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7 CAPITULO 2 O CRESCIMENTO NO LONGO PRAZO NO BRASIL 2.1. Panorama Geral A evolução histórica da economia brasileira é costumeiramente interpretada na forma de ciclos vinculados, cada qual, fundamentalmente a um tipo de atividade econômica (Roberto C. Simonsen1). Os ciclos do Pau-Brasil (baseado na mão-de-obra indígena), da cana-de-açúcar e da mineração (ambos baseados na mão-de-obra escrava africana), ao longo séculos XVI a XVIII, marcaram fortemente o período colonial brasileiro. O café – especialmente quando alcança o sudeste - já no século XIX marca um ciclo importante. A segunda metade do século XIX assistiu a um crescimento expressivo do preço do café aliado a um intenso processo de imigração a que se somou a intensificação do comercio internacional com a utilização do navio a vapor. A acumulação de capital que o café proporcionava, ao mesmo tempo em que criava as bases para um mercado interno, mais o capital humano vindo de fora e os aportes substanciais de capital financeiro estrangeiro (especialmente da Inglaterra, em infraestrutura) constituíram o alicerce para o inicio da industrialização2 baseada em bens de consumo tais como têxteis/vestuário, móveis, alimentícias, bebidas e fumo. Esse processo se estende até a primeira guerra mundial (1914-1918). A partir da primeira guerra, o processo estende-se a cimento, siderurgia, papel e celulose, A industrialização propriamente vem com a era Vargas, nos anos 1930, com migração de mão-de-obra e capital da agricultura e de fora do país para a indústria, tendo o setor público assumido papel tanto na produção direta como indutor através de incentivos fiscais, tarifários e cambiais. A siderurgia pesada e o petróleo destacam-se. 1 Ver também: FGV- CPDOC; Santos Jr.; Bugelli; Ellery & Gomes; Merenda. Os ciclos aqui referidos são longos períodos, de décadas ou séculos, diferentes, portanto, do que atualmente se refere como ciclos econômicos ou de negócios – caracterizados por recessões e booms de curto prazo, que duram meses, trimestres, ou, mais raramente, anos. Por exemplo, o ciclo da cana-de-açúcar se estendeu de meados do século XVI até os séculos XVII e XIX, quando foi cedendo lugar ao ciclo do café. Já o ciclo de curto prazo da crise financeira iniciada em 2007/08, por exemplo, pode se estender por vários anos, mas não, certamente, séculos. Salienta-se, porém, que o que caracteriza tecnicamente uma recessão é uma queda no PIB por dois meses consecutivos, período praticamente desprezível numa perspectiva de longo prazo. 2 Para uma síntese da evolução histórica do processo de industrialização e sua forte relação com o setor agrícola, ver Barros (2014) 8 Terminada a segunda guerra mundial (1939-1945), de 1945 a 1980 o Brasil cresce aceleradamente ao longo dos governos Dutra, Kubitscheck e dos militares. Ao longo desse período, com forte participação direta e indireta do Estado, a industrialização se estendeu desde os bens duráveis de consumo, aos bens de capital e aos insumos intermediários. Ao milagre econômico (1969-1973), porém, seguem-se a crises do petróleo, da dívida externa e a exaustão do setor público como fonte de apoio ao crescimento. A partir dos anos 1980 começa um período longo de baixo crescimento, elevada inflação e alta concentração da renda nacional, produtos do esforço de crescimento observado até então. A economia perde o fôlego, as preocupações voltam-se para combater a inflação e a contornar os problemas da dívida eterna. Fernando Collor inicia um desmonte do aparato estatal até então em vigor, dá passos importantes para abertura da economia em vista da globalização e, numa estratégia equivocada de controle da inflação, lança o país numa profunda recessão. Itamar Franco e Fernando H. Cardoso, através do Plano Real, obtêm êxito no combate à inflação e resgatam a estabilidade econômica. Cria-se um aparato institucional com o Banco Central exercendo papel de relevo para que a estabilidade não fuja por falta de controle fiscal. Iniciam-se também programas públicos de transferência de renda, inspirados na Constituição de 1988, e