigação ganha ainda maior envergadura nos contextos das jovens democracias, especialmente as que convivem ainda com fragilidades institucionais significativas (como as reveladas no contexto da atual crise política brasileira) e com uma cultura política ambivalente, que combina elementos democráticos e autoritários (MOISÉS, 2008). Especialmente no momento em que ocorre um acirramento dos conflitos políticos que extrapolam o parlamento e as disputas eleitorais e atingem as ruas, é importante empreender uma investigação sobre a tolerância política em nosso país. Medidas e condicionantes da tolerância política O reconhecimento da tolerância como importante objeto empírico leva necessariamente ao questionamento sobre a quem ela se dirige e quais atividades são permitidas. O estudo pioneiro de Stouffer (1955), realizado no contexto do macarthismo norte-americano, lidava com a prevalência de uma ameaça ideológica única, o comunismo. A dificuldade cresce exponencialmente quando se amplia o universo dos grupos que são alvos de intolerância. O General Social Survey, principal fonte de dados sobre o tema nos Estados Unidos, por exemplo, inclui em seu levantamento cinco grupos: ateus, comunistas, homossexuais, militaristas e racistas (SMITH et al, 2016). Para Sulivan, Piereson e Marcus (1982), o problema das abordagens anteriores é que elas não levavam em consideração uma questão conceitual que tem consequência empírica: a (in)tolerância só se aplica quando um indivíduo tem atitudes negativas em relação a um determinado grupo. A suposição é que há diversos alvos de desafeição na sociedade e que pesquisa que definem de antemão grupos impopulares correm o risco de viés de conteúdo, medindo a tolerância de apenas parte da população (aquela que não gosta do(s) grupo(s) definidos pelo pesquisador). Isso ocorre porque a escolha do grupo de desafeição não é aleatória, por estar TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 4 intimamente associada a ideologia do indivíduo. Segundo Sulivan, Piereson e Marcus (1982), os estudos clássicos de tolerância tinham como foco grupos de esquerda (especialmente, os comunistas). Entre as consequências empíricas desse viés, vários estudos da década de 1970: 1) identificaram, de forma equivocada, um aumento de tolerância politica nas duas décadas que se seguiram ao estudo de Stouffer, já que os comunistas deixaram de ser o alvo quase exclusivo de intolerância nos EUA; 2) superdimensionaram o impacto da escolaridade e da zona de moradia (urbana ou rural), já que o publicoalvo de desafeição dos menos escolarizados e de moradores de cidades pequenas, nos EUA, é a esquerda. Em síntese, como os estudos clássicos consideravam apenas os grupos de esquerda, a escolha do grupo de desafeição interferia na medição da tolerância. Para evitar o problema do viés derivado da escolha de determinados grupos como alvo da intolerância, esses autores formularam um modelo em que pesquisador deveria pergunta primeiro ao entrevistado qual o grupo ele não gosta e, depois, fazer perguntas específicas apenas sobre o direito desses grupos. Essa forma de mensuração tem sido denominada como a abordagem do least-liked group. Ao contrário dos estudos anteriores, essa medida de tolerância não deve tem como alvo um grupo pré- definido, mas sim o grupo em relação ao qual o indivíduo se opõe. Para além dessa discussão metodológica com implicações teóricas e empíricas sobre a amplitude e a intensidade da tolerância, a literatura tem avançado também de forma considerável na compreensão dos possíveis fatores que fazem com que alguns indivíduos manifestem maior tolerância do que outros. O trabalho de Sniderman (1975), por exemplo, identifica a auto-estima e o aprendizado social como importantes preditores de posturas mais tolerantes. Sullivan, Piereson e Marcus (1982), por sua vez, destacam a percepção de ameaça, os valores democráticos e a insegurança psicológica como fatores fortemente associados à intolerância generalizada e também a grupos específicos. Mais recentemente Stenner (2005) inclui como condicionante relevante o traço de personalidade autoritarismo. Dentre todos esses fatores, o mais recorrentemente confirmado como preditor relevante tem sido a percepção de ameaça. O estudo pioneiro de Stouffer (1955) já demonstrava que o nível de intolerância individual estava diretamente relacionado com a sensação (real ou imaginária) de ameaça oferecida por grupos impopulares em TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 5 relação a importantes valores ou à ordem constitucional como um todo. Sulivan, Piereson e Marcus (1982), para medir o quanto ameaçados os indivíduos se sentem apresentaram uma lista de pares de adjetivos contrastantes (fraco/forte, honesto/desonesto, confiável/não confiável, previsível/imprevisível, seguro/perigoso, importante/desimportante, violento/não-violento, bom/mau) para que os entrevistados atribuíssem notas para cada o seu grupo alvo de desafeição. Por meio de análise fatorial essas notas são combinadas em um indicador de ameaça para cada grupo least-liked que se revelou fortemente relacionado com a intolerância. A interação entre o ambiente político real e atributos individuais relacionados à personalidade tem inspirado pesquisas interessantes. Feldman (2003) identificou que traços individuais de autoritarismo e a percepção de um ambiente estressante interagem na criação da intolerância. Gibson e Gouws (2003) confirmam que percepções acerca