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Will Durant - História da civilização 1ª parte Tomo 1º (OCR normal]

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ME DITERRANE O 
N 
EGITO 
r e:. .r+J. .L~ 
MI .. "AI 
ELEFANTINA 
FI L~ 
HISTóRIA 
DA 
CIVILIZAÇÃO 
1.0 PAliTE 
NOSSA HERANÇA, ORIENTAL 
TOMO 1.• 
BIBLiotECA DO ESPIRITO MODERNO 
JOSTÓN'.o\ Z BIOGRAFIA 
Série 3. • * Volume 28 
F1c . I - Estátua de granito de Ramsés li. 
Museu de Turim. 
NOTA DOS EDITORES 
Manda a Lei Ortográfica que os nomes pt'61"W. 
utrangeir01 que n4o flt>erem fomiiJ oemácul<1 se c:on-
.,..,. tal.r quaio. De acórdo com &te critério, os nomes 
próprios estrangeiros que aparecem nesta tredu~ão e que 
Dão úm forma vernácula foram conservados como figurom 
DO tezto original. 
PREFÁCIO 
pROCUREI neste livro realizar a primeiro p4rte dtJ tarefa 
que a mim mesmo impus vinte anos att'ás: escrever 11 
história da civilização. Desejo dizer o mais que poSSII, no 
menor espaço possível, sdbre IJS contribuições que o g8nio e o 
trabtzlho fizeram para a herança cultnral dtJ humanidtJde -
expor em seu caráter, causas e efeUos, a marcha dtJs inoenções, 
a variedade dtJ organização econ6mica, IJS experlAncitJs ds 
govAmo, IJS aspirações religioSIJS, IJS mutações dtJ moral e dos 
costumes, IJS obras-primas dtJ literatura, o desenvolvimento dtJ 
ciência, a sabedoria dtJ filosofia e IJS reallzaçDes dtJ arte. 
Escusado acentuar o absurdo de semelhante em~sa, e que 
a~ncia de modéstia há no simples conceM-la; porque multoB 
anos de trabalha a levaram apenas a um quinto do que deue 
ser, e tomaram evidente que um s6 espírito, no decurso duma 
vida do homem, não pode de.rincumbir-se dela. Não obstante, 
admiti que, apesar dos muUos erros inevitáveis, poderia toJ 
obra ser de utilidade para os que a palzão filos6flca induz 
a ver IJS coisiJS em seu todo, ou em perspectiva, unidade e 
compreensilo do história no tempo e do cUncia no espaço. 
De há multo senti que o método comum de escrever hi~­
tória em secções longlt11dinais autdnom<JS.- história econ6-
mica, história política, história dtJ ciência, história do músi-
ca, história do arte - impede a visão do unidade humana; 
que a história deve ser escrUa não s6 colateralmente, como 
sint~lca e analiticamente; e que o ideal seria em cadtJ perio-
M retratar o comple.t:o do cultura duma nação, suas avent"I'IJS• 
Instituições e processos. Mas o acúmulo de conhecimentos 
dividiu a história, como também a cUncia, em mil e.speciall-
dades isoladas; e os estudiosos prudentes coíbem-se de tentar 
visões de conjunto, seja a matéria universal, sc;a apenas a do 
passaclo ela nossa raça. Porque as probabiliclades de 8rro au-
mentam com a amplitude do propósito, e o homem que ven-
de a sua alma à síntese serve ele alvo a t6das as setas da 
critica especializada. *Consiclerai·, disse há cinco mil anoB 
Ptah-hotep, *como oos receberá a oposição dum especialista 
no conselho. 1: loucura falar de totlos os assuntos. A his-
tclria da civilização compartic!pa do presunçoso que há em 
t6das as emp:'êsas filosóficas: oferece o grotesco espetáculo 
duma parte que tenta visualizar o totlo. Como na filosofia, 
semelhante aventura não tem escusa racional, não pas.ta de 
t'lntiee; mas esperamos que, como na filosofia, ela nunca 
del:re de preocupar os espíritos irrequietos. 
O plano ela obra 6 narrar a história .do civilização em 
cinco partes independentes: 
I - N os110 Herança Oriental: uma história da civt1iza-
ção no Egito e no Oriente Próximo até a morte de 
Alexandre, e na lndia, China e Japão até hoje; com 
uma introdução sllbre os elementos .e a natureza 
da civilização. 
11- No.r110 Hemnça Clássica: uma história da civiliza-
ção na Grécia e em Roma, e no Oriente Próximo 
· durante a dominação greco-romana. 
111 - Nossa Herança Medieval: a Eurona católica e feu-
dal, a civilização bi7.antina, as culturas maometana 
e judaica na ·Ásia, África e Espanha, e o Renas..i-
mento Italiano. · 
IV - Nossa Herança Européia: a história cultural dos 
estados europeus, da Reforma Protestante até a 
Revolução Francesa. 
V - No.ssa Herança Moderna: a história da Invenção 
européia e do estadismo, da ciência e da filosofia, 
da religião e da moral, da literatura e da arte, 
desde o surto de Napoleão até hoje . 
. Nossa história começa com o Oriente. nilo porque f&se 
tJ Asia palco das mais velhas civilizações conhecidas, mas por-
lfi<IJ essas civilizações formaram o fundo e a base daquela 
cultura greco-romana que Sir Henry Maine, erradamente, 
supus ser a fonte originária do espírito moderno. Surpreende-
nos verificar o quanto das nossas invenções, da nossa orga-
ni::;ação econômica e política, da nossa cU!ncia e literatuw. 
tia nossa religião e filosofia, tem raízes no Oriente e no Egito. 
Neste instante histórico - em que a ascendclncia da Europa 
vai tão ràpitlamente se aproximanda do fim, quando a Asia 
inturgesce de tlida nova e o tema do século XX semelha um 
generalizmlo conflito entre o Ocidente e o Oriente - a inge-
mlitlade dLJ nossa história tradicional, que começa com a 
Grecia e só dá à Asia uma linha, não se toma apenas um irra 
acadêmico, mas também um deslize de perspectiva e inteli-
gclncia. O futuro volta-se para o Pacífico, e ternos de com-
preender o Oriente. 
Mas como poderá a mentalidade ocidental compreender 
o Orientei' Oito anos de viagens e estudos fizeram·me ver 
que nem uma vida inteira bastará para a iniciação de um 
estudioso ocidental no sutil caráter e no segrcldo das cois<D 
orientais. Cada capítulo, cada palavra neste livro irá ofende1' 
ou divertir alguma alma patriótica ou esotérica: o judeu orto-
doxo necessitará de t6da a SIUJ antiga paciAncia para perdorw 
nossas páginas silbre Jeová; o metafísico hindu lamentará o 
nosso superficialismo no affanhar a filosofia indiana; e 011 
86bioa chineses e ;apon~ses sorrirão com indulgclncia diante 
das breves e impróprias citações que fazemos da riqueza li-
terária e do pensamento orientais. Alguns dos erros no ca-
pítulo silbre a Judéia foram corrigidos pelo prof. Harry Wolf-
son, de Haroard; o dr. Ananda Coomaraswamy, do lnstittrto 
de Belas-Artes de Boston, reoiu cuidadosamente a parte silbre 
a lndia, mas não é responsável pelas minhas conclusões ou 
os erros que ficaram; o prof. H. H. Gowen, o sábio orientalista 
da Universidade de Washington, e Upton Close, homem ds 
ineSI!.otáveia conhecimentos silbre o Orients, eliminaram os 
defeitos mais flagrantss dos capítulos silbrs o Japão e a China; 
e Mr. Geore,e Sokolsky melhorou, com suas informacões de 
primeira mão, as páginas silbre o atual Extremo Oriente. Se 
o público mostrar-se indulgents a ponto de mgir uma segunda 
tirarrsm desta obro, tA-la-emos com tilclas as coffeções lem-
bradas pelos crfticos, 681Jecialistas e leitores. Entremsntes o 
autor, cansado, se declara sm simpatia com Tai-T'ung, que 
no século XIII lançou com estM palaV1'il8 a sua História da 
Escrita Chinesa: "Se eu esperasse a perfeição, ~ate livro não 
seria tetminado nunca: 
Desde que os nossos apressados tempos não são propícios 
cl popularidade de liV1'os caros s6bre assuntos de interí!sse 
remoto, pode ser que a continuação desta série seja retarrlod. 
por f6rça de ln;unções econ/Jmicas. Mas se a aceitaçilo tornar 
possível o remate da empreitada, a Parte Segunda estará 
pronta pelo outono de 1940 e as seguintes aparecerão, se 
houver saúde, com intervalos ele cinco anos. Nada me faria 
mais feliz do que libertar-me de qualquer outro trabalho, 
para dedicar todo meu tempo s6 a este. Prossegui-Zo-ei, tão 
depressa quanto 118 circunstâncias mo permitirem, esperando 
que 08 primeiros volumes a;udem nossos filhos a compreender 
e tirar prazer da infinita riqueza do que herdaram. 
WILL DURANT. 
Creat Neck, N. Y., Março, 1935. 
JNDICE 
INTRODUÇÃO 
COMO SE CRIOU A CIVILIZAÇÃO 
CAPÍTULO I - AS CONDIÇOES DA CIVILIZAÇÃO • . • . • . • • . • 3 
Definição - Condições geológicas - Geográficu -
Eoonômicas - Raciais - PsiCológicas
- U.usas ela 
decadência das civilizações • 
.C..Pitvw 11 - ELEMEJI.'TOS ECONOMICOS DA CIVILI-
ZAÇÃO •.•.•.•.••..••••..•••••.••.•.••••.• 7 
L DA CAÇA À ACRICUL'l"'U'BAto 8 
A primitiva improvldmcia - Começao de provido -
Caça e pesca - Criação e domesticação dos animais -
Agricultura. 
D. AS BASES DA INDÚSTIIIA, 14 
O fogo - lnsbumentoa primilivoa - Tecelagem " 
cerâmica - Construçlo e transporte - Cotn&clo " 
finanças. 
DL OJ\GANJZAÇ1o ZCONÔMICA, 19 
Comunismo primitivo - Causas da sen desapareci-
mento - Origens ela propriedade privada - Escravidão 
- Classes. 
CAPirviD III - OS ELEMENTOS POLmCOS DA CIVILI-
ZAÇÃO ...•••.•••••.••.•••.•••••••••..•.•. 25 
L OlUCEN8 DO ·covhNo, ll5 
O instinto insocial - Anarquismo pdmltlvo - O di e 
a tribo - O rei - A guerra. 
