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INTRODUÇÃO Independente da cultura do indivíduo e da época vivida, o alimento é um fator essencial e indispensável à manutenção e à ordem da saúde. Sua importância está associada à sua capacidade de fornecer ao corpo humano os nutrientes necessários ao seu sustento, de modo que funções específicas como a plástica, a reguladora e a energética sejam satisfeitas, mantendo assim a integridade estrutural e funcional do organismo. Contudo os nutrientes são também capazes de interagir com fármacos, sendo um problema de grande relevância na prática clínica, podendo causar alterações nos efeitos farmacológicos ou na biotransformação do fármaco e este, por sua vez, pode modificar a utilização do nutriente, com implicações clínicas tanto na eficácia terapêutica medicamentosa como na manutenção do estado nutricional. 1. INTERAÇÃO FARMACO NUTRIENTE O fenômeno de interação fármaco-nutriente pode surgir antes ou durante a absorção gastrintestinal, durante a distribuição e armazenamento nos tecidos, no processo de biotransformação ou mesmo durante a excreção. Essas interações podem alterar a disponibilidade, a ação ou toxicidade de uma destas substâncias ou de ambas. Elas podem ser físico-químicas, fisiológicas e patofisiológicas. Interações físico-químicas são caracterizadas por complexações entre componentes alimentares e os fármacos. As fisiológicas incluem as modificações induzidas por medicamentos na ingestão de alimentos, digestão, esvaziamento gástrico, biotransformação e clearance renal. As patofisiológicas ocorrem quando os fármacos prejudicam a absorção e/ou inibição do processo metabólico de nutrientes. O trato gastrintestinal representa o principal sítio de interação fármaco-nutriente, uma vez que o processo de absorção de ambos ocorre por mecanismos semelhantes e podem ser competitivos. A ingestão de alimentos é capaz de desencadear no trato digestivo a liberação de secreção que, por ação qualitativa e quantitativa dos sucos gástricos, age hidrolisando e degradando ligações químicas específicas. Substâncias sensíveis a pH baixo podem ser alteradas ou até inativadas pelo ácido gástrico quando ingeridas com alimentos, como, por exemplo no caso da inativação da penicilina e da eritromicina. Paralelamente, o nutriente pode influenciar na biodisponibilidade do fármaco através da modificação do pH do conteúdo gastrintestinal, esvaziamento gástrico, aumento do trânsito intestinal, competição por sítios de absorção, fluxo sangüíneo esplâncnico e ligação direta do fármaco com componentes dos alimentos. 2. ALIMENTAÇÃO E FARMACOCINÉTICA 2.1. Efeito da ingestão de alimentos na absorção É importante ter em consideração as IAF sempre que um fármaco seja prescrito por via oral, uma vez que a presença ou ausência de alimentos, aquando da administração de fármacos, pode alterar a farmacocinética do fármaco, influenciando neste caso a velocidade e a extensão do processo de absorção do fármaco, ou seja a sua biodisponibilidade (Guimarães et al., 2006). A presença de alimentos diminui a velocidade de esvaziamento gástrico, embora aumente a motilidade intestinal, sendo que o primeiro aspeto pode influenciar a velocidade com que o fármaco vai ser absorvido, enquanto que o segundo aspeto poderá contribuir para uma alteração na quantidade de fármaco que atinge a circulação sistémica, por diminuir o tempo de contato. Para além disso, a presença de alimentos pode diminuir a biodisponibilidade dos fármacos como resultado de processos de adsorção e formação de complexos que inviabilizem a sua absorção. Ocasionalmente ainda pode acontecer que, caso exista transporte mediado, se estabeleça uma competição entre o fármaco e os componentes da dieta para o mesmo sistema de transporte (Guimarães et