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Victor José Milet C. Ferreira Manhã / 2013.1 RESUMO DO GIAMBIAGI – CAPÍTULO 071 - ESTABILIZAÇÃO, REFORMAS E DESEQUILÍBRIOS MACROECONÔMICOS: OS ANOS FHC (1995- 2002) - FÁBIO GIAMBIAGI Nos anos de governo democrático, o Brasil teve nada menos que quatro presidentes com mandato interrompido: Vargas (suicídio), JQ (renúncia), Jango (deposto por golpe) e Collor (impeachment). Além disso, a inflação vinha sendo uma grande batalha brasileira e, antes do Plano Real, houve nada menos que cinco planos frustrados de estabilização. Nessa conjuntura FHC assume e tem, então, como principais objetivos: (i) concluir o mandato presidencial e entregar o comando ao seu sucessor; (ii) vencer a inflação. Governo FHC – 1º Mandato (1995-1998) Foi dominado pelo tema da estabilização, em função dos planos fracassados nos 10 anos prévios. Logo ao assumir, o governo já passava por certas pressões: (i) o superaquecimento da economia, que trazia à memória o fantasma do Plano Cruzado, (ii) a crise do México, com a grave desvalorização, que levantava uma visão contra os regimes de câmbio rígido; (iii) as reservas internacionais começaram a cair, decorrente do crescimento da demanda agregada e redução de entrada de capitais estrangeiros; (iv) a inflação mantinha certa resistência à queda. Foi, então, tomado um conjunto de medidas, incluindo fundamentalmente dois componentes: (i) uma desvalorização controlada de 6% e a adoção de um sistema de bandas cambiais com piso e teto muito próximos, a ser administrado pelo Banco Central; (ii) uma alta da taxa de juros nominal, aumentando o custo de carregar divisas. O governo estava decidido a defender a nova política cambial, o que não contemplava novas desvalorizações. Atraídos pela rentabilidade da moeda, os investidores retornaram ao país; ao mesmo tempo, a inflação começou a ceder. O Plano Real foi salvo por dois fatores: a política monetária (de altas taxas de juros) e a situação do mercado financeiro internacional (pois não fosse o retorno à ampla liquidez e a busca pela atratividade dos mercados emergentes, de nada adiantaria a política monetária) Ainda que muito bem sucedido, a gestão macroeconômica do Plano Real deixava dois problemas expostos que estavam se agravando: o desequilíbrio externo e uma série crise fiscal. O desequilíbrio externo foi causado pelo aumento de importações que se seguiu ao Plano Real, atrelado ao desempenho nada brilhante das exportações. Déficit de serviços e rendas praticamente dobrou nesse período, déficit em conta corrente ultrapassou US$ 30 bilhões em 1997, dívida externa líquida voltou a aumentar rapidamente. Tudo isso foi consequência da forte apreciação cambial (da 3ª etapa do Plano Real). Três razões justificam porque se permitiu chegar a este ponto: (i) temor de uma repetição dos efeitos da desvalorização mexicana – FHC julgava melhor manter o câmbio sobrevalorizado ainda que gerasse uma situação externa difícil, mas que parecia controlada, a desvalorizar e dar um “salto no escuro”; (ii) o melhor momento para desvalorização teria sido em 1995, quando o nível de atividade estava caindo rapidamente, e um câmbio mais desvalorizado enfrentaria uma pressão de demanda muito baixa; depois o cenário mudou (com crescimento 1 Complementado pelas anotações de sala Victor José Milet C. Ferreira Manhã / 2013.1 do PIB de mais de 6%); e quando voltou a ser favorável, circunstâncias como a proposta de reeleição e as próprias eleições estavam próximas, não sendo conveniente tomar nenhum passo ousado; (iii) a manutenção do câmbio sobrevalorizado gerava uma esperança de que o resto do mundo continuasse financiando o país (?). A crise fiscal foi caracterizada por: (i) déficit primário2 do setor público consolidado; (ii) déficit público nominal de 7% do PIB e; (iii) dívida pública crescente. Houve, ao longo desse período, uma deterioração dos indicadores de endividamento tanto externo como público. As autoridades imaginaram que os ajustes poderiam vir com as privatizações, garantindo o financiamento externo para suprir o desequilíbrio da BP e evitando uma pressão maior sobre a dívida pública. Esse período foi marcado por um desgaste da âncora cambial