da escalada da violência urbana se combinam com medidas de ansiedade individual na alimentação do sentimento de ameaça entre cidadãos sul- africanos. O apoio às normas democráticas tem sido apontado como um importante condicionante da tolerância1 desde a proposição do modelo de Sulivan, Piereson e Marcus (1982). Embora a literatura venha tentando explicar, há tempo, o aparente paradoxo do hiato existente entre, de um lado, o consenso normativo, nos EUA, em torno dos procedimentos democráticos associados a “majoritity rule and minority rights”, e a aplicação limitada desses princípios abstratos a situações concretas envolvendo grupos controversos, as evidencias empíricas são claras no sentido de mostrar que indivíduos com um perfil mais liberal são também mais tolerantes em relação aos grupos que não gostam. O terceiro fator que tem sido recorrentemente apontado como preditor da tolerância é a insegurança psicológica. Associada a determinadas condições sociais (como, por exemplo, o status social e a idade), características da personalidade individual, em especial o dogmatismo e a baixa auto-estima, estimulam a intolerância 1 Gibson, Duch e Tedin (1992) e também Finkel e Ernst (2005), seguindo essa pista, confirmam a existência também de relação entre medidas de apoio a instituições e processos democráticos e a tolerância política. TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 6 política. Além desses fatores, é importante reconhecer que os preditores clássicos nos estudos sobre comportamentos e atitudes políticas têm também aparecido como relevantes nessa literatura específica. Efeitos de escolaridade, religião idade, ideologia e status social sobre a tolerância têm sido identificados, agindo de forma infeta ou indireta, desde o estudo pioneiro de Stouffer (1995), nas reformulações de Sullivan, Piereson e Marcus (1982) e nos vários trabalhos publicados por Gibson e seus inúmeros colaboradores. Nesse artigo, testamos, na opinião pública brasileira, pela primeira vez, alguns aspectos dessa tradição de estudos empíricos sobre a tolerância política. Esperamos, com isso, não apenas contribuir para o avanço dos estudos sobre a tolerância no Brasil, mas também para a compreensão dos processos e fenômenos políticos hoje em curso em nosso país. Dados e metodologia Para o contexto da América Latina, o Latin American Public Opinion Project (LAPOP) é a única fonte de dados sobre o tema e até a sua onda de 2014 empregava a técnica dos grupos identificados. Em seu questionário, o Lapop inseria um grupo bastante genérico e ampliado de “pessoas que falam mal da forma de governo”, e os entrevistados deveriam apontar seu grau de aprovação ao exercício de direitos políticos fundamentais por parte desse grupo: votar, manifestar publicamente, concorrer a cargos públicos e discursar. Como já alertamos, esse procedimento abre uma janela considerável para erros de mensuração principalmente porque aqueles que são críticos da atual forma de governo apresentam, obviamente, tendência a concordar mais fortemente com a fruição de todos esses direitos. Por outro lado, devido ao viés de conteúdo, a tolerância desse segmento da população não é media, já que não são perguntados a respeito do grupo que é o seu alvo de desafeição. A estratégia do least-liked, poderia evitar esse problema, já que inicialmente o entrevistado informaria qual o seu grupo de maior rejeição, o que excluiria seus grupos com os quais os indivíduos simpatizam ou se identifica. Felizmente a equipe do LAPOP incluiu uma bateria de questões seguindo essa abordagem, mediante a apresentação de uma lista cobrindo uma ampla TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 7 variedade de perfis ideológicos de grupos alvo na última edição da pesquisa conduzida no Brasil no primeiro semestre de 2017. Seguindo as orientações gerais propostas por Sullivan, Piereson e Marcus (1982), o questionário do LAPOP apresenta a seguinte pergunta para identificação do grupo de desafeição dos entrevistados: Falando de alguns grupos de pessoas, poderia informar o quanto gosta ou desgosta dos listados abaixo. Usaremos agora uma escala de 1 a 10, na qual 1 significa "desgosto muito" e 10 significa "gosto muito". a) Pessoas que defendem a legalização do aborto b) Pessoas que defendem o regime militar c) Comunistas d) Petistas/ Simpatizantes do PT e) PSDBistas/ Simpatizantes do PSDB Diferentemente da proposta de Sullivan, Piereson e Marcus (1982), o Lapop não formulou a questão direta sobre qual seria o grupo de maior antipatia dos entrevistados, de modo que a identificação desse alvo foi realizada pela verificação dogrupo com menor nota atribuída na escala de gosto acima. Nos casos em que o entrevistado atribuiu a menor pontuação a mais de um grupo, o empate foi resolvido por designação aleatória. Na sequência os indivíduos são convidados a se posicionarem em relação a fruição de alguns direitos políticos do seu grupo de desafeição prioritário (o menos gostado, em uma tradução literal do least liked). Para tanto, a seguinte questão é utilizada: Falando do grupo de pessoas que o(a) sr./sra menos gosta... Em uma escala de 1 a 10, na qual 1 significa "desaprova fortemente " e 10 significa "aprova fortemente "... a) O quanto o sr./sra. aprova o direito dessas pessoas de votar? b) O quanto o sr./sra. aprova o direito dessas pessoas de fazer um discurso público? c) O quanto o sr./sra. aprova o direito dessas pessoas de concorrer a um cargo público? As