diante das dificuldades da melhoria da renda e da sua distribuição através da inclusão de largo contingente de trabalhadores em atividades produtivas de boa remuneração. O governo Lula absorve e dá continuidade a essa estratégia, além de ampliar substancialmente os instrumentos de transferência de renda. Mais adiante, - já sob o boom das commodities - há uma aceleração temporária do crescimento econômico e uma apreciável melhoria da distribuição de renda no Brasil. Diante da crise financeira mundial, a estratégia foi a aplicação de uma politica fiscal fortemente expansionista conjugada a altas de juros que valorizavam o câmbio, contendo a inflação e ampliando o potencial importador de bens de consumo e de capital3. Durante o governo Dilma Rousseff, a estratégia se esgota quando a crise fiscal atinge o ponto de não 3 Para uma análise desse período – conhecido como anos de “bonança externa” - de altos preços das commodities e forte valorização cambial no Brasil ver Barros (2016). 9 sustentabilidade. O processo de crescimento é interrompido. Constata-se que resta um longo caminho para melhorar as perspectivas das finanças do setor público e da rentabilidade da economia que justifiquem a retomada dos investimentos. Há que se recuperar a poupança do setor público e, logo, a sua capacidade de investir, mormente em infraestrutura, que, por certo, vai ter de se dar em parceria com o setor privado, nacional ou estrangeiro. O desafio de aumentar a renda per capita através do aumento da produtividade – via educação e tecnologia – permanece no médio e longo prazo. 2.2. O Crescimento de Longo Prazo: Brasil e outros países Araújo, Carpena & Cunha estimaram o PIB e o PIB per capita reais brasileiros desde 1850 até 2000. Esses dados atualizados até 2015 são apresentados na figura 2.1 em escala aritmética. Nota-se que em tal escala não se pode avaliar bem o padrão de crescimento dessas variáveis, a não ser que o PIB cresceu quase 500 vezes de 1850 a 2015; o que se passou com o PIB per capita é menos perceptível. 0 100 200 300 400 500 600 PIB PIB PER CAPITA Figura 2.1. Índices PIB e PIB Per Capita Reais Brasil, 1850/2015 (1850=1). Fontes: Araújo, Carpena & Cunha, IBGE, e cálculos do autor. 10 Para melhor apreciar a evolução de variáveis por longos períodos de tempo, recorre-se ao uso da escala logarítmica cuja base é o número neperiano (2,71828). Na figura 2.2, PIB e PIB per capita reais estão expressos nessa escala; ainda mais, no eixo vertical as variáveis são medidas em múltiplos de ln 2 = 0,69315, de sorte que, cada vez que a linha representativa de uma variável cruza uma das linhas horizontais do gráfico, essa variável terá dobrado de magnitude em relação à vez anterior4. Observando-se eixo horizontal, deduz-se o período de tempo necessário para que tal ocorra. -0,69 0,00 0,69 1,39 2,08 2,77 3,47 4,16 4,85 5,54 6,24 6,93 ln PIB ln PIB PC Figura 2.2. Logaritmo (base neperiana) do PIB e do PIB per capita do Brasil (1850- 2015). Fontes: Araújo, Carpena & Cunha, IBGE, elaboração do autor. 4Notar que num dado intervalo de tempo igual a m a evolução da variável X(t) será dada por rmemtXtX )()( . Então rm mtX tX )( )( ln . Especificamente para )(2)( mtXtX tem-se m rrm 69,0 69315,02ln . Conclui-se que, se num intervalo de tempo 9,6manos, a variável dobrou de magnitude, ela terá crescido %101,0 ao ano nesse período. Alternativamente dito, se a variável crescer a 10% ao ano, ela dobrará de magnitude em 6,9 anos. 11 Desde 1850, o PIB dobrou 8 vezes5 até 2014, ou seja, multiplicou-se por quase 512 (= 92 ), sendo a primeira vez após 27 anos (1877). Voltou a dobrar depois de 34 anos (1911); dobrou novamente em 16 anos (1927), de novo em 16 anos (1943), outra vez em 11 anos (1954), novamente em 11 anos (1965) e em mais 8 anos (em 1973) e, então somente em 1988, após 15 anos. Em 2014, 26 anos após, o PIB quase dobrou pela nona vez. Conclui-se, pois, que a economia brasileira vinha acelerando sua taxa de crescimento até a década de 1970; a partir de então houve uma importante desaceleração. Olhando para o PIB per capita, ainda na figura 2.2, observa-se que dobrou apenas 4 vezes