como instrumento básico da política econômica, pois (i) a deterioração da conta corrente estava gerando um aumento acelerado dos passivos externos; (ii) havia uma necessidade de compensar esse déficit mediante a entrada de capitais atraídos pelas altas taxas de juros, o que pressionava as contas públicas. A política econômica baseada na combinação de déficits em conta corrente e taxa de juros elevadas serve enquanto há espaço para ampliar o endividamento, mas este foi se fechando com o tempo (principalmente decorrente das crises). Entre 1994 e 1998, o mercado financeiro internacional foi sacudido por três crises importantes: México (1994), Ásia (1997) e Rússia (1998). Brasil foi seriamente afetado pelo “efeito contágio”, com a redução dos empréstimos aos países “emergentes” após cada crise. A estratégia de continuar a financiar os desequilíbrios chegou a ganhar força em meados de 1998, com a conclusão da privatização da Telebrás, mas a moratória da Rússia mudou completamente o panorama. Após três ataques especulativos conta o Real (1995, 1997 e 1998), o instrumento clássico de altas taxas de juros não se mostrava mais suficiente. Governo FHC – 2º Mandato (1999-2002) Poucas semanas antes das eleições, o governo brasileiro começou a negociar com o FMI para enfrentar o quadro externo extremamente diverso, com a fuga de capitais decorrente do temor de uma desvalorização. O Fundo coordenou os esforços de apoio ao Brasil mediante um pacote de ajuda externa de US$ 42 bilhões, dos quais US$ 18 bilhões seriam do FMI e o restante de organismos multilaterais e diversos governos. Esse primeiro acordo contemplava um importante aperto fiscal, sem exigir mudanças na política cambial. Dois obstáculos: (i) ceticismo do mercado, que não acreditava que o país poderia escapar de uma desvalorização; (ii) rejeição do Congresso da cobrança de contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos – o que gerou a ideia de que o governo não conseguia apoio na implementação de suas propostas. Isso aumentou o pessimismo e a perda de divisas. Assim, a desvalorização cambial, em janeiro de 1999, se tornou inevitável. O governo deixou o câmbio flutuar e em menos de 45 dias ele saiu de R$1,20 para R$2,00. Armínio Fraga foi nomeado como presidente do Banco Central e, junto com sua equipe, anunciou duas providências: (i) a elevação da taxa de juros básica; (ii) o início de estudos para 2 O superávit primário não inclui a conta de juros e mostra se as contas estão em controle e a dívida não vai explodir. O superávit nominal inclui a conta de juros e mostra o total necessário para financiar o setor público. Victor José Milet C. Ferreira Manhã / 2013.1 adoção do sistema de metas de inflação3. O governo renegociou o acordo com o FMI em um novo cenário, com uma dívida pública maior (decorrente da desvalorização sobre a parcela da dívida afetada pelo câmbio), sendo necessário ampliar a meta de superávit primário e implicando um forte aperto fiscal. Razões da desvalorização não ter gerado inflação: i. Ocorreu num momento de “vale” da produção industrial, gerando uma contração de demanda que diminuiu muito a chance de repasse do câmbio aos preços; ii. Quase cinco anos de estabilidade tinham mudado a mentalidade indexatória dos agentes; iii. A baixa inflação mensal inicial diminuiu o temor de uma grande propagação dos aumentos de preços; iv. Poítica monetária rígida, caracterizada por alta taxa de juros real; v. Cumprimento de sucessivasmetas fiscais acertadas com o FMI criou uma confiança crescente de que a economia seria mantida sob controle; vi. Aumento do salário mínimo em 1999; vii. Definição de uma meta de inflação de 8% para o ano. A partir de 1999, então, o país iniciou um processo de retomada de crescimento (só abortado pela combinação de crises em 2001) e, em termos de inflação, os resultados do IPCA foram excelentes. Crise de energia: Prevendo que as empresas seriam privatizadas, o governo não ampliou os investimentos. As vendas, entretanto, não se concretizaram, e não houve grandes inversões, a não ser na conclusão das obras em curso. O consumo de energia elétrica continuava aumentando, em um contexto marcado por grandes inovações tecnológicas e dos