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RESENHA Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado pag 41 a 52

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Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado – Louis Althusser: uma resenha Paginas 41 a 52.
O filósofo francês escolhe o Estado como primeiro alvo de análise para passar do descritivo para a teoria sob o ponto de vista da reprodução.
A tradição marxista é peremptória: o Estado é explicitamente concebido a partir do Manifesto e do 18 Brumário (e em todos os textos clássicos ulteriores, sobretudo de Marx sobre a Comuna de Paris e de Lenine sobre o Estado e a Revolução) como aparelho repressivo. O Estado é uma ‘máquina’ de repressão que permite às classes dominantes (no século XIX à classe burguesa e à ‘classe’ dos proprietários de terras) assegurar a sua dominação sobre a classe operária para a submeter ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à exploração capitalista).[11]
O Estado, assim, é um aparelho de Estado que se define na luta de classes como arma da burguesia e seus aliados contra o proletariado. Esta é sua função fundamental. Sua existência, por sua vez, dentro do aparelho de Estado, só faz sentido “em função do poder de Estado“[12]. Ou seja, a luta de classes política gira em torno da tomada do poder de Estado. O poder de Estado não se confunde com o aparelho de Estado, mas tomar o poder de Estado é visar controle sobre o aparelho de Estado, apesar de ser possível tomar o poder de Estado sem modificar o funcionamento de parte do aparelho estatal, como Lênin denunciou após a revolução de 1917.
Junto do aparelho (repressivo) de Estado, há também os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). Como podemos distinguir os AIE do aparelho de Estado (AE)? O último funciona através da violência, compreende “o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os Tribunais, as Prisões, etc., que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho Repressivo de Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em questão ‘funciona pela violência’, – pelo menos no limite (porque a repressão, por exemplo, administrativa, pode revestir formas não físicas)”[13]. Já o primeiro, os AIE, são compostos por um certo número de realidades que se apresentam ao observador como instituições distintas. Althusser enumera alguns:
O AIE religioso, que é o sistema das diferentes igrejas;
O AIE escolar, que compreende o sistema das diferentes escolas públicas e particulares;
O AIE familiar;
O AIE jurídico;
O AIE político, que compreende o sistema político com os diferentes partidos que o jogam;
O AIE da informação, como a imprensa, o rádio, a televisão e etc;
Entre diversos outros.
Os AIE não se confundem com o aparelho (repressivo) de Estado. Primeiramente, os AIE são plurais, já o AE é único. Depois, é possível constatar que, enquanto o aparelho (repressivo) de Estado pertence ao domínio público, os AIE se dispersam (em sua aparente dispersão) no domínio privado.
Cabe agora uma observação importante de Althusser: o fato dos AIE serem de domínio privado não implica em seu funcionamento não ter o viés da classe dominante, que detém o poder estatal. A separação de público e privado como a conhecemos é feita dentro do direito burguês, mas o Estado (burguês) escapa ao direito, na medida em que é condição de existência do direito (burguês).
Acima, falamos que os aparelhos repressivos de Estado funcionam pela violência e que essa é sua característica. Os AIE, por sua vez, funcionam pela ideologia. Esse funcionamento não é exclusivo: um aparelho repressivo funciona predominantemente pela violência, mas também em menor grau, através da ideologia, como a violência e a coerção ideológica praticada pelo aparelho policial. Ao mesmo tempo, as escolas, aparelhos ideológicos por excelência, funcionam através da ideologia, mas dispõem de uma gama de métodos de exclusão e castigo para reformar seus rebeldes.
A detenção durável do poder de estado envolve o exercício da hegemonia sobre os AIE. Não é possível, sendo assim, continuar detendo o poder de estado sem controlar eficientemente os AIE. Inclusive, por não ser unificado e centralizado numa unidade de comando, os AIE são campos de contradições da luta de classes mais aparentes e neles é possível ver o resultado do choque das classes em luta.
A questão suscitada mais acima, sobre a reprodução das relações de produção, pode ser agora explicada: ela é assegurada majoritariamente pela superestrutura. Essa resposta ainda é atrasada e utiliza a metáfora descritiva que o autor deixou de lado para desenvolver sua interpretação a partir da reprodução. Pode-se, então, modificar a afirmação acima para: a reprodução das relações de produção é assegurada através do exercício da hegemonia da classe dominante feito pelo uso do Aparelho Repressivo de Estado e dos Aparelhos Ideológicos de Estado.