al., 2006). Atualmente, segundo Welling citado por Singh (1999), as IAF estão classificadas em cinco categorias: as interações que causam redução, atraso, aumento e rapidez na absorção, e as interações em que os alimentos não causam efeito (Singh, 1999). No Quadro 1 é possível verificar o efeito dos alimentos em diversas classes terapêuticas. Estas categorias podem ser identificadas através da análise dos valores da concentração plasmática do fármaco ou através do tempo que demora a atingir. Assim sendo, a concentração do fármaco no local de ação encontra-se aumentada se a IAF promover: a absorção do fármaco, redução da sua ligação às proteínas plasmáticas, diminuição dos mecanismos de eliminação do fármaco, ou aumentar a formação dos seus metabolitos ativos. Por outro lado, a concentração do fármaco pode encontrar-se diminuída se ocorrerem mecanismos contrários aos descritos anteriormente (Amorim e Lopes, 2010). 2.1.1 MODIFICAÇÃO DO PH DO CONTEÚDO GASTROINTESTI NAL Com a ingestão de alimentos ou líquidos o pH de 1,5 do estômago se eleva para aproximadamente 3,0 afetando a desintegração das cápsulas, drágeas ou comprimidos e conseqüentemente a absorção do princípio ativo. O aumento do pH gástrico em função dos alimentos ou líquidos pode reduzir a dissolução de comprimidos de eritromicina ou de tetraciclina. Medicamentos como a fenitoína ou o dicumarol desintegram-se mais facilmente com a alcalinização do pH gástrico. 2.1.2 Atraso na absorção A presença de alimentos pode afetar a velocidade e a extensão da absorção ao nível do trato intestinal, que é observada através da análise dos valores, que mede a concentração máxima em cada unidade de tempo. O atraso ou a diminuição da absorção pode dever-se ao lento esvaziar do estômago e/ou ao aumento do pH gástrico resultado da ingestão de alimentos. limitante no processo de absorção seja a entrada do fármaco a partir do estômago para o intestino delgado, sendo este atraso causado pela ingestão de alimentos (Singh, 1999). 2.1.3 Diminuição da absorção Os fármacos cuja biodisponibilidade é diminuída pela presença dos alimentos são aqueles que são mais instáveis em fluídos gástricos, os que interagem irreversivelmente com os componentes da dieta ou aqueles que interagem de uma forma reversível mas exibem uma janela de absorção ao nível do intestino delgado. Alguns dos mecanismos que explicam a diminuição da biodisponibilidade são a diminuição da velocidade da absorção do trato gastrintestinal, aumento do efeito de primeira passagem através da metabolização ocorrida no fígado e aumento da clearance do fármaco. Para além destes fatores também existem outras situações que podem afetar a biodisponibilidade dos fármacos, como a Diabetes mellitus e as doenças inflamatórias do intestino (colite ulcerosa e doença de Crohn). 2.1.4 Aumento ou aceleração da absorção Os fármacos com absorção intestinal que sofrem um aumento da mesma, quando administrados com os alimentos são aqueles que têm uma absorção incompleta em consequência da sua fraca solubilidade nos fluídos gastrointestinais. O aumento da absorção intestinal resulta do atraso no esvaziamento gástrico e do aumento da secreção de sais biliares, que aumentam a dissolução. A secreção de sais biliares resulta da ingestão de alimentos, que causa a contração da vesícula biliar e subsequentemente a libertação dos sais biliares no duodeno. 2.1.5 VELOCIDADE DO ESVAZIAMENTO GÁSTRICO A presença de alimentos no estômago contribui para o retardo do esvaziamento gástrico. A velocidade é limitada pela quantidade de quimo presente no intestino delgado; refeições sólidas, ácidas, gordurosas, quentes, hipertônicas e volumes líquidos acima de 300 mL tendem a induzir um acentuado retardo do esvaziamento gástrico, podendo aumentar a absorção dos fármacos através de um prolongamento do tempo de contato do princípio ativo com a superfície de absorção. . 