desde 1850. Para dobrar a primeira vez, foram necessários 78 anos (1928); a segunda em 1955, após 27 anos; a terceira em 1971, após 16 anos. Dobrou novamente em 2007, depois de 36 anos. Na figura 2.3, observa-se que, no período em consideração, a população brasileira também dobrou 4 vezes (multiplicou-se por 16): a primeira após 40 anos (em 1890); a segunda em 1922, após 32 anos; a terceira em 1953, após 31 anos; e em 1978, depois de 25 anos. Nos últimos 165 anos, o período de mais rápido crescimento populacional no Brasil deu-se da década de 1950 a meados da de 1970, com uma taxa anual em torno de 3%. Mesmo assim, como foi um período de elevado crescimento econômico, foi possível dobrar o PIB per capita nesse período. Nos anos 2000, a taxa anual de crescimento populacional no Brasil está estimada em 1,44% pelo IBGE6. De 2010 a 2020, a taxa anual estimada é inferior a 1%. 5 No gráfico, cada estrela indica que a variável dobrou em relação à ocorrência anterior. 6 IBGE. 2004. Projeções da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980-2050 – Revisão 2004.(http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/metodologia.pdf, 13/09/2016)). Ver também http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/notatecnica.html (13/09/2016) 12 0,00 0,69 1,39 2,08 2,77 3,47 4,16 18 50 18 55 18 60 18 65 18 70 18 75 18 80 18 85 18 90 18 95 19 00 19 05 19 10 19 15 19 20 19 25 19 30 19 35 19 40 19 45 19 50 19 55 19 60 19 65 19 70 19 75 19 80 19 85 19 90 19 95 20 00 20 05 20 10 20 15 Figura 2.3. Logaritmo (base neperiana) da População do Brasil (1850-2015). Fontes: Araújo, Carpena & Cunha, IBGE, elaboração do autor. É interessante avaliar o desempenho da economia brasileira em comparação com outras7. Será que o Brasil está se aproximando das economias mais ricas? Será que está sendo ultrapassado por outras? Na figura 2.4, apresentam-se os índices de PIB para os Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Brasil desde 1870 até 2010. Observa-se que os Estados Unidos ultrapassaram o Reino Unido em termos de PIB per capita em 1903. Ambos os países aceleraram o crescimento a partir da segunda guerra mundial, mas os EUA o fizeram mais rapidamente. Porém, a aceleração do Japão foi ainda maior nesse período, vindo a alcançar o Reino Unido na década de 1970. 7 Nas comparações entre países, costuma-se converter os valores de todos os países em dólares de paridade de poder de compra (purchasing power parity – PPP) de forma a contornar o problema das taxas de câmbio estarem em geral super ou subvalorizadas. Toma-se uma mesma cesta de bens e serviços e computa-se seu valor em diferentes países. Por exemplo, digamos que nos EUA a cesta custe 100 dólares e no Brasil 170 reais. Então o dólar PPP - ou dólar internacional (I$) – para o Brasil valeria R$1,70. Assim, o PIB do Brasil calculado pelo IBGE em reais seria dividido por 1,70 para chegar ao seu valor em dólar PPP, independente do valor da taxa de câmbio em vigor no mercado O processo de conversão permite, portanto, comparar o bem-estar das populações de países diferentes em função da quantidade daquela cesta que podem consumir por ano. Ver Kilsztajn, S.2000. Paridade do poder de compra, renda per capita e outros indicadores econômicos. Pesquisa e Debate. SP, volume 11, número2 (18) p. 93-106. Os valores PPP, como estatísticas em geral, costumam variar dependendo da instituição que os calcula. 13 Quanto ao Brasil, seu PIB per capita era menos de 5% menor do que o do Japão no inicio da série; em 1890, já era 20% inferior; na virada para o século XX, era 40% menor; no inicio da segunda guerra o PIB per capita do Brasil era menos da metade do que o do Japão. Ao final da segunda guerra, o PIB per capita do Japão caíra para o nível do do Brasil, mas em 1968 já era 3 vezes o do Brasil. Atualmente, o PIB per capita do Brasil é pouco mais de 30% do do Japão. Na comparação com os EUA, o Brasil em torno de 1870 tinha um PIB per capita correspondente a 30% do dos EUA. Na primeira guerra (1914-18) essa cifra havia caído para cerca de 15%; ao final da segunda guerra (1945) estava em 12%; depois de chegar a 25% em meados dos anos 1980, é hoje aproximadamente 20%. 