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Metodologia Editorial Presidente do SEB (Sistema EducacionalBrasileiro S.A) Chaim Zaher Vice-Presidente do SEB Adriana Baptiston Cefali Zaher Diretoria Executiva do SEB Nilson Curti Rafael Gomes Perri Diretor da Faculdade Dom Bosco José Antonio Capito Coordenação da EaD da Faculdade Dom Bosco Edelclayton Ribeiro Coordenação do Curso de Administração Adriana Franzoi Coordenação do Curso de Tecnologia em Recursos Humanos Coordenação do Curso de Tecnologia em Gestão Financeira Coordenação do Curso de Tecnologia em Gestão de Marketing Adriana Franzoi Material elaborado por Alexandre Aparecido Dias Eduardo Ribeiro Rodrigues Hélcio de Pádua Lanzoni Ornella Pacífico Produção Editorial Pricila Massuchetto Letícia Marcelino © Faculdade Dom Bosco – Dom Interativo Todos os direitos desta edição reservados ao Dom Interativo modalidade de educação a distância da Faculdade Dom Bosco. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrônico, e mecânico, fotográfico e gravação ou qualquer outro, sem a permissão expressa Dom Interativo. A violação dos direitos autorais é punível como crime (Código Penal art. 184 e §§; Lei 6.895/80), com busca, apreensão e indenizações diversas (Lei 9.610/98 – Lei dos Direitos Autorais – arts. 122, 123, 124 e 126) Metodologia Científica O objetivo da disciplina Metodologia Científica é oferecer ao aluno instrumentos para que possa desenvolver suas potenciali- dades, ampliando a eficiência e a eficácia de sua aprendizagem. O aluno universitário precisa, muitas vezes, aprender a pensar e a aprender para tornar sua vivência universitária mais proveitosa, reduzindo drastica- mente a possibilidade de fracasso. Para tanto, é necessário um maior entendimento sobre o conceito de competência, que pode ser entendida como “domínio dos conteúdos, dos métodos, das técnicas das várias ciências, en- fim, o domínio das habilidades específicas de cada área de formação e de cada forma de saber e de cultura” (Severino 1999, p. 16). A com- petência é, portanto, uma característica da qual o ensino superior não pode prescindir para não ter que compactuar com o superficialismo e a mediocridade tão comuns no âmbito educacional. O amadurecimento do jovem e do adulto em ambiente de ensino superior é crucial para a aquisição de competência técnica, científica ou profissional, sem a qual se torna difícil dar sentido àquilo que se propuse- ram a estudar nos cursos que escolheram. Tal amadurecimento não pode ser obtido sem esforço deliberado e persistente por parte do aluno. Nesta disciplina serão apresentados e discutidos aspectos relevan- tes para a compreensão de diversos fatores que podem contribuir para o crescimento acadêmico, profissional e pessoal do aluno de 3o grau. A pr es en ta çã o EAD_GF_2.1_2013-2.indb 299 11/04/2013 16:10:35 U ni Ua Ue UU U Conhecimento Podemos definir conhecimento como uma tomada de consciência do ato de conhecer. Desde seu nascimento, o ho- mem adapta-se progressivamente a um mundo preexistente e, no processo de socialização, procura encontrar respostas para suas dúvidas e incertezas por meio do questionamento progressivo dos significados do mundo que o cerca. Assim, todo o desenvolvimento expe- rimentado pela humanidade é fruto da incessante busca do homem pela compreensão do universo circundante e o desejo de aprimorá-lo. Objetivos da sua aprendizagem Compreender os diferentes conceitos de conhecimento e suas carac- terísticas. Você se lembra? Você dever ter aprendido algo ou pelo menos ouvido falar de Galileu Galilei. Lembra-se de que ele foi punido por deter um conhecimento con- siderado herético no seu tempo? EAD_GF_2.1_2013-2.indb 301 11/04/2013 16:10:35 302 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o U.UUDefinição O conhecimento deve ser compreendido como um processo dinâmi- co, inacabado e em constante transformação e adaptação. Ao relacionar-se com o meio, o homem faz uso de diversas formas de conhecimento e, por meio dessas formas, ele transforma o mundo ao mesmo tempo em que é transformado. Como veremos mais adiante, a ciência é uma das formas de conhecimento, com características próprias, como a possibilidade de ser verificada e comprovada por outros. U.2U OsUriscosUUoUconhecimento Assim, dada a sua relevância, o conhecimento sempre guarda uma aura de “exclusividade”, de algo para poucos, sendo inclusive proibido em diversas culturas ou em certos momentos históricos. W ikim eDia O conhecimento é algo tão importante que sempre corre o risco de ser proibido. Muitos mitos se fizeram em torno dessa legen- da, a começar pelo relato bíblico que coloca a descoberta do conhecimento como transgressão de Adão e Eva, seguindo- -se daí as misérias da vida do pecador, com consequente necessi- dade de salvação vinda de fora. O real “pecado original” foi menos ter caído em tentação do que ousar conhecer. Parece inegável a dinâmica reveladora do conhecimento, porque nada deixa de pé, para o bem e para o mal. Uma vez rompida a ingenuidade, não há mais volta, a não ser por autoengano. Essa dinâmica revelado- ra, entretanto, estando sempre entranhada no contexto do poder, EAD_GF_2.1_2013-2.indb 302 11/04/2013 16:10:38 303 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o ofusca à medida que revela. Por isso, praticamente em todas as sociedades, as pessoas deten- toras de conhecimento eram vistas como especiais, desde os pajés. E para se tornarem ainda mais especiais, envol- viam o conhecimento em lin- guagem esotérica, para que só os iniciados a entendessem (DEMO 2000, p. 87). O conhecimento pode, inclusive, ser ‘perigoso’ em determinados contextos. Na Idade Média, por exemplo, diversos detentores de “conhe- cimentos” não aceitos pelo status quo foram considerados hereges ou feiticeiros e pereceram em masmorras ou em fogueiras. Um caso clássico de interferência religiosa no desenvolvimento da ciência ocorreu com Ga- lileu (Galileo Galilei), um físico e astrônomo italiano (Pisa 1564 – Arcetri 1642) que foi preso, torturado e condenado pela Inquisição a negar suas descobertas científicas e a ler em voz alta (em público) e a assinar o ma- nuscrito reproduzido abaixo1: Eu, Galileu Galilei, filho do falecido Vicente Galilei, de Floren- ça, com 70 anos de idade, tendo sido trazido pessoalmente ao julgamento e ajoelhando-me diante de vós, eminentíssimos e reverendíssimos Cardeais Inquisitores-Gerais da Comunidade Cristã Universal contra a depravação herética, tendo frente a meus olhos os Santos Evangelhos, que toco com minhas próprias mãos; juro que sempre acreditei e, com o auxílio de Deus, acreditarei de futuro, em cada artigo que a sagrada Igreja Católica de Roma sustenta, ensina e prega. Mas porque este Sagrado Ofício ordenou- -me que abandonasse completamente a falsa opinião, a qual sus- tenta que o Sol é o centro do mundo e imóvel, e proíbe abraçar, defender ou ensinar de qualquer modo a dita falsa doutrina [...] Eu desejo remover da mente de Vossas Eminências e da de cada cristão 1 galileu – vida e pensamento. ed. martin claret, 1998. Disponível em: <http://www.internext.com.br/valois/ pena/1633.htm> . acesso em: 10/9/2009 Conexão: Conhecimento é a explicação da realidade. Decorre de um esforço in- vestigativo para descobrir aquilo que não está compreendido ainda,que está oculto. Leia o texto Conhecimento x Informação: uma discussão necessária visitando este site: http://www.espacoacademico.com. br/031/31cmatos.htm EAD_GF_2.1_2013-2.indb 303 11/04/2013 16:10:39 304 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o católico esta suspeita corretamente concebida contra mim; portan- to, com sinceridade de coração e verdadeira fé, abjuro, maldigo e detesto os ditos erros e heresias, e em geral todos os outros erros e seitas contrários à dita Santa Igreja; e eu juro que nunca mais no fu- turo direi, ou afirmarei nada, verbalmente ou por escrito, que possa levantar semelhante suspeita contra mim; mas se eu vier a conhecer qualquer herege ou qualquer suspeito de heresia, eu o denunciarei a este Santo Ofício ou ao Inquisidor Ordinário do lugar onde eu estiver. Juro, além disso, e prometo que cumprirei e observarei to- das as penitências que me foram ou sejam impostas por este Santo Ofício. Mas se por acaso eu vier a violar qualquer uma de minhas ditas promessas, juramentos e protestos (o que Deus não permita), sujeitar-me-ei a todas as penas e punições que forem decretadas e promulgadas pelos sagrados cânones e outras constituições gerais e particulares contra delinquentes assim descritos. Portanto, com a ajuda de Deus e de seus Santos Evangelhos, que eu toco com mi- nhas mãos, eu, abaixo assinado, Galileu Galilei, abjurei, jurei, pro- meti e me obriguei moralmente ao que está acima citado; e, em fé de que, com minha própria mão, assinei este manuscrito de minha abjuração, o qual eu recitei palavra por palavra. Assim, há formas diversas de apreender a realidade. Interessa-nos, contudo, esta apreensão no campo científico. Para isso ocorrer é preciso que o sujeito (aquele que conhece) traga para si algo que está fora