U. O ESTADO,. 28 
Como a organizaçllo da f&ça - A comUDidado-aldela 
- Os suportea psicológioos do Estado. 
DL LEI, 30 
!legalismo - Lei e costume - Vingança - Ord6Eo -
O duelo - Castigo - Liberdade primitiva. 
IV. A F.udu.\, 34 
Sua funçio na civilizaçllo - O cll ......, a f0111J1ia -
Crescimento do zêlo pttemal - Pouca importAncia do 
pai - Separação dos sexos - Direitos maternos -
l'osiçiio da mulhe< - Suas ocupações - Suas realiza-
ções ecouômicas - O patriar<lado - Suje~Gio da 
mulher. 
HISTÓJIIA DA CIVILIZAÇÃO 
CAPITULO IV - OS ELEMENTOS MORAIS DA CIVILIZAÇÃO 41 
I. CASAMENTO, 42. 
Significação do casamento - Origens biológicas -
Comunismo sexual - Casamento de experiência - Ca-
samento de g!Upos - Casamento individual - Poli-
gamia - Seu vaiO! eugênico - Exogamia - AmOI pri-
mitivo - Função econômica do casamento. 
D. MORALIDADE SEXUAL,. 4.9 
Relações premaritais - Prostituição - Castidadr. -
Virgindade - A moral dupla - Pudor - Relatividade 
da mmal - Papel biológico do pud01 - Adultério -
Divórcio - Abôrto - Infanticídio - Infância - O 
Individuo. 
DL MORALDlADE SOCIAL, r;( 
Natureza da virtude e do vicio - Gula - Desones-
tidade - Violência - Homicldio - Suicídio - Socia-
lização do indivíduo - Altruísmo - Hospitalidade -
Maneiras - Limites tribais da moralidade - Moral 
primitiva ......., moral moderna - Religião e moraL 
JV, IIELIGlÃO, 62 
Os ateus primitivos.. 
I. Foutes da religiio, 83 
Mêdo - Admiração - Scmhos - A alma -
Animismo. 
li. Objetos da religião, 65 
O sol - As estrêlas - A terra - O sem -
Animais - T'ltemismo - Transição para os 
deuses hurnanoo - Culto dos fantasmas - Culto 
dos utopassadoo. 
8. Os ~odos da religião, 70 
Mágica - Ritos da vegetação - Festivais orgla-
cos - Mitos da ressurreição - Mágica e supers-
tição - Mágica e ciência - Sacsdotes. 
4. A função moral da reli~o, 74 
Religilo e ~o - Tabu - Tabus semals - O 
atraso da religilo - Secularização. 
CAPhm.o V - ELEMENTOS MENTAIS DA CIVILIZAÇ.\0 78 
L LI:'IIWI, 78 
Linguagem - O fundo animal da linguagem - Suas 
origens humanas - Desenvolvimento - Resultados 
- Eclucaçlo - Imitação - Escrita - Poesia. 
D. crt..CIA, 85 
Origens - Matemáticas - Astronomia - Medicma -
Cirurgia. 
DL AIITZ, 88 
A significaçlo da beleza - Da arte - O primitivo 
senso da beleza - A pintura do 001p0 - Cosmét•<W 
- Tatuagem - Escuüicagão - Vestuário -.o.-
mentos - Cer&mica - Pintura - Escultura - Ar-
quitetura - Dança - Música - Sumlirio do prep"ro 
para a civilização. 
CArÍnlLO VI - OS COMEÇOS PRJ!:-HISTóRICOS DA t:IVI-
LIZAÇÃO ••••••••••••••••••••••••••••••••• f11: 
I. CUl:nJ1\A PALEOLÍ"nCA, fl1 
O propósito ela prb-hist6ria - Os romnn""" ela 
arqueologia. 
CAnT" CnoNOWciCA: Tipos e culturas do homem pré-histl>rico 
l. Os Homens da Velha Idade da Pedra, IUO 
O fundo geológico - Os tipos paleolili<'os. 
2. Artes da Idade ela Pedra Lascada, 1114 
Instrumentos - Fogo - Pintura . - Es<:ultura. 
11. Ctn.:nmA NEOÚTJCA, 101 
As Kltch6f'-Middeno - A gente lacustre - O adv""to 
ela agricultura - A domesticaçio dos animais -
Tecnologia - Tecelagem neolílica - Cerâmica - <'.nns-
trução - Tmnsporte - Religião - Ciência - Sumário. 
111. A. Tl\ANSIÇÃO PARA A HISTÓRL\, 119 
I. O advento dos Metais, 112 
O cobre - O bronze - O ferro. 
2. Escrita, 114 
Posslvel origem cedmica - A · "slnãria M<..!i-
terraneana" - Hieróglifos - Alfabetos. 
3. Civilizações Perdidas, 116 
Polinésia - Atlinticla. 
4. Berços ela Civilizaçio, 117 
Ãsia Central e Anau - Linhas de dispersllo. 
LivRo l'm:Mlmto 
O ORIENTE PROXIMO 
fnclice Cronológico da História do Oriente Próximo 121 
CAP.ínn.o VII- SUMI!:RIA ---·--·-·---·----............. 125 
Orientaçlio - Contribuições do Oriente Próximo pMa 
a civilização Ocidental 
L J!:LAM, 126 
A cultura de Susa - O !&no do oleiro - O cano de 
rodas. 
n. os IRIMERIAJIOII, 127 
l. O Fundo Histórim, 127 
A Suméria exumada - Geografia - Raça - O 
clillivio sumério - Os ms - Um autlgo telur-
mador - SugãD e Acad - A Idade de Ouro de Ur. 
HISTÓIIIA DA CMLIZAÇÃO 
~- Vida Econômica, 13S 
O solo - Indústria - Comércio - Oasses -
Ciência. 
3. Gov&no, 134 
Os rei! - Modos de guena - Os barões feudais 
- Lei. 
4. Religião e Moralidade, 136 
O Panteão swneriano - O alimento dos deuses -
Mitologia - Educação -: Preces - Prostitutas 
do templo - Direitos da mulher - Cosméti<'OI. 
5. Letras e Artes, 139 
Escrita- Literatura - Templos e palácios - Es-
tatulria - Cerâmica - Jóias - Sumãr:io da civi-
lização IUJl'l;eriana. 
m. PASSAGEM PAliA O EGITO, 143 
A Influência da Sumêria na Mesopotâmia - Arábia an-
tiga - Influência Mesopotãmica no Egito. 
'CAPÍTULO VIII - EGITO • .. .. .. .. .. .. .. .. . . • .. .. .. .. .. • .. 148 
L O 110M no NILO, 146 
1. No Delta, 146 
Alexandria - O Nilo - As Plrãmides - A Esfinge. 
li. Rio Acima, 149 
Mênfis - A obra-prima da rainha Halxepsu -
"Os colossos de Mernnon" - Luxor e Camac -
A Jll'andeza da civilizaÇão eg!pcia. 
U. OS MESTRES CONSTRUTORES, 153 
1. A Desooberta do Egito, 153 
Champolliou e a Pedra Roseta. 
2. Egito Pré-histórico, 155 
Paleolltico - Neolitico - Os badorianos - Pré-
din6stica - Raça. 
9. O Velho Reino, 156 
Os "nomes" - O primeiro Individuo histórico -
Quo!ops - Quéfren - O propósito das Pirâmides 
- A arte e os túmulos - MumificaçAo. 
4. O reino Médio, 160 
Idade feudal - A Décima Segunda Dinastia - Os 
bicsos. 
5. O Impêrio, 16S 
A Jll'Rnde rainha - Tutm& m - O apogeu do 
Egito. 
DL A CIVILIZAÇÃo no mrro, 166 
1. Agricultura, 166 
2. lndmtria, 166 
Mineração - Manufaturas - Operãr:ios - Eng<>-
nhelros - Transporte - Serviço postal - Co-
mércio e finanças - Escribas. 
fKDJCS 
S. Covêmo, 171 
Os burocratas - Lei - O vizir - O fara6. 
4. Moral, 174 
Incesto real - Harem - Casamento - l'o.ll<;io 
da mulher - O matriarcado DO Egito - Moral 
sexual. 
5. Maoeiras, 177 
Car:íter - Jo~ro~ - Aparêocia - Cosm~cw -
Costumes - Jóias. 
6. Letras, 180 
Edu<açã.o - Escolas de govêmo - Papel e tinta 
- Está~ do desenvolvimento da escrita - For-
mas da escrita eglpcia. 
7. Lit..-atura, 184 
Textos e bibliotecas - Sinbad E!!i<pcio - A lois-
t6ria de Sinube- Ficçllo- Um frattmento erótico 
- Poemas de amor - História - Revoluçio lite-
r6ria. 
8. Ci~ncia. 190 
Orio:ens da ciência eg'pcia - Matemática - A.dio-
nomia e calendário - Anatomia e fisiologia -
Medicina, cirmgia e higiene. 
9. Arte, 195 
Arquitetura - O velho Reino - O Reino Médio 
- Império e escultum saltas - Baixo-relêvo -
Pintul"ll - Artes menores - M6sica - ArtUtu. 
10. Filosofia, !W3 
As "lnshuções de Ptah-holel>w- "Advertências de 
lpnwer,. - "Diálogo dum Misantropo" - O Ecle-
siastes eg1pcio. 
11. Reli~ião, 208 
O deus-oéu - O deus-sol - O deus-J>Ianta - O 
deus-animal - O deus-sexo - Deuses humanos -
Osíris - lsis - Hón!S - Deidades menores -
Sa.erdotes - Imortalidade - O "Livro dos Mor-
tos" - A "Confi.ssio Negativa" - Mágica - Cor-
rupçfo. 
IT. O REI RERI:nco, l!l5 
O ear:íter de Jkhnaton - A religião DOva - Hino ao 
sol - Monote'smo
- O novo d~a - A DOva arte -
Jleaçlo - Nofretete - Colapso do lmphlo - Morte de 
lkhoaton. 
V. J>I!ICLÍ>no B QUEDA, 222 
Tutancamoo - Os labores de Ramsés n - A riqut"U 
do clero - A pobreza do povo - A conquista do 
ERito - Sumário da c:ontribuiçio do Egito pua a 
civili2açio. 
