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O NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE E O PLANO DA EXISTÊNCIA SÃO

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O NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE E O PLANO DA EXISTÊNCIA: SÃO
ELES CATEGORIAS PRECISAS NA ANÁLISE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS?
The non-existing juridical act and the level of existence: are they accurate legal
categories in the analysis of juridical acts?
Revista de Direito Privado | vol. 71/2016 | p. 179 - 222 | Nov / 2016
DTR\2016\24381
Francisco Sabadin Medina
Doutorando em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP).LL.M. na Universidade de Munique (Ludwig-Maximilians-Universität – LMU
München).Bacharel em Direito na Faculdade de Direito da USP. fesstmedina@gmail.com
Área do Direito: Civil
Resumo: No Direito Civil brasileiro atual, as categorias jurídicas do negócio jurídico
inexistente e do plano da existência são tidas como “leis naturais” e, portanto,
incontestáveis. A absoluta falta de consenso na literatura estrangeira coloca, porém,
essa certeza em dúvida. O presente artigo analisa a pertinência do negócio jurídico
inexistente e do plano na existência, chegando à conclusão de que, embora a doutrina
brasileira mereça, em geral, aplausos, os termos “negócio jurídico inexistente” e “plano
da existência” devem ser abandonados.
Palavras-chave: Negócio jurídico - Sistema de nulidades no Código Civil de 2002 -
Negócio jurídico inexistente - Plano da existência - Suporte fático
Abstract: The current Brazilian legal literature on civil law takes the juridical categories
of the non-existing juridical act and the level of existence as a kind of an irrefutable
“natural law” of the juridical act theory. Nonetheless, a short glance at the international
legal literature on it puts this certainty into question, for there is no consensus at all. The
following essay analyses the pertinence of the non-existing juridical act and of the level
of existence, and comes to the conclusion that, even if the Brazilian perception is
generally correct, the terminology “non-existing juridical act” and the concept of “level of
existence” should be abandoned.
Keywords: Juridical act - Nullity system in the Brazilian Civil Code of 2002 -
Non-existing juridical act - Non-existing juridical act - Factual requirements of a juridical
act
Sumário:
1Introdução - 2A intenção do legislador e a literalidade do CC/2002 - 3A inexistência -
4“Negócio jurídico inexistente” e teoria da aparência - 5Conclusões
1 Introdução
A1 teoria do negócio jurídico constitui um dos temas mais estudados no Brasil ao longo
das últimas décadas e seu maior fruto – a tricotomia existência-validade-eficácia – é
certamente uma das maiores provas da capacidade criativa da civilística brasileira do
século XX. Se nos prelúdios da codificação havia certa indefinição a respeito, como
facilmente se depreende do Esboço, de A. Teixeira de Freitas,2 e da Nova Consolidação
das Leis Civis, de C. Augusto de Carvalho,3 esse panorama alterou-se rapidamente
pouco depois. Ao longo do século passado, apesar de existirem na literatura aqui ou ali
raras vozes em sentido contrário,4 o fato de não poucos autores de peso5 terem
dedicado monografias e artigos ao tema levou a doutrina brasileira atual a tomar a
distinção entre existência, validade e eficácia como uma “lei natural e imutável” 6 do
direito civil.7 No início da década de 1980, afirmou-se, com razão, que a tricotomia no
modelo de A. Junqueira de Azevedo é “ a contribuição brasileira à teoria do negócio
jurídico”.8 Quanto ao negócio jurídico inexistente, ele é em regra referido como uma
criação de K. S. Zachariae von Lingenthal em seu manual sobre o direito civil francês9 e,
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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embora às vezes seja apontada uma divergência sobre o assunto já na doutrina francesa
do século XIX,10 paira no ar a sensação de o tema estar a tal ponto consolidado que uma
análise ulterior seria desnecessária.11
No entanto, um breve olhar no direito estrangeiro coloca em dúvida a certeza
predominante no ambiente acadêmico nacional. O direito alemão, tratado por aqui como
“berço” da teoria do negócio jurídico e tido por muitos como a origem da tricotomia, não
apenas desconhece, salvo raríssimas exceções,12 uma classificação trifásica dos
requisitos do ato jurídico,13 como também a inexistência nunca foi profundamente
estudada14 e – o que é ainda mais surpreendente – há verdadeiro caos terminológico
quanto ao que os brasileiros conhecem por validade e eficácia.15 A mesma situação de
incerteza encontra-se em outros países europeus. Na França, a inexistência foi objeto de
diversos ataques na virada do século XX16 e, ainda que não tenha desaparecido
completamente17 e seja objeto de tentativas de reelaboração,18 ela se encontra em
franca retirada.19 Na Itália, a inexistência foi extremamente criticada,20 sendo, quando
não expressamente negada, meramente admitida como subsidiária.21 Em Portugal,
embora a lei tenha pressuposto o conceito de inexistência,22 as opiniões também
divergem a ponto de ninguém menos que A. Menezes Cordeiro afirmar, enfaticamente,
que “está francamente na hora de os defensores da inexistência como vício autónomo
virem a terreiro rebater os (muitos) contras e apresentar as suas razões. Dizemo-lo há
décadas”.23 Por último, nos países do common law o assunto simplesmente não é
discutido, o que se reflete no fato de nem mesmo haver uma terminologia fixa para
designar “negócio jurídico”, tendencialmente traduzido por “juridical act”.24
Sob esse pano de fundo, faz-se necessária uma reanálise das categorias do negócio
jurídico, a fim de identificar acertos e equívocos da doutrina brasileira sobre o assunto.
Há pouco, uma importante contribuição analisou criticamente a tricotomia sob a
perspectiva alemã e colocou em dúvida a pertinência de se distinguir entre validade e
eficácia do negócio jurídico.25 O presente trabalho restringe-se, por sua vez, ao primeiro
“degrau” da tricotomia e tem por objeto as categorias jurídicas da inexistência do
negócio jurídico e do plano da existência no direito civil brasileiro. Antes de adentrar
propriamente no tema, é pertinente analisar a intenção do legislador quando da redação
do CC/2002, bem como a terminologia nele empregada para designar os requisitos de
existência, validade e eficácia.
2 A intenção do legislador e a literalidade do CC/2002
O CC/2002 foi resultado de um projeto redigido no início da década de 1970 sob
supervisão de Miguel Reale, que convidou os juristas José Carlos Moreira Alves (parte
geral), Agostinho de Arruda Alvim (direito das obrigações), Sylvio Marcondes (atividade
negocial), Ebert Vianna Chaumoun (direito das coisas), Clóvis do Couto e Silva (direito
da família) e Torquarto de Castro (direito das sucessões) para compor a comissão
elaboradora.26 A ideia de aprovar um novo código era atualizar o CC/1916 conforme as
novas necessidades da sociedade brasileira da época e incorporar inovações da ciência
jurídica surgidas durante o século XX, conservando, porém, o máximo possível a
estrutura do diploma vigente.27 Na Exposição de Motivos sobre a parte geral, Miguel
Reale assinalou, dentre os “pontos altos da revisão”, a “[a]tualização das normas
referentes aos fatos jurídicos, dando-se preferência à disciplina dos negócios jurídicos,
com mais rigorosa determinação de sua constituição, de seus defeitos e de sua
invalidade, fixadas, desse modo, as bases sobre que se assenta toda a parte relativa ao
Direito das Obrigações. Nesse, como em outros pontos, procura-se obedecer a uma clara
distinção entre validade e eficácia dos atos jurídicos, evitando-se os equívocos em que
se enredava a Dogmática Jurídica que presidiu à feitura do Código de 1916”.28
Um dos princípios basilares do projeto do CC/2002 era, portanto, diferenciar claramente
as hipóteses que resultam na invalidade daquelas atinentes à eficácia do negócio
jurídico. Se a inexistência seria aceita como categoria autônoma, ou se construçõesteóricas naquele tempo conhecidas, como a tricotomia de F. C. Pontes de Miranda,
seriam seguidas, essas foram questões implicitamente deixadas para cada um dos
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responsáveis por cada livro do projeto decidir. Assim, em resposta à crítica de C. Couto e
Silva29 à parte geral do anteprojeto por não ter adotado rigorosamente a tricotomia, J.
C. Moreira Alves afirmou que, a seu ver, “não se deve[ria] modificar a sistemática
seguida no Anteprojeto, quanto aos negócios jurídicos, para ajustá-la, rigidamente, à
tricotomia existência-validade-eficácia”,30 pois:
[a] sistemática seguida no Anteprojeto não é tão antiquada como parece ao Prof. Couto
e Silva. Com efeito, a distinção entre validade e eficácia (que são os aspectos que
interessam no caso) não é recente. Windscheid, por exemplo, a segue rigorosamente na
exposição do negócio jurídico em seu Lehrbuch des Pandektenrechts (onde, depois de
tratar dos requisitos de validade, se ocupa da invalidade, e, finalmente, da eficácia do
negócio jurídico). Mas, nessa mesma época, outro pandectista (não menor que
Windscheid) – Regelsberger – nas não menos estimadas Pandectas, examinou a
condição e o termo antes da nulidade e da anulabilidade, tal qual o Anteprojeto. Na
mesma trilha, encontram-se, nos fins do século passado, Wendt (Lehrbuch der
Pandekten), Waechter (Pandekten, vol. 1) e Arndts (Lehrbuch der Pandekten); e,
atualmente, Enneccerus-Nipperdey (Lehrbuch des bürgerlichen Rechts, I, 2) e Lange (
BGB – Allgemeiner Teil).31
Deixando de lado as imprecisões quanto à existência, no direito alemão, de uma rígida
distinção entre o que, na doutrina brasileira, denominamos validade e eficácia,32
podem-se extrair desse trecho ao menos duas conclusões relevantes. Primeiro, ao
contrário do que determinou Miguel Reale, a parte geral do anteprojeto do CC/2002 não
separou, em sua estrutura, os requisitos de validade dos de eficácia. Em vez de adotar a
tricotomia pontiana (e sua sistematização), o legislador optou por distribuir os casos de
validade e de eficácia conforme teria feito a doutrina pandectística dominante no final do
século XIX. No resultado, preferiu-se manter o esquema do CC/1916 a promover uma
nova (e inovadora) organização da matéria.33 Segundo, apesar dessa discordância entre
J. C. Moreira Alves e C. Couto e Silva, o legislador da parte geral do CC/2002 não
rejeitou, em momento algum, o valor dogmático da tricotomia pontiana. Não seria
correto afirmar, com fundamento apenas nesse trecho, que a tricotomia seria estranha
ao CC/2002, pois o legislador não lhe negou qualquer valor, mas apenas considerou
desnecessário alterar a ordem de distribuição de matérias no anteprojeto. Em princípio,
a tricotomia poderia permear o espírito do atual código, norteando separadamente o
regulamento específico de cada instituto jurídico.