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 REINO UNIDO ESTADOS UNIDOS BRASIL JAPÃO Figura 2.4. PIB per capita em Dólares PPP, Reino Unido, Estados Unidos, Brasil e Japão (1870-2010). Fonte: The Maddison-Project, http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm, 2013 version. http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/data.htm; cálculos do autor. A partir dos anos 1970, foi a vez de a China assumir um padrão de excepcional crescimento. Na figura 2.5 observa-se que a China dispara a partir de 1981, passando a crescer de 6% a 15% ao ano, com raras exceções. Desde então, enquanto o Brasil dobrou 14 seu PIB duas vezes, a China o fez por 6 vezes. Em 2014, o PIB da China igualou-se ao PIB dos EUA (cujo PIB também dobrou duas vezes no período) e mantém-se na dianteira desde então de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Figura 2.5. PIB em Bilhões de Dólares PPP, China, Estados Unidos e Brasil (1980- 2021). Fonte: International Monetary Fund.( http://www.imf.org/external/datamapper/index.php --14/set/2016) Obs.: projeções a partir de 2016. Hoje os especialistas divergem quanto à possibilidade de grandes mudanças na classificação internacional de nações em termos de PIB per capita, como foi o caso do Japão no pós-guerra. A despeito dos casos de sucesso como os dos tigres asiáticos (Hong Kong, Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan), que tiveram substancial crescimento a partir dos anos 1960 até os anos 1990, e da China mais recentemente, alguns economistas acreditam que muitos países não consigam alcançar os níveis de renda per capita dos países desenvolvidos (como EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido). Suas taxas de crescimento, a partir de certo ponto, desaceleram e se mantêm em patamares insuficientes para a convergência com os países mais ricos. É o fenômeno que ficou conhecido como 15 “armadilha da renda média”, que ocorre quando um país atinge renda per capita média e vê seu crescimento desacelerar-se sem que alcance os patamares dos países ricos. Conforme lembram Agénor e outros (2012)8, em muitos casos, o alcance da renda média se processa através da industrialização da economia, com realocação do trabalho da agricultura para a indústria, onde a produtividade é maior. O crescimento conta ainda com o uso de tecnologia geradano exterior, apreendida através do processo de learning by doing. A partir de certo ponto (renda média) novos avanços dependem fortemente de qualificação da força de trabalho, capacidade de geração de tecnologia, infraestrutura logística, de tecnologia de informação, e de integração ao mercado internacional. Esse conjunto de fatores resulta no aumento de produtividade do total de fatores de produção da economia (PTF). Para que tais mudanças ocorram é necessário que no país constitua- se um conjunto de instituições, que valorizem a meritocracia, a responsabilidade fiscal, a transparência, o cumprimento dos direitos e obrigações. Ver a respeito, por exemplo, Acemoglu e Robinson (2012). Para que os países convirjam para uma renda per capita parecida, é necessário que, com o passar do tempo, os países reduzam a diferença de produtividade que há entre eles. Para que isso ocorra, os países em desvantagem atualmente precisam apresentar maiores taxas de crescimento de produtividade para, após certo tempo, aproximarem-se dos países mais produtivos. A figura 2.6 ilustra esse ponto ao mostrar, para 148 países, a evolução do PIB per capita (apenas uma aproximação da produtividade, mas que serve aos propósitos em questão) de 1990 a 2015. No eixo horizontal está o log do PIB per capita em 1990. No eixo vertical está PIB per capita em 2015. É importante destacar que 86% das variações de PIB per capita entre países observadas em 2015 se devem às variações já observadas em 1990. Conclui-se que não foi comum mudança de status econômico entre países no período de 1990 a 2015. A maioria dos países teve seu PIB per capita aumentado (pontos acima da linha de 45 graus) entre esses anos. Em média esse aumento foi de 1.6% ao ano; para o Brasil a taxa foi de 1,4% ano e para a China, 9,1%. Em 2015, a China ainda tinha PIB per capita 7% abaixo do do Brasil; mas a tendência é de a China migrar para o grupo de renda alta 8 Agénor, P.R., O. Canuto, M. Jellenic. 