CAPfnn.o IX - BABILONIA • . . . • • • . • • . . • . . • . . • • • • • • . . • • 227 
L D. RAMURÁBI A NAIIUCODONOSOJI. 2!J:T 
Cootribuiçõeo babila.oicas pua a ........ c:ivilizaçlo -
X\"1 IIISTÓNA DA CIVU.J2;AÇÁO 
A terra entre os rios - Hamurábi - Sua Capital -
A dominação cassfta - Amarna - Conquista Ass.ria 
- Nobucodonosor - Babilônia DO apogeu. 
D, OS TRADALHADORES, 235 
Caça - Lavoura - AJimentação - Jnd{utria - Tra~Js­
porte - Perigos do comércio - Copitalistas -
Escravos. 
m. A LEI, 239 
C6di~o de Hamurdbi - Poderes do Rei - Orddlio -
Lei de talião - Castigos - C6digos de salários e preços 
- Roubos. 
IV. OS DEUSES DA J5AJ~ll.ÓNJA, 241 
Reli~ e estado - Funções do clero - Deuses me-
nores - Marduk e lshtar - Hist6ria da Criação e do 
Dilúvio - O amor de lshtar e Tammuz - D...:ida 
de Ishtar ao inferno - Morte e ressurreição de Tam-
muz - Ritual e Preces - Salmos de penitênci~ -
Pecado - Mágica - Superstição. 
V. MORAL DA BAB~NIA, 253 
Religião divorciada da moral - Prostituição sal(l"a<la 
- Amor livre - Casamento - Adultério - Div6rdo -
Posição da mulher - Desmoralização. 
VI. LETRAS B LrrERATURA, 257 
Cuneiforme - Su• decifração - Llngua - Literatura 
- A epopéia de Gilgamesh. 
TU. ARTISTAS, 26S 
Artes menores - Música - Pintura - Escultura -
Baixos-relevos - Arquitetura. 
VI1L CiiNCJA DA I!ABMNIA, 265 
Matemática - Astronomia - Calendário - Geografia 
- Medicina. 
IX. im.6soros, 269 
Religião e filosof10 -O Job babilônico- O ltoheletb 
babilônico - Um anticlerical. 
x. EPrrÁno, !72 
C.ufnn.o X - ASSfRlA • • • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • . . . • 274 
J. CRÔNICAS, 27 4 
Come\'011 - Cid•des - Raça - Os conquistadores -
Senaquerib - Esarhaddon - Asaurbanipal ( Satd!llla-
palo). 
u. cavtm.o Asahuo, 219 
Imperialismo - Guerra asslria - Os deuses consc:itos 
- Lei - Castii!OS - Administraçio - A violênc:ia das 
monarquias orientais. 
JD. A 'Y1DA A&SÚUA, 283 
Indústria e comércio - Casamento e moral - Religilo 
e ci&ncia - Let!as e bibliotecas - O ideal osslrio. 
.... AliTB ASSlloA, 267 
Artes meoor01 - Bai][()ore~ - Estatuária - CoDI-
truç6ea - Uma página de "Sard81lapaloH. 
hu11ca J:Yn 
V. I'IM DA .usfruA, 291 
0• últimos dias dum rei - Causas da decadência da 
.~ssina - A queda de Níníve. 
C..Pfnno Xl - UM MOSAICO DE NAÇOES • • • . . . . . • • . . • • 294 
J, OS POVOS INI'JO·EVBOPEUS, 294 
Cenário étnico - Mitanianos - Hitltas - Azmêr,fos 
- Citas - Frígios - A mAe divina - Lídios - Cres.> 
- Cunhagem da moeda - Creso, Scllon e Ciro. 
D. OS POVOS SE..'-IITAS, 299 
Antiguidade do.• árabes - Fenícios - Seu comércio -
- Circunavegaçllo da Afnca - Col6nias - Tiro e 
Sldon - Deidades - O alfabeto - Slrla - Astarte 
- Morte e ressutreipio de Ad&nl$ - Sacrifício das 
crianças. 
INDICE DAS ILUSTRAÇOES 
riCO. 
1 - Estátua de granito de Ramsés Il . . . . . . • • . • . . • • • • Frootispfcio 
2 - Pintura de um bisão numa cavema paleolítica de Alta· 
mira - Espanha ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. • 102 • 
S - ReCODStrução hipotética duma moradia lacustre da era 
paleolítica ...................................... . 
4 - A evolução do aHabeto .......................... . 
11 - Estela de Naram-siD ............................ .. 
6 - O "pequeno" Gudea ............................. . 
7 - Templo de D..--d-Bahri ......................... . 
8 - Colunata e pátio do Templo de Lmoo: •••••••••••••• 
9 - Reconstrução hipotética do hipostilo do Templo de 
Carnac ....•............•....•.........•..••.••• 
10- Colunata do hipostilo do Templo de Camac .•.•..•• 
11 - A Pedra de Roseta ............................. .. 
12 - Cabeça do fara6 Khafre ........................ .. 
13 - O Escriba Sentado .............................. .. 
14 - "Sheik-el-Beled" ............................... .. 
15 - Cabeça de pedra em Amama pelo escultor Tutemose 
16 - Cabeça de um rei, talvez Senusret 111 .......•..••.. 
17 - Falcão e Serpente. Relêvo em pedra calcária da Pri-
meira Dinastia .................................. . 
18 - Cabeça de Tutemose 111 .......... · .............. . 
19 - Ramsés 11 apresentando uma of..-enda ........•..•.. 
20 - Fii(W'a de bronze da Dama Tekoschet .....•••••••• 
21 - Montumihait ................................... . 
22 - Estátuas colossais de Ramsés 11, com estátuas em tama-
102 a 
100 b 
132 a 
132 a. 
132 b 
132 b 
132 c· 
132 c 
132 d 
166 a 
166 b-
1!111 a 
198 b· 
198 b 
198 b 
198 b· 
230 a 
230a-
230 a 
nho natural da rainha Nofretete, Abu Simbd . • . . . . . • 230 b 
2S - A Dançarina. Desenho num caco de vaso • . • . . • • • . • 2SO c· 
24 - Gato neJ(aceando. Pintura mural no túmulo de 
Khnmnhotep, ""' Benl-Hasan ..................... . 
2.~ - CadPira de Tntoncamon ......................... . 
26 - A Rainha Nofrrtete, em calcário nlntado ••..•....... 
27 - O deus Shama•h transmite um c6iti110 de leis a Jfamuráhi 
211 - O "Leão da Rohill\n;o", relêvo de tijolos pintados .••• 
29 - Cabeça de Esarhoddon .......................... . 
SO - O Prisma de Senaquen'b ......................... . 
31 - A Leoa Ferida de Nlnive ....................... . 
32 - A C':acada de Leio. relêvn em alaha•tro de Nlnive •••• 
3S - Relêvo asslrlo representando Marduk em luta com 
2SO c 
2.111 cf 
2Rg a 
2112b 
2R2 c-
l!Rl! d 
298 a 
296 b 
ll96 c 
Tiamat, encontrado em Kalakh • .. . • .. • . . .. • .. . .. .. 296 .,. 
34 - Touro Alado do palácio de· AssumasiJpal 11. em JCalakh 296 d, 
INTRODUÇÃO 
COMO SE CRIOU A CIVILIZAÇÃO 
"Eu queria OtJbn quoü foram 01 
,.....,. que o hotnsm deu na JIOI:ragem 
da barbárie ptJTa a cioili%QÇÕrl' 
VOLTAJRE 1 
CAPITULO I 
AS CONDIÇOES DA CIVILIZAÇÃO 
Definição - Condições geológicas - Geográficas -
Econdmícas - Raciais - Psicológicas - Cau/IQ8 da 
decatUncia das civilizações. 
A civilização é a ordem social a promover a criação cultu-
ral. Constituem-na quatro elementos: provisão econô-
mica, organização polltica, tradições morais e acúmulo de 
conhecimentos e artes. Começa quando o caos e a inse!(U-
rança chegam ao fim. Porque logo que o mêdo é dominado, 
a curiosidade e a construtividade se vêem livres, e por im-
pulso natural o homem procura a compreensão e o embele-
zamento da vida. 
. Certos fatôres condicionam a civilização, podendo esti-
mulá-la ou embaraçá-la. Primeiro, as condições geológicas. 
A civilização é um interlúdio entre as eras glaciais: a quafquer 
mom~nto a corrente de congelação pode retomar a encurralar 
a vida num segmento da Terra. Ou o demônio do terremoto, 
com a licença do qual construímos nossas cidades, -pode sa-
cudir seus ombros e destruir-nos com a maior indiferença. 
Depois, as condições geográficas. O calor dos trópicos e 
os inumeráveis parasitos que o infestam revelam-se hostis à 
civilização; a letargia, a doença e a precoce maturidade des-
viam das coisas não-essenciais as energias que fazem a civili-
zação e as enforcam unicamente no comer e no reproduzir-se; 
nada sobeja para pábulo das artes e do espírito. A chuva é 
necessária; porque a á!(UB é o médium da vida, mais impor~ 
tante ainda que a luz do sol; o incompreensível capricho dos 
elementos pode condenar à sêca regiões outrora florescentes, 
4 IIISTÔIUA DA CIVILIZAÇÃO 
como Nínive e Babilônia, ou pode dar fôrça e riqueza a cida-
des aparentemente fora das principais linhas de transporte e 
comunicação como as da Grã-Bretanha ou do Estreito de 
Puget. Se o solo é fértil em produtos agrícolas e minerais, se 
os rios oferecem fácil via de transporte, se a linha costeira é 
provida
de portos bem abrigados, e se, acima de tudo, uma 
nação está situada no trajeto duma rota comercial, como Ate-
nas ou Cartago, Florença ou Veneza, então_!!_g~ografia sorri 
e nutre a civilização - embora não a crie. 