dele e que se quer conhecer (o objeto). Esquematicamente, pode ser assim visualizado: S O Conhecimento Conhecimento S = Sujeito O = Objeto EAD_GF_2.1_2013-2.indb 304 11/04/2013 16:10:39 305 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o A produção do conhecimento fruto dessa relação entre Sujeito e Objeto é crivada pela teoria que a explica. Assim, dependendo da teoria, a preponderância é dada ora a um ora a outro. Para Contandriopoulos (1999, p. 29), “uma teoria é uma explicação sistemática dos fenômenos observados e das leis relativas a eles. Uma teoria se expressa pelos enun- ciados das relações que existem entre conceitos.” Na análise do autor, há teoria quando os enunciados são muito gerais ou formalizados, como, por exemplo, a teoria da relatividade e, quando são de alcance mais reduzido, têm-se os modelos teóricos. Exatamente porque as teorias são sempre revisadas, alteradas, re- criadas o conhecimento científico não é dotado de verdade absoluta. As- sim, o trabalho científico caminha em duas direções: Numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabe- lece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu caminho, abando- na certas vias e encaminha para certas direções privilegiadas. E, ao fazer tal percurso, os investigadores aceitam os critérios da histori- cidade, da colaboração e, sobretudo, incumbem-se da humildade de quem sabe que qualquer conhecimento é aproximado, é construído (MINAYO, 1994, p. 12-13). Esta citação é importante à medida que revela o caráter transitório das verdades científicas e ressalta que todas são historicamente constru- ídas e como tal devem ser compreendidas. Como então se organiza o método científico? Organiza-se assumindo o rigor em sua construção e elaboração. Entretanto, é importante ressaltarmos que não há uma caracte- rização unívoca, isto é, uma única de ciência na contemporaneidade. Guiado pela teoria escolhida para realizar as análises, o conheci- mento científico é produzido e resultará naquilo que denominamos pes- quisa. Sobre pesquisa, trataremos mais adiante. AtiviUaUe Vamos relembrar? Para fixar um conceito importante, anote o que você entendeu so- bre: EAD_GF_2.1_2013-2.indb 305 11/04/2013 16:10:40 306 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o 01. Teorias Comentário: As teorias são construções abstratas, que relacionam os con- ceitos entre si de forma a explicar a realidade. Elas não possuem fixidez, isto é, podem ser reelaboradas sempre que apresentarem lacunas em sua construção. U.3URetórica Na retórica, que teve início na Grécia Antiga, ao lado de argumen- tar, buscávamos também convencer. Infelizmente, abusamos tanto dela que temos hoje uma visão negativa da retórica – basta nos lembrarmos de diversos políticos, que possuem grande capacidade argumentativa para mentir para a população. Tal visão negativa é também reforçada pela ideia de que a retórica consiste na busca pelo convencimento a qualquer preço, sem argumentação real. Para tentarmos recuperar o conceito de retórica, é necessária a compreensão da necessidade fundamental da capacidade de saber argu- mentar e convencer, estes elementos inseridos no mesmo processo. De acordo com Demo (2000, p. 39), “para que o discurso seja discutível, é imprescindível que seja lógico, quer dizer, bem feito, sistemático, claro, fundamentado. Não podemos discutir bem fala desconexa, mal inventada, contraditória.” U.4UTiposUUeUconhecimento Há várias formas de se obter conhecimento, o qual apresenta em sua constituição níveis e estruturas diferentes. Cada um desses níveis de estrutura do conhecimento possui seu nível de complexidade e suas ca- racterísticas específicas. São divididos em quatro categorias os tipos de conhecimento e de busca do sentido das coisas: – Conhecimento popular – Conhecimento filosófico EAD_GF_2.1_2013-2.indb 306 11/04/2013 16:10:40 307 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o – Conhecimento religioso – Conhecimento científico Paha_L / Dream stim e.co m U.4.UUConhecimentoUpopular E senso comum, o que é? Muitas vezes, o entendimento repousa sobre as constatações feitas, vinculadas às observações pessoais que são construídas de forma assis- temática, fruto da vivência cotidiana e dos valores que perpassam essas relações. Por isso são generalizados, isto é, disseminados em grupos como possuidores de verdade. A esse tipo de conhecimento denominamos senso comum. As ex- plicações produzidas podem até possuir certo grau de exatidão, porém não há preocupação com os princípios, com a sistematização e o rigor que a ciência exige. Em contraponto, o conhecimento científico é racional, me- tódico e passível de ser comprovado. Este tipo de conhecimento, também chamado de espontâneo, vulgar ou empírico, surge do viver cotidiano e geralmente se apresenta desprovido de método e sistematicidade, pautando-se unicamente pela prática e percepções cotidianas. Na tentativa de encontrar explicações para os acontecimentos cotidianos, consegue basicamente uma percepção do que o rodeia, sem se preocupar com relações de causa e efeito e sem uma postura racional. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 307 11/04/2013 16:10:42 308 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B osco – D om I nt er at iv o O conhecimento popular é prioritariamente intuitivo, imediato, concreto e não se pauta pela lógica. Por ser pouco racional, apresenta res- postas ambíguas e nem sempre verdadeiras, que se pautam em aparências. Além disso, muitas vezes contribuem para superstições e discriminações, que com o tempo fixam-se em determinadas culturas. Podemos citar inúmeros exemplos de conhecimento popular nas explicações diárias de fenômenos do dia a dia que independem do nível cultural de quem as utiliza. Assim, muitas pessoas podem “prever” a pro- ximidade de chuva por meio da percepção de alterações ambientais, às ve- zes sutis, como a direção do vento, o tipo das nuvens ou o comportamento das aves. Da mesma forma, todos nós sabemos que se o leite for deixado fora da geladeira ele irá azedar. Estes são exemplos de conhecimento po- pular, uma vez que a maioria não saberia explicar tecnicamente o porquê da ocorrência dos fenômenos citados. Assim, afirma-se que o conhecimento popular está no âmbito da doxa, isto é, da opinião. Mesmo assim, em geral, ele é a base que provoca um caminhar mais refinado no campo das reflexões rumo à ciência. Quan- do a ciência constrói teorias, por vezes, interage com o senso comum, construindo mudanças por meio de incorporações de novas informações e abandonando as informações que já possuía. U.4.2UConhecimentoUfilosófico Antes de mais nada, é importante definirmos a palavra “filosofia”, a qual foi criada por Pitágoras: philos significa “amigo” e sophia significa “sabedoria”. A ideia de conhecimento filosófico tem como base conceitos subje- tivos, relacionados ao conhecimento especulativo, o qual busca constante- mente o sentido do mundo e das coisas por meio de hipóteses que podem ou não ser submetidas à observação, ou seja, geralmente não são verificá- veis e, portanto, não podem ser confirmadas ou refutadas. De acordo com Barros e Lehfeld (2007, p. 42), a filosofia “tem a finalidade de compreender a realidade e fornecer conteúdos reflexivos e lógicos de mudança e transformação dessa realidade. A filosofia cumpre a tarefa de elaborar pressupostos e princípios norteadores das ações huma- nas”. Assim, mesmo entre os grandes filósofos, não há uniformidade de pensamento e de forma de reflexão, já que a filosofia consiste na observa- ção, reflexão e interpretação do mundo sob pontos de vista diferentes e, às vezes, inconciliáveis. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 308 11/04/2013 16:10:42 309 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o A filosofia não é um castelo abstrato, estéril e distante de ideias. Ideias difíceis e herméticas, como, às vezes, de forma detratora, se diz. Ela é uma forma de conhecimento prático, orientadora do exer- cício de nossa sobrevivência em sociedade. Ela pode não garantir o “ganha-pão”, como se diz vulgarmente, mas certamente é com ela e com sua ajuda que conseguimos o pão nosso de cada dia, pois dela depende o encaminhamento de nossa ação (LUCKESI 1984, p. 67). Assim, a filosofia cumpre a tarefa de compreender a realidade e con- tribuir com conteúdos reflexivos e lógicos para que essa realidade possa ser transformada. W ikim eDia O Mito da Caverna, narrado por Platão no livro VII de A República (escrito entre 380-370 a.C.), é, provavelmente, uma das mais poderosas metáforas criadas pela filosofia, em qualquer tempo, por descrever de forma atemporal a situação em que se encontra a humanidade, condenada a uma terrível condição. Imaginou toda uma população presa desde a in- fância no interior de uma caverna, imobilizada e obrigada, por correntes, a olhar sempre a parede em frente. O que as pessoas dessa população veriam então? Supondo que existissem algumas pessoas no exterior da caverna, carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de ho- mens, animais, vasos, bacias