respostas oferecidas são tomadas como atitudes em relação ao exercício desses direitos e compõem assim medidas de tolerância política tendo como referência os grupos de desafeição de cada respondente. Tomadas de forma isolada, relativas a cada direito, ou na sua forma agregada, essas medidas serão consideradas TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 8 adiante como variáveis dependentes em modelos multivariados construídos para identificar os condicionantes fundamentais da manifestação de atitudes tolerantes no contexto nacional. Um quadro da desafeição e da tolerância política Como descrevemos acima, os entrevistados pelo LAPOP manifestaram os seus sentimentos em relação a cinco grupos. As respostas, em uma escala de “desafeição” de 1 (desgosto muito) a 10 (gosto muito), foram utilizadas para calcular a média de notas de cada um deles, como segue na Tabela 1. Organizadas da menor para a maior, podemos constatar que a menor média foi registrada para os comunistas (3,2). Muito próximos estão os três grupos seguintes: simpatizantes do PSDB, pessoas que defendem a legalização do aborto e simpatizantes do PT. O grupo dos defensores do regime militar está relativamente afastado dos demais, com média superior a 5. Tabela 1. Médias de Desafeição por Grupos, Brasil, 2017. Grupos Média Comunistas 3,2 PSDBistas/Simpatizantes do PSDB 3,4 Pessoas que defendem a legalização do aborto 3,5 Petistas/Simpatizantes do PT 3,9 Pessoas que defendem o regime militar 5,2 Fonte: LAPOP, 2017. Considerando as notas atribuídas aos cinco grupos, identificamos qual é o principal grupo de desafeição (“menos gostados”) para cada um dos entrevistados. Para os indivíduos que atribuíram a menor nota para mais de um grupo (empate) foi adotado procedimento de designação aleatória, de modo que a distribuição é aproximadamente semelhante entre os cinco grupos. A Tabela 2 apresenta a distribuição percentual dos grupos de desafeição, ordenados pelo percentual crescente. Compatível com a sua melhor média na escala de desafeição, os “militaristas” são o grupo com menor ocorrência, com 11% dos entrevistados os elegendo como o seu principal alvo de desafeição. Na sequência vem os “petistas”, com 18,5%, seguidos de perto pelos “PSDBistas”. Isso é compatível com pesquisas recentes sobre a redução dos níveis de partidarismo no contexto nacional TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 9 (Ribeiro, Carreirão e Borba, 2016), mas surpreende ao mostrar que o PT está longe de deter o monopólio da antipatia popular em relação a partidos. Os comunistas ocupam a segunda posição, pois são os “menos gostados” de 19,9% da amostra nacional. O maior percentual de menções, com folga, recai sobre os defensores da legalização do aborto, com 31,8%, o que revela um forte componente moral na escolha do grupo alvo de antipatia social em nosso contexto. Tabela 2. Grupos de Desafeição, Brasil, 2017 (%) Grupos % Pessoas que defendem o regime militar 11 PSDBistas/Simpatizantes do PSDB 18,5 Petistas/Simpatizantes do PT 18,8 Comunistas 19,9 Pessoas que defendem a legalização do aborto 31,8 Fonte: LAPOP, 2017. Uma vez identificados os grupos de maior desafeição, a bateria seguinte de questões procura medir as atitudes dos entrevistados em relação à fruição de direitos políticos pelos membros desse grupo de referência (o “menos gostado”). A escala aqui também é de 1 a 10 (1=desaprovo fortemente e 10=aprovo fortemente). A Tabela 3 apresenta, portanto, as médias de aprovação desses três direitos. Nota-se que direito mais tolerado é o voto, seguido do direito de discursar em público e, por fim, vem o direito de concorrer a cargo público. Esse último direito, portanto, parece ser percebido como aquele que apresenta o maior potencial de ameaça quando exercido pelo grupo de maior rejeição. Infelizmente não temos parâmetros para avaliar comparativamente esses médias com outros momentos no tempo ou com outros países. Mesmo a comparação com os EUA, que dispõem de uma série histórica de dados, a comparação é inviável, pois os grupos de referência naquele contexto são outros, levando a patamares distintos de rejeição e, principalmente, de sentimentos de ameaça. Diante dessa limitação, não julgamos pertinente afirmar que se tratam de médias baixas, moderadas ou altas, já que toda tentativa nesse sentido terá como base exclusiva pressupostos normativos abstratos sobre que nível de tolerância política seria saudável para uma jovem democracia como a nossa. TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 10 Tabela 3. Médias de apoio a direitos para o grupo de desafeição, Brasil, 2017. Grupos Média Votar 6,6 Discursar em público 6,1 Concorrer a cargo público 5,8 Fonte: LAPOP, 2017. É importante também, nessa etapa descritiva da análise, identificarmos como se distribui essa média de tolerância para cada grupo de desafeição (TABELA 4). Confirmando os resultados da tabela anterior, podemos perceber que as menores médias para todos os grupos ocorrem na última coluna, relativa ao direito de concorrer (em negrito). Entre os grupos, podemos perceber que petistas são os que registram as menores médias de aprovação de direitos nas três colunas. Entretanto, considerando os testes de diferenças de médias, constatamos que, quando o que está em jogo é a possibilidade de um membro do grupo de desafeição ocupar um cargo eletivo, a distinção entre os grupos não é estatisticamente significativa. Tabela 4. Médias de apoio a direitos