2012. Avoiding Middle Income Growth Traps. Economic Premise no. 73792. Poverty Reduction and Economic Management (PREM) Network. World Bank. (http://siteresources.worldbank.org/EXTPREMNET/Resources/EP98.pdf, 16/09/2016). 16 (se mantiver as elevadas de crescimento observada no período), o que não é o caso do Brasil. Para a Guiné Equatorial, a taxa foi de 14% ao ano em razão da descoberta e exploração de jazidas de petróleo na década de 1990. Seu PIB per capita é o dobro do do Brasil, mas caracteriza-se por problemas socioeconômicos bem mais graves9. Países que dependem excessivamente da produção de petróleo tendem a possuir PIB elevado, mas muito mal distribuído e instável. 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 GUI EQUAT CHINA BRA Figura 2.6 Logaritmo (base neperiana) de PIB per capita entre 1990 e 2015 Fonte: World Bank, International Comparison Program database. Obs.: valores de PIB são medidos pelo conceito PPP e a preços constantes de 2011. http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=2&series=NY.GDP.PCAP.PP.KD&country=# (20/09/2016) No tocante ao comportamento da produtividade do trabalho, Baumol (1986) havia identificado convergência entre clubes de países: industrializados, economia centralmente planejadas e países de renda média. Não observou convergência entre os países mais pobres. Paul Romer (1986) acredita que os países desenvolvidos manterão sua liderança enquanto eles gerarem tecnologia e os países em desenvolvimento limitarem-se a adotá- 9 Ver, por exemplo, Banco Mundial: http://data.worldbank.org/country/equatorial-guinea (21/09/2016) 17 las; com isso o hiato (gap) tecnológico entre os países persiste. A competência (capital humano) para gerar tecnologia e utilizá-la produtivamente é determinante do crescimento da produtividade (PIB por trabalhador). Na figura 2.7 relacionam-se, para um grupo de países, o log do PIB per capita em 1990 e a respectiva taxa acumulada de crescimento até o ano 2015 (dada pela inclinação das linhas). No “clube” dos de renda alta ou que tendem a se tornar de renda alta estão aqueles países com alta renda já em 1990 bem como aqueles com baixa ou média em 1990 que experimentaram taxas mais altas de crescimento per capita. A Coréia do Sul, por exemplo, entrou nesse clube no período considerado. O PIB per capita no Brasil – localizado entre os países renda média - não cresceu o suficiente para se posicionar entre os mais ricos. Notar que Chile e Tchecoslováquia parecem transitar entre essas classes com maior probabilidade. O destaque é, sem dúvida, para a China, que já juntou os requisitos para alçar à classe alta graças ao seu persistente crescimento acelerado. Índia e Vietnam migraram da classe baixa para a média no período considerado. -1,00 0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 9,00 7,0 7,5 8,0 8,5 9,0 9,5 10,0 10,5 11,0 RENDA BAIXA RENDA MÉDIA RENDA ALTA VNM BRA CHN IND KOR NOR IRL CHL CZK EUA Figura 2.7. Log do PIB per capita em 1990 e crescimento acumulado até 2015. Fonte: World Bank, International Comparison Program database, cálculos do autor. Obs.: valores de PIB são medidos pelo conceito PPP e a preços constantes de 2011. http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=2&series=NY.GDP.PCAP.PP.KD&country=# (20/09/2016) 18 2.3. Teorias e Evidências: Importância da poupança e do capital Bacha & Bonelli (2004) se propuseram a responder por que o crescimento brasileiro sofreu um colapso após 1980, conforme na Figura 2.8: uma queda de taxas ao redor de 7,5% ao ano para algo próximo de 2,3%. Note-se que, desde que o trabalho foi realizado, o país, por um período de “Bonança Externa”10, em que cresceu mais rapidamente, chegando ao redor de 5-6%. Mas é uma mudança muito recente, não se configurando ainda uma tendência de mudança de patamar. -10 -5 0 5 10 15 19 46 19 49 19 52 19 55 19 58 19 61 19 64 19 67 19 70 19 