2.2 Efeito dos alimentos no metabolismo dos fármacos Determinados alimentos alteram o metabolismo dos fármacos, alterando a sua clearance e levando, assim, a efeitos tóxicos da terapêutica farmacológica. Por outro lado, a coadministração de fármacos com alimentos ou antiácidos pode não ter qualquer efeito na eliminação do fármaco, mas se o fármaco tiver um tempode semi-vida (t1/2) longo e que não seja alterado pela ingestão de alimentos, a menor alteração nos parâmetros farmacocinéticos que pode acontecer é no valor do Tmax, que não é considerada como uma alteração significativa (Singh, 1999). Alimentos gordurosos, refeições ricas em gordura e com pouca fira, retardam o esvaziamento do estômago por mais de duas horas. A ação de um fármaco ministrado antes ou após as refeições seria da mesma forma retardada. Dietas ricas em proteínas aumentam o fluxo sanguíneo esplâncnico, aumentando a absorção de alguns medicamentos. Já as refeições ricas em carboidratos causam uma leve e passageira redução do fluxo sanguíneo para o trato gastrointestinal, o que tende a diminuir a absorção de medicamentos. 3. Formas de administração Muitos medicamentos, principalmente aqueles que deprimem o sistema nervoso central, não devem ser ministrados com álcool, pois este potencializa seu efeito depressor. Já outros fármacos, quando ingeridos com álcool, produzem um efeito semelhante ao do dissulfiram, que consiste em rubor facial, dispnéia, náusea, palpitação, vômito, dor de cabeça e hipotensão. E, ainda, o álcool consumido com alguns medicamentos (antiinflamatórios, por exemplo) aumenta o potencial de irritação e sangramento gástrico. O álcool, as bebidas quentes e os antiácidos não devem ser ingeridos com cápsulas ou drágeas de revestimento resistente, pois estas substâncias podem causar a destruição prematura destes envoltórios, expondo os fármacos ao pH a que são sensíveis. Pastilhas, drágeas ou cápsulas de revestimento entérico não devem ser administradas junto com refeições alcalinas ou junto com antiácidos. Medicamentos Orientações quanto ao uso Observações Ac. Acetilsalicílico (AAS, Aspirina) Às refeições, com leite e derivados, sem bebida alcoólica Ministrar com leite e biscoitos, depleta depósitos de vit C e K, antagonista do ác. fólico Ac. Ascórbico ou Vit. C Às refeições Evitar irritação gástrica Amoxacilina (Amoxil) Em jejum Alimentos retardam e reduzem sua absorção Anticoncepcionais orais Às refeições Ministrar sempre no mesmo horário, antagonista do ác Fólico e vitB6, reduzem reservas de vitB2 e absorção de vit C. Aumentam níveis de vit A Atropina sulfato (Atroveran) Em jejum, ou 1h antes ou 2h após a refeição Cálcio Carbonato (cálcio Sandoz) Às refeições ou não Ministrar 1 hora após as refeições para efeito antiácido e junto para efeito de suplemento. Não usar com dieta rica em vit D. Carisoprodol (Dorilax, Tandrilax, Mioflex) Às refeições, sem bebida alcoólica Cefalexina 1h antes ou 2h após as refeições Alimentos retardam ou reduzem absorção Cimetidina Às refeições Atinge pico de secreção máxima com ótima inibição Cloranfenicol Em jejum, não ingerir bebida alcoólica Reduz absorção de lactose, aumenta necessidades de vit B2, B6, B12, A, ferro e ácfólico Hidroclorotiazida Sulfametoxazol + Trimetropim (Bactrim) 1h antes ou 2h após as refeições Ingerir bastante liquido para evitar formação de cristais na urina, antagonista do ác fólico Diazepam Às refeições, não ingerir bebida alcoólica Álcool potencializa efeitos depressores sobre o SNC Eritromicina 1h antes ou 2h após as refeições, com água Não tomar com sucos ácidos, refrigerantes e bebidas gasosas Fenobarbital (Gardenal) Em jejum, não ingerir bebida alcoólica Reduz