hábitos de consumo. Em 2001, face à uma intensidade pluviométrica particularmente baixa, a perspectiva de que o país ficasse sem energia elétrica em meados do ano exigiu um forte ajuste da demanda. Todos os consumidores foram obrigados a cortar 20% da demanda de energia (em relação ao ano anterior). O racionamento acabou no início de 2002. Consequências: (i) três trimestres consecutivos de queda do PIB; (ii) aumento das demandas das empresas de energia; (iii) um modelo setorial inconcluso (pela inviabilidade política de continuar com as privatizações) que foi herdada por Lula. Além da crise de energia, a economia também foi prejudicada pelo “contágio” argentino (o mal resultado do plano de privatização argentino contagiou o olhar estrangeiro quanto ao Brasil) e os atentados terroristas de 11 de setembro. O risco-país voltou a aumentar, refletindo uma menor disponibilidade de capitais e afetando os juros domésticos. Isso comprometeu o desempenho médio da economia no segundo governo FHC. 3 O conselho monetário nacional define um “alvo” para a variação do IPCA e baliza as decisões de política monetária buscando atingi-lo. Ex: se a inflação for superior à meta, o BC deve subir os juros. O sistema de metas trabalha com uma margem de tolerância acima ou abaixo da meta. A meta para 1999 foi de 8%, para 2000 foi de 6% e para 2001 foi de 4%. Manteve-se dentro do intervalo previsto para os dois primeiros, mas muito acima do teto em 2001 e, particularmente, em 2002. Victor José Milet C. Ferreira Manhã / 2013.1 Reformas: Além da estabilidade, a gestão de 8 anos de FHC foi marcada por algumas reformas importantes: i. Fim dos monopólios estatais nos setores de petróleo e telecomunicações – deixou de ser de atuação única do Estado, abrindo competição no setor de petróleo – mesmo com a Petrobras ainda sendo estatal – e privatização da Telebrás. ii. Mudança no tratamento do capital estrangeiro – abriu os setores de mineração e energia à possibilidade de exploração por parte do capital estrangeiro; mudou o conceito de empresa nacional, permitindo que firmas com sede no exterior passassem a dispor do mesmo tratamento; iii. Saneamento do sistema financeiro – com o fim das receitas de float dos bancos com a queda inflacionária, as ineficiências do setor ficaram expostas, sendo o período de 1995/97 marcado por crises de brancos. O governo: (i) instituiu o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer); (ii) privatizou a maioria dos bancos estaduais; (iii) facilitou a entrada de bancos estrangeiros, objetivando ampliar a concorrência do setor; (iv) favoreceu conglomerações do setor, deixando o mercado com menos instituições, mas mais forte; (v) ampliou os requisitos de capital para a constituição de bancos e; (vi) melhorou substancialmente o acompanhamento e monitoramento de risco do sistema por parte do Banco Central4. iv. Reforma (parcial) da Previdência Social – buscaram reduzir os passivos em providência. Instituiu idade mínima para os novos entrantes e aumento do tempo de contribuição dos já ativos, além de mudanças no INSS (dentre essas, a inclusão de um “fator previdenciário” que desestimulava aposentadorias precoces); v. Renegociação das dívidas estaduais – “federalização” de dívidas; vi. Aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – estabeleceu tetos para as despesas em cada uma das três esferas da Federação e proibiu a renegociação das dívidas entre entes da Federação; vii. Ajuste fiscal – implementado a partir de 1999, representou a vigência de uma restrição orçamentária efetiva, baseada em metas fiscais rígidas, pondo fim à situação tradicional de falta de maior controle das contas públicas; viii. Estabelecimento do sistema de metas de inflação - caracterizou um compromisso formal com a estabilidade de preços, por parte das autoridades; ix. Algumas políticas sociais foram lançadas nos anos FHC: (i) expansão de medidas da LOAS –garantindo um salário mínimo a idosos e deficientes; (ii) Bolsa-Escola – famílias com crianças na escola; (iii) Bolsa-Renda – famílias pobres da seca; (iv) Bolsa-Alimentação – gestantes na fase de alimentação; (v) Auxílio-Gás – subsídio ao custo do botijão; (vi) PETI – para tirar crianças do trabalho dando