A análise detalhada da literalidade do CC/2002 revela, porém, a ausência de uma diretriz
única ao longo de todo o projeto. O termo “inexistente” é empregado apenas duas vezes
em sentido técnico como forma de técnica legislativa de ficção legal.34 Para designar a
validade, o legislador utilizou, no mais das vezes, os vocábulos “validade”,35
“invalidade”,36 “válido”,37 “nulo”,38 “nulidade”,39 “anular”,40 “anular-se”41 “anulação”,42
“anulado”,43 “anulável”,44 “anulatório” 45 e “anulabilidade”,46 mas, em poucos casos,
também “validar”,47 “validar-se”,48 “invalidar”49 e, de forma menos técnica, “valer”.50 A
categoria da ineficácia é identificada no código pelos vocábulos “eficácia”,51 “eficaz”,52
“ineficácia” 53 e “ineficaz”.54 Desvinculado da tricotomia, o legislador fala ainda em
“efeitos”,55 “defeitos” 56 e “vícios” 57 do negócio jurídico. Até aqui poderíamos ter a
impressão de que a tricotomia estaria presente ao longo do Código. Retornemos, porém,
à parte geral: nela, a palavra “eficácia” e seus derivados não são empregados sequer
uma única vez em sentido técnico.58 No regulamento da simulação, caso típico de
ineficácia relativa,59 o legislador optou conscientemente60 pela “nulidade” do negócio
simulado (ou dissimulador) em todos os casos (art. 167, caput, CC/2002), embora o
considere, logo em seguida, válido e eficaz em relação a terceiros de boa-fé (art. 167, §
2.º, CC/2002).61 Com isso, o legislador parece ter adotado, na parte geral, um conceito
amplo de nulidade, o qual abarcaria a eficácia e comportaria uma classificação em
nulidade absoluta, quando o ato não produz nenhum efeito, e nulidade relativa, quando
o ato produz efeitos apenas em face de algumas pessoas.62
No livro de obrigações, em contrapartida, o legislador pretendeu63 traçar uma nítida
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distinção entre validade e eficácia na maioria dos casos, como no art. 307, em que o
poder de disposição é tratado como fatorde eficácia,64 mas, em outros, validade está em
lugar de eficácia, por exemplo no art. 308, no qual a ratificação é tratada como requisito
de validade (“só valer”).65 O livro sobre direito da empresa distingue corretamente entre
validade e eficácia,66 embora a delimitação não pareça ter aqui grande relevância
prática.67 No livro de direitos reais, não se encontram vestígios dessa distinção, o que se
explica pelo modelo de transmissão de propriedade adotado pelo código.68 Já no livro de
direito de família há, conforme a intenção de C. Couto e Silva,69 uma nítida distinção,
sendo a validade (nulidade e anulabilidade) tratada nos arts. 1548-1564 e a eficácia nos
arts. 1565-1570.70 Na parte sobre direito das sucessões, o legislador diferencia
tendencialmente entre validade e eficácia (por exemplo, nos arts. 1912, 1916 e 1971),
embora também identifique-se em alguns casos uma sobreposição dos conceitos, como
no art. 1892, no qual “não valerá” está empregado em lugar de “não produzirá efeitos”.
71
Essa breve análise permite extrair as seguintes conclusões: o CC/2002 não segue nem a
tricotomia de F. C. Pontes de Miranda, como parece assumir a doutrina majoritária de
direito civil, nem distingue criteriosamente, como queria Miguel Reale, entre validade e
eficácia de maneira uniforme em todas as suas partes. Pelo contrário, há diferentes
sistematizações conforme o livro do código. Na parte geral, a categoria da eficácia foi
englobada pela da nulidade, nos livros sobre o direito das obrigações e das sucessões
observa-se apenas uma tendência de separar validade de eficácia, enquanto no livro de
direito de família há uma nítida separação entre elas. O livro de direitos reais, por sua
vez, manteve-se ao largo da discussão.72 Quanto à inexistência, que nos interessa aqui,
ela é empregada apenas e tão somente como forma de técnica legislativa para indicar
uma ficção jurídica. A intenção do legislador e a literalidade da lei não revelam
posicionamento claro nem a favor, nem contra seu emprego, o que permite concluir que
a admissibilidade e a correspondente construção dogmática da inexistência foram
deixadas à doutrina e à jurisprudência.
3 A inexistência
Na literatura de direito civil brasileiro predomina, como indicado na introdução, o
entendimento de que o plano da existência e o conceito de negócio jurídico inexistente
constituem “leis naturais” da ciência jurídica.73 Contudo, tanto a inexistência não
consiste em uma verdade assim tão certa que, além de não ser universalmente adotada,
ela também não é empregada sequer uma vez em sentido técnico em todo o CC. O fato
dessa inconsistência da lei não ter levado a doutrina a tentar construir um sistema com
base nas disposições do código, nem a se submeter à sua literalidade, a se afastar da
inexistência e da tricotomia ou pelo menos a revisar esses conceitos jurídicos, somente
se explica pelo desprezo latente da norma escrita no Brasil.74 A fim deanalisar a
pertinência da categoria jurídica da inexistência no direito civil brasileiro, serão tratados
a seguir: (1) a inexistência na doutrina dominante da tricotomia, (2) os argumentos a
favor da existência e (3) as críticas encontradas tanto na doutrina nacional quanto na
estrangeira à pertinência da categoria jurídica do negócio inexistente, ao que se seguirão
(4) uma tomada de posição e, por fim, (5) breves considerações sobre a terminologia
“negócio jurídico inexistente” e sobre o plano da existência.
3.1 A inexistência na tricotomia
Segundo o modelo da tricotomia, o qual mereceria, por si só, um reexame em estudo
separado, o negócio jurídico deve ser analisado a partir de três planos.75 O primeiro
constitui o plano da existência, no qual se encontram os elementos do suporte fático de
uma regra jurídica, que, uma vez presentes, fazem com que a norma incida, “colorindo”
76 determinados acontecimentos do mundo dos fatos e elevando-os para o mundo
jurídico na condição de fato jurídico. Na falta de um dos elementos do suporte fático, o
negócio jurídico não se forma. Assim, por exemplo, um casamento celebrado por
autoridade sem poder para casar, como um delegado de polícia ou um promotor de
justiça, não constitui casamento em sentido jurídico.77 O segundo é o plano da validade,
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
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no qual é verificado se um negócio ou um ato jurídico stricto sensu padece, segundo as
normas de direito positivo,78 de uma causa invalidante.79 Um ato jurídico praticado por
um menor absolutamente incapaz (art. 3.º) é, conforme o art. 166 I, nulo, enquanto o
celebrado por relativamente incapaz (art. 4.º) ou em erro, dolo ou estado de perigo é,
segundo o art. 171, I e II, anulável. O terceiro plano é o da eficácia, segmento do
mundo jurídico no qual são irradiados efeitos jurídicos queridos pelas partes, como
direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções.80
Pressuposto essencial de qualquer fato jurídico (fato jurídico stricto sensu lícito e ilícito,
ato-fato jurídico, ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico) é sua existência no mundo
jurídico. Efeitos jurídicos só podem ser produzidos por algo que seja; o que não é
também não pode ser nem válido nem eficaz.81 A validade é, por sua vez, requisito
próprio dos fatos jurídicos cuja produção de efeitos é determinada pela vontade negocial.
82 Assim, somente negócios e atos jurídicos stricto sensu podem ser nulos ou anuláveis,
enquanto fatos jurídicos em sentido estrito (lícitos ou ilícitos) e atos-fatos jurídicos só
podem ser analisados quanto a sua existência e eficácia.83 No plano da validade, um
contrato existente pode ser, portanto, válido ou inválido, o que no direito civil brasileiro
vigente significa ser nulo ou anulável.84 A eficácia, por fim, se relaciona com a produção
de efeitos almejados (ou queridos) e está presente em todos os fatos jurídicos.85 Um ato
jurídico em sentido lato (negócio jurídico ou ato jurídico stricto sensu) é, via de regra,
existente, válido e eficaz, mas também pode ser existente, inválido e ineficaz (por
exemplo, um negócio com objeto ilícito); existente, válido e ineficaz (assim um
testamento antes da morte do testador e um ato de um representante sem poderes de
representação); existente, inválido e eficaz (como um negócio passível de ser anulado);
86 e existente, inválido e ineficaz, mas com possibilidade de se tornar eficaz (por
exemplo, uma compra e venda anulável sob condição suspensiva).
Nesse contexto, o plano da existência constitui o divisor de águas entre o mundo dos
fatos e o mundo do direito. Um negócio jurídico é existente quando os elementos do
suporte fático estão presentes e a regra jurídica incide. Em contrapartida, se faltar ao
menos um desses elementos e a regra não incidir, há um negócio jurídico inexistente.87
3.2 Argumentos a favor da inexistência
A separação entre existência e validade/eficácia é justificada na doutrina brasileira e
estrangeira com base em pelo menos cinco argumentos: (a) o ato jurídico nulo pode,
eventualmente, produzir os efeitos almejados (ou queridos), enquanto o inexistente
estaria destituído dessa possibilidade; (b) o ato jurídico inválido pode ser convertido em
um válido, quando satisfeitos os requisitos do art. 170, CC/2002; (c) o ato jurídico
inválido, por existir no mundo jurídico, é passível de desconstituição; (d) os efeitos
jurídicos de um negócio jurídico sob condição suspensiva, enquanto pendente, só podem
ser explicados tendo em vista a existência do negócio; e (e) a distinção entre existência
e validade/eficácia é essencial para determinar a distribuição do ônus de prova.