e outros vasilhames e havendo ainda uma es- EAD_GF_2.1_2013-2.indb 309 11/04/2013 16:10:44 310 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o cassa iluminação; O Mito disse que os habitantes daquele lugar infeliz só poderiam enxergar o bruxuleio das sombras dos objetos sendo carregados, surgindo e se desfazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu Platão: acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apare- ciam (chamadas de ídolos por Platão) eram verdadeiras, considerando o espectro como realidade. Toda a existência era, portanto, inteiramente do- minada pela ignorância. Para Platão todos nós estamos condenados a ver apenas sombras à nossa frente, tomando-as como verdadeiras. Esta crítica à condição dos homens, que foi escrita há quase 2.500 anos, inspirou e ainda inspira incontáveis reflexões, sendo a mais recente delas no livro de José Saramago A caverna. U.4.3UConhecimentoUreligioso O conhecimento religioso, também chamado de teológico, é aquele que se revela por meio da fé divina ou da crença religiosa. Do ponto de vista religioso/teológico, a existência divina é evidente e inquestionável e, portanto, não necessita de demonstração ou experimentação, ou seja, dis- pensa qualquer procedimento experimental. No entanto, o conhecimento religioso se analisa, se interpreta e se explica (BARROS E LEHFELD, 2007). Este tipo de conhecimento depende da formação moral e das crenças de indivíduos, grupos ou povos e requer a autoridade divina, seja de for- ma direta seja de forma indireta. O conhecimento religioso não pode ser confirmado ou negado, ao contrário do que ocorre no conhecimento cien- tífico, uma vez que se baseia em proposições reveladas pelo sobrenatural e, portanto, sagradas e valorativas. As verdades oriundas do conhecimento religioso são tidas como infalíveis e inquestionáveis. A fonte do conheci- mento geralmente está presente nos livros sagrados, independentemente da religião ou da doutrina. U.4.4UConhecimentoUcientíficoUUU O conhecimento científico se caracteriza pela busca da compreen- são dos fenômenos existentes por meio da utilização de procedimentos metódicos em suas investigações. Galliano (1979, p. 21) define o conhe- cimento científico como “o aperfeiçoamento do conhecimento comum e ordinário obtido por meio de um procedimento metódico, o qual mobiliza explicações rigorosas e ou plausíveis sobre o que se afirma sobre um ob- jeto da realidade”. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 310 11/04/2013 16:10:44 311 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o sho ck / Dream stim e.co m Além de focar em fatos e fenômenos verificáveis, o conhecimen- to científico é também objetivo, factual, racional, analítico, organizado, explicativo e sistemático; constrói e aplica leis através de investigações metódicas. Podemos afirmar sem receio que hoje conhecemos mais e melhor em comparação com o passado, mas não podemos chamar tal conhe- cimento de “conhecimento acumulado”, uma vez que tal processo está longe de ser meramente cumulativo. De acordo com Demo (2000, p. 74), “conhecimento novo não provém de mera soma. Vem da derrubada siste- mática e, por vezes, impiedosa. Porquanto, seu método fundamental é o questionamento sistemático”. Assim, para o autor, uma teoria científica é aquela que se oferece ao debate e que se mantém necessariamente falível e não aquela que fica de pé a qualquer preço. Nesse sentido, pode-se afir- mar que para algo ser científico é necessário queseja discutível, já que a ciência surgiu da recusa em aceitar o saber institucionalizado. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 311 11/04/2013 16:10:47 312 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o O conhecimento científico tem uma vocação analítica e, assim, o método mais característico do procedimento científico é a análise. Na origem etimológica, analisar significa decompor um todo nas partes, desfiando uma a uma, em particular as tidas como mais importantes. Trata-se de atividade desconstrutiva que admite ser o todo apenas o ajuntamento das partes, tanto assim que, desfazendo parte por parte, nada resta do todo, a não ser suas partes. Fazendo o caminho de volta, ao ajuntar as partes, obtemos de novo o todo, de maneira reversível. Assim é o relógio: é monte de partes concate- nadas, desmontáveis uma a uma. O relojoeiro tem do relógio visão sintética, sem a qual não se saberia conceber as partes, mas o cons- trói por partes. O relógio não existe nas partes desmontadas, mas estas, uma vez montadas, são o relógio. (DEMO, 2000, p. 15) Para melhor compreendermos o conceito de conhecimento cientí- fico, serão apresentadas a seguir três etapas postuladas por Demo (2000, p. 19-20). 1. A utilização frequente do termo conhecimento científico pelo fato dele implicar que é um dentre outros termos também possíveis, como sabedoria e bom-senso. Pode ser sinônimo de “ciência”, desde que não se afirme ser esta necessariamente superior e totalmente diversa diante de outros tipos. Ciência, quando relacionada à “tecnologia”, transmite, sobretudo, o pano de fundo ocidental, extremamente relacionado aos pro- cessos de colonização. “Ciência e tecnologia” representam a vantagem comparativa decisiva em termos de crescimento econômico e domínio do mundo, da natureza, da sociedade e da economia. Na tradição ocidental, ciência é procedimento frontalmente diferente de outras formas de conhecer, univer- sal, superior e definitivo, tendencialmente voltado para as “ciências exatas naturais”, donde também segue o desapreço por outras culturas e seus modos de conhecer. Embora mante- nhamos o termo ciência nas áreas sociais e humanas, persiste a expectativa de que seu uso mais correto ocorre apenas nos ra- mos que possibilitam utilização concentrada de procedimentos matemáticos e empíricos, que seriam garantias de objetividade e neutralidade. Nesse caso, ciência e tecnologia formam dupla EAD_GF_2.1_2013-2.indb 312 11/04/2013 16:10:47 313 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o inseparável e imbatível, representando possivelmente a identi- dade cultural mais forte da história ocidental. Em seu extremo, substituem a religião, nos sentido de que apenas nelas se crê. Quanto ao conhecimento científico, a expressão envolve sua variabilidade natural no tempo e no espaço, aludindo menos a pretensões de universalidade que a diferenças específicas de método. É, portanto, um tipo de conhecimento, a ponto de po- der tornar-se “senso comum” com o passar do tempo. 2. É preferível “reconstruir” a “construir” conhecimento. Mo- dernas teorias de aprendizagem apontam para o caráter cons- trutivo do conhecimento, em contraposição ao instrucionismo que insiste na simples transmissão reprodutiva. No entanto, podem exagerar na dose, quando supõem excessiva criativi- dade, como se partíssemos do nada. Na prática, conhecemos com base no que já está conhecido, aprendemos do que outros já aprenderam. Sobretudo, nos ambientes escolares e univer- sitários, por mais que seja essencial praticar a pesquisa como estratégia central de aprendizagem, dificilmente construímos conhecimento tipicamente novo. O que mais fazemos é reto- mar o conhecimento disponível e refazê-lo com mão própria. Entretanto, não se trata de procedimento adequado, quando apenas reproduzimos conhecimento, como é o caso frequente do “fichamento de livros”, se por isso entendermos a simples compilação de ideias dos outros sem qualquer elaboração pró- pria. Reconstruir conhecimento significa, portanto, pesquisar e elaborar, impreterivelmente. Pesquisa é entendida tanto como procedimento de fabricação de conhecimento, quanto como procedimento de aprendizagem (princípio científico e educa- tivo), sendo parte integrante de todo processo reconstrutivo de conhecimento. 3. Demo (2000) considera pouco útil a distinção entre teoria e prática, pela razão de que o conhecimento científico é o que existe de mais prático em nossas sociedades, principalmente por conta das tecnologias. Por vezes, ainda identificamos a “academia” como mundo à parte, torre de marfim, em que figuras pouco práticas usam seu tempo para apenas pensar, EAD_GF_2.1_2013-2.indb 313 11/04/2013 16:10:48 314 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o elucubrar, especular. O termo filosofia é usado nesta acepção facilmente, insinuando que “não serve para nada”, mesmo que se admita inteligente. Também é imprópria a expectativa uti- litária, porque imediatista. Fazer teoria pode, à primeira vista, parecer algo ocioso. Levando, porém, em conta que os dois termos necessitam um do outro, teoria que finalmente nada tem a ver com a prática, também não é teoria de coisa nenhu- ma, a prática que não retorna à teoria jamais se renova. Por exemplo, defender tese sobre o conceito de maiêutica* em Sócrates pareceria diletantismo acadêmico, mas pode servir como fundamento para inúmeras práticas pedagógicas atuais, sem falar em seu aspecto reconstrutivo que admitiria tratamen- to alternativo do que muitos outros já estudaram. Outra coisa é o “teoricismo”, algo que pode ser aplicado à maioria dos cursos acadêmicos, porque fazem com que os alunos engulam um monte de teorias – sem pesquisa e elaboração própria – destituídas de sentido prático. O campus universitário pode espraiar esta ideia vazia: fica no outro lado da cidade, em lugar fechado, tipo “mundo da lua.” Muitas vezes “estudar” também pode inspirar esta expectativa: é atividade especial, em tempo especial, idade especial, lugar especial; é preciso “parar” para estudar, interromper o dia ou a juventude, sair da vida normal. Agregar sentido prático aos cursos, sem cair no ativismo, tam- bém poderia acrescentar-lhes qualidade. Embora cada termo tenha seu lugar, eles moram no mesmo lugar. *Maiêutica: O momento do “parto” intelectual é chamado de maiêutica socrática. Esse “parto” é a busca da verdade no inte- rior do homem. O processo era conduzido por Sócrates em dois mo- mentos distintos: em primeiro lugar, ele levava seus interlocutores ou alunos a questionar seu próprio conhecimento sobre um dado assunto. Em seguida, Sócrates fazia com que concebessem uma nova ideia ou opinião sobre o mesmo assunto. Desse modo, por meio de questões simples e contextualizadas, a maiêutica leva à elaboração de ideias complexas. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 314 11/04/2013 16:10:48 315 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Barros e Lehfeld (2007, p. 46) afirmam que é do conhecimento científico que a ciência se constitui e resumem em seis tópicos suas prin- cipais características: – O conhecimento científico surgiu a partir das preocupações humanas cotidianas, e esse procedimento é consequência do bom senso organizado e sistemático.– O conhecimento científico transcende o imediatamente vivi- do e observado, buscando a formulação de paradigmas. – O conhecimento científico, além de ater-se aos fatos, é ana- lítico, comunicável, verificável, organizado e sistemático – é também explicativo, constrói e aplica teorias. – O conhecimento científico, considerado um conhecimento superior, exige a utilização de métodos, processos, técnicas especiais para a análise, compreensão e intervenção na rea- lidade. – A abstração e a prática devem ser dominadas por quem pre- tende trabalhar cientificamente. AtiviUaUe Testando seu conhecimento 01. Reflita e dê exemplos sobre conhecimento produzido pelo senso co- mum contrapondo-o com o produzido cientificamente. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 315 11/04/2013 16:10:48 316 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Reflexão Durante toda a vida, o ser humano tem de lidar com experiências relacionadas a dor, prazer, sede, saciedade, calor, frio; portanto, o conhe- cimento se dá pela necessidade de adaptação, interpretação e assimilação às circunstâncias inerentes ao meio em que ele vive. Assim, podemos afir- mar que o conhecimento, ou o ato de conhecer, funciona como um meio de solução dos problemas comuns à vida. Já o conhecimento científico é produzido pela investigação científica. Além de suprir a necessidade de encontrar respostas e soluções para problemas de ordem prática da vida cotidiana, também se caracteriza por ser um conhecimento que possibilita explicações sistemáticas que podem ser testadas e aceitas ou refutadas por meio de provas empíricas. LeituraUrecomenUaUa Jg ro UP / Dream stim e.co m Observe este extrato de um texto interessante que trata da ciência e do senso comum. Veja como o autor procura dessacralizar a ciência, isto é , retirá-la da condição de superioridade sobre as outras formas de conheci- mento da realidade, estabelecendo seu vínculo como senso comum. MEDEIROS, K. M. de. Programa e apostila do curso de metodolo- gia científica. Disponível em:<http://www.karlmarx.pro.br/apostilas/ metoddown.htm.> Acesso em: 20 de fevereiro de 2010. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 316 11/04/2013 16:10:49 317 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o O senso comum e a ciência O que é que as pessoas comuns pensam quando as palavras ciência ou cientista são mencionadas? Faça você mesmo um exercício. Feche os olhos e veja que imagens vêm à sua mente. As imagens mais comuns são as seguintes: a) o gênio louco, que inventa coisas fantásticas; b) o tipo excêntrico, ex-cêntrico, fora do centro, manso, distraí- do; c) o indivíduo que pensa o tempo todo sobre fórmulas incompre- ensíveis ao comum dos mortais; d) alguém que fala com autoridade, que sabe sobre que está fa- lando, a quem os outros devem ouvir e. . . devem obedecê-lo. Veja as imagens da ciência e do cientista que aparecem na televisão. Os agentes de propaganda não são bobos. Se eles usam tais imagens é por- que eles sabem que elas são eficientes para desencadear decisões e com- portamentos. É o que foi dito antes: cientista tem autoridade, sabe sobre o que está falando e os outros devem ouvi-lo e obedecê-lo. Daí que ima- gem de ciência e cientista pode e é usada para ajudar a vender produtos, como, por exemplo, cigarro. Veja os novos tipos de cigarro produzidos cientificamente. E os laboratórios, microscópios e cientistas de aventais imaculadamente brancos enchem os olhos e a cabeça dos telespectadores. E há cientistas que anunciam pasta de dente, remédios para caspa, varizes, e assim por diante. O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engra- çados (e trágicos) da ciência. Se existe uma classe especializada em pen- sar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. Quando o médico lhe dá uma receita você faz perguntas? Sabe como os medicamentos funcionam? Será que você se pergunta se o médi- co sabe como os medicamentos funcionam? Ele manda, a gente compra e toma. Não pensamos. Obedecemos a esse mandamento médico. Não precisamos pensar, porque acreditamos que há indivíduos especializados e com- petentes em pensar. Pagamos para que ele pense por nós. Depois, ainda dizem por aí que vivemos em uma civilização científica. . . EAD_GF_2.1_2013-2.indb 317 11/04/2013 16:10:49 318 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o O que eu disse dos médicos você pode aplicar a tudo. Os economistas tomam decisões e temos de obedecê-las. Os engenheiros e urbanistas dizem como devem ser as nossas cidades, e assim acontece. Dizem que o álcool será a solução para que nossos automóveis continuem a trafegar, e a agricultura se altera para que a palavra dos téc- nicos se cumpra. Afinal de contas, para que serve a nossa cabeça? Ainda podemos pensar? Adianta pensar? Antes de mais nada, é necessário acabar com o mito de que o cien- tista é uma pessoa que pensa melhor do que as outras. O fato de uma pessoa ser muito boa para jogar xadrez não significa que ela seja mais inteligente do que os não jogadores. Você pode ser um especialista em resolver quebra-cabeças, mas isto não o torna mais capacitado na arte de pensar. Tocar piano (como tocar qualquer instrumento) é extremamente complicado. O pianista tem de dominar uma série de técnicas distintas – oitavas, sextas, terças, trinados, legatos, staccatos – e coordená-las, para que a execução ocorra de forma integrada e equilibrada. Imagine um pianista que resolva especializar-se (note bem esta pa- lavra, um dos semideuses, mitos, ídolos da ciência!) na técnica dos tri- nados apenas. O que vai acontecer é que ele será capaz de fazer trinados como ninguém – só que ele não será capaz de executar nenhuma música. Cientistas são como pianistas que resolveram especializar-se numa técnica só. Imagine as várias divisões da ciência – Física, Química, Bio- logia, Psicologia, Sociologia – como técnicas especializadas. No início, pensava-se que tais especializações produziriam, mi- raculosamente, uma sinfonia. Isto não ocorreu. O que ocorre, frequen- temente, é que cada músico é surdo para o que os outros estão tocando. Físicos não entendem os sociólogos, que não sabem traduzir as afirma- ções dos biólogos, que, por sua vez, não compreendem a linguagem da economia, e assim por diante. A especialização pode transformar-se numa perigosa fraqueza. Um animal que só desenvolvesse e especializasse os olhos se tornaria um gê- nio no mundo das cores e das formas, mas se tornaria incapaz de perceber o mundo dos sons e dos odores. E isto pode ser fatal para a sobrevivên- cia. O que desejo é que compreendam o seguinte: a ciência é uma especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 318 11/04/2013 16:10:49 319 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Quem usa um telescópio ou um microscópio vê coisas que não poderiam ser vistas a olho nu. Mas eles nada mais são que extensões dos olhos. Não são órgãos novos. São melhoramentos na capacidade de ver, presente em quase todas as pessoas. Um instrumento que fossea melhoria de um sen- tido que não temos seria totalmente inútil, da mesma forma como telescó- pios e microscópios são inúteis para cegos, e pianos e violinos são inúteis para surdos. A ciência não é um órgão novo de conhecimento. A ciência é a hi- pertrofia de capacidades que todos têm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a visão em profundidade, menor a visão em