atividade da vit B12, B6, D, K, ác fólico. Reduz absorção de cálcio Gluconatos e Sulfatos Ferrosos 1h antes ou 2h após as refeições Ministrar junto com fonte de vitamina C (cítricos), não administrar com cereais, ovos ou leite, formam quelatosinsolúveis Ibuprofeno 1h antes ou 2h após as refeições Ministrar com alimento ou leite. Álcool aumenta irritação gástrica Inibidor da MAO 30min antes das refeições, sem bebida alcoólica Reage com tiramina dos alimentos causando dores de cabeça, hipertensão e hemorragia intracraniana Neomicina Em jejum Reduz absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis, reduz absorção de nitrogênio, lactose, sacarose, cálcio, ferro, vitB12, aumenta excreção de sódio e potássio Cloridrato de Propanolol Às refeições, sem bebida alcoólica Alimentos aumentam absorção, o álcool pode mascarar sintomas de hipoglicemia alcoólica Tetraciclina Em jejum Pode se ministrar com refeições ligeiras, não ministrar com leite ou derivados ricos em cálcio e devem ser evitados até 2 horas após as refeições Teofilina 30 a 60 min antes das refeições Absorção retardada com alimentos ricos em proteínas e acelerada na presença de carboidratos Warfarin Às refeições, sem bebida alcoólica Evitar grandes quantidades de vit K, eliminar da dieta nabos, espinafre, vegetais de folhas verdes que aumentam tempo de protrombina, evitar dieta rica em gorduras CONCLUSÃO Alguns fármacos interferem na absorção de um nutriente, bem como podem alterar o seu uso pelo organismo e/ou sua excreção. Os fármacos também podem interferir nesse estado nutricional, aumentando ou diminuindo o apetite, afetando, dessa forma, a quantidade de alimentos/nutrientes consumidos (Bobroff et al., 2009) Quando se torna difícil prever o padrão de absorção de um medicamento na presença de alimentos, é melhor administrá-lo com o estômago vazio, exceto naqueles fármacos que apresentam como efeitos colaterais problemas gastrointestinais (náuseas, vômitos, diarreia, constipação e dor abdominal). Nestes casos, podem ser administrados junto com alimentos, para evitar esses efeitos colaterais desagradáveis e desconfortáveis ao trato digestório (Salazar & Pimentel, 2002). Diante disso, devem ser identificadas as principais interações entre medicamentos e alimento/nutriente e saber quais as intervenções que devem ser adotadas para cada caso específico. Além disso, as ações de promoção da saúde são imprescindíveis, já que é importante também a orientação aos pacientes que fazem uso de algum medicamento, para que eles adotem uma postura terapêutica que forneça mais benefícios durante o tratamento e uma melhor qualidade de vida, bem como para reduzir os riscos, os custos e os períodos de internação. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS http://www.barbaracandeias.com.br/interacoes-entre-medicamentos-e-nutrientes http://www.portalfarmacia.com.br/ farmacia/principal/conteudo.asp?id =317 MOURA, Mirian Ribeiro Leite e REYES, Felix Guillermo Reyes. Interação fármaco-nutriente: uma revisão. Rev. Nutr. [online]. maio/ago. 2002, vol.15, no.2 [citado 22 Agosto 2003], p.223- 238. Disponível na World Wide Web: http://www.scielo.br ZANETTI, Ariane; RASCADO, Ricardo; MARQUES, Luciene; DUANETO, Andressa. Interações entre medicamentos e alimentos. N° 02 Novembro/2009 Centro de Farmacovigilância da UNIFAL - CEFAL Site: www2.unifal-mg.edu.br/cefal Email: cefal@unifal-mg.edu.br Tel: (35) 3299 1443 LOPES, Everton; OLVEIRA, Edina; LIMA, Luisa; FORMIGA, Laura; FREITAS Rivelilson. Interações fármaco-alimento/nutriente potenciais em pacientes pediátricos hospitalizados. Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2013;34(1):131-135 ISSN 1808-4532. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada.
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