(a) Negócio jurídico nulo pode produzir todos os efeitos típicos de um negócio válido
Ao tratar dos efeitos produzidos pelo ato nulo, os autores brasileiros têm em mente, em
regra, o casamento putativo: tendo os cônjuges contraído matrimônio de boa-fé, ainda
que o casamento seja nulo, ele produz todos os seus efeitos civis entre a data da
celebração e a sentença declaratória de nulidade (arts. 1561, caput c/c 1563, CC/2002).
88 Caso somente um dos cônjuges esteja de boa-fé no momento da celebração, o
casamento produz efeitos apenas para o nubente de boa-fé (§ 1.º) e, na hipótese de
ambos os nubentes terem agido de má-fé, somente em face dos filhos (§ 2.º).89 Dessa
forma, a relevância em distinguir entre existência e nulidade é provada não apenas por
um negócio jurídico nulo e eficaz, mas também pelo fato de o casamento inexistente não
produzir, em contraposição ao nulo, qualquer efeito.90 Outros exemplos, menos
mencionados na doutrina, são a produção de efeitos pelo negócio jurídico simulado em
face dos terceiros de boa-fé (art. 167, § 2.º, CC/2002);91 o efeito de impedir a repetição
irradiado pelo negócio nulo por ser ilícito, imoral ou proibido em lei (arts. 166, II e VI c/c
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
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883, caput, CC/2002);92 e a fiança de obrigação nula por incapacidade pessoal (art. 824,
CC/2002).93 A hipótese de irradiação de efeitos jurídicos por ato nulo é, aliás,
expressamente reconhecida pelo próprio legislador no art. 168, parágrafo único ao
prescrever que “as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do
negócio jurídico ou dos seus efeitos...”.
O negócio nulo também pode irradiar efeitos em outros casos além desses reconhecidos
expressamente pelo legislador. Na vigência do CC/1916, discutia-se tanto na doutrina94
quanto na jurisprudência95 se o ato jurídico nulo seria passível de prescrição. A fim de
solucionar essa controvérsia, o legislador do CC/2002 proibiu, no art. 169, a confirmação
e a convalescência do nulo pelo decurso do tempo, com a consequência de que eles não
estariam submetidos à prescrição.96 Tão categórica essa norma seja, ela não foi
suficiente para pôr fim à questão, pois, se o negócio jurídico em si não poderia
prescrever, surgiram na prática casos nos quais negócios jurídicos nulos irradiaram
efeitos patrimoniais por um longo período de tempo ou frente a terceiros, tornando
inconveniente (quando não impossível) desconstituí-los por completo. Em resposta a
esse impasse, a jurisprudência entende atualmente que, embora o negócio jurídico nulo
não esteja sujeito à prescrição, seus efeitos patrimoniais o estão e, portanto, não podem
mais ser desfeitos após 10 anos (art. 205).97 Por outras palavras, o art. 169 foi
interpretado no sentido de restringir seu alcance somente ao fato jurídico, e não a seus
efeitos, como se aquele, e não este, fosse o objeto da prescrição.98
Além da prescrição dos efeitos do ato nulo, há ao menos três outras constelações de
casos nos quais há produção dos efeitos queridos pelas partes apesar da nulidade do
negócio jurídico. A primeira ocorre quando o alcance dasanção de nulidade é
excepcionalmente reduzido, porque o desfazimento dos efeitos jurídicos do negócio não
seria necessário em vista da mens legis da norma (há aqui uma interpretação teleológica
restritiva). Um exemplo pode ser visto no contrato nulo por deficiência de forma (arts.
104, III, e 166, IV, CC/2002) cumprido de maneira espontânea pelas partes cientes da
nulidade.99 A segunda, talvez englobada na primeira, compõe-se das hipóteses nas quais
a alegação de nulidade é bloqueada por estar em desacordo com alguma das figuras
jurídicas decorrentes da boa-fé objetiva, especialmente com o venire contra factum
proprium.100 A terceira é constituída pelas “relações contratuais de fato”, as quais, não
obstante a nulidade, são consideradas como válidas e eficazes devido à impossibilidade
do desfazimento de seus efeitos.101 O exemplo clássico é o da nulidade de contrato de
trabalho, cuja decretação não pode desfazer a atividade laboral de um empregado.102
(b) Nulidade como requisito da conversão substancial
Somente o negócio nulo pode, nos parâmetros do art. 170, CC, ser convertido.
Conversão é um procedimento de natureza declaratória por meio do qual de um negócio
jurídico, denominado primário, nulo é extraído outro, o negócio substituto, desde que
haja uma correspondência isonômica e isomórfica entre eles e possa-se presumir que as
partes teriam celebrado o negócio substituto, se soubessem da nulidade.103 A título de
exemplo podem ser mencionados a compra e venda nula por defeito de forma convertida
em um contrato preliminar de compra e venda,104 o aval firmado após o vencimento do
título convertido em fiança105 e a cessão de crédito incessível substancialmente
convertida em outorga de poderes de representação.106 Na doutrina, defende-se a
possibilidade de conversão não apenas de negócios jurídicos nulos, como estabelece a
lei, mas também de meramente ineficazes107 ou ainda de negócios anuláveis após sua
anulação.108 Essa divergência é previsível, visto que não é possível identificar nem uma
terminologia uniforme nem um sistema coerente de nulidades na literalidade do código.
Para os fins do presente trabalho, basta assinalar que um negócio jurídico inexistente
não pode em hipótese alguma ser convertido em um existente, válido e eficaz.109
(c) Necessidade de desconstituição do ato nulo
O ato jurídico nulo, por ter preenchido os requisitos mínimos do suporte fático da norma
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
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jurídica, entra no mundo do direito como fato jurídico e pode produzir efeitos, mesmo se
não os almejados pelo declarante. Para evitar que esse ato nulo continue produzindo
esses efeitos, é necessário, segundo a doutrina tradicional, retirá-lo (ou expulsá-lo) do
mundo jurídico por meio de uma ação desconstitutiva.110 Como só é possível
desconstituir o que existe (o que não existe somente pode ter sua inexistência
reconhecida por ação declaratória), há, também aqui, uma prova da diferença entre
existência e validade/eficácia do ato jurídico.111 Além do casamento nulo, o qual produz
todos os seus efeitos até a sentença que declare a nulidade (art. 1563),112 outro
exemplo bastante ilustrativo pode ser visto no contrato de compra e venda nulo. No caso
do matrimônio, a desconstituição do ato nulo é necessária para apagar todos os efeitos
do casamento, enquanto na hipótese da compra e venda nula, embora o efeito principal
(transmissão da propriedade) não seja irradiado pelo negócio jurídico, seu desfazimento
é essencial para descaracterizar ao menos um de seus efeitos impróprios,
nomeadamente o requisito do justo título para fins de usucapião (arts. 1238 e 1242 para
imóveis, e 1260 para móveis).113
(d) Ato jurídico sob condição suspensiva e direito expectativo
Durante o período entre a celebração do ato jurídico e o implemento da condição, seja
ela condicio facti (condição em sentido próprio), seja ela condicio iuris (condição que
independe da vontade das partes),114 o ato existe, embora sem irradiar os efeitos
queridos pelos participantes.115 Durante esse interregno, o ato jurídico produz ao menos
dois efeitos necessários relevantes: de um lado, ele confere ao titular do direito
expectativo (também denominado condicional ou simplesmente expectativa de direito) o
direito de praticar atos conservativos (art. 130, CC/2002), como evitar esbulho e
turbação (art. 1210, CC/2002) e realizar benfeitorias necessárias (art. 96, § 3.º,
CC/2002), e, de outro, ele vincula as partes envolvidas ao estado de pendência até que
a condição ocorra, torne-se impossível ou, em casos extremos, ilícita. Além disso, o
direito expectativo pode ainda eventualmente ser transferido inter vivos ou mortis causa
e penhorado, ser objeto de garantia de fiança ou de novação, ou ainda entrar no
concurso de credores.116 A produção de tais efeitos tem por fundamento necessário a
existência de um fato jurídico, o que demonstra a relevância dogmática de tratar
separadamente a constituição do ato jurídico e os demais requisitos necessários para
produção dos efeitos almejados pelas partes.117
(e) Distribuição do ônus da prova
A distinção entre existência, de um lado, e validade e eficácia, de outro, tem
consequências também na distribuição do ônus de prova no direito processual civil.
Segundo o art. 373 CPC/2015, o autor da ação tem o dever de provar os fatos os quais
justificam seu pedido (inc. I), enquanto ao réu incumbe o ônus de comprovar fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (inc. II). Quando o comprador,
por exemplo, interpõe uma ação pedindo a condenação do vendedor a cumprir seu dever
obrigacional, ele tem de provar que o contrato foi celebrado e, portanto, que todos os
elementos de existência (res, pretium e consensus) estão presentes. O vendedor, em
contrapartida, ao alegar que o contrato é nulo, anulável ou ineficaz, deve trazer provas
de ao menos um motivo de nulidade (art. 166, CC/2002), de anulabilidade (art. 171,
CC/2002) ou de ineficácia (por exemplo, art. 662, caput, CC/2002) e, no caso de
anulabilidade, do exercício de seu direito dentro do prazo de decadência (art. 178,
CC/2002) e de sua legitimidade para tanto (art. 177, CC/2002). Logo, enquanto o ônus
da prova dos requisitos de existência recai sobre o autor, aquele referente aos de
validade e de eficácia incumbe ao réu.118
3.3 Críticas à inexistência
(a) Confusão entre o mundo dos fatos e o mundo do direito
Apesar da ampla aceitação pela doutrina brasileira da categoria da inexistência dos atos
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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jurídicos, diversos motivos levaram importantes autores a lhe negarem qualquer valor
científico. Os principais são: (a) confusão entre o mundo fático e o mundo do direito; (b)
irrelevância prática da distinção entre negócio jurídico inexistente e nulo; (c) experiência
negativa do direito francês; (d) possibilidade de abuso da categoria da inexistência; e
(e) as famosas críticas de Silvio Rodrigues.