73 19 76 19 79 19 82 19 85 19 88 19 91 19 94 19 97 20 00 20 03 20 06 20 09 20 12 20 15 7,5 2,3 Figura 2.8. Taxas de Crescimento do PIB, 1946-2015 Fonte: IBGE, IPEDATA, elaboração do autor A primeira tentativa de resposta dos autores foi relacionar as taxas de crescimento e do estoque de capital, constatando uma relação visível entre elas (figura 2.9). Principalmente, verifica-se que a queda nas taxas do PIB a partir de 1980 é acompanhada por queda também nas taxas do capital. A importância do capital para explicar o 10 Denominou-se “Bonança Externa” o período entre 2003 a 2011em que o Brasil se beneficiou do “boom das commodities”, cujos preços em dólares experimentaram forte elevação gerando grandes superávits comerciais e substancial valorização cambial. Nesse período, o Brasil aumentou também significativamente suas importações de bens (de consumo e investimento) e serviços. Ver Bacha (2013) e Barros (2016). 19 crescimento econômico é tradicional e é enfatizada, por exemplo, nos modelos de Harrod (1939) e Domar (1946). Figura 2.9. Taxas de Crescimento do PIB e do Estoque de Capital, Brasil, 1941-2002. Fonte: Bacha & Bonelli O modelo mais usado no presente contexto, conhecido como “Modelo AK”, considera os lados da oferta e da demanda do produto (PIB) da economia. Do ladoda oferta estabelece-se a relação entre produto (Y) e capital (K): KY s (2.1) onde , o coeficiente produto-capital, é uma constante11. A depreciação do capital não é considerada. Por diferenciação: 11 Trata-se de função de produção do tipo Leontief (coeficientes fixos) mais geral },min{ LKY , sendo a relação produto-trabalho. A expressão KY supõe que não existe restrição na oferta de trabalho (L). Na literatura sobre crescimento esse é comumente chamado de modelo AK, dada a representação usual com A . Estimou-se que no Brasil teria evoluído de 1 a 0,33 entre 1950 e 1992, sendo 0,36 em 1999. Ver Morandi, L., N. Zygielszyper, E. J. Reis. “Tendências da Relação Capital/Produto na Economia Brasileira”. ( http://desafios.ipea.gov.br/pub/bccj/bc_051m.pdf) -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 19 41 19 43 19 45 19 47 19 49 19 51 19 53 19 55 19 57 19 59 19 61 19 63 19 65 19 67 19 69 19 71 19 73 19 75 19 77 19 79 19 81 19 83 19 85 19 87 19 89 19 91 19 93 19 95 19 97 19 99 20 01 PIB CAPITAL 20 KY s (2.1’) Dividindo por sY : K K K K Y Y s s Ou seja, produto e capital sempre crescem à mesma taxa, o que está refletido no estudo de Bacha e Bonelli (figura 2.9). Fazendo o investimento (I) igual à variação no capital ( K ) tem-se KI (2.1’’) e, portanto, (2.1’) fica IY s (2.2) Adicionalmente, do lado da demanda, faz-se o produto ser a soma de consumo (C) e investimento (I): ICY d (2.3) com sbYC (2.4) onde 10 b é a propensão a consumir, sendo )1( bs a propensão a poupar. Logo, a poupança S será ssYS (2.4’) Voltando a (2.3): IsYYIYsICY sssd )1( Considerando equilíbrio na economia: YYY ds ; logo: ssdsd YISYYYY IS (2.5) 21 Ou seja, a economia está equilibrada quando S = I; em outras palavras, poupança e investimentos devem ser iguais. Então, em equilíbrio ocorrem: Y KIsYS (2.6) por causa de (2.1’). Especificamente s Y YY sY (2.6’) A expressão (2.6’) estabelece, portanto, que a taxa de crescimento do produto é igual ao produto da propensão a poupar pelo coeficiente produto-capital, que na terminologia de Harrod, seria taxa garantida de crescimento. Além disso, como ISsY , diferenciando: I I sY I Y Y Y I Y Y sIYs (2.7) Conclui-se que em equilíbrio: s I I K K Y Y (2.8) Assim, tem-se uma tripla igualdade numa economia em crescimento equilibrado: a) K K Y Y ocorre sempre (é uma identidade), em razão da função de produção escolhida; b) I I Y Y ocorre somente quando a economia está em equilíbrio; depende de que oferta e demanda (e, logo, S e I) sejam iguais; c) I I K K ocorre somente em equilíbrio; é consequência das duas primeiras igualdades. 