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Ensemble Grande Canônico

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6. O Ensemble Grande Canoˆnico
Outro tipo de situac¸a˜o f´ısica de bastante interesse e´ encontrada quando, ale´m do sistema em
ana´lise estar em equil´ıbrio te´rmico com um reservato´rio, ele tambe´m se encontra em equil´ıbrio
“qu´ımico”, podendo trocar part´ıculas com o mesmo. Para que possamos tratar estatisticamente
tal classe de sistemas necessitamos introduzir um novo tipo de ensemble, o qual chamaremos de
grande canoˆnico.
Resumindo: O ensemble microcanoˆnico nos descreve sistemas isolados. Ja´ o canoˆnico descreve
sistemas livres para trocar energia com um reservato´rio te´rmico, mas mantendo um nu´mero fixo de
part´ıculas. Falta-nos discutir sistemas em equil´ıbrio te´rmico e “qu´ımico”, ou seja onde o nu´mero
de part´ıculas na˜o e´ constante, mas sua me´dia e´ determinado pelas condic¸o˜es externas ao sistema.
A motivac¸a˜o f´ısica para tal construc¸a˜o e´ obvia, pois nem sempre temos sistemas nos quais o
nu´mero de part´ıculas e´ fixo. A Fig. 1 indica pictoricamente como constru´ımos o ensemble.
2;V T
1;V T
Sistema 2
Sistema 1
troca de energia
e de partículas
troca de energia
e de partículas
Figura 1: Os dois subsistemas caracterizados por V1 e V2, onde V2 � V1, esta˜o equil´ıbrio te´rmico a
uma temperatura T . Eles sa˜o postos em contato e trocam energia e part´ıculas.
O sistema constitu´ıdo dos subsistemas 1 e 2, conforme ilustrado na Fig. 1 encontra-se em
equil´ıbrio te´rmico a uma temperatura T e possui um nu´mero de part´ıculas fixo. Para descreveˆ-lo
estatisticamente e´ indicado usar o ensemble canoˆnico discutido na cap´ıtulo anterior.
O volume do espac¸o de fases do ensemble grande canoˆnico vai enta˜o ser expresso em termos dos
momentos pN e das posic¸o˜es qN de seus N constituintes. A densidade de pontos representativos
e´ dada por ρC(p
N ,qN). Estamos interessados em estudar o subsistema 1, onde o nu´mero de
part´ıculas N1 na˜o e´ fixo. Para isto vamos inicialmente obter ρGC(p
N1 ,qN1), a densidade de pontos
representativos do ensemble grande canoˆnico.
A construc¸a˜o mais conveniente para obtermos ρGC(p
N1 ,qN1) e´ considerarmos inicialmente um
sistema canoˆnico com N part´ıculas, volume V e temperatura T para estudarmos uma pequena
subdivisa˜o do mesmo de volume V1. Vamos supor que o nu´mero de mole´culas N1 contidas no
volume V1 e´ sempre muito menor que N2 em V2 = V − V1. Designando-as atrave´s das coordenadas
60
(pN1,qN1)
H(pN ,qN) = H(pN1,qN1) +H(pN2 ,qN2) (1)
que implica desprezarmos a interac¸a˜o entre elementos de 1 e 2. Tal aproximac¸a˜o e´ bastante razoa´vel
(como ja´ discutimos anteriormente), pois deixamos de considerar apenas termos que dependem da
superf´ıcie que envolve V1. Em outras palavras, se um volume conte´m N part´ıculas e a densidade e´
homogeˆnea, N2/3 part´ıculas estara˜o na superf´ıcie.
A func¸a˜o partic¸a˜o do sistema completo (1 + 2) e´
ZN (V, T ) =
1
N !h3N
∫
dNpdNq e−βH(p
N,qN )
e podemos expressar em termos dos subsistemas 1 e do 2. Como na˜o estamos interessados em quais
part´ıculas va˜o para V1, mas que la´ tenhamos N1 part´ıculas em (p
N1,qN1), podemos escrever
ZN (V, T ) =
1
N !h3N
N∑
N1=0
N !
N1!N2!
∫
dN1p
∫
V1
dN1q e−βH(p
N1 ,qN1 )
×
∫
dN2p
∫
V2
dN2q e−βH(p
N2 ,qN2 ) (2)
onde o termo combinato´rio corresponde ao nu´mero de modos distintos que podemos tomar N1
part´ıculas de um total de N no volume V1. Rearranjando a expressa˜o acima (2)
ZN (V, T ) =
N∑
N1=0
1
N1!h3N1
∫
dN1p
∫
V1
dN1q e−βH(p
N1 ,qN1 ) 1
N2!h3N2
∫
dN2p
∫
V2
dN2q e−βH(p
N2 ,qN2)
=
N∑
N1=0
ZN2(V2, T )
1
N1!h3N1
∫
dN1p
∫
V1
dN1q e−βH(p
N1 ,qN1 )
=
N∑
N1=0
∫
dN1p
∫
V1
dN1qZN2(V2, T )
e−βH(p
N1 ,qN1)
N1!h3N1
(3)
Desta relac¸a˜o podemos intuir ρGC(p
N1,qN1), a probabilidade de termos N1 part´ıculas em V1 nas
coordenadas (pN1 ,qN1), como sendo proporcional a
∑
N1
∫
dN1p dN1q. Normalizando ρGC(p
N1,qN1)
como
N∑
N1=0
∫
dN1p dN1q ρ(pN1,qN1) = 1 (4)
e comparando as relac¸o˜es (3) com (4) inferimos que
ρGC(p
N1 ,qN1) =
ZN2(V2, T )
ZN (V, T )
e−βH(p
N1 ,qN1 )
h3N1N1!