A crítica mais contundente ao conceito de negócio jurídico inexistente se refere à
confusão entre o plano dos acontecimentos da vida e aquele dos fatos jurídicos. Segundo
essa perspectiva, conceitos jurídicos somente podem ser aplicados com referência a
fatos e figuras jurídicas presentes dentro do mundo jurídico. Tudo que está fora, ou seja,
tudo que não é nem resultado da incidência de uma norma jurídica nem efeito de um
fato jurídico (em sentido amplo), não pode ser descrito nem referido por meio de
conceitos jurídicos. Logo, o vocábulo “ato jurídico” já teria implícito, per se, tratar-se de
um negócio jurídico existente. Falar, em contrapartida, de “negócio jurídico inexistente”
constituiria uma contradição em termos, porquanto o que está fora do mundo jurídico
logicamente não produz quaisquerefeitos jurídicos por falta de elemento do suporte
fático.119 O negócio jurídico inexistente seria, dessa forma, um conceito meramente
negativo e se basearia em critérios não jurídicos.120 Em última instância, equiparar o
negócio jurídico inexistente a um “nada” seria tão contraditório quanto falar de “uma
faca sem cabo nem fio”121: um pedação de metal sem cabo e sem lâmina não pode ser
denominado de “não faca”, mas é simplesmente qualquer coisa diferente de uma faca.
(b) Irrelevância prática da distinção entre negócio jurídico e nulo
A noção de inexistência também é negada por alguns autores pela falta de relevância
prática, porquanto a nulidade teria efeitos equivalentes ao da inexistência: nos dois
casos, o negócio não produziria qualquer efeito jurídico.122 Essa consideração levou a
doutrina dominante da Alemanha a reconhecer apenas implicitamente a categoria
jurídica da inexistência,123 negligenciando-a a segundo plano, a ponto de a maioria
esmagadora dos manuais nem mencioná-la124 e mesmo os civilistas em geral a
desconhecê-la.125 W. Flume, por exemplo, aponta a hipótese do “não negócio jurídico” (
Nichtrechtsgeschäft) quando as partes não chegarem a um acordo sobre o preço ao
celebrarem um contrato de compra e venda, mas considera sua diferença em face do
negócio nulo seria irrelevante,126 no que é seguido por grande parte da doutrina.127 Em
consequência, encontram-se, no direito alemão, frases como “formar-se com eficácia” (“
wirksam zustande kommen”),128 as quais revelam, sob a perspectiva da tricotomia, uma
sobreposição das categorias da existência e da validade/eficácia.129
(c) Experiência negativa do direito francês
O direito francês foi o berço de desenvolvimento da teoria do “acte juridique inexistant”.
Após a introdução da ideia pelo alemão Karl Salomo Zachariae von Lingenthal em seu
manual sobre o direito civil francês em alemão,130 a inexistência foi amplamente aceita
pela doutrina francesa. Inicialmente utilizada apenas em casos extremos para atender
necessidades práticas (falta de consenso, falta de objeto do ato jurídico e casamento
entre pessoas do mesmo sexo), ela foi logo estendida para abranger também hipóteses
como a da ilicitude do negócio e demais requisitos do art. 1108 Code civil. Com isso, a
inexistência ganhou tamanha dimensão que logo passou a se sobrepor às hipóteses de
nulidade.131 Em reação a esse entendimento, que ficou conhecido como théorie classique
de l’inexistence, surgiu, no início do século XX, a théorie moderne de l’inexistence, a
qual, representada especialmente por F. Drogoul,132 R. Japiot133 e E. Gaudemet,134
questionou os fundamentos da teoria clássica e negou qualquer pertinência à categoria
da inexistência.135 Atualmente, a inexistência é muito controversa na França136 e tende
a ser reconhecida apenas em situações extremas (por exemplo, dissenso lógico e oferta
não aceita), ou seja, ela tem naquele país um caráter meramente subsidiário.137
Essa experiência negativa francesa, que primeiro admitiu amplamente a inexistência,
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
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jurídicos?
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para depois negá-la, foi tomada como mau exemplo em outros ordenamentos jurídicos.
Dessa forma, a doutrina alemã de meados do século XX viu na experiência francesa um
erro a não ser seguido,138 o que pode ser apontado como uma das causas para a falta
de estudos sobre o negócio jurídico inexistente na Alemanha.139 Entre nós, V. Sá Pereira
reconstruiu minuciosamente a evolução da teoria da inexistência no direito francês,
desde a concepção do art. 146 Code civil, texto principal em torno do qual foi concebido
o casamento inexistente, até sua elaboração teórica por K. S. Zachariae von Lingenthal.
Em seguida, assinalou a resistência dos tribunais franceses da época (final do século
XIX) em aplicar a inexistência no dia a dia e, por fim, relatou os trabalhos desenvolvidos
pela Société d’Études Législatives no início do século XX. A fim de revisar alguns
dispositivos ao Code civil, foi formada uma grande comissão para discutir a diferença
entre nulidade e inexistência. Os juristas franceses J. Piédelièvre e Wahl redigiram então
um artigo no qual seriam previstas as três hipóteses clássicas de inexistência (falta de
consentimento, casamento de duas pessoas do mesmo sexo e celebração de casamento
não realizada diante de oficial do estado civil), mas foram severamente criticados por R.
Saleilles, para quem seria mais adequado falar de nulidade.140 Essa última opinião
acabou por prevalecer e serviria, para V. Sá Pereira, de exemplo da desnecessidade da
inexistência também no Brasil.141
(d) Possibilidade de abuso
Talvez a maior desvantagem da inexistência resida no fato de ela desenvolver-se à
margem da lei, ou seja, de ela teoricamente poder conferir tamanha margem de
interpretação ao juiz que ele não se sentiria mais obrigado a procurar um embasamento
em um dispositivo de lei para justificar suas decisões.142 Em última instância, toda opção
legislativa envolve um balanceamento de interesses, mas ela assume um papel
primordial no sistema de nulidades, uma vez que quem decide, em última instância, se
um ato jurídico é nulo, anulável, se sua eficácia é relativa, absoluta ou pendente, é o
próprio legislador.143 Dessa maneira, no CC/1916 o negócio jurídico simulado era, não
sem críticas e dificuldades de aplicação prática,144 anulável (art. 147 II, CC/1916),
enquanto o negócio em fraude à lei era nulo e os institutos jurídicos da lesão e do estado
de perigo não eram expressamente regulados.145 No CC/2002, em contrapartida, o
negócio simulado e o negócio em fraude à lei são nulos (arts. 167, caput, e 166, VI,
CC/2002), ao passo que a lesão e o estado de perigo são sancionados por meio da
anulabilidade (art. 171, II, CC/2002). Já a inexistência não foi, como visto acima,146
nem expressamente adotada, nem rejeitada pelo legislador no CC/2002, deixando em
aberto um vasto campo de interpretação e desenvolvimento dogmático para a doutrina e
para a jurisprudência, o que poderia favorecer o uso abusivo do conceito.
Um exemplo de uso precipitado do negócio jurídico inexistente no direito brasileiro é a
hipótese de negócio sob identidade alheia.147 A doutrina148 e a jurisprudência149
nacionais apressaram-se em ver aqui uma hipótese de negócio inexistente frente ao
dono da identidade, criando, dessa forma, a estranha figura da “inexistência relativa”. A
solução mais adequada e de acordo com a lei é, porém, considerar o negócio jurídico
ineficaz e conceder ao dono do nome a possibilidade de ratificar o negócio (art. 662, por
analogia).150 Outro exemplo pode ser visto na tentativa de estabelecer a boa-fé como
requisito de existência de todo negócio jurídico.151 A ausência da menção de sequer um
caso real comprovando a necessidade de uma reformulação teórica da teoria do negócio
jurídico, o recurso ao “direito civil constitucional” e o discurso de combate ao inimigo do
“positivismo” que, aliás, nunca existiu propriamente entre nós,152 permitem visualizar
também aqui um alargamento abusivo da categoria da inexistência por meio do uso
retórico do princípio da boa-fé.153 Em caso de dolo (hipótese de máxima ausência de
boa-fé), a própria lei determina a anulabilidade do negócio (arts. 145 c/c 171, II,
CC/2002), sanção essa suficiente para proteger a contento os interesses envolvidos.154
(e) Críticas de Silvio Rodrigues
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
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jurídicos?
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Por último, as críticas de Silvio Rodrigues à categoria do negócio jurídico existente
merecem especial atenção tanto por sua força expressiva quanto pelo seu impacto na
doutrina. Segundo esse autor, a admissibilidade do ato inexistente se baseia em dois
corolários, nomeadamente (i) na necessidade de declaração judicial para eliminar seus
efeitos, poiso que não existe não precisaria ser destruído, e (ii) na dualidade entre
imprescritibilidade do ato inexistente e prescritibilidade do ato nulo. Para Silvio
Rodrigues, nenhum desses pressupostos se sustenta, porque a inexistência seria
inexata, inútil e inconveniente. Inexata, porque o ato inexistente criaria uma aparência a
qual, para ser desfeita, exigiria, tal como o ato nulo, uma ação judicial; inútil, porque a
categoria da inexistência poderia ser suprida a contento pela da nulidade absoluta; e
inconveniente, de um lado, porque admitir que a declaração de inexistência prescindisse
de ação judicial significaria privar as partes interessadas do devido processo legal, com
prejuízo não apenas para as partes envolvidas, mas também para o interesse social, e,
de outro lado, porque o casamento inexistente não poderia jamais produzir os efeitos do
putativo, o que seria prejudicial para o cônjuge de boa-fé e para eventual prole.155 Com
isso, cairia o primeiro corolário. O segundo seria improcedente para o autor, porque a
seu ver o ato nulo, assim como o inexistente, não estaria sujeito à prescrição.156
Essa posição de Silvio Rodrigues pode ser mais bem compreendida à luz do seguinte
exemplo. “A” e “B” celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel, tendo ele
sido levado logo em seguida a registro no Cartório de Imóveis competente. Pouco
depois, descobriu-se a nulidade do contrato. Embora esse título não seja, por si só,
suficiente para transmitir a propriedade, o registro é eficaz desde sua prenotação no
protocolo pelo oficial do registro (art. 1246, CC/2002), de modo que, enquanto o
contrato não for declarado nulo por meio de ação judicial, o comprador é considerado
como proprietário do imóvel tanto entre as partes quanto frente a terceiros (art. 1245, §
2.º, CC/2002). Nessa hipótese, à primeira vista seria indiferente se o contrato era nulo
ou inexistente, pois em ambos os casos será necessária uma decisão judicial e o
vendedor somente poderá reivindicar o imóvel após o cancelamento do registro (art.