extensão. A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada vez menos. A aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento pro- gressivo do senso comum. Só podemos ensinar e aprender partindo do senso comum de que o aprendiz dispõe. A aprendizagem consiste na manutenção e modificação de capaci- dades ou habilidades já possuídas pelo aprendiz. Por exemplo, na ocasião em que uma pessoa que está aprendendo a jogar tênis tem a força física para segurar a raquete, ela já desenvolveu a coorde- nação inata dos olhos com a mão, a ponto de ser capaz de bater na bola com a raquete. Na verdade, com a prática ela aprende a bater melhor na bola (...) Mas bater na bola com a raquete não é parte do aprendizado do jogo de tênis. Trata-se, ao contrário, de uma habilidade que o jogador possui antes de sua primeira lição e que é modificada na medida em que ela aprende o jogo. E o refinamento de uma habilidade já pos- suída pela pessoa. (David A. Dushki (org.). Psychology today – an introduction. p. 65). O que é senso comum? Esta expressão não foi inventada pelas pessoas de senso comum. Creio que elas nunca se preocuparam em se definir. Um negro, em sua pátria de origem, não se definiria como pessoa “de cor”. Evidentemente, esta expressão foi criada para os negros pelos brancos. Da mesma forma a expressão “senso comum” foi criada por pessoas que se julgam acima do senso comum, como uma forma de se diferenciarem das pessoas que, EAD_GF_2.1_2013-2.indb 319 11/04/2013 16:10:50 320 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o segundo seu critério, são intelectualmente inferiores. Quando um cientista se refere ao senso comum, ele está, obviamente, pensando nas pessoas que não passaram por um treinamento científico. Vamos pensar sobre uma destas pessoas no exemplo a seguir. Uma dona de casa pega uma dada quantia de dinheiro e vai à feira. Não se formou em coisa alguma. Quando tem de preencher formulários, diante da informação “profissão” ela coloca “prendas domésticas” ou “do lar”. Uma pessoa comum como milhares de outras. Vamos pensar em como ela funciona lá na feira, de barraca em barraca. Seu senso comum trabalha com problemas econômicos: como adequar os recursos de que dispõe, em dinheiro, às necessidades de sua família em comida. Para isso, ela tem de processar uma série de informações. Os alimentos que lhe são oferecidos estão classificados como indispensáveis, desejáveis e supérflu- os. Os preços são comparados. A estação dos produtos é verificada: pro- dutos fora de estação são mais caros. Seu senso econômico, por sua vez, está acoplado a outras ciências. Ciências humanas, por exemplo. Ela sabe que alimentos não são apenas alimentos. Mesmo que nunca tenha lido Veblen ou Lévi-Strauss, ela sabe do valor simbólico dos alimentos. Uma refeição é uma dádiva da dona de casa, um presente. Com a refeição ela diz algo. Oferecer chouriço para um marido de religião adventista ou feijoada para uma sogra que tem úlceras é romper claramente com uma política de coexistência pacífica. A escolha de alimentos, assim, não é regulada apenas por fatores econômicos, mas por fatores simbólicos, sociais e po- líticos. Além disso, a economia e a política devem fazer lugar para o esté- tico: o gostoso, o cheiroso, o bonito. E para o dietético. Assim, ela ajunta o bom para comprar, com o bom para dar, com o bom para ver, cheirar e comer, com o bom para viver. É senso comum? É. A dona de casa não trabalha com aqueles ins- trumentos que a ciência definiu como científicos. É comportamento ingê- nuo, simplista, pouco inteligente? De forma alguma. Sem o saber, ela se comporta como uma pianista, em oposição ao especialista em trinados. É provável que uma mulher formada em dietética, e em decorrência de sua (de)formação, em breve se veja diante de problemas na casa, em virtude de sua ignorância do caráter simbólico e político da comida. Especialista em trinados. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 320 11/04/2013 16:10:50 321 Conhecimento – Unidade 1 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o O que é o senso comum? Prefiro não definir a defini-lo. Talvez sim- plesmente dizer que senso comum é aquilo que não é ciência e isto inclui todas as receitas para o dia a dia, bem como os ideais e as esperanças que constituem a capa do livro de receitas. E a ciência? Não é uma forma de conhecimento diferente do senso comum. Não é um novo órgão. Apenas uma especialização de certos ór- gãos e um controle disciplinado do seu uso. Você é capaz de visualizar imagens? Então, pense no senso comum como as pessoas comuns. E a ciência? Tome esta pessoa comum e hiper- trofie um dos seus órgãos, atrofiando os outros. Olhos enormes, nariz e ouvidos diminutos. A ciência é uma metamorfose do senso comum. Sem ele, ela não poderia existir. E esta é a razão porque não existe nela nada de misterioso ou extraordinário. Referências CONTANDRIOPOULOS, André-Pierre; CHAMPAGNE, François; POTVIN, Louise; DENIS, Jean-Louis; BOYLE, Pierre. Saber pre- parar uma pesquisa: definição, estrutura e financiamento. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1999. DEMO, P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Edi- tora Atlas, 2000. BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos da metodolo- gia científica. São Paulo: Prentice Hall, 2007. GALLIANO, A. G. (Org.). O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harper & Row, 1979. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Pers- pectiva, 1994. LUCKESI, C. et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, 1984. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 321 11/04/2013 16:10:50 322 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o U ni Ua Ue 2 MEDEIROS, K. M. de. Programa e apostila do curso de metodolo- gia científica. Disponível em: <http://www.karlmarx.pro.br/apostilas/ metoddown.htm>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2010. MINAYO, Maria Cecília de Souza et al. Pesquisa social. 3.ed. Petró- polis, RJ: Vozes, 1994. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 1999. NaUpróximaUuniUaUe Por muito tempo, o homem iniciou sua busca pelo conhecimento para encontrar respostas a certas questões referentes ao seu dia a dia. Algumas respostas tinham cunho místico, o que levava à criação de mito- logias. Quando o homem passou a questionar tais respostas e a procurar explicações mais plausíveis, por meio da razão, passou a obter respostas mais realistas que se aproximavam mais da realidade das pessoas. Tais respostas passaram a ser mais bem aceitas pela sociedade e podemos afir- mar que essa nova forma de pensar criou a possibilidade da ideia de ciên- cia para explicar os fenômenos por meio da razão. Os conceitos de ciência serão discutidos no próximo capítulo. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 322 11/04/2013 16:10:50 U ni Ua Ue U2 U Ciência A partir do momento em que o homem passou a utilizar a razão para questionar o modo como buscava suas res- postas, buscando formas maisplausíveis de ob- ter explicações, ele passou a reduzir a importância de suas emoções e de suas crenças religiosas, além de procurar por respostas que fossem mais realistas e que se aproximassem de forma mais pungente da realidade das pessoas. As explicações resultantes passaram, assim, a ser mais bem aceitas na sociedade em que ele vivia. Objetivos da sua aprendizagem Compreender o conceito de ciência e a forma como ela surgiu e evoluiu. Você se lembra? As aulas de Ciências na escola procuravam fornecer explicações a fenô- menos, muitas vezes, presentes no cotidiano, como a eletricidade estática ou o magnetismo. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 323 11/04/2013 16:10:50 324 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o 2.UUCiência:UvamosUaoUUebate? Fala-se tanto em ciência e em conhecimento científico, mas você sabe quando e por que surgiu a ciência? Por que ela alçou este patamar tão sólido de explicação da realidade? O que é ciência? Você já parou para refletir sobre o que é ciência e quando ela surgiu? Antes de aprofundarmos a leitura, utilize este momento e registre sua opinião! Para que você entenda o surgimento da ciência moderna, é impor- tante recuar no tempo. Vamos fazer uma discussão, ainda que breve, pela história do fim do período feudal e até a transição para a modernidade. Com a desintegração do feudalismo, uma nova sociedade surgiu não mais pautada no teocentrismo (Deus no centro das explicações) e no crité- rio da autoridade (pelos intérpretes dos ensinamentos religiosos). Impul- sionada por novas necessidades, a sociedade emergente do século XVII exigia do homem o domínio da natureza e conhecimento de suas causas. Assim, naquele momento, a razão e a experiência estabeleceram novas bases para a objetivação do conhecimento por meio da ciência. De fato, para este novo homem, não cabia mais um mundo limitado pelo dogma. O surgimento do comércio e a necessidade de sua ampliação exigiam novos critérios de verdade: fundados na observação empírica do real, na experimentação e na mensuração, enfim, em formas que possibili- tassem o conhecimento utilitarista sem a especulação e a agudeza subjeti- va próprias do feudalismo. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 324 11/04/2013 16:10:50 325 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 créDito s: UniversitY co LLeg e Lo nDo n Dig itaL co LLectio ns / W ikim eDia; Jim m Yi23 / Dream stim e.co m ; m ce- ch / Dream stim e.co m ; rYanz720 / W ikim eDia; enDerBirer / Dream stim e.co m Um novo mundo, portanto, nascia. Tomados por essa necessidade, voltaram-se inicialmente para o período clássico estabelecendo o homem como o centro da produção artística e cultural; ao mesmo tempo em que instrumentos eram fabricados, a mecânica se desenvolvia e o capitalismo se organizava. A necessidade de novas referências foi gestada desde o século XV. É nesse contexto que Francis Bacon (1561-1626) afirmava que “a natu- reza não se vence senão quando se lhe obedece”. Por meio de sua obra “Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza, propunha a restauração do domínio do homem sobre a natureza e apontava a inutilidade do pensamento medieval para essa causa. Conforme dissemos, igualmente na condição de crítico da racionali- dade medieval, porém voltado para a construção do Racionalismo, estava René Descartes (1596 – 1650), ou Renato Cartesius, conforme ele assina- va em latim. Matemático e filósofo, postulava que a certeza era matemá- tica e instituiu o método que consistia na dúvida sistemática, isto é, tudo seria passível de dúvida até que fosse confirmado pelo raciocínio lógico. Para tanto, após considerar que a certeza repousava no fato de que o su- jeito pensante, para assim o ser, precisava existir. Tomou esta constatação como regra geral por meio do cogito, ergo sun – penso , logo existo. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 325 11/04/2013 16:10:52 326 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Esta forma preponderante do pensamento foi gestada no Renas- cimento e assumiu vários contornos alcançando seu triunfo a partir do século XIX. Foi nesse período que a pesquisa voltou-se para a resolução de problemas de várias ordens, tais como: a descoberta de micróbios e bacilos e os mecanismos para combatê-los; a invenção do telégrafo e do telefone; urbanização decorrente da intensificação fabril, entre outros. Entretanto, nem todos buscaram e buscam na ciência a explicação para todas as coisas, inclusive hoje vivemos a crise da ciência enquanto único critério de verdade pautado nos princípios próprios do cartesianismo. Vimos a origem da ciência, mas podemos nos perguntar: de onde vem o termo Ciência? O termo ciência provém do verbo em latim Scire, que significa aprender, conhecer. Em toda sua história, o homem enga- jou-se em uma jornada com o objetivo de buscar o conhecimento para chegar a respostas sobre certas questões relacionadas a problemas do seu cotidiano. Um dos meios mais utilizados para explicar sua realidade era a criação de mitos, ou seja, por meio da mitologia, o homem tentava “expli- car o inexplicável”. Se hoje é ‘óbvio’ que a Terra é redonda, até o início das Grandes Navegações no século XV era ‘óbvio’ que a Terra era plana. Se hoje é ‘óbvio’ que o homem pode voar em um equipamento mais pe- sado que o ar, há pouco mais de um século era ‘óbvio’ que o homem só poderia voar em equipamentos mais leves que o ar, como os balões. Assim, muitas coisas que eram óbvias no passado deixaram de ser e, da mesma forma, o que é óbvio hoje pode não ser em algum momento no futuro. Assim, nosso mundo e nossa sociedade podem sempre “contar com” um mundo preexistente: Nasce o homem num mundo, numa circuns- tância interpretada, e passar a contar com os objetos que encontra, segundo a interpretação vi- gente. Contamos com, e essa é uma das mais elementares relações que mantemos com as coisas. Contamos com a existência da rua, quando abrimos a porta de casa para irmos à escola ou ao trabalho. Ci- ência é sempre instável: não só cresce, mas também muda de direção; novos conhecimentos nem sempre confirmam os anteriores, e os paradigmas sucedem-se, por vezes em meio a polêmicas acirradas e irreconciliáveis. Todavia, a ciência futura é imprevisível, não nos cabendo pressupor limites, que bem podem ser devidos à limitação do nosso olhar atual (DEMO, 2000, p. 46). EAD_GF_2.1_2013-2.indb 326 11/04/2013 16:10:52 327 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 Contamos com encontrar, no lugar em que as vimos ontem, as pe- dras, as casas e as árvores. Prova disso é a surpresa que provocaria a ausência de rua, o deslocamento das árvores, ou o desaparecimento das casas, no momento em que abríssemos a porta. [...] Contamos com certas coisas, acreditamos que se comportam dessa ou daquela maneira, segundo a interpretação em que nascemos. (HEGEN- BERG apud BASTOS e KELLER, 2002, p. 81). Para entender o mundo em que vive e a si próprio, o homem cria representações desse mundo. Estas representações são construídas inte- lectualmente criando conceitos mentais da realidade e, conforme vimos,a ciência expressa, portanto, uma das maneiras de explicar a realidade. Apresentamos aqui dois dos principais usos para a palavra ‘ciência’: 1) Atividade executada por cient is tas , com matérias- primas,propósitos e metodologia específicas. 2) O resultado desta atividade, ou seja, um corpus bem estabele- cido e bem testado de leis, modelos e fatos que conseguem descrever o mundo natural. Os resultados da ciência devem ser “objetivos”, ou seja, eles devem ser testáveis, repetíveis e passíveis de confirmação por meio de outros cientistas. Podemos classificar as áreas da ciência em duas grandes dimen- sões: • ciência pura (o desenvolvimento de teorias) versus ciência aplicada (a aplicação de teorias nas necessidades humanas); • ciência natural (o estudo do mundo na- tural) versus ciência social (o estudo do com- portamento humano e da sociedade). Tomando por modelo as ciências naturais esta classificação produziu em alguns momentos um debate acalorado sobre a existência do caráter científico no campo das ciências sociais. Conexão: O mito faz parte da histó- ria humana desde os primórdios e nunca deixou de estar presente. Entenda mais sobre o conceito de mito por meio do seguinte link: http://vestibularfilosofia.blogspot. com/2007/03/mito-e-filosofia.html EAD_GF_2.1_2013-2.indb 327 11/04/2013 16:10:53 328 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Assim, influenciados pela perspectiva de que os fatos humanos po- deriam ser observáveis e mensuráveis com o intuito de determinar suas causas por meio de uma análise neutra do pesquisador, a objetivismo era a ideia central que conduzia a relação entre sujeito e objeto. A crítica pro- gressiva aos limites dessa concepção denominada positivismo juntamente com as mudanças no campo das ciências da natureza demonstraram que esta formas de conhecer está sempre em constante construção. Algumas definições de ciência2: 1. “Conjunto organizado de conhecimentos relativos a um deter- minado objeto, especialmente os obtidos mediante a observa- ção, a experimentação dos fatos e um método próprio.” 2. A ciência busca compreender a realidade de maneira racional, descobrindo relações universais e necessárias entre os fenôme- nos, o que permite prever acontecimentos e, consequentemen- te, também agir sobre a natureza. Para tanto, a ciência utiliza métodos rigorosos e atinge um tipo de conhecimento sistemá- tico, preciso e objetivo. Albert Einstein 2 Disponível em: <http://forum.braslink.com/forum/read.cfm?forum=679&id=112950&thread=18175> acesso em: 30/9/2009. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 328 11/04/2013 16:10:55 329 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 3. “Conjunto de conhecimentos e de pesquisas metódicas cujo fim é a descoberta das leis dos fenômenos: ‘A ciência encontrou na experiência um princípio próprio e imanente, donde tira, sem outro auxiliar além da atividade intelectual comum, os fatos materiais da sua obra e as leis, com as quais coordena os fatos.’” 4. “Ciência: do latim scientia, “sabedoria, conhecimento”, é o co- nhecimento de caráter racional, sistemático e seguro dos fatos e fenômenos do mundo. Visão positiva: ‘o homem domina a natureza não pela força, mas pela compreensão’. Visão negati- va: o controle da natureza pela ciência implica força e poder.’ ‘Toda a natureza começaria por se lastimar se lhe fosse dada a palavra.’” O autor José Carlos Köche (1997, p. 68) afirma que as perguntas principais acerca da produção do conhecimento: “Como proceder para se alcançar ou para se produzir um conhecimento? Como proceder para saber se ele é válido (verdadeiro) ou não? Receberam respostas diferen- tes de acordo com cada época e com a teoria da ciência vigente.” Vejamos esta discussão: No início do século XX, as ideias de Einstein e Popper revoluciona- ram a concepção de ciência e de método científico. O dogmatismo que tomou conta da ciência, principalmente no século passado [o autor se refere ao século XIX] foi minado em suas bases, cedendo o seu lugar à atitude crítica. (KÖCHE, 1997, p. 68). Assim, incorporou-se aos procedimentos e à teoria a intersubjetivi- dade do pesquisador diante do objeto pesquisado. 