bolsas de estudo. Esses programas, entretanto, não foram muito populares na época. x. Criação de agências reguladoras de serviços de utilidade pública - com o intuito de defender os interesses do consumidor, assegurando o cumprimento dos contratos e estimulando níveis adequados de investimento, zelando pela qualidade do serviço nas áreas de telecomunicações (Anatel), petróleo (ANP) e energia elétrica (Aneel) – não foram tão eficientes por terem sido criados às pressas, sem um prévio planejamento; ainda assim, deram algum suporte; xi. Privatizações – nesta época, caracterizou-se pela venda de empresas de serviços públicos, com ênfase nas telecomunicações e energia. As razões iniciais (permitir uma 4 Em suma, uma reforma por “menos quantidade e mais qualidade”. rs Victor José Milet C. Ferreira Manhã / 2013.1 melhora desses serviços – muitos deixados de lado pelo governo, alguns chegavam até a estarem sucateados – com uma retomada de investimentos, contribuir para uma modernização do parque industrial, permitir a concentração dos esforços do Estado em certas prioridades, etc.) foram substituídas pela necessidade de atrair capitais estrangeiros, dados os déficits da economia. Quando a desvalorização cambial em 1999 e o ajuste fiscal corrigiram a economia, a privatização deixou de ser urgente, relaxando- se a esse respeito. Consequências positivas: (i) dívida pública foi favoravelmente afetada; (ii) a maioria das empresas se tornaram mais eficientes; (iii) no caso da telefonia, queda dos preços de linhas telefônicas e redução do tempo de espera para obtenção de linhas; (iv) no caso dos estados, a venda das empresas em situação financeira mais crítica melhorou substancialmente o resultado fiscal das empresas estatais estaduais. Consequências negativas: os resultados ficaram aquém do alardeado pela propaganda oficial: (i) a ideia de que, com a desestatização, o governo teria mais recursos para gastar nas áreas sociais era equivocada; (ii) houve sérios problemas regulatórios no setor elétrico – ainda que a privatização tenha se limitado à distribuição, a ausência de uma regulação clara que estimulasse o setor privado e a falta de maiores investimentos das estatais geraram uma situação onde ninguém investiu conforme as necessidades do país, o que desencadeou na crise energética de 2001, e foi vista como uma das falhas da privatização (ainda que a parte de geração praticamente não tenha sido privatizada). A década de 1990 tem tudo para ser conhecida como uma “década de transformações”: 1991-1994 (Collor/Itamar): o binômio privatização/abertura introduziu um choque de competição na economia,representando uma mudança radical do modelo de economia; a inflação permanecia um obstáculo poderoso; 1995-1998 (FHC 1): a estabilização associada ao Plano Real marcou uma revolução comportamental no setor privado, aumentando a disputa entre firmas e potencializando os benefícios da competição introduzida pela concorrência dos importados. Política cambial rígida. Dois grandes desequilíbrios – externo e fiscal – traziam entraves às decisões de investimento (e havia uma grande dependência deste). 1999-2002 (FHC 2): mudança de regimes cambial (câmbio flutuante), monetário e fiscal. Até 1998, sempre o Brasil vivia alguma grande crise: alta inflação, crise externa e/ou descontrole fiscal. Com as medidas de 1999, o país passou a ter condições de enfrentar cada um desses problemas. O ajuste foi expressivo, trazendo uma melhora à balança comercial, e uma inflação de 8,8% a.a. Em suma: Pontos positivos: consolidação da estabilização e o fim de 30 anos de indexação (64-94). Pontos negativos: baixo crescimento (a média de expansão do PIB nos dois governos foi de apenas 2,3% a.a.), aumento da carga tributária, falta de desenvolvimento de um mercado de crédito (ainda atrofiado pelos juros altos) e elevado endividamento externo e fiscal. FHC, entretanto, deixa um tripé de políticas para atacar os principais desequilíbrios macroeconômicos: metas de inflação, câmbio flutuante e austeridade fiscal, além de uma série de mudanças estruturais. Como almejado em 94, o presidente consegue terminar o mandato na data prevista.
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