1247, parágrafo único, CC/2002). Frente a terceiros também não haveria nenhuma
diferença relevante, afinal, se entre o registro e seu cancelamento o imóvel tivesse sido
alienado por título oneroso a terceiro de boa-fé, em ambos os casos o proprietário
poderia reivindicar o imóvel do terceiro adquirente (art. 1247, parágrafo único).157 Tanto
o ato nulo quanto o inexistente parecem produzir os mesmos efeitos e exigir declaração
judicial para seu reconhecimento. Não é por outro motivo que Silvio Rodrigues e seus
seguidores158 consideram possível substituir vantajosamente a categoria da inexistência
pela da nulidade absoluta.
3.4 Posicionamento
A diferença entre inexistência e nulidade não se restringe a uma decorrência lógica da
constatação de somente o que é existente pode ser nulo, porquanto o que não existe,
nada é. Muito pelo contrário, a separação entre os requisitos de existência e de
validade/eficácia não apenas determina se um certo fato jurídico é apto a produzir ao
menos alguns efeitos, mas permeia, embora apenas de modo inconsciente, toda
atividade do estudioso e do aplicador do direito. Sob a perspectiva da lei, o legislador
partiu implicitamente do pressuposto de que o negócio nulo existe como tal e previu a
possibilidade de ele irradiar efeitos (arts. 168, parágrafo único, 1561, 1563 e 166, II, c/c
883, caput, CC/2002).159 Do ponto de vista dogmático, a vinculação de determinados
atos jurídicos antes da irradiação de todos os seus efeitos pressupõe a possibilidade de
se separar, de um lado, os elementos para ele vir a existir e, de outro, os requisitos para
os efeitos queridos serem desencadeados (assim, por exemplo, no ato sob condição
suspensiva, art. 130, na compra e venda a contento, arts. 509 ss., e no testamento
entre sua feitura e a morte do testador). Para a atividade prática, a distribuição do ônus
da prova está estritamente ligada à diferença entre requisitos de existência e de
validade/eficácia, pois o autor deve provar os primeiros, enquanto o ônus de comprovar
os segundos (por exemplo, a nulidade de um ato) incumbe ao réu (art. 373, I e II,
CPC/2015).
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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As críticas à autonomia da existência do ato jurídico não são, de todo, convincentes. A
afirmação de que a inexistência não existe enquanto conceito autônomo é correta, pois
uma mera realidade fática não pode ser tratada como uma figura jurídica sem a prévia
incidência de uma norma. Afinal, de acordo com o exemplo já utilizado, designar um
negócio jurídico que não existe por “inexistente” seria o mesmo que chamar uma faca
que não existe de “faca sem fio nem lâmina”. Sem dúvida, há aqui uma evidente
contradictio in terminis. Não obstante, embora haja um fundo de verdade nessa crítica,
ela relaciona-se mais à terminologia do que ao conceito envolvido. Falar de um negócio
jurídico “inexistente”, como se diz nos ordenamentos de línguas latinas, ou de um “não
negócio jurídico” (Nichtrechtsgeschäft), como raramente se encontra no direito alemão,
160 ou pura e simplesmente da ausência de elementos do suporte fático do ato jurídico,
equivale, no resultado, à mesma coisa. Na doutrina, tanto os defensores161 quanto os
opositores162 do negócio jurídico inexistente advertem que o foco de análise se encontra
nos elementos do suporte fático, e mesmo os críticos da terminologia “negócio jurídico
inexistente” não vão tão longe a ponto de abandonar o pressuposto de ser necessário
separar os elementos que compõem o suporte fático daqueles que influem somente na
produção dos efeitos (validade e eficácia). A única peculiaridade do entendimento dos
opositores reside no fato de eles se restringirem ao conceito de plano da existência163 ou
a falar apenas de “inexistência de ato jurídico”164.
O argumento da irrelevância prática da distinção entre inexistência e nulidade é
incorreto sob ao menos dois aspectos. De um lado, ele se baseia no pressuposto de que
a inexistência seria importante apenas se no dia a dia dos tribunais houvesse inúmeras
decisões nas quais o juiz declarasse atos inexistentes. Ora, um instituto jurídico é
relevante na prática não apenas quando ele é diretamente aplicado, mas também
quando, embora não mencionado de forma expressa, ele sirva de suporte ou
fundamento para o raciocínio jurídico envolvido. Mesmo no direito alemão, no qual a
tese da irrelevância da distinção ganhou força ao longo do século XX,165 figuras
jurídicas, como o dissenso, que pressupõem uma análise autônoma dos elementos do
suporte fático, foram objeto de inúmeras decisões nos tribunais.166 Isso também vale
para a jurisprudência brasileira.167 De outro lado, a suposta irrelevância da distinção
entre inexistência e validade/eficácia perde força ante o já mencionado fato de ela ser
decisiva, embora apenas implicitamente, na distribuição do ônus de prova de todo e
qualquer processo, além de ser fundamental na determinação do pedido (desconstitutivo
de ato jurídico, quando nulo, e declaratório, quando inexistente).
A experiência francesa negativa quanto ao ato inexistente fornece, de fato, um aviso
contra eventuais excessos no uso do conceito de negócio jurídico inexistente, mas eles
decorrem mais das peculiaridades do Code civil do que do conceito de inexistência
propriamente dito.168 Ela não pode, portanto, ser tomada como razão para afastar, a
todo custo, o conceito de existência do negócio jurídico. O mesmo vale para o perigo de
abuso da categoria de inexistência, o que poderia, em última instância, permitir uma
invasão do âmbito de decisão do legislador pela doutrina e pela jurisprudência. Aqui,
devem ser relembradas as diferenças entre os ordenamentos jurídicos. O CC/2002, ao
contrário do código francês, adota um sistema de nulidades o qual reduz sobremaneira a
margem de interpretação do aplicador do direito aoestabelecer a nulidade como sanção
residual (art. 166, VII).169 Mesmo o tão difundido exemplo da compra e venda sem
determinação de preço raramente ocorrerá, porquanto, em caso de ausência de acordo
entre as partes, a lei determina que prevaleça, no caso de vendas habituais, o preço
corrente (art. 488, caput).170 Apenas hipóteses extremas, nas quais o suporte fático
mínimo não for preenchido (assim, por exemplo, o casamento celebrado por procuração
após a morte do representado, o casamento por falsa procuração171 ou ainda o
casamento entre mais de duas pessoas),172 serão consideradas negócios inexistentes.
Em última instância, cabe à doutrina vigiar cuidadosamente eventuais abusos e, dessa
forma, garantir a segurança jurídica, a legalidade e o respeito às decisões do legislador.
Por fim, as famosas críticas de Silvio Rodrigues não podem ser acolhidas. O argumento
de que os efeitos do ato inexistente também precisariam de uma ação judicial para
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
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serem desfeitos baseia-se em três pressupostos equivocados: (i) a aparência seria o
fundamento do ato inexistente, (ii) o próprio ato inexistente poderia irradiar efeitos
jurídicos e (iii) a admissibilidade da inexistência significaria a negação da necessidade de
procedimento judicial. Ora, o primeiro e o segundo pressupostos não se sustentam,
porque, como veremos logo a seguir,173 o fenômeno da aparência não se identifica com
o dos negócios jurídicos, nem se pode afirmar, apenas com base em uma aparência, que
determinados efeitos seriam necessariamente imputados a uma pessoa. O terceiro
pressuposto não milita nem contra nem a favor da inexistência, pois um dos pontos mais
enfatizados pelos seus defensores não é a desnecessidade de ação judicial,174 mas a
diferença de processos, nomeadamente a ação declaratória para o ato inexistente e a
constitutiva para o ato nulo. Na jurisprudência brasileira, mesmo quando a inexistência
era evidente e, portanto, a análise pelo juiz poderia ter sido prescindida, ainda assim
houve processo judicial.175 Quanto à possibilidade de substituição da inexistência pela
nulidade absoluta, basta mencionar que no exemplo do registro de título no Cartório de
Imóveis há sim pelo menos uma diferença entre a decretação de nulidade e a de
inexistência: no primeiro caso, o comprador terá um justo título e, portanto, um prazo
menor para usucapião (art. 1242, CC/2002), enquanto no segundo ele somente poderá
adquirir o imóvel por meio da usucapião extraordinária (art. 1238, CC/2002). Logo, a
distinção entre inexistência e nulidade absoluta não é “inexata”, “inútil” e
“inconveniente”.