As condições econômicas são mais importantes. Um povo 
pode possuir excelentes instituições, um nobre código moral, 
e mesmo o senso das artes, como os indios americanos; mas 
se se perpetua no estágio da caça, se para a existência de-
pende da precariedade dos animais nativos, êsse povo nunca 
passará da barbárie à civilização. Um povo nômade, como 
os beduínos da Arábia, pode ser excepcionalmente vigoroso e 
inteligente, pode revelar qualidades de caráter, como a ·cora-
gem, a generosidade, a nobreza; mas sem o Bine qua non da 
cultur"!, que é a continuidade da alimentação, essa inteligência 
se desperdiçará nos perigos da caça e nas tricas mercantes, e 
nada ficará para as amenidades, as BJ<les e os requintes da 
civilização. A primeira forma da cultura é a agricultura. 1!: 
quando o homem se fixa e cultiva o solo, e acwnula provisões 
para o incerto dia de amanhã, que êle acha tempo e razão 
para civilizar-se. Dentro dêste estreito circulo de segurança 
- bom suprimento de água e alimento - o homem constrói 
sua cabana, seus templos e escolas, inventa instrumentos de 
trabalho, domestica o asno, o cão, o porco e por 1fim a si 
mesmo. Aprende a trabalhar com regularidade e ordb, vive 
mais tempo e transmite mais completamente aos filhos a he-
rança mental e moral da mça. · 
A cultura sugere a agricultura, mas a civilização sugere a 
cidade. Sob um as~o, a civilização é o hábito da civili-
dade; e civilidade é o refinamento s6 possível nas civitas, ou 
cida~~-j • ) . Porque, para bem ou para mal;·· para a cidade 
refluem a riqueza e o cérebro produzidos pelo campo; na ci-
dade a invenção e a indústria multiplicam o luxo, a comodi-
( • ) A palavra civilização (elo latim clollll - ~cente ... 
l"lvlt, cidadãoS) é oomparativamente nova. A despeito das sugestõeo 
de Boswell, o dr. Johoson não a admitiu em seu dicionúio em 1172; 
_preferiu usar a palavra cicilll" a. 
AS CONDIÇÕES DA CIVILIZAÇÃO 5 
dade, o lazer; na cidade os mercadores se encontram e trocam 
mercadorias e idéias; nessa mútua fecundação dos espíritos, a 
inteligência se apura e é compelida a criar. Na vida urbana 
alguns homens se conservam fora do campo material e pro-
duzem ciência e filosofia, literatura e arte. A civilização 
começa na cabana do camponês mas só floresce nas cidades .. 
Estas são as condições da civilização que independem da 
raça. Podem aparecer em qualquer continente e em qual-
quer côr: em Pequim ou Delhi, em Mênfis ou na Babilônia, 
em Ravena ou Londres, no Peru ou no lucatã. Não são as 
grandes raças que fazem a civilização; é a grande civilização 
que faz as raças; as circunstâncias geográficas e econômicas 
criam a cultura, e a cultura cria o tipo. Os inglêses não fi-
zeram a civilização inglêsa - esta é que fêz o inglês; se êle a 
leva para onde vai, e se põe o smoking para um jantar no 
Tumbuctu, não é que esteja impondo lá a sua civilização, mas 
porque admite que ainda lá é ela que lhe dirige os atos. 
Qualquer outra raça faria o mesmo, se fôsse beneficiada pelas 
mesmas condições materiais que beneficiaram os inglêses; o 
Japão reproduz no século 20 a história da Inglaterra no sé-
culo 19. A civilização se liga à raça unicamente DO sentido 
de ser com freqüência precedida pela fusão de vArias cêpas, 
que gradualmente se assimilam num povo relativamente ho-
mogêneo. . 
Essas_ condições físicas e biológicas não passam dos pré-
requisitos da civilização; não a ~!l!~,_!lão a geram. En-
tram em jôgo fatôres psicológicos muito sutis. ~- preciso 
_haver prdem polltica, mesmo gue quase se aproxime do caos, 
como em F1orença e Roma durante o Renascimento; os ho-
mens têm que sentir que hâ mais alguma coisa no mundo 
além da morte e das taxas. E é preciso que haja alguma 
unidade de ]íngua, para médium do intercâmbio mental. Por 
meio da igreja, da famllia, da escola ou do que seja, cumpre 
que exista um código moral unificador, algumas regras do 
jôgo da vida, aceitas mesmo pelos que as violam, que dêem 
à conduta alguma ordem e regularidade, alguma direção e 
estímulo. Talvez também seja preciso unidade de fé - uma 
fé qualquer, sobrenatural ou utópica, que eleve a moralidade 
de mero câlculo à devoção, e que, a despeito da sua brevi-
dade, dê à vida nobreza e significado. E, finalmente, devem 
haver educação, que é_ o meio de transmitir a_ cultura. Graças 
à iniciação, imitação. ou instrução, transmitidas pelos pais, 
2-t.•-Tomoi 
6 HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 
professôres ou sacerdotes, a herança mental da tribo trans-
fere-se às novas gerações, como o instrumento que elevou o 
homem acima da pura animalidade. 
O desaparecimento destas condições pode destruir uma 
civilização. Um cataclismo geológico ou profunda mudança 
climática; uma epidemia impossivel de ser controlada, como 
a que abateu metade da população do Império Romano sob 
o reinado dos Antoninos, ou a Peste Negra que pôs fim à Era 
Feudal; a exaustão das terras ou a rulna da agricultura 
devida à exploração dos campos pelas cidades, resultando em 
precária dependência da importação de viveres de fora; a es-
cassez de recursos naturais, combustiveis e matérias-primas; 
uma mudança nas rotas comerciais, que deixa uma nação em 
desvantajosas condições de tráfego; a ~!!~dênci!L_J!)ÇDtal e 
moral devida ao urbanismo, conseqüente à queda da disci-
plina; o enfraquecimento da cêpa étnica devido a uma desor-
denada vida sexual ou a uma filosofia pessimista ou quietiSta; 
a inferiorização da elite dirigente em virtude da esterilidade 
dos mais aptos, e a relativa pequenez das famllias que melhor 
poderiam contribuir para a elevação da raça; uma patológica 
concentração da riqueza que determine guerra de classes, re-
voluções e exaustão financeira: eis alguns dos caminhos que 
levam as civilizações à morte. Pelo fato de não ser a civili-
zação nenhuma. coisa ingênita e impereclvel, mas algo que 
tem de ser de novo adquirido em cada geração, qualquer 
colapso no seu custeio ou na sua transmissão pode levá-la ao 
fim. o homem difere dos animais unicamente pela educação, 
a qual podemos definir como a técnica de transmitir a civi-
lização. 
/. · As civilizações são gerações da alma racial. Como a fa-
mllia e a escrita ligam as gerações e passam a herança dos 
velhos para os moços, assim também a imprensa, o comércio 
e os meios de comunicação ligam as civilizações entre si, e 
preservam para as culturas vindouras todos os valores ad-
quiridos. Antes que a morte sobrevenha, reunamos a nossa 
herança e ofereçamo-la aos nossos filhos. 
CAPlTU LO 11 
ELEMENTOS ECONôMICOS DA 
CIVILIZAÇÃO ( •) 
E M certo sentido também o "selvagem• é civilizado, porque 
cuidadosamente transmite aos filhos a herança da tribo 
- o complexo dos hábitos morais, econômicos e pollticos, bem 
como as instituições que êle desenvolveu em seus esforços 
para subsistir e gozar a terra. Impossível neste ponto sermos 
científicos; porqu~ _ denom!11:mci~ _ outros sêres human!!_L_de 
"selvagens", ou "bárbaroS:, __ nã() ~~~~ neJ!!!!I!I!_f!!!~ __ ob-
jetivo, e sim a nossa t~tura por nós mesmos e a nossa reserva 
na presença de formas de viver diferentes das nossas. Parece 
fora de dúvidas que julgamos mal êsses povos simples, que 
muito nos têm a ensinar em matéria de hospitalidade e moral; 
se examinamos as bases constituintes da civilização, vemos 
que êsses povos nus criaram-nas tôdas, e nada nos deixaram 
a acrescentar além da beleza e da escrita. Devemos ter 
cuidado no uso das expressões "selvagem• e "bárbaro• quando 
as aplicamos aos nossos antepassados. Muito melhor dizermos 
"primitivos·. Primitivas, pois, chamaremos a tôdas as tribos 
que não sabiam utilizar os dias desocupados e não dispu-
nham da
escrita. Em contraste, poderemos definir os civili-
zados como "literários·. 
( • ) A despeito das recentes demonstrações em contrário 1, a 
palavra civilização será· Desta obra usada para sil!llificar organização 
social, ordem moral e atividade cnltural; e culium significará, de 
acônlo coro o contexto, ou a prática das boas maneiras e das artei 
ou a soma total das instituições de um povo, aeus costumes e artes. 
Neste último sentido a palavra culturtJ será usada com referência às 
sociedades primitivas ou pré-históricas. 
8 Hll>IÚRIA DA CIVILIZAÇÃO 
I. DA CAÇA À AGRICULTURA 
A primitica improvidência - Começos da provisão -
Caça e pesca- Criação e domesticação dos animais 
- Agricultura 
"Três refeições por dia constituem uma instituição muito 
adiantada. Os selvagens ou entopem-se de tanto comer ou 
jejuam·.• As mais atrasadas tribos dos fndios americanos 
consideravam absurdo guardar alimento para o dia seguinte.• 
Os nativos australianos são incapazes àe trabalho que não 
receba recompensa imediata; cada hotentote é um fid8lgo da 
ociosidade; e os boximanes da África ou "estão em festins ou 
padecendo fome·.• Há uma certa sabedoria nesta improvi-
dência, como eram muitos outros aspectos da vida "selvagem•. 
Quando o homem entra a pensar no dia de amanhã, deixa_ o 
Jardim do :tden e penetra no Vale da Ansiedade; surge a 
cobiça, a propriedade começa, e a antiga insouciance desa-
parece. O negro americano passa hoje por essa transição. 
"Em que está pensando?" perguntou Peary a um dos seus 
guias esquimaus. "Não preciso pensar em nada. Temos car-
ne em abundância·, foi a resposta. Só pensam quando é 
preciso - e talvez esteja nisto a suprema sabedoria. 
Não obstante, essa vida descuidosa encerra perigos, e os 
organismos que a transcendem adquirem sérias vantagens na 
luta pela sobrevivência. O cão que enterra o osso depois de 
bem saciada a fome, o esquilo que esconde bolotas de car-
valho para "comer depois•, as abelhas que acumulam mel, as 
formigas que armazenam alimento para os maus dias, figuram 
entre os primeiros criadores da civilização. Foram êles, e 
outras sutis criaturas do mesmo tipo, que ensinaram aos ante-
passados do homem a arte de guardar o excesso de hoje para 
o consumo de amanhã, ou de reservar para o inverno o que 
o verão nos dá com abund!ncia. 