por grupo de desafeição, Brasil, 2017. Grupos Votar Discursar Concorrer Comunistas 6,63 6,24 5,63 Pessoas que defendem a legalização do aborto 6,58 6,24 5,84 Pessoas que defendem o regime militar 7,35 6,85 6,38 Petistas/Simpatizantes do PT 6,28 5,86 5,58 PSDBistas/Simpatizantes do PSDB 6,62 5,91 5,77 Teste de diferença de médias (p-valor)* 0,019 0,016 0,159 * Diferenças são significativas quando o p-valor é igual ou menor que 0,05. Fonte: LAPOP, 2017. Também elaboramos uma versão qualitativa dessa medida de tolerância, que procura captar as posições extremas de tolerância/intolerância. Os entrevistados que se encontram nos pontos 1 e 2 das escalas de aprovação de direitos foram classificados como “extremamente intolerantes”, aqueles localizados nos pontos 9 e 10 foram chamados de “extremamente tolerantes” e todos os demais são “moderados”. A Tabela 5 apresenta a distribuição dessas categorias para cada um dos TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 11 direitos. Novamente, como não temos padrões ótimos de tolerância universalmente válidos e nem medidas anteriores para o nosso contexto nacional, é difícil avaliar esses percentuais como positivos ou negativos, mas é no mínimopreocupante que nos três direitos a amostra esteja praticamente dividida entre os dois grupos, sendo que no segundo direito os tolerantes constituem a minoria (desconsiderando a margem de erro da pesquisa). Tabela 5. Tolerantes e Intolerantes, por tipo de direito, Brasil, 2017 (%). Direitos Tricotômica Intolerantes Moderados Tolerantes Votar 14,8 46,1 39,1 Discursar em público 17,5 52,3 30,2 Concorrer a cargo público 22,3 49,6 28,1 Fonte: LAPOP, 2017. Assim como anteriormente, também calculamos os percentuais de tolerantes, moderados e intolerantes por grupo prioritário de desafeição, com o objetivo de verificar se a distribuição se altera quando consideramos a divisão dos entrevistados no que diz respeito aos alvos da intolerância (TABELA 6). No primeiro grupo temos aqueles que apontam os “militaristas” como o grupo que menos gostam. Vejam como os percentuais são mais elevados nos três direitos, na comparação com os demais grupos de entrevistados. Isso indica que a maioria daqueles que elegem esse grupo como o alvo da sua antipatia os toleram politicamente. Esse quadro já era esperado, já que os maiores opositores aos militaristas são democratas e, portanto, são mais propensos a aderir aos princípios democráticos que freiam a intolerância política (Marcus et al, 1995). Os entrevistados que identificam os comunistas como o seu grupo de maior desafeição tendem a ser os menos tolerantes. Os três outros grupos estão muito próximos em termos percentuais, mas chama a atenção uma alteração na ordem dos direitos mais tolerados para esses grupos. Para militaristas e comunistas a ordem de tolerância é aquela encontrada sem a divisão por grupos, com o voto sendo o mais tolerado e a candidatura, o menos aprovado. Já os petistas, psdebistas e pessoas que defendem a legalização do aborto são mais frequentemente alvos de intolerância quando manifestam publicamente suas ideias. TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 12 Tabela 6. Tolerantes e Intolerantes por grupo de desafeição e direito, Brasil, 2017(%). Direitos Tricotômica Votar Discursar Concorrer Int Mod Tol Int Mod Tol Int Mod Tol Pessoas que defendem o regime militar 15,3 41,4 43,3 15,8 47,5 36,7 19,6 50 30,4 Petistas/Simpatizantes do PT 14,2 52 33,7 16,3 58,7 24,9 26,7 51,8 21,5 Comunistas 16 43,9 40,1 21,6 46,7 31,7 24,7 44,6 30,7 PSDBistas/Simpatizantes do PSDB 19,3 41,7 39 19,5 51,9 28,6 26,3 42,8 30,8 Pessoas que defendem a legalização do aborto 11 48,7 40,3 13 56,3 30,7 16 56 28 Nossa análise sobre os condicionantes da tolerância utiliza uma única medida integrada considerando as atitudes de aprovação ou reprovação dos três direitos. Para tanto conduzimos o teste de consistência interna proposto por Cronbach (1951) e o valor encontrado de 0,85 confirmou a pertinência dessa redução. Como as distribuições percentuais anteriormente exibidas já indicavam, existe uma forte tendência de respostas semelhantes às questões sobre os três direitos. Com isso, procedemos o cálculo de um índice somatório que denominados de Índice de Tolerância Política (ITP), que após a padronização para variar entre 0-10 registrou a média de 6,19. Assim como procedemos em relação as medidas isoladas, também tricotomizamos essa medida usando os extremos da escala. As distribuições são exibidas na Tabela 7. Tabela 7. Tolerantes e Intolerantes, Brasil, 2017(%). Geral Militar Comunistas Aborto PTistas PSDBistas Tricotômica Intolerante 10,3 12,9 11,5 6,8 11,2 12,9 Moderado 60,2 56,1 59,2 63,9 65,2 56,1 Tolerante 29,4 31 29,7 29,2 23,6 31 Bases sociais e atitudinais da desafeição e da tolerância política TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 13 Ainda que os fatores que condicionam a seleção de um grupo como o alvo preferencial de desafeição e a manifestação de atitudes intolerantes em relação a esse grupo possam não ser os mesmos, optamos nessa pesquisa por mobilizar um mesmo conjunto de variáveis para buscar identificar quais as bases sociais (ou demográficas) e atitudinais desses dois fenômenos complementares. Infelizmente os dados do LAPOP não permitem investigar a influência da percepção de ameaça (real ou imaginária) sobre os níveis de desafeição e tolerância política dos brasileiros, principalmente porque não há informações complementares sobre a avaliação que os entrevistados fazem dos seus respectivos grupos de desafeição, tal como metodologia proposta por Sullivan, Piereson e Marcus (1982). Como o segundo conjunto de preditores mais recorrentes na literatura se relaciona com a adesão e apoio a normas democráticas, tais como a liberdade de expressão e direitos das minorias (SULIVAN, PIERESON E MARCUS, 1982; GIBSON, DUCH E TEDIN, 1992; FINKEL E ERNST, 2005), procuramos operacionalizar medidas que correspondam a essa dimensão. Primeiramente selecionamos uma medida sobre a adesão dos entrevistados à participação (VERBA, SCHLOZMAN AND BRADY, 1995), obtida no Lapop com a questão: “A participação de pessoas em manifestações permitidas por lei. Até que ponto aprova ou desaprova?”