3.5 A terminologia “negócio jurídico inexistente” e o “plano da existência”
Embora as críticas geralmente apresentadas na doutrina contra o negócio jurídico
inexistente e o conceito de inexistência refiram-se, a nosso ver, mais à terminologia do
que ao conceito propriamente dito, pode-se questionar, sob mais um aspecto, a
conveniência de se empregar o termo “negócio jurídico inexistente”. Tomemos como
exemplo um contrato de compra e venda, cuja formação se dê pela técnica tradicional
de oferta e aceitação (arts. 427 ss.). Como tanto a oferta quanto a aceitação
(declarações de vontade) são negócios jurídicos176 e o contrato é resultado da conjunção
de seus efeitos, é preciso analisar não apenas o contrato em si quanto à sua existência,
validade e eficácia, mas também os negócios jurídicos da oferta e da aceitação. Por
outras palavras, para que um contrato seja válido e eficaz, é preciso seguir,
cronologicamente, a seguinte ordem: a oferta deve existir, ser válida e eficaz; a
aceitação deve existir, ser válida e eficaz; deve haver uma correspondência entre
ambas; o contrato deve existir e ser ainda válido e eficaz. Sob essa perspectiva, é
necessário analisar, separadamente, tanto os requisitos de existência, validade e eficácia
de cada uma das declarações de vontade, quanto aqueles do contrato em si.
E assim fica evidente a multiplicidade de situações designadas pelo termo “negócio
jurídico inexistente”. Ao dizer que um negócio jurídico é inexistente, é preciso dar um
passo além e especificar exatamente de qual negócio se está falando. No nosso exemplo,
pode ser tanto de uma das declarações de vontade quanto somente do contrato de
compra e venda. Formulado abstratamente, “contrato de compra e venda inexistente”
designa diversas possibilidades teóricas: (1) a oferta inexiste enquanto tal; (2) a oferta
existe, é inválida e ineficaz; (3) a oferta existe, é válida, mas ineficaz; (4) a oferta
existe, é válida e eficaz; (5) a aceitação é inexistente; (6) a aceitação existe, mas é
inválida e ineficaz; (7) a aceitação existe, é válida, mas ineficaz; e (8), sendo a oferta e
a aceitação eficazes, o contrato não se forma por falta de um requisito específico de seu
suporte fático. A última hipótese ocorre, por exemplo, quando “A” envia uma oferta sob
o nome de “B”, sem conhecimento deste, a “C”, que, em vez de enviar a aceitação a “A”
(sob o nome de “B”), envia-a diretamente a “B”, por ele conhecido.177 Nesse caso, o
contrato não se forma, porque um requisito essencial para formação do contrato,
nomeadamente o endereçamento da aceitação à mesma pessoa de quem partiu a oferta
(arts. 428, II, e 430, CC/2002),178 não está presente.
Logo, na simples hipótese de formação de um contrato de compra e venda pela técnica
de oferta e aceitação, “negócio jurídico inexistente” designa ao menos oito diferentes
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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situações. E não se pense que se trata de uma mera filigrana teórica. Em verdade, o
legislador tem a possibilidade de escolher em qual nível (da declaração de vontade ou do
contrato) ele pretende sancionar a prática de determinados atos jurídicos.179 No direito
civil alemão, por exemplo, a declaração de vontade (Willenserklärung) de um incapaz é
ineficaz (§ 105 I BGB), com a consequência de que o negócio jurídico (por exemplo, um
contrato) nem mesmo se forma, enquanto no caso de erro, tendo o ato sido
adequadamente impugnado, o negócio jurídico (Rechtsgeschäft) – e não a declaração de
vontade – será nulo (§§ 119 I c/c 142 I BGB).180 No direito brasileiro, em contrapartida,
o legislador sancionou os atos jurídicos, em regra, no nível do negócio jurídico resultado
da união dos efeitos das manifestações de vontade (arts. 166, 167 e 171, CC/2002).
Apenas excepcionalmente o CC fala em “manifestação de vontade” (assim, por exemplo,
nos arts. 106 e 110), levando alguns autores a entender, coerentemente, que, quando
ele o fizesse, a sanção jurídica seria a inexistência do negócio jurídico, como na hipótese
de reserva mental conhecida (art. 110, a contrario sensu).181 No entanto, no direito
brasileiro o termo “manifestação de vontade” nem sempre pode ser entendido como um
conceito diverso de “negócio jurídico”, porque a literalidade da lei revela que o legislador
do CC/2002, provavelmente influenciado pela opinião de C. Bevilaqua,182 não tinha
plena consciência dos diferentes níveis de análise aqui propostos (cf., por exemplo, arts.
106 e 166, IV).183
Mesmo assim, a fim de evitar confusão e de se atingir maior precisão dos conceitos,
julgamos ser mais adequado falar apenas de suporte fático,184 especificando, no nosso
exemplo, quando se trata do suporte fático da oferta, da aceitação ou do contrato de
compra e venda propriamente dito. A importância de diferenciar entre suporte fático da
declaração de vontade e de suporte fático do negócio jurídico por ela constituído não se
restringe ao sistema de nulidades, mas é fundamental para outros institutos jurídicos
como o dissenso, cuja análise concentra-se exatamente na contraposição de declarações
de vontade que constituem os elementos do suporte fático do negóciojurídico resultante
(no nosso exemplo, uma compra e venda).185 No direito do consumidor, a lei elegeu a
formação do contrato como o momento mais relevante das relações de consumo,
estabelecendo regras pormenorizadas sobre o conteúdo da oferta pública do fornecedor
(arts. 30 ss. CDC) e vinculando-o mesmo antes da aceitação pelo consumidor (art. 35,
CDC). Por meio dessa decisão, o legislador tornou inútil ao fornecedor alegar vício de
consentimento para se desvincular de um contrato resultado de oferta pública.186 Além
disso, um tratamento especial ao suporte fático tem a vantagem de ressaltar a função
sistemática da declaração de vontade nos diversos modelos de conclusão de contratos
(não apenas o tradicional esquema de oferta-aceitação, mas também o de discussão
progressiva de cada cláusula), bem como a análise de sua natureza jurídica, até então
injustamente deixadas em segundo plano.
A mesma imprecisão de “negócio jurídico inexistente” verifica-se no conceito de “plano
da existência” como divisor de águas entre o mundo fático e o mundo do direito, pois, se
o que divide o juridicamente relevante do irrelevante é o preenchimento do suporte
fático da declaração de vontade, o plano da existência de um contrato de compra e
venda localizar-se-ia dentro do mundo jurídico, o que seria uma contradição lógica.
Afinal, se o suporte fático do contrato de compra e venda é constituído pelos efeitos da
declaração de vontade, ou seja, se “o contrato é negócio jurídico (...) composto pela
conjunção, no plano dos efeitos, entre dois negócios jurídicos”,187 como afirmar que o
suporte fático do contrato estaria no plano da existência e, portanto, no limiar entre o
mundo dos fatos e o do direito?188 No fundo, o próprio esquema de planos do negócio
jurídico mostra-se insatisfatório para explicar o processo de formação de um contrato
por meio da técnica tradicional de oferta e aceitação.189 Uma forma de salvar o conceito
de plano da existência seria entendê-lo como suporte fático das declarações de vontade,
ou restringi-lo apenas aos fatos jurídicos em sentido estrito e aos atos-fatos. Tal
entendimento não seria, porém, de grande utilidade, uma vez que seu uso ficaria muito
restrito. Em contrapartida, adotar o suporte fático como único critério relevante não
apenas evita as críticas à terminologia “negócio jurídico inexistente”, como ainda permite
especificar exatamente qual fase da formação de um contrato (das declarações de
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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vontade ou do negócio jurídico por elas constituído) está sob análise.
As categorias “negócio jurídico inexistente” e “plano da existência” devem ser, portanto,
abandonadas.
4 “Negócio jurídico inexistente” e teoria da aparência
Antes de concluir, é necessário fazer uma breve análise sobre a relação entre a falta de
suporte fático e, portanto, de negócio jurídico, e a possibilidade de irradiação de efeitos
por causa da aparência. Sob a perspectiva aqui adotada, um dos equívocos mais comuns
na doutrina brasileira é reconhecer a relevância da categoria do negócio jurídico
inexistente sob o argumento de ele eventualmente criar uma aparência de negócio e,
dessa forma, irradiar efeitos jurídicos. Por outras palavras, o negócio jurídico, apesar de
inexistente, mereceria um tratamento diferenciado, porque teria o potencial de induzir
terceiros a acreditar em sua relevância jurídica. Nesse sentido, já se afirmou, por
exemplo, que “o negócio é inexistente quando ele não ingressa no mundo jurídico, senão
na aparência, mas produz efeitos que, no mais das vezes, precisam ser apagados
judicialmente. Isso porque falta a ele um de seus elementos essenciais e essa aparência
produz efeitos, necessitando ser apagada”.190 Por sua vez, A. Junqueira de Azevedo
adota a categoria do plano da existência e não hesita em empregar o termo “negócio
jurídico inexistente”, mas assinala que seria preferível chamá-lo de “negócio aparente”,
pois a última “denominação evitaria uma inútil discussão terminológica sobre a
contradição que a expressão ‘negócio inexistente’ contém e, principalmente, revelaria a
principal característica do chamado negócio inexistente (isto é, a aparência de negócio)”.
191
À primeira vista convincente, essa linha de pensamento fundamenta-se nos
pressupostos de que todo negócio jurídico inexistente criaria uma aparência de negócio
existente e, talvez de maneira inconsciente, de que toda a aparência de negócio teria
alguma relevância jurídica. No entanto, aqui surgem ao menos três óbices. Primeiro, há
pelo menos dois casos de ausência de suporte fático sem a criação de uma aparência:
tanto na reserva mental conhecida (art. 110)192 quanto no negócio jurídico não sério
perceptível por terceiros193 seria muito difícil (senão artificial) afirmar que terceiros
poderiam ter a falsa impressão de ter existido um negócio entre as partes.
Especialmente na hipótese de reserva mental conhecida, mesmo quando surja uma
aparência, ela não será prejudicial a terceiros, porque as partes não entraram em
conluio (acordo simulatório) para iludi-los.194 Segundo, o mero fato de um negócio
jurídico inexistente criar uma aparência fática de um negócio verdadeiro não permite ao
intérprete tirar qualquer conclusão sobre a imputabilidade da aparência a determinadas
pessoas. Muito pelo contrário, após constatar a ausência dos requisitos do suporte fático
de um negócio jurídico, ele necessariamente terá de verificar cada um dos requisitos da
teoria da aparência (situação fática de confiança, imputabilidade, causalidade e boa-fé
da contraparte)195 para só então poder afirmar, com certeza, se a aparência tem
relevância jurídica. Pode acontecer que um negócio jurídico seja inexistente, crie uma
situação fática de confiança frente a terceiros, mas essa aparência seja irrelevante para
o direito, porque os demais requisitos da teoria da aparência não estão presentes.