22 Considerando (2.8) percebe-se que a força que promove o produto e o investimento é a poupança, cuja propensão é s. Examinando (2.8) percebe-se que a taxa de crescimento do capital ( K K ) deve variar proporcionalmente a s, sendo a proporcionalidade dada pela relação produto capital ( ). Bacha e Bonelli buscam, então, identificar a relação entre s e K K . Na figura 2.10 mostram-se as taxas de poupança doméstica (SD/PIB) e total (ST/PIB, que soma a poupança doméstica mais a externa). Figura 2.10. Taxas de Poupança, Brasil, 1947-2012. Fonte: IBGE – Total: azul; Doméstica: vermelha. A poupança total cresceu de cerca de 10% do PIB durante a segunda guerra mundial até 24% em 1980. Destaca-se a contribuição da poupança externa (diferença entre ST/PIB e SD/PIB) nos anos 1970, um subproduto da crise do petróleo, que gerou excedente de dólares nas mãos dos seus produtores, excedente esse que permitiu forte expansão dos empréstimos e financiamentos externos ao Brasil e outros países, com balanço de pagamentos deficitário. Segue-se uma queda acentuada na poupança externa e, consequentemente, a taxa total cai para cerca de 18%. Após um salto para cima da 23 poupança doméstica no final dos anos 1980, ela sofre uma nova queda na década de 1990, sendo que a poupança externa garante que a taxa total fique entre 18% e 20%. A consideração do modelo “AK” deixa o entendimento do crescimento econômico do Brasil no seguinte pé: o comportamento do investimento – ou do crescimento do capital - relaciona-se bem com o crescimento do PIB. No entanto, a poupança isoladamente não explica a queda nas taxas de crescimento do PIB e do capital após 1980. Como a figura 2.10 demonstra, a partir desse ano, esta última ( K K ) cai em torno de 6,4 pontos percentuais independentemente da poupança. Bacha e Bonelli partem para a busca de explicações adicionais utilizando o modelo de Solow. Bacha e Bonelli enfatizam a pouca associação entre taxas de poupança e de crescimento do capital (comparando-se as figuras 2.9 e 2.10, como apresentado na figura 2.11). Detectam, porém, uma queda forte na taxa de poupança dos anos 1980. A queda na taxa de crescimento do capital é ainda mais acentuada: K K cai de valores acima de 5% ao ano para algo em torno de 2%. Levando essa quebra em conta como na figura 2.11, estima-se que para cada ponto percentual de acréscimo em s, a taxa de crescimento do estoque de capital cresce 0,36 ponto percentual12. 12 Bacha e Bonelli estimam a função relacionando crescimento do capital ( K K ) à taxa de poupança (s): Ds K K )95,13( 064,0 )66,6( 359,00215,0 , onde D = Dummy para o período 1981-2002. 24 0 5 10 15 20 25 30 19 41 19 44 19 47 19 50 19 53 19 56 19 59 19 62 19 65 19 68 19 71 19 74 19 77 19 80 19 83 19 86 19 89 19 92 19 95 19 98 20 01 0 2 4 6 8 10 12 14 ST/PIB ΔK/K Figura 2.11. Funções relacionando a Taxa de Crescimento do Estoque de Capital e a Taxa de Poupança. Brasil, 1941-2002 Fonte: Bacha & Bonelli EXERCÍCIOS 1. O modelo KY supõe uma função de Leontief (rodapé 8) para o caso em que o fator trabalho (L) não é restritivo. Se 4,0 e 5,0 (a) qual tem de ser o nível de investimento (I(0)) para que produto )0(Y seja de equilíbrio se 1000)0( K e 25,0)0( s ? (b) Qual o nível de emprego? (c) Qual a taxa de crescimento de Y? (d) Qual será o produto de equilíbrio ( )10(Y )? (e) Se ainda em t=10 passar-se a 30,0)10( s , quais os impactos em Y, S , C, I, e K.? (f) Qual o novo nível de emprego? (g) Qual a nova taxa de crescimento de Y e K para o novo valor de s? 2. Considerando a fórmula dada no rodapé 12, calcule quanto será o crescimento do estoque de capital (e, portanto, do produto) para 17,0s e 25,0s . 3. Analisando a figura 2.6, pode-se concluir que as diferenças de produtividade (aproximada pelo PIB per capita) entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (A) se devem mais ao que se passou antes de 1990 do que ao que se passou depois desse ano? 254. Pastore et al (2010) expressam a relação Investimento-PIB (It/Yt) para atingir certa taxa de crescimento econômico )/( YY como sendo: )}1( )1)(1( )1( { 1 1 1 ng Y Y Y K Y I t t t t onde Kt-1/Yt é a relação capital produto; g é taxa de crescimento da tecnologia, n a taxa de crescimento populacional e δ a depreciação . Calcular a relação (It/Yt) para g = n = 0,01 e δ=0,04 se 03,0)/( YY e 05,0)/( YY .
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