Os Aparelhos repressivos de Estado funcionam pela violência para garantir, em última instância, a reprodução das relações de exploração no Estado capitalista e, também, para garantir as condições políticas do funcionamento dos Aparelhos Ideológicos de Estado. Este, por sua vez, asseguram a maior parte da reprodução das relações de produção, protegidos pelo Aparelho repressivo de Estado. É através da ideologia dominante que o AE e os AIE mantêm uma certa harmonia que garante a proteção de um pelo outro.
Segundo Althusser, na sociedade capitalista atual, o aparelho de Estado dominante é o Aparelho Ideológico Escolar[14]. O autor diz que esta tese pode parecer paradoxal, na medida em que a classe dominante prefere ser vista aos olhos da sociedade (ou seja, aos olhos dela própria e da classe dominada) como sendo fortalecida fundamentalmente pelo aparelho político, o sistema democrático parlamentar nascido do sufrágio universal que coloca em luta diversos partidos.
Mas a história mostra que o capitalismo convive muito bem com regimes diferentes do democrático parlamentar, diz Althusser. Seus exemplos são o Império, a Monarquia da Carta, a Monarquia parlamentar e, em seguida, o sistema democrático presidencialista, todos na França [15].
O filósofo enumera de maneira pedagógica:
Todos os Aparelhos Ideológicos de Estado competem pelo mesmo objetivo: a reprodução das relações de produção, ou seja, na reprodução das relações de exploração capitalistas.
Cada aparelho o faz à sua maneira. O aparelho político assujeita os indivíduos à ideologia política de Estado, “democrática”; já o aparelho de informação, através de jornais, televisão, rádio e, hoje, mídias sociais, assujeita os indivíduos com doses de moralismo, liberalismo e, no Brasil, uma dose extra de cordialidade, assim por diante.
Todos esses aparelhos servem a um mesmo objetivo (a reprodução das relações de produção capitalistas, ou seja, a reprodução das relações de exploração em última instância), mas a harmonia aparente de seus objetivos pode ser perturbada com alguma contradição com a classe proletária, restos das antigas classes dominantes. Os AIE, como já dito, são locais de choque frequente.
Dentro desta harmonia de aparelhos ideológicos, há um que tem papel preponderante: a escola.
A escola recolhe todas as crianças de todas as classes sociais desde muito cedo, desde o período em que ela está mais vulnerável, e inculca-lhes os saberes práticos que a ideologia dominante tem como fundamentais (como a língua portuguesa, matemática, as ciências e as lições morais). No Brasil, logo depois do Ensino Fundamental, uma grande massa de crianças sai da escola e entra na produção, são os subempregados, trabalhadores da camada mais baixa do mercado de trabalho. Os que seguem na jornada de estudos do aparelho escolar, terminam o Ensino Médio e se transformam em trabalhadores, médios, às vezes operários especializados com cursos técnicos, às vezes trabalhadores mal-remunerados de escritórios. Os que conseguem avançar para o ensino superior se transformam no grupo especializado de proletários ou os gerentes fabricados para utilizar a voz de comando contra os operários.
Cada leva de indivíduos que deixam o caminho e entram na produção estão recheados da ideologia que lhes é necessária para exercer a função destinada a elesdentro da sociedade de classes, “papel de explorado (com ‘consciência profissional’, ‘moral’, ‘cívica’, ‘nacional’ e apolítica altamente ‘desenvolvida’)”[16].
Althusser afirma,
Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes práticos (savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante, que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, isto é, as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados.[17]
E o autor diz que os mecanismos que envolvem a reprodução das relações de produção são envolvidos pela ideologia da escola universal, livre de qualquer tipo de ideologia (não é de esquerda, não é de direita, não é progressista, não é conservadora), libertadora (já que os professores não podem desrespeitar a liberdade intrínseca que as crianças têm, não é papel deles influenciar qualquer tipo de opinião e decisão) e, claro, exemplar, na medida em que as crianças se tornam boas cidadãs na medida em que aprendem com o exemplo dos adultos e dos conhecimentos virtuosos e libertadores que lhes são dados.

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