Terceiro, não é possível estabelecer uma vinculação direta entre negócio jurídico
inexistente e aparência, pois os casos mais comuns de aplicação da teoria da aparência
são de negócios ineficazes que passam a ser eficazes. Tomemos como exemplo um
negócio concluído por um falso procurador e atribuído ao representado por fato a ele
imputável (e.g., por ter tolerado que o falso representante agisse em seu nome).196 Aqui
uma pessoa sem poderes de representação apresenta-se frente a terceiro como
representante, celebra um contrato, mas, quando a contraparte exige seu direito, o
representado alega não estar vinculado ao negócio por não ter outorgado ao
representante poderes para tanto. Em regra, a ausência de outorga de poderes de
representação tem como consequência a ineficácia pendente do contrato celebrado pelo
falso representante (art. 662),197 mas, quando a criação da aparência de que o falso
representante teria poderes de representação pode ser imputada ao representado (no
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
Página 14
nosso exemplo, porque o falso representante havia concluído com a contraparte de
maneira habitual negócios em nome do representado no passado), esse negócio torna-se
eficaz para o representado.198 Nessa hipótese, seria forçado afirmar que o negócio
jurídico do representante seria “inexistente” frente ao representado, mas a aparência o
faria existente também para ele. Dogmaticamente, tal entendimento é incorreto, porque
criaria uma situação contraditória (como pode algo existir e, ao mesmo tempo, não
existir?) e destituiria a categoria jurídica da ineficácia relativa de sentido, além de
dificultar muito a compreensão dogmática de institutos jurídicos como o da ratificação
(arts. 662 e 665, CC/2002).
Por todos esses motivos, não há, a nosso ver, qualquer relação imediata entre “negócio
jurídico inexistente” e a possibilidadede imputação de determinados negócios a uma
pessoa por causa da aparência. Assim como “negócio jurídico inexistente”, também a
terminologia “negócio aparente” deve ser abandonada, pois ela confunde dois
fenômenos jurídicos diversos (formação do negócio jurídico e aplicação da teoria da
aparência), podendo, dessa forma, induzir o intérprete a erro.
5 Conclusões
O presente estudo trouxe importantes conclusões sobre a inexistência e a tricotomia do
negócio jurídico. Apesar de Miguel Reale ter escolhido a distinção entre validade e
eficácia como “ponto alto” do anteprojeto, o CC/2002 não a implantou igualmente em
todos os seus livros. Em especial na parte geral, o jurista responsável, J. C. Moreira
Alves, optou, conscientemente, por não seguir a tricotomia de F. C. Pontes de Miranda,
sem, contudo, rejeitá-la. O resultado foi a impossibilidade de identificar, a partir da
leitura dos dispositivos do CC/2002, um único sistema de nulidades, pois enquanto na
parte geral o termo “ineficácia” não é empregado uma única vez em sentido técnico e
alguns dispositivos dão a entender que o legislador teria atribuído maior amplitude à
nulidade (por exemplo, no art. 167, CC/2002), na parte especial (livros de obrigações,
família e sucessões) identificou-se uma tendência de diferenciar a ineficácia das
hipóteses de nulidade. Houve aqui um claro caso no qual a intenção do coordenador do
projeto foi, no resultado, rejeitada por outros membros da Comissão e, por tal motivo,
não se concretizou nos dispositivos legais. Um dos “pontos altos” da nova codificação
transformou-se, assim, em um de seus “pontos baixos”. Uma uniformização do sistema
de nulidades do CC/2002 seria não apenas desejável, mas recomendável. A inexistência,
por sua vez, não foi expressamente adotada em nenhum dispositivo do código, mas
também não foi rejeitada, sendo a controvérsia em torno de sua admissibilidade e
pertinência deixadas para a doutrina e jurisprudência.
A autonomia dos requisitos do suporte fático frente às hipóteses de nulidade tem
enorme importância prática, tanto para a compreensão de institutos jurídicos típicos do
direito civil (como a condição suspensiva), quanto para a adequada condução de
procedimentos processuais (acima de tudo para determinar o pedido e distribuir o ônus
da prova). Quanto às críticas à inexistência, elas contestam mais aspectos marginais e
circunstanciais do que sua ideia em si. Se a experiência negativa do direito francês e a
possibilidade de seu uso abusivo servem de alerta para os perigos da inexistência, elas
não impedem sua adoção nem excluem sua importância prática e dogmática para
construção de institutos jurídicos. O termo “negócio jurídico inexistente” revela, de fato,
uma confusão entre o mundo dos fatos e o mundo do direito, mas isso revela apenas a
necessidade de revisão da terminologia. O crucial é ter em vista que o foco da análise se
encontra no preenchimento dos elementos do suporte fático da manifestação de vontade
e do negócio jurídico dela resultante. É recomendável, portanto, abandonar as categorias
“negócio jurídico inexistente” (ou “negócio aparente”) e “plano da existência” em prol do
há muito consolidado conceito de suporte fático. Esse último é muito mais preciso e
mostra-se como o mais adequado para explicar, entre outros, as fases e sutilezas da
formação do contrato pela tradicional técnica de oferta e aceitação.
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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1 Agradeço ao Dr. Jan Peter Schmidt pela leitura crítica deste artigo e pelas frutíferas
discussões sobre o tema do negócio jurídico ao longo dos últimos anos.
2 Assim os arts. 501 caput (“Nenhum fato terá o caráter de ato jurídico...”) e 793 (“Os
atos nulos ou anulados, ou suas disposições nulas ou anuladas, não produzirão efeito
algum...”), em que a inexistência é equiparada à nulidade, conclusão esta confirmada
nos comentários ao art. 445 (cf. Código Civil – Esboço – v. I, Brasília, Ministério da
Justiça, 1983, p. 151 e 153). A ausência dessa diferença não é, porém, nenhum
demérito de A. Teixeira de Freitas, pois ela era completamente desconhecida em meados
do século XIX. Em verdade, o sistema de nulidades do Esboço é bastante diferenciado e
complexo, dada a compreensão de A. Teixeira de Freitas sobre fato voluntário (art. 445).
Salvo melhor juízo, ainda falta na doutrina nacional uma análise aprofundada dessa
parte do Esboço. A respeito, embora pouco conclusivo, Francisco Pereira de Bulhões
Carvalho, Sistema de nulidades dos atos jurídicos, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981,
n. 63 ss., p. 57 ss., n. 118 ss., p. 102 ss.
3 Veja-se, por exemplo, o art. 271, parágrafo único: “Presume-se que [o ato nulo]
nunca se fez ou que nunca existiu; não tem valor para qualquer effeito juridico ou official
e fica sempre nullo, ainda que não haja prova de prejuizo e confirmada seja por
sentença. Esta tambem será nulla de pleno direito” – Cf. Direito Civil brazileiro
recompilado ou Nova Consolidação das Leis Civis. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos,
1915, p. 100. Na doutrina de meados do século XIX e início do XX, ver, por exemplo,
Joaquim José Pereira da Silva Ramos, Apontamentos juridicos sobre contractos, Rio de
Janeiro, Laemmert, 1868, n. 302, p. 70; Spencer Vampré, Manual de direito civil
brasileiro – v. 1 – Theoria geral do direito e direito de família, Rio de Janeiro: F. Briguiet,
1920, § 80, p. 129 ss. e Tito Fulgêncio, Programmas de Direito Civil – Primeiro anno do
curso e primeira parte do segundo, 2. ed., Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1921, p. 46,
51 ss. Não se olvide, porém, que a inexistência já era mencionada por muitos autores da
época, por exemplo, Martinho Garcez, Nullidades dos actos jurídicos. Rio de Janeiro:
Cunha & Irmão, 1896, p. 29 s., nt. 43; Clóvis Bevilaqua, Theoria do direito civil, Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1908, p. 335 s.; José Augusto Cesar, Ensaio sobre os actos
juridicos, Campinas, Casa Genoud, 1913, p. 109, nt. 1; Octavio Moreira Guimarães,
Actos juridicos – Inexistentes, nullos, annulaveis e rescindíveis. São Paulo, Irmãos
Marrano, 1926, p. 8 e Eduardo Espínola, Breves annotações ao Codigo Civil brasileiro –
v. 1 – Introducção e parte geral. Bahia: Joaquim Ribeiro, 1918, n. 208, p. 438 ss.
4 Por exemplo, Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte geral – v. 1, 5. ed., São Paulo:
Saraiva, 1974, n. 137, p. 260 ss.
5 Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio jurídico – Existência, validade e eficácia, 4.
ed., 6.ª tir., São Paulo: Saraiva, 2008; Idem, Negócio jurídico e declaração negocial
(Noções gerais e formação da declaração negocial), Tese (Titularidade) – Faculdade de
Direito da USP. São Paulo, 1986; Idem, S.v. Existência (Teoria do negócio jurídico), ESD
(Enciclopédia Saraiva do Direito) 35, 1977, p. 254 ss.; Idem, Ciência do direito, negócio
jurídico e ideologia, in José Roberto Pacheco di Francesco (org.), Estudos em
Homenagem ao Prof. Silvio Rodrigues, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 1 ss.; Marcos
Bernardes de Mello, Teoria do fato jurídico – Plano da existência, 16. ed., São Paulo,
Saraiva, 2010; Idem, Teoria do fato jurídico – Plano da validade, 9. ed., São Paulo,
Saraiva, 2009; Idem, Teoria do fato jurídico – Plano da eficácia – 1.ª parte, 6. ed., São
Paulo: Saraiva, 2010; José Carlos Barbosa Moreira, Invalidade e ineficácia do negócio
jurídico. Revista de Direito Privado. 15 (2003), p. 217 ss.; Manoel Augusto Vieira Neto,
Ineficácia e convalidação de ato jurídico. São Paulo: Max Limonad, 1964. O autor mais
importante foi, sem sombra de dúvidas, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda em seu
famoso Tratado de direito privado, especialmente nos seis primeiros tomos.