. Os entrevistados eram levados a escolher em uma escala de 1 a 10, qual o ponto que melhor representa sua posição sobre o assunto. Desde o estudo clássico de Stouffer (1955), a religiosidade tem sido considerada um fator importante na explicação da tolerância política. Em sua obra clássica esse pesquisador aponta que, apesar da denominação importar, mais relevante é a frequência aos cultos e celebrações, algo que podemos chamar de ativismo religioso. Nunn et al (1978), três décadas depois, confirmam esse achado e afirmam que as diferenças nos níveis de tolerância entre religiosos não-praticantes e os mais ativos foi ampliada. Adaptando o modelo analítico de Stouffer aos dados do GSS de 2008, Eisenstein e Clark (2015), chegam a resultados semelhantes, reafirmando a importância do envolvimento religioso na explicação de atitudes intolerantes. Coerente com esses achados, utilizamos em nossos modelos um índice de ativismo religioso composto por uma medida comportamental e outra valorativa. A TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 14 primeira é derivada de uma pergunta sobre a frequência dos entrevistados à missas e cultos, com uma escala de cinco pontos que parte do “nunca” e chega ao “mais de uma vez por semana”. A segunda medida é obtida pelo questionamento sobre a importância da religião na vida do entrevistado, codificada como uma escala de quatro pontos, indo do “nada importante” ao “muito importante”. Com procedimento somatório obtivemos uma única escala de 0 a 7. Outra medida presente nos estudos sobre tolerância é o interesse por política, considerado um dos principais preditores em estudos sobre o comportamento político, seja na explicação da sofisticação política (Converse, 1964, Neuman, 1986; Luskin, 1990; Delli Carpini & Keeter, 1996), da participação política (Lazarsfeld et al. XXXX) ou de atitudes democráticas (Moisés, 2008; Booth e Seligson, 2009; Rennó et. al., 2010; Salinas e Booth, 2011; Booth e Richard, 2014; Norris 1999, 2011; Dalton 1999, 2004; Klingemann, 1999). O seu efeito é sempre positivo, no sentido de formar cidadãos politicamente competentes e cívicos. A suposição é que o indivíduo que tem mais interesse por política é também quem tem mais informação política e quem participa e, portanto, conheceria melhor as normas e praticas democráticas. Esperamos, portanto, que o interesse por política tenha um efeito positivo sobre a tolerância política. Para medir o interesse por política, invertemos a escala da seguinte pergunta: “O quantoo(a) sr./sra. se interessa por política: muito, algo, pouco ou nada?”. A partir da proposição clássica de que a educação formal permite a compreensão e internalização de normas de tolerância (Lipset, 1959: 55-56), incluímos, em nosso modelo, a escolaridade. As pesquisas na área reiteram constantemente que, assim como o interesse, quanto maior a escolaridade maior a adesão à democracia. Esses resultados são consistentes tanto nas novas democracias (Evans e Rose, 1997; Moisés e Carneiro, 2008; Booth e Seligson, 2009) como nas mais antigas (Dalton, 1999; Dalton, 2004). Além disso, esses fatores afetam não só a adesão expressa à democracia, como outras atitudes e comportamentos correlatos, tais como a participação (Verba et. al., 1995) e, em associação com a informação política, a tolerância (Delli Carpini e Keeter, 1996; STEHLIK-BARRY, 1996). Estudos específicos sobre tolerância também destacam o papel importante da escolaridade na formação de atitudes tolerantes, especialmente mediante o seu efeito positivo sobre a TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 15 segurança psicológica e a adesão às normas democráticas (SULIVAN, PIERESON E MARCUS, 1982). A escolaridade foi dicotomizada de modo que o 1 representa aqueles entrevistados que possuem formação superior completa. A variável ideologia foi inserida de forma diferente nos modelos de desafeição e tolerância, sendo que nesse último adaptamos uma codificação que privilegia os extremismos. Embora a literatura sobre tolerância política considere a ideologia como indicador de atitudes conservadora ou liberal em relação a direitos de minorias, inserimos a escala de auto-posicionamento ideológico nos nossos modelos para a tolerância política com a intenção de analisar o extremismo como traço do perfil psicológico do indivíduo. Certamente, isso faz muito mais sentido em países em que a clivagem ideológica é entre direita e esquerda do que em países divididos entre conservadores e liberais. Entendemos que indivíduos que se situam nos extremos na escala ideológica tendem a ser menos tolerantes do que aqueles mais moderados (Lipset, 1959). Acreditamos que a estrutura de sistema de crenças do indivíduo que