> Com que habilidade êsses ancestrais forrageavam, por 
terra e mar, as coisas de comer que constituem a base de 
suas primitivas sociedades! Com suas mãos nuas recolhiam 
da terra o comest[vel; imitavam ou usavam as garras ou prê-
sas dos animais e afeiçoavam instrumentos de marfim, osso 
ou pedra; faziam rêdes e tôda sorte de armadllhas para apa-
nhar os animais ou pesei-los. Os polinésios possufam rêdes 
ELEME~'TOS ECONÔMICOS DA CIVILIZAÇÃO 9 
de mil metros de comprimento, para cujo manejo se necessi-
tava o esfôrço de cem homens; dessa maneira a provisão eco-
nômica cresceu de mãos dadas à organização política, e a cole-
tiva caça ao alimento ajudou na formação do estado. Os pesca-
dores do Tlingit vestiam uma carapuça com forma de foca, 
e ocultavam-se entre os rochedos s6 com êsse disfarce à mos-
tra, e latiam como as focas; estas se aproxima~, incautas, e 
eram fisgadas. Muitas tribos lançavam ervas narcóticas aos 
rios para tontear os peixes; as de Taiti empregavam uma 
mistura preparada com a planta hora e a castanha huteo; os 
peixes intoxicados boiavam e eram coibidos com facilidade. 
Os nativos da Austrália mergulbavam, respirando por um 
canudo, e iam apanhar os patos pelos pés. Os tarahumaras 
caçavam pássaros por meio de iscas prêsas a fios semi-enter-
rados no chão - os pássaros comiam as iscas e os tarabumaras 
comiam os pássaros. s 
A caça ainda é hoje, para a maioria dos homens, um di-
vertimento, cujo prazer se radica na necessidade de caçar que 
naquele tempo era ·questão de vida ou de morte. Porque a 
caça não era unicamente o meio de procurar alimento e sim, 
também, guerra para a obtenção da segurança e do domínio 
- e guerra tão extensa que ao seu lado tôdas as outras da 
história não passam de coisinhas. Nas florestas de hoje o 
homem ainda luta pela vida, porque, embora quase não haja 
um animal que o ataque, a não ser impelido pelo desespêro 
da fome ou da defesa, o alimento não chega para todos, e às 
vêzes só o bom lutador consegue o que comer. Em nossos 
museus vemos as relíquias da guerra das espécies, em que as 
facas, os tacapes, as espadas, as flechas, os laços, as bolas, 
os mundéus, as armadilbas e os boomerangs permitiram ao 
homem tomar posse da terra, e preparar e transinitir à pos-
teridade ingrata o dom da segurança contra todos os animais 
- menos o próprio homem. Ainda hoje, depois de tôdas 
estas guerras de eliminação, quantas populações diferentes não 
existem na Terra! As vêzes, quando passeamos pelas flores-
tas, somos surpreendidos pela variedade de línguas nelas fa-
ladas, e das milhares de espécies de insetos, répteis, carnívoros 
e aves existentes; sentimos que o homem é um intruso naquele 
palco, e objeto de universal e incessante hostilidade. Algum 
dia, talvez, êsses inumeráveis quadrúpedes, as sinuosas cento-
peias e os microscópicos bacilos acabarão devorando o homem 
10 HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 
e destruindo-lhe tõdas as obras; libertarão assim o planêta 
dnm bípede depredador, dono de misteriosas armas não-na-
turais. 
A caça e a pesca não foram estágios do desenvolvimento 
econômico, sim modos de atividade que iriam sobreviver 
ainda nas mais altas formas das sociedades civilizadas. Base 
da vida no comêço, ainda subsistem em nossos alicerces de 
hoje; atrás da nossa literatura e filosofia, dos nossos rituais 
on da arte, estão os robustos matadores dos saladeiras. A 
diferença é que fazemos as nossas caçadas por rrocuração, já 
que não temos estômago para a honesta e Jea matança em 
campo aberto; mas a memória da caça primitiva entremos-
Ira-se na nossa alegre perseguição ao que é fraco ou fugidio, 
e nos brinquedos das crianças, onde até a palavra game se 
conserva a mesma ( •). A catedral e o capitólio, o museu e 
a sala de concertos, a biblioteca e a universidade são as 
fachadas; o matadouro está nos fundos . 
. · 'viver da caça não era coisa original; se o homem houvesse 
ficado nela, teria sido apenas mais um animal carnívoro. Co-
meçou a ser humano quando, em vista das incertezas da caça, 
entrou a desenvolver a criação. Isto trazia vantagens da mais 
alta importância: a domesticação dos animais, a reprodução 
do gado e o uso do leite. Não sabemos quando e como teve 
início a domesticação - talvez quando os filhotes das prêsas 
mortas foram poupados e trazidos para o acampamento como 
brinquedo das crianças. 6 ~sses animais continuaram a ser 
comidos, mas não imediatamente; eram antes disso usados 
como bêstas de carga, e democràticamente aceitos na socie-
dade do homem; tornavam-se seus companheiros de vida. O 
milagre da reprodução foi controlado, e dum casal de cativos 
saía todo um rebanho. O leite dos animais libertou as mu-
lheres da amamentação muito prolongada, diminuiu a mor-
tandade infantil e forneceu aos grupos um alimento novo e 
de confiança. As llopulações humanas cresceram, a vida se 
tornou mais estável e ordenada - e a dominação do tlmido 
parvenu chamado homem se foi acentuando. 
·, Entrementes, as mulheres faziam a maior descoberta 
econômica de tlldas as épocas - a da produção do solo. 
Enquanto o homem caçava, a mulher perquiria nas imediações 
( • ) Game, em inglês, 6 caça e também brinquedo. 
da cabana em busca de tudo quanto fôsse comestível e pu-
desse ser apanhado com as mãos. Na Austrália estava suben-
tendido que enquanto o macho estivesse na caça a fêmea 
teria de cavar em procura de raizes, colhêr frutas e nozes, 
dt"scobrir mel e juntar as sementes comestíveis.7 Ainda hoje, 
em certas tribos australianas, os grãos que crescem espontâ-
neamente
são colhidos sem nenhuma idéia de multiplicá-los 
pela plantação; os índios do vale do rio Sacramento jamais 
tmnspuseram êsse estágio.• Nós nunca saberemos quando o 
l10mcm primitivo pela primeira vez atentou na função da se, 
mente e se lembrou de plantá-la; êsses começos constituem 
mistérios da história; podemos a respeito induzir, mas nada 
saber. 1l: possível que quando o homem começou a colhêr 
gnios silvestres algumas sementes caldas pelo caminho ger-
minassem e lhe dessem idéias. Os jruzngs lançavam as se-
mentes a granel pelos campos, deixando que elas cuidassem 
de si mesmas. Os nativos de Bornéu punbam-nas em covas 
feitas com paus apontados, enquanto iam caminhando pelos 
campos.9 A mais simples cultura conhecida é essa. Há cin-
qüenta anos passados, em Madagáscar, os viajantes ainda 
podiam ver mulheres enfileiradas como soldados, furando o 
solo com paus pontudos, lançando dentro as sementes, en-
terrando-as e passando a outta fileira.IO O segundo estágio 
da agricultura veio com o aparecimento da enxada: o pau 
pontudo recebeu na extremidade um osso chato. Quando os 
Conquistadores chegaram ao México, os astecas não possuíam 
outro instrumento agrícola. Com a domesticação dos animais 
e a forjadura dos metais, a enxada mudou de substância e 
aumentou de pêso; também se ttansformou em arado, e o 
revolver mais profundamente o solo revelou urna fertilidade 
que iria mudar o mundo. Plantas silvestres foram domesti-
cadas, novas variedades se desenvolveram, velhas variedades 
melhoraram. 
·, Por fim a natureza ensinou ao homem a arte da provisão, 
a virtude da prudência ( •), o conceito do tempo. A obser-
vação nos pica-paus que enceleiram nozes nas árvores e das 
abelhas que acumulam o mel, deu ao homem a idéia de 
guardar alimentos para o dia de amanhã. E descobriu êle 
meios de secar a carne à fumaça, salgá-la ou congelá-la: e 
( •) Note-se a identidade última entre prooiaiio, prooid8nci4 e 
prudlncia. 
12 liJSTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 
melhor ainda, de construir celeiros a prova de chuva e umi-
dade, de insetos e ladrões, e em tais abrigos acumular o que 
pudesse para uso durante as estações de carestia. Lentamente 
verificou que a agricultura tinha elementos para lhe assegurar 
a subsistência de modo mais finDe que a caça. Com a com-
preensão disto den o homem um dos três passos que o leva-
riam da bestialidade à civilização - a fafa, a agricultura e 
a escrita. 
Não podemos conceber que o homem passasse repenti-
namente da caça à agricultura. Mui tas tribos, como as dos 
índios americanos, ficaram-se permanentemente na transição 
- os homens entregues à caça e as mulheres à agricultura. 
Não somente foi gradual a mudança, como também nunca 
chegou a têrmo. O homem simplesmente adicionou ao velho 
modo de obter alimentos um sistema novo, e a história nos 
mostra que êle sempre deu preferência ao modo velho. Po-
demos representar-nos o homem repetindo experiências com 
milhures de produtos para verificar os que poderia comer 
com vantagem; misturando-os mais e mais às frutas e nozes, 
à carne e ao peixe a que estava acostumado, mas sempre com 
muito interêsse na caça. Os povos primitivos _lll'am canina-
mente gulosos de carne, mesmo quando viviam de cereais, 
_vegetais e leite.11 Se conseguiam uma carcaça de animal 
recentemente morto, a ela se atiravam com a fúria antiga. 
Nem perdiam tempo em passá-la pelo fogo; comiam-na crua. 
Tribos inteiras gastavam dias na devoração duma baleia dada 
à costa.tz Os fueguinos podiam cozinhar, mas preferiam a 
carne crua; quando apanhavam um peixe, matavam-no com 
uma dentada na cabeça e o devoravam sem mais cerimônias, li 
A. incerteza do alimento transformou êsses homens em onívo-
ros; comiam de tudo - moluscos, rãs, sapos, cobras, caramu-
jos, ratos, aranhas, minhocas, cavalos, cães, centopeias, gafa-
nhotos, raizes, piolhos, insetos, ovos de répteis e aves; tudo 
era regalo para o homem primitivo.14 Algumas tribos deli· 
ciavam-se com formigas; outras secavam insetos ao sol e os 
eoceleiravam; outras catavam piolhos e os comiam com regalo; 
e se grande número de piolhos podia ser juntado de modo 
que desse para uma pente mannite, devoravam-nos com as 
maiores demonstrações de prazer, como inimigos da raça 
humana.IS O menu de certas tribos dificilmente se difereo· 
ciava do dos grandes macacos.t6 
•:LEMEN'IOS ECONÔMICOS DA CIVILJZAÇÃO 13 
A descoberta do fogo veio limitar essa indiscriminada 
voracidade, e cooperou com a agricultura para elevar o homem 
acima do estágio da caça. O cozimento veio tornar assimi-
láveis a celulose e o amido de milhares de plantas não dige-
ríveis em estado natural, e o homem se voltou decididamente 
para os cereais e vegetais. Com o amaciamento pelo fogo 
das durezas do alimento em estado natural, a necessidade da 
mastigação diminuiu- e começou a decadência dos dentes, 
um dos característicos da civilização. 