6 Expressão de Jan Peter Schmidt, Vida e obra de Pontes de Miranda a partir de uma
perspectiva alemã – Com especial referência à tricotomia “existência, validade e eficácia
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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do negócio jurídico”, Revista Fórum de Direito Civil, 3 (2014), p. 135 ss. (140).
7 Thiago Reis, Apologie des Pandektensystems. Rezension zu: Jan Peter Schmidt,
Zivilrechtskodifikation in Brasilien, Rg (Rechtsgeschichte) 18 (2011), p. 246 ss. (249).
8 Alcides Tomasetti Jr., Execução do contrato preliminar. Tese (Doutorado) – Faculdade
de Direito da USP, São Paulo, 1982, p. 15 (grifo no original).
9 C. Bevilaqua, Theoria cit. (nt. 2 supra), p. 335 s.; Luiz Roldão de Freitas Gomes, Os
atos jurídicos no plano da existência, validade e eficácia, RF 90, v. 327 (1994), p. 81 ss.
(86); Idem, Invalidade dos atos jurídicos, Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e
Empresarial 14, n. 53 (1990), p. 7 ss. (8 s.).
10 Zeno Veloso, Nulidade e inexistência, in Christiano Cassettari (org.), 10 anos de
vigência do Código Civil de 2002 – Estudos em homenagem ao Prof. Carlos Alberto
Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 192 ss. (196).
11 Os manuais e comentários recentes tendem a aceitar a tricotomia quase que
reverencialmente. Ver, por exemplo, Fernando Noronha, Direito das obrigações, 4. ed.,
São Paulo: Saraiva, 2013, p. 418 ss.; Humberto Theodoro Jr., Comentários ao novo
Código Civil – v. III – t. I (Arts. 138-184), 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008, n. 162
ss., p. 409 ss.; Idem, Negócio jurídico. Existência. Validade. Eficácia. Vícios. Fraude.
Lesão. Revista dos Tribunais 89, v. 780 (2000), p. 11 ss.; Nelson Nery Jr.; Rosa Maria
de Andrade Nery, Código Civil comentado. 10. ed., São Paulo: Ed. RT, 2013, Com. art.
104, p. 381 s.; Custódio da Piedade Ubaldino Miranda, Teoria geral do negócio jurídico,
2. ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 151 ss.; Arnaldo Rizzardo, Parte geral do Código Civil.
7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 481 s.; Caio Mário da Silva Pereira; Maria
Celina Bodin de Moraes, Instituições de Direito Civil – v. 1 – Introdução ao Direito Civil.
Teoria geral do Direito Civil, 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, n. 112, p. 542 ss.;
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – v. 1 – Parte geral, 10. ed., São Paulo: Atlas, 2010,
n. 20.1, p. 357 ss.; Orlando Gomes, Contratos. 26. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009
(atual. por A. Junqueira de Azevedo e F. P. Crescenzo Marino), n. 153, p. 231. Em nível
monográfico, ver Renata Helena Petri Gobbet, Aspectos doutrinários da invalidade de
negócio jurídico do direito privado. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da
USP. São Paulo, 1985; Raquel Campani Schiedel, Negócio jurídico – Nulidades e medidas
sanatórias. São Paulo: Saraiva, 1981. Salvo melhor juízo, apenas um autor nega a
inexistência: Flávio Tartuce, Manual de Direito Civil – Vol. único, 2. ed., São Paulo:
Método, 2012, p. 192 s. (reportando-se a S. Rodrigues).
12 Max Zauderer, Anfechtbarkeit und relative Unwirksamkeit von Rechtsgeschäften.
Tese (Doutorado) – Rechts- und Staatswissenschaftliche Fakultät der
Philipps-Universität, Marburg, 1931, p. 15 ss., que diferencia entre “
Errichtungsvoraussetzungen” (requisitos de formação), “Geltungsvoraussetzungen”
(requisitos de validade) e “Wirksamkeitsvoraussetzungen” e (requisitos de eficácia) do
negócio jurídico. No mesmo sentido, Fritz Kuhlmann, Relative (einseitige) Unwirksamkeit
, Tese (Doutorado) – Rechts- und Staatswissenschaftliche Fakultät der
Phillips-Universität, Marburg, 1936, p. 5 ss.
13 Ainda atual, Clóvis V. do Couto e Silva, Obrigação como processo. São Paulo: FGV,
2006, p. 67, nt. 121.
14 Francisco Sabadin Medina, Das Nichtrechtsgeschäft im deutschen Zivilrecht – Ein
Beitrag zu den Tatbeständen des Rechtsgeschäfts und der Willenserklärung, Hamburg,
Igel, 2015, especialmente p. 47 ss. Observa-se, porém, uma tendência ao surgimento de
novos estudos a respeito. Sobre o ato inexistente (“Nichtakt”, “não ato”) no direito
público alemão, cf. recente obra de Laura Münkler, Der Nichtakt – Eine dogmatische
Rekonstruktion, Berlin, Dunkler & Humblot, 2015. No direito civil alemão, ver ainda,
dentre outros, Awaalom Daniel Moussa, Das Dogma vom formgerechten Zugang –
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
são eles categorias precisas na análise dos negócios
jurídicos?
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Zugleich ein Plädoyer für die Trennung von Fragen des Zustandekommens und der
Wirksamkeit eines Rechtsgeschäfts, Tübingen, Mohr Siebeck, 2016, defendendo uma
clara separação entre os requisitos de formação (Zustandekommen) e de
validade/eficácia (Wirksamkeit) do negócio jurídico.
15 Leonard Jacobi, Die fehlerhaften Rechtsgeschäfte – Ein Beitrag zur Begriffslehre des
deutschen bürgerlichen Rechts, AcP (Archiv für die civilistische Praxis) 86 (1896), p. 51
ss. (53), referindo-se a uma “confusão linguística que deve ser qualificada como quase
caótica” (em alemão: “beinahe chaotisch zu bezeichnende Sprachverwirrung”). Ver
também nt. 73 infra.
16 Entre outros, Jules Loyer, Les actes inexistants, Paris, Sirey, 1908, p. 209 ss. et
passim; F. Drogoul, Essai d'une théorie générale des nullités, Paris, 1902, p. 144 ss.
17 Por exemplo, Jean Carbonnier, Droit Civil – v. I, Paris, PUF, 2004, n. 168, p. 325 ;
Idem, Droit Civil – v. II, Paris, PUF, 2004, n. 1019, p. 2095 s. Sobre a controvérsia, cf.
Philippe Malaurie/Laurent Aynès/Philippe Stoffel-Munck, Droit civil – Les obligations, 3.
ed., Paris: Defrénois, 2007, n. 671 ss., p. 339 ss.
18 Virgine Peltier, Contribution à l'étude de la notion d'inexistence en droit privé. Revue
de la recherche juridique (2000), p. 937 ss.
19 Jean-Philippe Klein, Die Unwirksamkeit von Verträgen nach französischem Recht,
Tübingen, Mohr Siebeck, 2010, p. 239 ss., 265 ss.
20 Por exemplo, Francesco Gazzoni, Manuale di diritto privato, 5. ed., Napoli,
Scientifiche Italiane, 1994, p. 293 s.; Idem, L'attribuzione patrimoniale mediante
conferma, Milano, Giuffrè, 1974, p. 98 ss.; Francesco Carnelutti, Inesistenza dell'atto
giuridico? Rivista di diritto processuale 10, Parte 1 (1955), p. 208 ss.
21 Cesare Massimo Bianca, Diritto civile – v. 3 – Il contratto, 2. ed., Milano, Giuffrè,
2000, n. 329, p. 613 ss. No mesmo sentido, Andrea Torrente/Piero Schlesinger, Manuale
di diritto privato, 20. ed., Milano, Giuffrè, 2011, § 338, p. 622 ss. Ver, porém,
monografia de Giancarlo Filanti, Inesistenza e nullità del negozio giuridico, Napoli,
Jovene, 1983.
22 Art. 1628º do Código Civil Português, sobre o casamento inexistente. Ver, porém, Rui
de Alarcão, Invalidade dos negócios jurídicos – Anteprojecto para o novo Código Civil.
BMJ (Boletim do Ministério da Justiça) 89 (1959), p. 199 ss. (200 ss.), em que o autor
afirma ter deixado a questão sobre a pertinência do conceito de inexistência em aberto.
23 António Menezes Cordeiro, Da ineficácia civil: Reflexões críticas. Estudos em honra do
Professor Doutor José de Oliveira Ascensão – Tomo I, Coimbra, Almedina, 2008, p. 252
[= Tratado de direito civil português – Tomo II – Parte Geral –Negócio jurídico –
Formação. Conteúdo e interpretação. Vícios da vontade. Ineficácia e invalidades, 4. ed.,
Coimbra, Almedina, 2014, nr. 334, p. 930]. O autor baseia-se principalmente em
Fernando Andrade Pires de Lima, O casamento putativo no direito civil português,
Coimbra, Coimbra, 1929, p. 87 ss.
24 A respeito, Jan Peter Schmidt, S.v. Juridical Act. The Max Planck Encyclopedia of
European Private Law – v. II, Oxford, Oxford University Press, 2012, p. 1016 ss.;
Francesco Galgano, Crepuscolo del negozio giuridico. Contratto e Impresa 3 (1987), p.
733 ss. (751). Sobre o conceito de negócio jurídico no DCFR (Common Frame of
Reference), ver Jan Peter Schmidt, Der “juridical act” im DCFR: Ein nützlicher
Grundbegriff des europäischen Privatrechts? ZEuP (Zeitschrift für europäisches
Privatrecht) 18 (2010), p. 304 ss.
25 J. P. Schmidt, Vida e obra de Pontes de Miranda cit. (nt. 5 supra), p. 154 ss.
O negócio jurídico inexistente e o plano da existência:
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