. (5)
Note que (5) praticamente nos da´ o resultado esperado, pois podemos integrar todos os graus de
liberdade do sistema 2 e manter expl´ıcitos apenas informac¸o˜es macrosco´picas sobre o subsistema
1. Usando a conexa˜o entre a func¸a˜o partic¸a˜o canoˆnica e a energia livre de Helmholtz, escrevemos
ZN2(V2, T )
ZN (V, T )
= exp{−β [F (N −N1, V − V1, T )− F (N,V, T )]} (6)
61
e relembrando as relac¸o˜es termodinaˆmicas e que N � N1 e V � V1
F (N −N1, V − V1, T )− F (N,V, T ) ≈ −N1
(
∂F
∂N2
)
N2=N
− V1
(
∂F
∂V2
)
V2=V
≈ −N1µ+ V1P (7)
onde µ e´ o potencial qu´ımico e P a pressa˜o do sistema externo a V1. Introduzindo
z = eβµ (8)
usualmente chamado de “fugacidade”, podemos reescrever (5) como
ρGC(p
N ,qN) =
zN
N !h3N
e−βPV−βH(p
N ,qN ) , (9)
onde omitimos o subscrito 1, pois agora o subsistema 2 foi inteiramente absorvido pelas varia´veis
macrosco´picas T, µ e P . Podemos agora, sem perda de generalidade, fazer o volume externo ao
sistema em considerac¸a˜o ir a infinito. Nestas condic¸o˜es, o intervalo a ser considerado para N e´
0 ≤ N ≤ ∞. Neste ponto e´ conveniente introduzirmos o potencial termodinaˆmico Ω, definindo
usualmente como:
Ω ≡ −PV = U − TS − µN (10)
o qual depende das varia´veis termodinaˆmicas T, V e µ. 1 Tal potencial e´ bastante parecido em
esp´ırito com a entalpia, energia livre de Gibbs e Helmholtz, sendo pro´prio para sistemas onde o
nu´mero de part´ıculas na˜o e´ fixo.
6.1. Roteiro para obter a termodinaˆmica
Agora e´ muito fa´cil estabelecermos o roteiro para recuperarmos a termodinaˆmica, o qual vamos
delinear atrave´s de uma receita formal, a qual usa a func¸a˜o partic¸a˜o grande canoˆnica
Z(z, V, T ) =
∞∑
N=0
zNZN (V, T ) , (11)
a qual pode, em princ´ıpio, ser calculada de posse da hamiltoniana. Inserindo (11) em (9), integrando
sobre pN e qN e somando sobre N escrevemos
∞∑
N=0
zN
h3NN !
∫
dNpdNq eβΩ−βH = 1 (normalizac¸a˜o)
eβΩ
∞∑
N=0
zNZN (V, T ) = 1 ,
o que da´
Ω = −kT lnZ(z, V, T ) (12)
1Para maiores detalhes recomendamos uma leitura do Apeˆndice B e da literatura la´ arrolada.
62
desta forma podemos calcular a pressa˜o do sistema sabendo z, V e T (lembre-se que Ω ≡ −PV ).
Como N ≡ 〈N〉 pode ser obtido diretamente
N =
∑∞
N=0Nz
NZN (V, T )∑∞
N=0 z
NZN (V, T )
= z
∂
∂z
lnZ(z, V, T ) (13)
atrave´s da me´dia sobre o ensemble, podemos escrever a equac¸a˜o de estado do sistema (expressando
P em termos de N,V e T ) eliminando z de (12) atrave´s de (13).