A todos os variados artigos de bôca que enumeramos, o 
homem adicionou o mais apreciado de todos - a carne do 
próprio homem. O canibalismo foi por muito tempo univer-
salmente praticado; encontramo-lo em quase tôdas as tribos 
primitivas, e mesmo entre povos como os irlandeses e ibéricos, 
os pictas e os dinamarqueses do século XI.J7 Entre muitas 
tribos a carne humana se tomou gênero de comércio,18 não 
havia funerais. No Alto Congo, homens, mulheres e crianças 
eram negociados livremente como artigos de alimentação; na 
ilha da Nova Bretanha a carne humana era vendida em casas 
próprias, como nós vendemos nos açougues a dos bois; e nas 
ilhas Salomão engordavam-se vítimas humanas, de preferência 
mulheres, como nós engordamos porcos." Os fueguinos pu-
nham a mulher acima dos cães, porque, diziam êles, os 
-cães têm gôsto de lontra•. No Taiti um velho chefe poli-
nésio explicou a sua dieta a Pierre Loti nestas palavras: -o 
homem branco, bem assado, tem g&to de banana madura•. 
Os fijianos, entretanto, queixavam-se de que a carne dos 
brancos era muito rija e salgada; um marinlieiro europeu era 
duro de roer; muito melhor a carne dos polinésios.20 
/ Qual a origem desta prática? Não podemos assegurar 
que o costume viesse, como já se aventou, da escassez de 
outros alimentos; se acaso foi assim, o g&to ficou mesmo 
depois de finda a escassez e a carne humana tornou-se um 
apreciadíssimo regalo.zt Por tôda parte entre os povos na-
turais o sangue é considerado uma déUcatesse; nunca é 
visto com horror; mesmo os vegetarianos primitivos o toma-
vam com prazer. O sangue humano era coostantemente be-
bido por tribos que no mais se revelavam generosas; às vêzes 
como remédio, às vêzes como rito, às vêzes pela convicção 
de que transmitia ao bebedor a fôrça vital da vitima.22 Ne-
nhum horror vinha do preferir a carne humana; não havia 
distinção moral entre comer carne humana e comer a de 
14 HISTÓRIA DA CIVJLIZA.ÇÃO 
qualquer outro ser vivo. Na MeL·mésia o chefe que banque-
teava seus amigos com carne humana elevava-se no conceito 
público. "Quando eu mato um inimigo", explicou um filosó-
fico chefe de tribo do Brasil, "acho melhor comê-lo do que 
deitá-lo fora.· •. . . O pior não é ser comido, é morrer; e se 
eu fôr morto, pouco se me dá que meus inimigos me comam 
ou não. Mas acho que carne de caça nenhuma vale a do 
homem. . . Vocês brancos são na realidade muito sabo-
rosos".23 
Não há dúvida que êsse costume tinha certas vantagens 
sociais. Antecipava o plano de Swift para a utilização das 
crianças supérfluas e dava aos velhos o ensejo de morrerem 
com utilidade. O enterramento é uma extravagância deme-
cessária.> Para Montaigne parecia mais bárbaro torturar um 
homem até à morte, como de costume em seu tempo, do que 
assá-lo e comê-lo depois de morto. Temos de respeitar as 
nossas recíprocas ilusões. 
D. AS BASES DA INDÚSTRIA 
O fogo - Instrumentos primitivos - Tecelagem e 
cerdmica - Constnrção e transporte - Comércio e 
finança8
Se o homem começou com a fala e a civilização com a 
agricultura, a indústria teve início com o fogo. Não se trata 
de invenção humana; provàvelmente a natureza produziu a 
maravilha diante dos olhos do homem pela fricção de dois 
galhos secos, ou pelo raio, ou por alguma ocasional reação 
qufmica; o homem limitou-se a conservar o fogo e a imitar 
a natureza. E deu-lhe mil empregos. O primeiro, talvez, foi 
a tocha com que dominou o seu mais terrivel inimigo - o 
escuro; usou-o depois para aquecer-se; pôde assim passar-se 
dos trópicos para zonas menos enervantes e lentamente con· 
quistar o planêta. Aplicou-o aos metais, para amolecê-los, 
temperá-los e confeiçoá-los em formas diferentes das em que 
os obtinha no estado natural. Tão benéfico e estranho se 
apresentava ao homem primitivo, que êle naturalmente o 
adorou como deus; cultuava-o com inúmeras cerimônias de 
devoção e fazia dêle o centro ou o fOCUIJ (que é a palavra 
latina para fogão, lareira) da vida no lar; levava-o cuidado-
ELEMEI'o'TOS ECONÔMICOS DA CIVILIZAÇÃO 15 
samentc consigo nas mudanças dum ponto para outro, atento 
a que não se apagasse nunca. Mesmo os romanos puniam 
com a morte a descuidosa vestal que deixava extinguir-se o 
fogo sagrado. 
Entrementes, ainda no estágio da caça. da criação e da 
agricultura primevas, o espirito de invenção se ia apurando, 
e o cérebro do homem esforçava-se por encontrar respostas 
mecânicas aos enigmas econômicos da vida. No comêço con-
tentou-se o homem em aceitar o que a natureza lhe oferecia 
- os frutos e mais alimentos da terra, a pele dos animais 
para o vestuário, as cavernas das montanhas para abrigo. 
' Depois, te1lvez (porque a maior parte da história é suposição 
e o resto é preconceito), o homem imitou os instrumentos e 
a indústria dos animais: viu o macaco lançar pedras e frutas 
contra os inimigos,. ou abrir ostras e nozes com uma pedra; 
viu o castor construir diques, o pássaro fazer ninhos, os chim-
panzés erguerem abrigos muito semelhantes a cabanas; e 
pôs-se ao trabalho para afeiçoar instrumentos e armas que 
rivalizassem os que via. O homem, disse Franklin, é um 
animal que usa instrumentos;24 mas isso, como também as 
outras distinções da animalidade que apresentamos, não passa 
de mera questão de grau. 
Muitos instrumentos se revelavam em estado potencial 
nas plantas que rodeavam o homem primitivo. Do bambu 
tirou êle dardos, facas e vasilhas; dos galhos de ãrvores fêz 
tenazes, pinças e tornos; da casca e das fibras teceu cordas 
e panos de inúmeras variedades. E acima de tudo fêz o 
bordão. Foi um invento modesto, mas de uso tão variado 
que o homem sempre o olhou como o símbolo da autoridade; 
era a varinha mágica das fadas, o ·cajado do pastor, a vara 
de Moisés e Aarão, a bengala de marfim do cônsul romano, 
o litutu dos ãugures, a maça dos magistrados, o cetro dos 
reis. Na agricultura o bordão se tornou a enxada; na guerra, 
a lança, o dardo, a seta, a espada, a baioneta.25 De novo 
recorreu o homem ao mundo mineral e confeiçoou a pedra 
numa variedade de armas e instrumentos: martelos, bigornas, 
panelas, raspadores, pontas de flechas, serras, cunhas, alavan-
cas, machados e brocas. Do mundo animal tirou colheres, 
vasos e vasilhas, pratos, taças, navalhas e anzóis - utilizando-
se de conchas da praia, de marfim ou chifre, de dentes e 
ossos; também utilizou-se da pele e do pêlo dos animais. 
Muitos dêsses artigos tinham cabos de pau, amarrados de 
16 HISTÓIIIA. DA CIVJLIZAÇÃO 
maneiras curiosas, com embiras ou tendõe~; ocasionalmente 
eram colados com estranhas misturas de sangue. A engenho-
sidade dos homens primitivos provàvelmente igualou - talvez 
mesmo excedesse - à da média do homem moderno; dêles 
nós diferimos apenas pelo acúmulo de conhecimentos, ma-
teriais e utensílios, não pela superioridade do cérebro. Na 
realidade o homem natural dominava as situações com muito 
espírito inventiva. Era um jôgo dileto aos esquimaus irem 
para um êrmo e fazerem apostas sôbre qual dava melhor 
solução aos problemas surgidos.26 
A habilidade primeva revelou-se muito inventiva na arte 
de tecer - e também aqui os outros animais e as plantas 
forneceram aos homens indicações. A teia da aranha, o ninho 
dos pássaros, o envoltório de fibras recruzadas dos coqueiros 
davam tão bons exemplos, que o provável é ter sido a arte 
de tecer uma das primeiras âcsenvolvidas pelo homem. Em-
biras de certas árvores, fôlhas e fibras eram trançadas para 
roupas e tapêtes, e às vêzes com perfeição inigualada pela 
tecelagem mecânica. As mulheres das ilhas Alentas levavam 
um ano para tecer um vestido. Os cobertores e mais peças 
feitas pelos indios americanos eram ricamente ornamentados 
de franjas, bordados a fios de cabelo, e tintos com a bela 
côr das amoras; "tons tão vivos", diz o padre Teoduto, •que 
distanciam os nossos."27 De novo a arte começava onde a 
n_!!tJreza acabava; ossos de pássaros e peixes e fibras de 
bambu eram transformados em agulhas; e os tendões dos 
animais se afilavam de modo a passar pelo buraco das nossas 
mais finas agulhas de hoje. Certas cascas eram macetadas 
para colchões e roupas, peles eram secadas para calçados e 
peças de vestuário, fibras eram tecidas em resistentes filaças, 
e lascas vegetais ou vimes eram trançados em cêstos de tôdas 
as formas, algumas mais belas que as de hoje.za 
Lado a lado à arte do cêsto, surge a arte da cedmica. 
A argila aplicada sôbre o vime para defendê-lo contra o fogo 
endurecia numa casca, mantendo a forma do cêsto mesmo 
depois de desaparecido o vime;29 deve ter &ido êste o pri-
meiro e~1ágio do desenvolvimento que iria culminar nas admi-
ráveis porcelanas da China. Ou talvez algumas placas de 
argila sêcas ao sol sugerissem a arte da cerâmica; teria sido 
o primeiro passo; o segundo foi substituir o sol pelo fogo. 