2.2UFrauUesUnaUciência Nem só de flores vive a ciência. Na busca desenfreada por reconhe- cimento, poder ou dinheiro, alguns cientistas se veem tentados a burlar um procedimento ou dois, alterar este dado ou aquele, tudo para garantir que o resultado de sua pesquisa saia como ele quer que seja. Abaixo, estão listados dez dos mais famosos casos de fraude científica3: 3 Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/>. acesso em: 15/9/2009. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 329 11/04/2013 16:10:55 330 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o 1. Em 1989, o norte-americano Stanley Pons e o britânico Martin Fleischmann divulgaram a existência de um aparelho capaz de fundir átomos a temperaturas muito mais baixas do que as até então usadas em reações termonucleares. O experimento nun- ca pôde ser reproduzido em outros laboratórios. 2. Em 1971, o governo filipino anunciou a descoberta da tribo tasaday, que falava uma língua estranha, comia animais sel- vagens e usava artefatos de pedra. Jornalistas descobriram que os nativos viviam em casas, produziam carne-seca e usavam calças da marca Levi´s. 3. Em um artigo na revista Nature, em 1988, o francês Jacques Benveniste propôs que a água tem memória, ou seja, guarda traços de elementos que por ela tenham passado. Os defenso- res da homeopatia festejaram, pois isso explicaria a eficácia do tratamento. As ideias de Benveniste nunca puderam ser confirmadas. 4. O arqueólogo inglês Charles Downson “encontrou” uma ossa- da de homem com crânio de formas humanas e queixo pare- cido com o de um macaco. Em 1953, 40 anos depois, os cien- tistas desmontaram o quebra-cabeça: uma junção de crânio de homem com queixo de orangotango. 5. A partir dos anos 1920, o biólogo soviético Trofim Denisovich Lysenko inventou fórmulas absurdas para aumentar a produ- ção agrícola. Fazia coisas como misturar trigo de inverno com trigo de primavera numa mesma plantação. Com isso, espera- va desenvolver uma espécie que pudesse ser plantada e colhida em qualquer época do ano. Suas ideias nunca funcionaram. 6. Nos primeiros anos de século XX, o mundo celebrava a desco- berta do raio X. Isso parece ter inspirado o físico francês René Blondlot. Na mesma época, ele afirmou ter descoberto o raio N, e outros cientistas contemporâneos disseram ter produzido em seus laboratórios raios N. O citado raio nunca teve sua existência comprovada. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 330 11/04/2013 16:10:55 331 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 7. O físico Victor Ninov e sua equipe publicaram, em 1999, a descoberta do elemento químico 118 – o mais pesado que poderia existir. No ano seguinte, a equipe não conseguiu repro- duzir a experiência. Investigações provaram que Ninov havia forjado os resultados. 8. Na década de 1970, o psicólogo inglês Cyril Burt propôs que o quociente de inteligência seria determinado geneticamente. Para chegar a esse resultado, inventou personagens e falsificou dados. 9. O alemão Jan Hendril Schon foi demitido dos laboratórios Bell poralterar dados em experiências sobre luz e supercondutivi- dade entre 1998 e 2001. Pesquisador conceituado, ele publicou suas farsas em revistas como Science e Nature. 10. Um professor da Universidade Tecnológica da Coreia do Sul reconheceu ter falsificado seus estudos publicados em re- vistas científicas internacionais. Segundo o jornal sul-coreano The Hankyoreh, Kim Tae-kook, professor de biotecnologia do Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia (Kaist), reconheceu ter usado dados falsos em seu experimento sobre tecnologia contra o envelhecimento, depois que uma comissão de investigação da Universidade descobriu essa manipulação. O resultado dos estudos foi publicado em duas revistas científi- cas – Science, em 2005, e a Nature chemical biology, em 2006 – por ter aberto supostamente uma porta para encontrar remé- dios contra o envelhecimento humano. Como consequência, o Kaist retirou Kim da docência e de suas condições de pesqui- sador, e a comissão de investigação indicou que esses estudos deveriam ser retirados das revistas. A notícia aconteceu dois anos após o professor sul-coreano Hwang Woo-souk, pioneiro da clonagem, admitir ter falsificado seus estudos sobre células- tronco de embriões humanos clonados, publicados na revista Science. Hwang afirmou ter realizado a primeira clonagem de células-tronco de embrião humano em 2004, mas depois ficou demonstrado que era falsa. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 331 11/04/2013 16:10:55 332 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o AtiviUaUes Vamos relembrar? 01. Registre no espaço a seguir os elementos centrais da discussão sobre a origem da ciência. Comentário: A ciência tem sua origem na passagem do período que se denomina medieval para o moderno. Ela surge como uma resposta às ne- cessidades criadas pela nova sociedade que demandava um conhecimento mais prático e instrumental em vez do conhecimento contemplativo e teo- crático que até então existia na Idade Média. Reflexão Tudo aquilo que a ciência constrói precisa ser representante de uma percepção “compartilhada”, ou seja, que pode ser verificada e observada por qualquer pessoa que esteja equipada com as ferramentas de medição e habilidades de observação apropriadas. Podemos afirmar, inclusive, que esse modo de pensar do homem possibilitou o surgimento da ideia de ci- ência, uma vez que sua tentativa contínua de explicar fenômenos por meio da razão foi o primeiro passo na direção de se fazer ciência. Mas, a ciência só é precisa, sistemática e confiável se os mesmos adjetivos puderem ser aplicados àqueles que a praticam, como pudemos verificar nos casos relatados nesta unidade. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 332 11/04/2013 16:10:56 333 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 LeituraUrecomenUaUa Neste texto, o autor apresenta a relação entre ciência e tecnologia ressaltando a necessidade de não polarizarmos, isto é, de não inscrever- mos nossa análise na compreensão de que uma é ruim e a outra é boa. Vamos à leitura? MORAIS, João Francisco Régis de. Ciência e perspectivas antropológicas hoje. In: CARVALHO, Maria Cecília. Construindo o saber: técnicas de metodologia científica. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1998, p. 95-96. Concretamente, hoje, vivemos a realidade científico-tecnológica em cli- ma de muita perplexidade, pois que a vivemos de forma ambígua. Se, de um lado, nos encantam cada vez mais as façanhas da engenharia genética ou da medicina nuclear, temos de haver-nos com as sombras de Three Mile Island e Chernobyl – dois desastres monumentais resultantes dos avanços dos recursos da ciência contemporânea. Além disso, já se disse que se, hoje em dia, uma parte da população do mundo morre porque não tem comida – morre de fome – a outra parte da população está morrendo porque a tem; isto é: em termos de subs- tituição do natural pelo quimicamente preparado, conta-se com alimentos cada vez menos confiáveis, como os diabéticos da maior parte do chamado Terceiro Mundo que adoçam suas bebidas com sacarina, substância extraída de um de- rivado do petróleo já comprovadamente cancerígeno. Eis o porquê de em outros escritos já ter afirmado que a ciência e a técnica se constituem nas glórias e nas misérias do presente século. Inevitavelmente, a ciência e a tecnologia não são boas ou más. São am- bas as coisas. E isto é também o porquê às suas funções manifestas, conheci- das e declaradas, correspondem funções latentes, desconhecidas no momento das novas criações e, por isso, mesmo caladas. Esta coisa pode ser constatada praticamente na maior parte das bulas de medicamentos, nas quais se lê que, embora os testes tenham sido feitos cuidadosamente, não são conhecidas todas as consequências da ingestão daquele remédio, sendo que principalmente este não deve ser dado a mulheres grávidas até tal mês do desenvolvimento fetal. A ciência e a tecnologia são boas e más também em razão de que, uma vez subvertidas por interesses econômicos e políticos, não podem mais ser livres de valores (value free) – se é que algum dia tenham sido. O que se acontece atualmente é que muitos se ligam ou só nos aspectos negativos da evolução científica ou só nos seus lados positivos, o que gera, de um lado, otimistas ingênuos com uma cândida visão iluminista da ciência – sé- EAD_GF_2.1_2013-2.indb 333 11/04/2013 16:10:56 334 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o culo XVIII –, a ciência como algo com força mágica e que tudo resolverá, e, de outro lado, negadores mal-humorados de qualquer perspectiva boa, negadores do óbvio: das magníficas realizações que a atividade científica tem logrado. São dois modos de ver. Evidentemente, ambos incompletos e ineficientes por sua parcialidade. Volto sempre a dizer que, nos negócios humanos, não há disjuntiva “ou isto ou aquilo”, mas sim , para não quebrar o fluxo dialético da vida, que a realidade humana seja “isto e aquilo”. Certamente que não é um modo cômodo de ver, pois exige uma dinâmica interior que nos faz nômades da observação do mundo, expondo-nos à permanência do provisório. Mas parece ser o modo rea- lista – no mais salutar sentido desta palavra – de se olhar a vida e interpretá-la. O nosso meio, que é marcadamente científico-tecnológico, nunca será apenas mau; tampouco lograremos que chegue um dia, penso, a ser apenas bom; imagino que a luta humana se situe hoje em um esforço real para que ob- tenhamos uma predominância do bom sobre o ruim, num projeto histórico mais modesto,mas, pelo menos, factível[...]