adota posições extremistas no espectro ideológico seja semelhante, em termos de intensidade e consistência interna, a de indivíduos com traços de personalidade dogmática (SULLIVAN, PIERESON E MARCUS, 1982), portanto, sendo menos flexíveis em relação às ideias/grupos em relação às quais se opõem. Para os modelos que tomam os grupos de desafeição como variável dependente, optamos por uma codificação que apenas distingue esquerda, centro e direita. Considerando a escala de 1 a 10, os quatro primeiros pontos foram recodificados como “esquerda”, as pontuações 5 e 6 foram convertidas em “centro” e, por fim, os quatro últimos pontos foram convertidos para “direita”. Consideramos também a questão etária, sempre presente na literatura sobre tolerância desde a pesquisa de Stouffer (1955). Nesse estudo inaugural foram identificadas importantes diferenças nos níveis de tolerância a comunistas, ateus e socialistas entre as distintas coortes etárias, sendo os mais jovens mais tolerantes. Fazendo uma importante distinção entre idade e geração, Cutler e Kaufman (1975) confirmam os achados anteriores de que com o avançar da idade os indivíduos tendem a se tornarem menos tolerantes, mas identificam também diferenças geracionais relevantes. Ou seja, quando comparam jovens e velhos da década de 1950 com essas TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 16 mesmas coortes de 1970, verificam que as mais recentes tendem a manifestar atitudes mais tolerantes. Resultados semelhantes são encontrados por Davis (1975), Nunn et al (1978) e Sullivan PIereson e Marcus (1982). Infelizmente não dispomos de dados longitudinais para empreender uma análise geracional tal como a presente nesses estudos, mas tentamos incorporar essas duas dimensões em nossos testes. Nos modelos que investigam as bases da desafeição optamos pela análise dos efeitos etários e, para tanto, adotamos uma codificação tricotômica que agrupa indivíduos de até 30 anos em uma primeira categoria, de 31 a 50 em uma segunda categoria e os maiores de 50 na última. Para a análise dos condicionantes da tolerância, todavia, incorporamos a questão geracional sob uma perspectiva especificamente política, portanto distinta do que fizeram os estudos listados acima. Tomando como definidor a predominância de experiências políticas na vigência do regime de exceção, findado em 1985, ou sob a égide de instituições democráticas, distinguimos a amostra em dois grupos geracionais. Incluímos, assim, considerações de natureza contextual, pois, nas jovens democracias latino-americanas, a socialização política das gerações apresenta uma clivagem fundamental: ter vivido apenas no regime democrática ou ter passado também pela experiência autoritária. Estudos recentes (Moreno e Lagos, 2016; Fuks, Paulino e Casalecchi, 2018), têm apontado que, na América Latina, as gerações que viveram os dois regimes apoiam mais a democracia do que aqueles que só foram socializados na democracia. De acordo com esses estudos, as pessoas que foram socializadas no regime autoritário manifestam maior aversão a ele por terem experimentado a privação de direitos civis e políticos. Nossa hipótese é que, embora valorizem mais o regime democrático que tiveram de conquistar, as gerações mais velhas apoiam menos do que as mais novas os princípios liberais da democracia, especialmente o direito das minorias. Esses valores, assim como o elenco de valores de auto-expressão (Inglehart e Welzel, 2005), estão mais associados a processos por meios dos quais a sociedade torna-se mais liberal do que às ameaças que operam no nível da repressão estatal. Para a construção dessa variável estabelecemos a idade de 15 anos como marco definidor das gerações, sendo que quem tinha 15 anos ou mais no ano que se TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 17 iniciou a transição é considerado como socializado no regime anterior (autoritário) e, portanto, tendo vivido nos dois regimes (podendo compará-los) e quem tinha 14 ou menos é considerado como socializado apenas no regime democrático. Como os dados provém de pesquisa conduzida em 2017, aqueles com mais de 47 anos pertencem à geração que teve experiência política em mais de um regime político e aqueles com 47 anos ou menos pertencem à geração que foi socializada e cuja experiência política ocorreu apenas na democracia. Começando pela desafeição, optamos por recodificar a variável que identifica o grupo preferencial de desafeição em cinco medidas dicotômicas. Assim, em cada uma delas a codificação é 0 ou 1, sendo que 0 indica que o entrevistado não aponta o grupo X como o seu desafeto preferencial, enquanto o 1 indica que o grupo é sim o alvo de sua desafeição. Na Tabela 8 são exibidos os resultados desses modelos. O primeiro modelo, portanto, estima os efeitos das variáveis sobre a probabilidade do entrevistado de escolher como seu grupo preferencial de desafeição o grupo de pessoas que defende a legalização do aborto. Considerando o nível de significância usual nas ciências sociais, apenas a religiosidade e faixa etária se mostraram relevantes. O efeito da religião caminha na direção do esperado, elevando a probabilidade de seleção do grupo em questão em 13% a cada ponto da escala que vai de 0 a 7. Ou seja, quando mais ativo religiosamente o indivíduo é, maior é a sua probabilidade de selecionar esse grupo como seu alvo preferencial de desafeição. Os coeficientes para as faixas etárias, por sua vez, indicam queos mais jovens tendem