E surgiu a fabricação de vasos de mil formas, para fins uti-
litários e por fim para ornamento. Desenhos feitos com os 
F.I.I:MESTOS ECOXÔMICOS DA CVILIZAÇÃO 17 
dedos, as unhas ou qualquer corpo duro sôbre a argila mole 
foram as primeiras formas de arte - e talvez os primeiros 
vagidos da escrita. 
Com a argila sêca ao sol as tribos primitivas fizeram 
adàhcs e telhas. Isto sobreveio em estágios posteriores; mas 
foi da cabana de barro do "selvagem» que salram, através de 
rememorados desenvolvimentos, as belas telhas e ladrilhos da 
Babilônia e de Nlnive. Alguns . povos primitivos, como os 
n•das do Ceilão, não tinham moradia de espécie alguma, 
contentavam-se com a terra e o céu; outros, como os da 
Tasmânia, dormiam em ocos de árvores; outros, como os da 
Nova Gales, viviam em cavernas; outros, como os boximanes, 
construíam abrigos de ramos que os livrassem dos ventos, ou 
mais raramente, fincavam paus e os recobriam de galhaça e 
musgos. De tais abrigos contra o vento, quando foram adi-
cionadas as paredes, surgiu a cabana, que encontramos em 
todos os estágios entre os nativos da Austrália, desde a de 
galhos e barro para só três pessoas, até as grandes, para 
trinta pessoas e mais. O caçador nômade ou o criador de 
rebanhos preferia a tenda, removível de um ponto para outro. 
Povos mais adiantados, como os índios americanos. construíam 
com madeira; os iroqueses, por exemplo, erguiam com paus 
roliços construções de .200 metros de comprimento, para 
abrigo de numerosas famflias. Temos finalmente os nativos 
ela Oceânia, que levantavam casas de tábuas - e assim se 
completa a evolução da casa de madeira,3o 
.·· 'Onicamente três passos tinham os primitivos de dar para 
a criação dos fundamentos essenciais à civilização: os meca-
nismos de transporte, os processos comerciais e um meio para 
a troca dos produtos. O carregador que transporta ao ombro 
as caixas trazidas por um avião mostra o primeiro estágio do 
transporte na presença do mais moderno. No comêço, sem 
dúvida nenhuma, era o homem a sua própria bêsta de carga
- exceto quando casado; e ainda hoje na maior parte da 
Ásia o homem é o carro e o animal. Mas o homem inventou 
a corda, as alavancas e as rodas; domesticou os animais e 
pôs-lhes cargas ao lombo; construiu o primeiro trenó depois 
de haver feito os animais arrastarem pelo campo galhos de 
árvores com bagagem em cima; o trenó apenas se arrastava, 
mas se sob êle se pusessem roletes, deslizaria com mais faci-
lidade - e daí surgiram as rodas e o carro. Lançou troncos 
à água, uniu-os, fêz a jangada; cavando os troncos, fêz canoas 
18 HISTÓRIA DA ClVILIZAÇÃO 
- e os rios se tornaram estradas móveis. O andar a pé pela 
terra fêz nascer a trilha, e da trilha saiu a estrada. O homem 
estudou as estrelas e passou a guiar as caravanas no deserto. 
e através das montanhas, por meio das luzes do céu. E 
remou e navegou de ilha para ilha, e por fim devassou os 
mares, espalhando a sua modesta cultura por todos os con-
tinentes. Os principais problemas já estavam resolvidos 
quando a escrita entrou em cena. 
Desde que a habilidade dos homens e os recursos natu-
rais estavam diversa e desigualmente distribuídos, um povo 
podia, com a aplicação da destreza manual e o uso dos ma-
teriais que tinha à mão, produzir certas coisas melhor e mais 
fàcilmente que os vizinhos. Dêsses artigos obtinha mais que 
o necessário ao consumo local e oferecia o excesso aos vizi-
nhos em troca de produtos que também a êstes sobravam -
e aqui está a origem do comércio. Os índios chibchas da 
Colômbia exportavam o sal abundante em seus territórios e 
recebiam em troca os cereais não produzidos ali. Certas 
aldeias de índios americanos devotavam-se quase que exclusi-
vamente à fabricação de pontas de flecha; outras, da Nova 
Guiné, ao fabrico ·de vasos de barro; outras, da Africa, à 
indústria do ferreiro, ou à construção de botes e lanças. 
Algumas tribos especializadas recebiam o nome de suas in-
dústrias ( Smith, Fisher, Potter ... ) ( •) e êsses nomes pas-
saram a certas famllias.31 O intercâmbio dos excessos foi no 
comêço uma troca de presentes; mesmo na calculista época 
atual um presente qualquer (nem que seja um almôço ou um 
drink) precede a qualquer transação. A troca era facilitada 
pela guerra, pelo roubo, pelos tributos, pelas multas ou pela 
compensação: os artigos tinham de manter-se em movimento! 
Aos poucos um ordenado sistema de trocas emergiu, e postos 
de traficância, mercados e bazares, foram aparecendo - pri-
meiro, ocasional e periodicamente; depois, fixos e permanentes 
- onde os que possuíam artigos em excesso trocavam pelos 
de que tinham necessidade. 32 
Por longo tempo o comércio não passou dessa simples 
troca, e séculos decorreram antes que um meio circulante, 
representativo do valor, fôsse inventado. Um dyak rondava 
durante dias o bazar, com uma bola de cêra na mão, à espera 
(") Ferreiro, Pescador, Oleiro ... 
ELEMEII;TQS ECONÔMICOS DA CIVILIZAÇÃO 19 
de que aparecesse alguém que lhe oferecesse em troca qual-
quer coisa de que êle necessitasse. JJ Os primeiros instru-
mentos de troca foram os artigos de procura mais geral, que 
todos aceitavam em pagamento: tâmaras, sal, peles, couro, 
ornamentos, instrumentos, armas; em tal tráfico duas facas 
valeriam um par de meias, os três valeriam um lençol, o~ 
quatro valeriam uma espingarda, os cinco valeriam um ca-
valo; dois dentes de alce valeriam um cavalo e oito cavalos, 
uma mulher.J4 Tudo foi empregado como dinheiro, por 
algum povo, em certo tempo: feijão, anzóis, conchas, pérolas, 
contas, sementes de cacau, chá, pimenta e por último car-
neiros, porcos, vacas e escravos. O gado constitula um bom 
padrão de valor e como meio de troca entre os caçadores 
e criadores; dava renda com a procriação e movia-se com 
os próprios pés. Mesmo no tempo de Homero homens c 
coisas eram apreçados em relação ao gado: a armadura de 
Diomedes valia nove cabeças, um bom escravo valia quatro. 
Os romanos usavam as palavras pecus e pecunia para desig-
narem gado e moeda, e nos cunhos mais antigos figurava 
um boi. As palavras inglêsas capital, chattel e catle ligam-se, 
através do francês, ao fatim capital, significativo de proprie-
dade: e por sua vez esta palavra vem de caput, cabeça -
isto é, gado. Quando começou a mineração, lentamente os 
metais substituíram os velhos padrões, pelo fato de sob pe-
quena massa representarem muito valor - e a prata e o ouro 
tomaram-se a moeda da humanidade. Essa mudança não 
cabe aos primitivos: sobreveio já no decurso das civllizações 
históricas, e, grandemente facilitando a troca dos excessos, 
veio aumentar a riqueza e o confôrto dos homens.35 
IU. ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA 
Comunismo primitivo - Causas do seu desapareci-
mento - Origens da propriedade privada - Escra-
vidão - Classes · . 
O comércio foi o grande perturbador do mundo primi-
tivo, porque até que êle sobreviesse, trazendo consigo a 
moeda e o lucro, não havia propriedade e, portanto, muito 
pouco do que chamamos govêmo. Nos mais antigos estágios 
do desenvolvimento econômico a propriedade era limitada, 
20 HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 
na maior parte, às coisas de uso pessoal; o senso de pro-
priedade mostrava-se tão forte em relação a essas coisas que 
freqüentemente eram elas (inclusive as espôsas) enterradas 
com o possuidor; já nas coisas do uso não pessoal êsse senso 
revelava-se fraco; teve de ser inculcado e constantemente 
fortalecido - não era inato. 
Por tôda parte, entre os povos primitivos, a posse da 
terra cabia à comunidade. Os índios norte-americanos, os 
nativos do Peru, as tribos do Chittagong, na lndia, e as de 
Bornéu parecem ter cultivado o solo em comum, repartindo 
depois as colheitas. "As terras", diziam os índios ~e Omaha, 
"são como a água e o vento, que não podem ser vendidos". 
Na Samoa a idéia de vender o solo era desconhecida antes 
do advento do homem branco. O professor Rivers encontrou 
o comunismo territorial na Melanésia e na Polinésia; e no 
interior da Libéria ainda está hoje em vigor,36 
Menos espalhado, o comunismo dos víveres. Era costume 
entre os "selvagens" que o homem que dispusesse de víveres 
os partilhasse com quem não tinha, ou com os viajantes que 
pediam pouso; as comunidades vítimas da sêca eram alimen-
tadas pelas vizinhas,37 Se um homem se sentava no campo 
para comer e avistava outro, chamava-o para a refeição,l& 
Quando Tumer contou a um samoano a tragédia dos pobres 
de Londres, o "selvagem" encheu-se de espanto: "Como isso? 
Sem alimentos? Sem amigos? Sem casa em que morarem? 