. Texto 2 Observe que neste texto a autora pondera como a ciência é constru- ída por meio de hipótese, objeto próprio e método para guiar a investiga- ção científica. ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à filosofia da ciência. 2. ed. Curitiba: Ed. da UFPR, 1998, p. 14-15. Numa caracterização da ciência, um dos aspectos mais corriqueiros evi- denciados, enaltecidos e solicitados é o de seus resultados práticos, do avanço técnico e tecnológico por ela propiciado e da utilização de suas explicações e te- orias. A sociedade vê na ciência a provedora de um conhecimento aplicável que permite ao homem o domínio da natureza, sem o qual a história da civilização certamente teria sido diferente. A razão de se privilegiar este lado prático da ciência se deve ao seu papel de provedora de conhecimentos, que agilizam e incrementam o setor produtivo. Porém, esta faceta da ciência não nosautoriza a uma conceituação. Por sua vez, se formos analisar um outro traço seu, o de que ela “se pro- põe a atingir conhecimento sistemático e seguro, de sorte que seus resultados possam ser tomados como conclusões certas a propósito de condições mais ou menos amplas e uniformes sob as quais ocorrem os vários tipos de fenômenos” (NAGEL, 1974, p. 15) e veremos que obter o conhecimento desta maneira não é EAD_GF_2.1_2013-2.indb 334 11/04/2013 16:10:56 335 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 uma exclusividade da ciência. Sem dispor do método científico, o homem já des- frutava de conhecimentos sistemáticos que lhe permitiram levar adiante várias atividades. [...]. A ciência, diz-se ainda, é coerente e consistente e outros tipos de conhe- cimentos não são. Mas, como mostra Feyerebend, se na física, por exemplo, houver insistência em defender as condições de coerência e consistência a todo custo, muitas incertezas nunca poderão ser refutadas. A defesa da coerência pode redundar em dogmas. “A variedade de opiniões é necessária”, ensina ele, “para o conhecimento objetivo” (FEYEREBEND, 1989, p.57). A possibilidade de testar e eventualmente refutar hipóteses e teorias científicas caracteriza melhor o procedimento do cientista do que a obtenção de verdade e certeza acerca de fatos. Na conceituação da ciência, deve-se levar em conta três fatores: a) toda ciência se compõe de um conjunto de hipóteses e teorias resolvi- das e a resolver; b) possui um objeto próprio de investigação que é um determi- nado setor da realidade recortado para fins de descrição e explicação; c) possui um método, sem o qual as tarefas acima seriam impraticáveis. Texto 3 Conforme discutimos nesta unidade o labor científico envolve uma dimensão ética que se coloca em vários níveis para o pesquisador. Ve- jamos como este pesquisador português da Universidade de Évora trata desta questão: PATRÍCIO, Manuel Ferreira. Problemas éticos na investigação em educação. In: LINHARES, Célia; FAZENDA, Ivani; TRINDADE, Ví- tor (Orgs.). Os lugares dos sujeitos na pesquisa educacional. Campo Grande, UFMS, 1999, p. 107-110. [...] Tipos de problemas que se põem ao investigador Antes disso, porém, deveremos ainda procurar identificar os principais tipos de problemas com que se confronta o investigador. Também desta análise derivam importantes consequências para a evidenciação e concretização da rela- ção entre ética e atividade investigativa científica educacional. Veja os seguintes tipos de problemas: a) relacionados com a formação e com a competência do investigador; b) relacionados com a temática da investiga- ção; c) relacionados com a metodologia adotada; d) relacionados com as finali- dades visadas; e) relacionados com a postura epistemológica do investigador; f) EAD_GF_2.1_2013-2.indb 335 11/04/2013 16:10:56 336 Metodologia Científica Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o relacionados com os interesses do investigador; g) relacionados com a ideologia do investigador ou a ideologia que o envolve e o pressiona; h) relacionados com a atividade prática, condicionadora da investigação. Todos estes tipos de proble- mas arrastam consigo questões éticas. Vejamos um pouco como assim é. A formação do investigador, por exemplo, pode ter ou não ter existido. A falta ética de um investigador pode começar pelo fato, elementar, de ele não ter adquirido formação básica essencial para investigar segundo as regras do método científico ou de tê-las utilizado em medida seriamente insuficiente. Esse investigador não será competente. Deste modo, uma boa formação prévia do investigador é condição essencial de uma investigação eticamente conduzida, mesmo quando se sabe, e admite-se, que a realização da investigação é ela pró- pria porventura o melhor método de formação do investigador. A ética, ou sua ausência, também se manifesta na temática. Há temáticas convenientes e inconvenientes: socialmente, politicamente, institucionalmente convenientes ou inconvenientes. A cedência do investigador a qualquer modali- dade de “conveniência” é, por si, um comportamento eticamente reprovável. O in- vestigador deve investigar o que cientificamente é conveniente investigar e nada mais. Além disso, o investigador, por vezes, silencia temáticas determinadas, por motivos inconfessáveis. Ou traz à ribalta, desonestamente, outras temáticas, por motivos da mesma natureza. Tais comportamentos são sempre, obviamente, reprováveis. Como tivemos oportunidade de verificar, a metodologia científica é algo de muito complexo e de [sic] epistemologicamente questionável. Uma metodologia pode condicionar os resultados da investigação e distorcer expressivamente o conhecimento da realidade sob estudo. A opção por uma metodologia e a res- pectiva prática não são, por conseguinte, atos eticamente neutros. O investigador tem por dever controlar essa opção e a consequente prática, determinando em ambos os casos os respectivos limites e as respectivas limitações, a fim de ser, claro, até onde vai a lebre que deve vender e onde começa o gato que não deve vender. Quanto às finalidades, poderíamos começar por afirmar que a investigação científica deve ter por exclusiva finalidade a descoberta ou invenção da verdade. Contudo, o normal é essa finalidade intrínseca ver-se acompanhada por uma constelação de finalidades e objetivos extrínsecos, que poluem e contaminam o que deveria ser a pura investigação científica. Sendo impossível eliminar, ou evitar, essa atmosfera do extrínseco, o que importa é controlar os seus efeitos perversos, a fim de não falsear a investigação e seus resultados. EAD_GF_2.1_2013-2.indb 336 11/04/2013 16:10:56 337 EA D -1 3- G F 2. 1 – Pr oi bi da a r ep ro du çã o – © F ac ul da de D om B os co – D om I nt er at iv o Ciência – Unidade 2 Os investigadores assumem posturas epistemológicas as mais diversas, o que resulta da análise que fazem do conhecimento científico nos seus vários aspectos. O século XX foi palco de numerosas construções epistemológicas, al- gumas das quais bastante limitadas, limitadoras, rígidas e redutoras. Não vamos afirmar que houve, ou há, má fé epistemológica da parte dos defensores mais estreitos, e mais estritos, dos reducionismos epistemológicos. Mas houve, e há, em muitos casos, pré-juízos epistemológicos que são gravemente nocivos a uma investigação escorreita. Parece-me, pois, da maior importância que o investi- gador [...] tenha em conta o seu repertório de preconceitos epistemológicos, os conheça e deles se defenda o mais e o melhor possível. Mesmo que não peque por ato, ele pode estar a pecar por omissão. Em qualquer dos casos, a falta é de ordem ética. O investigador probo deve acautelar-se relativamente aos seus próprios interesses. Refiro-me, evidentemente, apenas aos interesses de natureza científica, pondo liminarmente de parte interesses de natureza econômica, por exemplo. Os interesses científicos são necessários e legítimos. Podem, porém, ter como contrapartida desinteresses, os quais se traduziriam em menor atenção, ou completa desatenção, passiva ou ativa, para com outras áreas, temas ou problemas objetivamente interessantes. Deve, pois, o investigador estar perma- nentemente em guarda quanto aos seus interesses, não se deixando obcecar por eles, antes os confrontando com outros interesses, eventualmente interesses de outros, numa atitude de abertura e interação que pode ser da maior utilidade ao progresso