a escolherem esse grupo com mais frequência do que os mais velhos. Note que os membros do grupo com idade entre 31 e 50 anos em 2017 (ano da coleta) apresentam 29% menos chance de selecionar esse grupo do que o grupo de referência (mais jovem, até 30 anos). A diferença é ainda maior na comparação com os mais velhos, já que esses apresentem probabilidade 48% menor. Ao relativizarmos o procedimento de teste de hipóteses e considerarmos como relevantes variáveis com p-valor menor do que 1,0, incluíamos o interesse por política como variável importante nesse primeiro modelo. Em uma escala de quatro pontos, TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 18 cada avanço reduz a probabilidade de seleção do grupo em 13%. Relativizando ainda mais, podemos nos deter também sobre os efeitos que ultrapassam 10% de efeito (negativo e positivo) sobre as razões de chance, apesar de registrarem p-valores maiores do que 1,0. Segundo esse critério, podemos identificar que indivíduos que se posicionam no centro do espectro ideológico, quando comparados aos que se declaram de esquerda, apresentam 22% menos chance de selecionar o grupo. Por sua vez, o grupo com escolarização média, na comparação com aqueles que declaram ter apenas o ensino fundamental, apresenta chance 18% maior de seleção dos defensores da legalização do aborto como grupo de desafeição. A condição de mulher, coincidentemente, também eleva essa probabilidade em 18%. Passando ao grupo composto por pessoas que defendem o regime militar, novamente a religiosidade se mostra relevante, mas dessa fez reduzindo a probabilidade de seleção. Cada ponto na escala (que vai de 0 a 7) reduz essa chance em 10%. O interesse por política, que dessa vez atinge níveis bastante exigentes em termos do valor-p, eleva essa probabilidade em 46%, o que é bastante expressivo se considerarmos que esse preditor está codificado em uma escala de quatro pontos. Efeito igualmente expressivo é encontrado na escolaridade, já que os entrevistados com formação superior apresentam 157% mais chance de selecionarem os chamados militaristas como seus desafetos principais. Quanto às faixas etários, identificamos que mais dois grupos mais velhos apresentam menores chances de selecionar os militaristas, tendo como referência para comparação os entrevistados mais jovens (até 30 anos). Assim como fizemos anteriormente, ao dilatarmos os limites da análise para além dos testes de hipóteses com o p-valor, constatamos que o autoposicionamento ideológico à direito reduz em 21% a chance de seleção desse grupo, comparando com o grupo de referência dos identificados com a esquerda. Também merecem ser mencionados os efeitos redutores da escolaridade média e da condição de mulher, respetivamente de 18 e 19 pontos percentuais. Em relação aos comunistas apenas a idade se mostrou preditor relevante, registrando p-valor abaixo dos 0,05 usuais. Os mais velhos, neste caso, apresentam probabilidade consideravelmente maior de seleção desse grupo político como alvo de TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 19 desafeição. Para o grupo intermediário (de 31 a 50 anos) essa diferença é de 77% e para o grupo mais velho chega a impressionantes 222%. Novamente avaliando os efeitos de variáveis que não passaram no teste de hipótese, mas cujos efeitos são relativamente grandes, constatamos que o posicionamento ideológico de centro e de direita produzem, respectivamente, acréscimos de 37 e 35 pontos percentuais nessa probabilidade. A escolaridade superior, por sua vez, reduz essa chance em 16% e a condição de mulher em 14%. Considerando o grupo dos petistas ou simpatizantes do PT, a única variável estatisticamente significativa é o interesse por política, com efeito redutor de 18% a cada ponto na escala. Ampliando o limite da análise, podemos verificar que a identificação ideológica como o centro eleva essa chance em 35%. Os grupos de escolarização têm efeitos discrepantes, com o média elevando a probabilidade em 10% e o superior a reduzindo em 29%. Algo semelhante ocorre com a idade, com o grupo intermediário apresentando probabilidade 34% maior e o mais velho 24% menor. Passando ao último grupo, dos psdbistas ou simpatizantes do PSDB, nenhuma das variáveis atingiu o nível de significância usual. Os efeitos do posicionamento ideológico de centro e de direita, apesar de não significativos para o teste de hipótese, são negativos, reduzindo em 22 e 19 pontos percentuais a probabilidade de seleção, respectivamente. Os efeitos redutores da escolaridade também merecem ser registrados, já que os que apresentam o ensino médio tem 11% menos chance de seleção desse grupo partidário e aqueles com formação superior tem redução de 37%. Por fim, em termos de faixas etárias, apenas o grupo mais velho merece ser destacado, com redução de 15%. Tabela 8. Condicionantes da Desafeição, Brasil, 2017. Exp(B) (Erro) Aborto Militar Comunistas PTistas PSDBistas Adesão ao princípio da participação 1,00 (,024) 0,95 (,039) 1,0 (,028) 0,99 (,029) 1,03 (,029) Ideologia Esquerda Ref. Ref. Ref. Ref. Ref. Centro 0,78 0,94 1,37 1,35 0,78 TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 20 (,169) (,255) (,194) (,193) (,198) Direita 1,04 (,165) 0,79 (,268) 1,35 (,190) 0,98 (,206) 0,81 (,196) Religiosidade 1,13*** (,034) 0,90* (,052) 0,94 (,039) 1,01 (,040) 0,94 (,039) Interesse por política 0,87# (,078) 1,46*** (,113) 1,09 (,087) 0,82* (,097) 1,03 (,090) Educação Fundamental Ref. Ref. Ref. Ref. Ref. Médio 