As outras relac¸o˜es termodinaˆmicas obtemos a partir da energia interna
U = − ∂
∂β
lnZ(z, V, T ) (14)
e com (13) sendo a relac¸a˜o chave para eliminarmos z. Da´ı:
CV =
(
∂U
∂T
)
V
, S =
∫ ∞
0
dT
CV
T
, etc. (15)
6.2. Flutuac¸o˜es na densidade no ensemble grande canoˆnico
Das considerac¸o˜es da secc¸a˜o anterior na˜o e´ dif´ıcil mostrar que
〈N2〉 − 〈N〉2 = z ∂
∂z
z
∂
∂z
lnZ(z, V, T ) (16)
uma vez que de (13)
z ∂
∂z
(
z ∂
∂z
lnZ(z, V, T )
)
= z ∂
∂z
(∑
NzNZN (V,T )∑
zNZN (V,T )
)
=
∑
N2zNZN (V,T )∑
zNZN
−
(∑
NzNZN (V,T )∑
zNZN
)2
Para processos em que T e V sa˜o constantes,
∂
∂z
=
∂
∂µ
∂µ
∂z
=
(
∂eβµ
∂µ
)−1
∂
∂µ
=
1
βz
∂
∂µ
Portanto
〈N2〉 − 〈N〉2 = kT
(
∂〈N〉
∂µ
)
T,V
(17)
Desta relac¸a˜o, mesmo na˜o conhecendo o valor de (∂〈N〉/∂µ)T,V esperamos que a mesma seja
proporcional a 〈N〉. Deste modo √
〈N2〉 − 〈N〉2
〈N〉 ≈
1√
〈N〉
(18)
indicando que no limite termodinaˆmico o ensemble canoˆnico e o grande canoˆnico coincidem. Mais
do que isto podemos trac¸ar paralelos entre as relac¸o˜es (??) e (17), ambas “medem”as flutuac¸o˜es
63de grandezas livres do sistema em equil´ıbrio com o exterior em func¸a˜o de uma “susceptibili-
dade”apropriada do sistema. Estes sa˜o casos especiais de um regra mais geral conhecida como
teorema da flutuac¸a˜o-dissipac¸a˜o, historicamente formulado pela primeiro vez por Einstein ao estu-
dar o movimento Browniano.
A relac¸a˜o (17) pode ser escrita como
〈N2〉 − 〈N〉2 = 〈N〉kT
v
κT (19)
onde v e´ o volume definido por v = V/〈N〉 e κT e´ a compressibilidade isote´rmica do sistema,
uma grandeza experimentalmente acess´ıvel. Para se obter (19) de (17) algumas manipulac¸o˜es de
grandezas termodinaˆmicas sa˜o necessa´rias.
A compressibilidade isote´rmica e´ dada por
κT =
1
V (−∂P/∂V )T
, (20)
como em geral ∂P/∂V > 0, κT e´ finito e 〈N2〉 − 〈N〉2 > 0 e nada muda em nossa discussa˜o. No
entanto, no caso de uma transic¸a˜o de fase de primeira ordem 2 ∂P/∂V = 0, flutuac¸o˜es na densidade
sa˜o muito grandes e outra construc¸a˜o e´ necessa´ria para mostrarmos a equivaleˆncia dos ensembles.
Resumo do cap´ıtulo e sugesto˜es bibliogra´ficas
Inserir alguns exemplos, discutir o ensemble das presso˜es, listar bilbiografia.
Problemas resolvidos
1. Func¸a˜o partic¸a˜o grande canoˆnica:
(a) Mostre que a func¸a˜o partic¸a˜o grande canoˆnica de um ga´s monoatoˆmico ideal constitu´ıdo
de N mole´culas pode ser escrita na forma
Z = eλf
(b) Mostre que 〈N〉 = λf
(c) Se considerarmos um volume pequeno v do volume total V do sistema qual e´ a probablili-
dade de encontrarmos n part´ıculas neste subsistema pequeno (Sugesta˜o: Use a densidade
de probabilidade do ensemble grande canoˆnico). O resultado lhe e´ familiar?
Soluc¸a˜o: Comecemos pela func¸a˜o partic¸a˜o canoˆnica:
ZN =
1
N !h3N
∫
dNpdNq e−βH =
1
N !
(
1
h3
∫
dpdq e−βp
2/2m
)N
=
1
N !
fN
onde
f =
1
h3
∫
dpdq e−βp
2/2m = V
(
2pimkT
h2
)3/2
2Um exemplo de transic¸a˜o de fase de 1a ordem e´ o processo de fusa˜o da a´gua
64
(a) Como a func¸a˜o partic¸a˜o grande canoˆnica e´
Z =
∑
zNZN com z = eβµ
enta˜o
Z =
∞∑
N=0
zN
fN
N !
.
Uma vez que reconhec¸amos na se´rie acima ex =
∑∞
n=0 x
n/n!, otemos imediatamente
Z = ezf .
(b) O nu´mero me´dio de a´tomos e´
〈N〉 =
∑
NzNZN∑
zNZN
= z
∂
∂z
lnZ ,
o que da´ 〈N〉 = zf . Em geral, o problema a ser resolvido e´ justamente encontrar o potencial
qu´ımico µ, ou a fugacidade z que fixa o nu´mero me´dio de part´ıculas, o que aqui e´ feito e forma
trivial.
(c) O problema se reduz a lembrarmos que a probabilidade de encontrarmos n part´ıculas no volume
v e´
Pn =
zn Zn
Z .
Uma vez que obtivemos no item anterior que Zn = fn/n! e Z = e−zf , chegamos imediatamente
a` expressa˜o
Pn = znfn
e−zf
n!
.
Novamente lembrando de um resultado anterior, 〈N〉 = zf , a resposta final e´ a distribuic¸a˜o
binomial
Pn = e−〈N〉
〈N〉n
n!
,
resultado ja´ obtido (de outra forma) num problema 5 do Cap´ıtulo 1.
Problemas propostos
1.
65

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