1,18 (,157) 0,82 (,263) 0,94 (,181) 1,10 (,184) 0,89 (,198) Superior 1,05 (,254) 2,57** (,323) 0,84 (,284) 0,71 (,329) 0,63 (,313) Faixa Etária Até 30 anos Ref. Ref. Ref. Ref. Ref. 31 a 50 anos 0,69* (,153) 0,63# (,239) 1,77** (,194) 1,34 (,182) 0,98 (,183) + de 50 anos 0,52** (,207) 0,54* (,323) 3,22*** (,225) 0,76 (,261) 1,15 (,231) Sexo 1,18 (,141) 0,81 (,225) 0,86 (,164) 0,98 (,168) 1,09 (,166) N 1029 1029 1029 1029 1029 AIC 1275,7 647,89 1031,6 982,26 1010,4 Para a análise das bases sociais e atitudinais da tolerância política, assim como fizemos na parte descritiva da análise, consideramos uma medida numérica que podemos chamar de Índice de Tolerância Política, mas também uma versão qualitativa que distingue três grupos: intolerantes, moderados e tolerantes. Tomando a primeira variável como dependente, estimamos um modelo linear e tomando a segunda um modelo logístico multinomial. Considerado o primeiro modelo constatamos efeito estatisticamente significativo para a medida de adesão ao princípio democrático da participação, com elevação de 0,18 ponto a cada avança na escala que varia de 1 a 10. Passando aos efeitos do posicionamento ideológico, considerando os extremos verificamos que apenas o posicionamento como extrema esquerda apresenta efeito significativo, reduzindo em meio ponto o ITP (na comparação com os indivíduos de centro, nossa categoria de referência). O interesse por política, por sua vez, apresentou efeito positivo, elevando em 0,42 a medida de tolerância a cada avanço em sua escala de quatro pontos. A última variável com efeito estatisticamente significativo foi a geração política, indicando que os indivíduos socializados no regime militar têm pontuação 0,46 menor do que aqueles que tiverem experiências sob a vigência de instituições democráticas. TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 21 Considerando níveisde significância até 1,0 como válidos, podemos registrar o efeito da condição de mulher, elevando em 0,30 ponto o índice. Ampliando esse relato para as variáveis cujos efeito ultrapassam um décimo de ponto do ITP (0,10), mas que não atingiram níveis de significância estatísticos aceitáveis, poderíamos apontar o efeito do posicionamento ideológico de extrema-direita, que eleva em 0,27 ponto o ITP, na comparação com o grupo de centro. Registramos também os efeitos redutores de 0,31 e 0,11, respectivamente, para os grupos de escolarização médio e superior. Podemos sintetizar então afirmando que a tolerância tende a ser maior entre os que mais fortemente aderem ao princípio democrático da participação, que são de centro, interessados por política e socializados na democracia. O modelo logístico multinomial acompanha parcialmente esses resultados, já que indica que quanto maior a adesão ao princípio da democracia, maior é a probabilidade de estar entre os tolerantes (comparada com a chance de ser intolerante, nossa categoria de referência). Consistentemente, o posiciomento de extrema-esquerda reduz consideravelmente a chance de estar entre os moderados e tolerantes (50% e 48%, respectivamente). O interesse por política, novamente afeta positivamente a probabilidade de ser moderado ou tolerante, em 36 e 66 pontos percentuais, respectivamente. Levando em consideração valores para o teste de hipótese de até 1,0, incluiríamos no grupo de preditores a religiosidade, que afetaria negativamente em 9% a probabilidade de estar entre os moderados e a formação superior, com efeito redutor de 47% sobre a chance de estar nesse grupo moderado. Desconsiderando o teste de hipótese, destacaríamos a condição de identificado com a extrema-direita, reduzindo em 21% a probabilidade de estar entre os moderados e os efeitos redutores da escolaridade média e superior sobre a chance de fazer parte do tolerantes, o que ocorre com a condição de socializado no regime militar. Por fim, a condição de mulher produz elevação na chance de fazer parte dos moderados e tolerantes, respectivamente em 29 e 21 pontos percentuais, a despeito da sua insuficiência no teste de significância estatística. TEXTO EM DESENVOLVIMENTO. FAVOR NÃO CITAR. 22 Tabela 9. Condicionantes da Tolerância Política, Brasil, 2017. Índice B (Erro) Tricotômica Exp(B) (Erro) Moderado Tolerante Adesão ao princípio da participação 0,18*** (,029) 1,02 (,035) 1,23*** (,041) Ideologia Extrema Esquerda -0,50* (,210) 0,50** (,243) 0,52* (,273) Centro Ref. Ref. Ref. Extrema Direita 0,27 (,246) 0,79 (,320) 0,94 (,348) Religiosidade -0,04 (,040) 0,91# (,052) 0,95 (,057) Interesse por política 0,42*** (,091) 1,37* (,130) 1,66*** (,138) Educação Fundamental Ref. Ref. Ref. Médio -0,30 (,185) 1,03 (,238) 0,75 (,263) Superior -0,11 (,297) 0,53# (,371) 0,63 (,395) Geração política Socializada na democracia Ref. Ref. Ref. Socializada no regime militar -0,46* (,197) 0,90 (,245) 0,70 (,273) Sexo 0,30# (,168) 1,29 (,216) 1,21 (,236) N 1051 1051 R-quadrado 0,09 AIC 1834,81 Referências BOBO, L.; LICARI, F.C. 1989. “Education and political tolerance: testing the effects of cognitive sophistication and target group affect”. Public Opinion Quarterly, v. 53, pp. 285-3008. BOOTH, J.A.; SELIGSON, M.A. 2009. The legitimacy puzzle in Latin America: political support and democracy in eight nations. Cambridge, UK: Cambridge University Press. BRYK, A.S.; RAUDENBUSH, S.W. 1992. Hierarchical linear models: Applications and data analysis methods. Newbury Park, CA: Sage. 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