Como vivem, então? Não possuem casa os amigos dessa gen-
te?3' Ao indiano faminto basta que peça para receber; por me-
nos comida que haja, tem ela que ser repartida com êle; nin-
guém deve sentir falta de comida enquanto houver trigo em 
alguma parte da cidade".40 Entre os hotentotes era costume 
repartirem-se os víveres de modo que todos ficassem com 
partes iguais. Os viajantes brancos que penetravam na Africa 
antes do advento da civilização, notaram que quando uma dá-
diva de víveres ou outras coisas valiosas era feita a um "ho-
mem negro", imediatamente sobrevinha a divisão; de modo que 
se o presente consistia num vestuário completo, lá ia o chapéu 
para um, as calças para outro, a camisa para terceiro. O 
caçador esquimau não tinha direitos exclusivos sôbre os ani-
mais apanliados; dividia-os entre os habitantes do vüarejo; 
e os instrumentos e as provisões formavam propriedade co-
mum. Os índios norte-americanos foram descritos pelo ca"Pitão 
Carver como "estranhos a tOdas as distinções da propriedade, 
ELEMENTOS ECONÔMICOS DA CIVILIZAÇÃO 21 
exceto quanto aos objetos de uso pessoal. Eram extrema-
mente liberais uns com os outros, e supriam as deficiências 
dos amigos com o que detinham em excesso". "Parece-me 
estranho", diz um missionário, "'vê-los se tratarem entre si 
com doçura e consideração que não existem no povo comum 
das mais civilizadas
nações. Isto, sem dúvida, decorre do 
fato de serem ignoradas dêstes selvagens as palavras "meu" 
e "teu", que segundo S. Cristóvão extinguem em nossos co-
rações o fogo da caridade e acendem o da cobiça". "Eu os 
observei", diz outro comentador, "dividindo a caça entre si, 
e não me recordo de nenhuma disputa ou queixa na repar-
tição. Preferiam dormir de estômagos vazios a deixar de 
satisfazer um necessitado. . . Tratavam-se entre si como uma 
grande família".41 
Por que, à medida que os homens foram entrando no 
que chamamos civilização, êste primitivo comunismo desapa-
receu? Sumner supõe que o comunismo se revelou antibio-
lógico, um embaraço na luta pela existência, proporcionador 
de pouco estímulo à inventiva, à indústria, à poupança; e 
que o fato de não dar mais ao mais hábil, e de não castigar 
o menos hábil, trazia um nivelamento de capacidade, o que 
é hostil ao desenvolvimento dos grupos, ou os prejudica na 
competição com outros. 42 Loskiel encontrou algumas tribos 
de índios do norte "tão indolentes que nada plantavam por si 
mesmos, viviam à custa dos que nada lhes recusavam. Desde 
que os industriosos não gozam dos frutos do seu trabalho e 
ficam equiparados aos não-industriosos, a tendência é para 
plantar cada ano menos". 43 Para Darwin a perfeita igual-
dade entre os fueguinos impediu-os de se civilizarem;44 ou, 
como poderiam dizer os fueguinos, a civilização seria fatal à 
sua igualdade. O comunismo trazia uma certa segurança a 
todos os sobreviventes às doenças e acidentes da pobreza o 
ignorância da primitiva sociedade; mas não os arrancava à 
pobreza. O individualismo trouxe a riqueza, mas trouxe tam-
bem a insegurança e a escravidão; estimulou as fôrças laten-
tes do homem superior, mas intensüicou a luta JICla vida e 
fêz o homem sentir amargamente uma pobreza que, sob o 
regime do comunismo, todos compartilhavam sem se sentirem 
opressos. ( •) 
o o o ( 0 ) Uma das razões de aparecer o comunismo no comêço das 
Cl\'ilizaç6es talvez seja o fato de que êie floresce mais vivamente nos 
3- I.•- Tomo 1 
22 IIISTÓIUA DA CIVILIZAÇÃO 
O comunismo podia sobreviver mais fàcilmente nas socie-
dades em que o homem estava sempre em movimento e os 
perigos eram mais constantes. Caçadores e cuidadores de 
rebanhos não sentiam necessidade da propriedade em terras; 
mas quando a agricultura sobreveio, o homem verificou que 
o solo era melhormente cuidado e produzia mais, sempre que 
o produto revertia para o lavrador e os seus. Conseqüente-
mente, a passagem do regime da caça para o da agricultura 
trouxe uma mudança da propriedade - que passou da tribo 
para a família. 
Quando a família vai mais e mais tomando a forma pa-
triarcal, com a autoridade centrada no homem mais velho, 
tempos de carestia, quando o perigo comum da fome funde o inclhicluo 
no grupo. Se a abunclància sobreVém e o perigo passa, a coesão social 
afrouxa e cresce o individualismo; o comunismo acaba onde o lum 
começa. A proporção que a sociedade se toma mais compleza e a 
divisão do trabalho diferencia os homens em diversas ocup&Çiies e trá-
ficos, toma-se cada vez menos prm·ável que todos êsses serviços p<>s· 
sam ser igualmente valiosos para o grupo; inevitàvelmente aquêles 
cuja maior habilidade os habilita a realizar as funções mais impor-
tantes tomam mais que a sua parte na crescente riqueza do grupo. 
·Cada civilização em crescimento é um palco ~.!!lulijpli_gçiA._!la$ desi-
gualdacles; as naturais diferenças do indivídoo se unem às diferenças 
de oJ)Ortuniclacle para criar diferenças artificiais de poder e riqueza; 
_e onéle nem as leis nem os déspotas suprimem estas clesigualclacles 
artificiais elas se acentuam até éhegarem ao ponto de ezplosão, ""' 
que o pobre, nada tendo a perder com a viol~cia, prom<We o caos 
da revolução - e o comunismo de novo niv~la os homens na pobreza. 
Por isso o sonho do comunismo subsiste em tôdas as moclemas oo-
ciedades a>m'L uma __ recordaçio racial _ele Vida -mã;S -simples -e Diais 
igualitúia;_ e .. onde_ a desigualdade __ o~...!._ insegurança~~ aos 
6lltremOS, os_. homens aceitam o retamo a uma condiçlo ji conhecida 
no passado - lembrando-se da igualdade que n~ __ reinava, J!.UlS 
esquecidos da pobreza que a afligia, PeriOdicamente as terras. fo-
ram redistribuidas, IegahDente oa não. ora pelos Gracos em Roma, 
ora pelos jacobinos na França, ora pelos comunistas na Rúsoia; periO-
dicamente a riqueza tem sido redistribulcla, ora pelo confisco violento, 
ora pela a~~r&vação das taxas s&bre a renda e as heranças. E entiio 
a corrida para a riqueza começa de novo; e vence o mais hibil. Sob 
qualqut'f lei a que esteja submetido, o mais hábil acaba se apossando 
elo melhor solo, elo melhor ponto - fica com a parte do leio; .. 
breve se sente com a f6rça necessúia para dominar o estado e refa•.er 
ou Interpretar a seu modo as leis; e a desigualdade retoma ainda 
mais forte que antes. Sob êste Bll""'!o tada a hist6ria econ&nira 
não 1)8SSB do lento pulsar do coraçlo do Ofl!anismo social, nma vastn 
slstole e diistole da natuml concentração da riqueza '! cln natural 
revolução explosiva. 
ELEMENTOS ECONÔMICOS DA CIVILIZAÇÃO 2.'3 
a propriedade individualiza-se. Freqüentemente um homem 
de espírito empreendedor deixa o remanso da família e aven-
tura-se para além das fronteiras tradicionais, e com o rijo 
trabalho conquista solo às florestas, ou aos pântanos; tais 
terras êle as guarda ciosamente para si, e por fim a sociedade 
reconhece os seus direitos - e outra forma de propriedade 
começa. 45 Com o aumento da população e o cansaço do 
solo muito usado, êsse processo de conquista de terras novas 
cresce, até que nas sociedades mais complexas a propriedade 
individual vem para a ordem do dia. A invenção da moeda 
cooperou com êstes fatôres para facilitar o acúmulo, o trans-
porte e a transmissão da propriedade. Os velhos direitos tribais 
se reafirmam na propriedade técnica do solo pela comuni-
dade ou pelo rei, e em periódicas redistribuições de terras; 
mas depois dum período de oscilação entre o velho e o novo, 
a propriedade privada estabelece-se definitivamente como a 
base econômica e histórica da sociedade. 
A agricultura, enquanto gera a civilização, conduz não 
só à propriedade privada como à escravidão. Nas comuni-
dades caçadoras a escravidão era desconhecida; as mulheres 
e os filhos dos caçadores bastavam para a realização do 
trabalho manual. Depois das excitações da caça ou da guerra, 
os homens caíam no lazer da paz. A característica indolência 
dos primitivos tinha suas fontes, presumivelmente, nesse há-
bito de longos descansos entre duas caçadas ou duas ~tUerras. 
Para transformar a atividade espasmódica em trabalho re-
gular, duas coisas se faziam necessárias: a rotina da lavoura 
e a organização do trabalho. 
Essa organização se conserva frouxa sempre que o ho-
mem trabalha para si mesmo; onde trabalha para outrem, a 
organização depende, em última análise, da fôrça. O surto 
da agricultura e a desigualdade dos homens levam ao emprê-
go dos socialmente fracos pelos socialmente fortes; o caniba-
lismo diminui, a escravidão avança.46 Foi um grande me-
lhoramento moral que o homem deixasse de matar e comer 
o seu semelhante, e apenas o reduzisse à escravidão. Similar 
desenvolvimento, e em mais larga escala, pode ser visto hoje, 
quando uma nação vitoriosa na guerra não extermina os ini-
migos, mas exige o pagamento de grandes indenizações -
escraviza-os, portanto. Logo que a escravidão se estabeleceu 
e provou ser lucrativa, foi estendida aos condenados da jus-
tiça e aos devedores insolventes: também começaram os as-
24 IIISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 
saltos sistemáticos, prepostos à captura de escravos. A guerra 
ajudou a criar a escravidão e a escravidão ajudou a obra 
da guerra. 
Foi provàvelmente através de séculos de escravidão que 
a nossa raça adquiriu suas tradições e hábitos de
trabalho. 
Ninguém realizaria um trabalho duro e contínuo senão pelo 
temor de castigos físicos, econômicos e sociais. A escravidão 
fêz parte da disciplina por meio da qual o homem se prepa-
rou para a indústria. Indiretamente, portanto, o escravo tra-
balhou para a civilização - aumentando as riquezas e criando 
para as minorias o lazer; Aristóteles achava a escravidão na-
tural e inevitável, e S. Paulo deu a bênção ao que parecia em 
seu tempo uma instituição divina. 
Gradualmente, por meio da agricultura e da escravidão, 
da divisão do trabalho e da inerente diversidade dos homens, 
a comparativa igualdade da sociedade natural foi substituída 
pela desigualdade e pelas divisões de classes. "Nos grupos 
primitivos em regra não encontramos nenhuma distinção en-
tre o chefe e os seus seguidores".47 Lentamente a complexi-
dade cada vez maior dos instrumentos e das atividades sub-
meteu os mais fracos e inábeis aos mais hábeis e fortes; 
cada invenção constituiu urna nova arma nas mãos do forte, 
que lhe aumentava o poder de dominação sôbre o mais fraco. 
O regime da herança fortaleceu-se e estratificou as sociedades 
outrora homogêneas numa série de classes e castas. Ricos e 
pobres tomaram-se mais cônscios da respectiva riqueza e po-
breza; a guerra de classe começou a fluir como um fio ver-
melho através da história; e o estado ergueu-se como o indis-
pensável instrumento para a regularização do jôgo das clas-
ses, para a proteção da propriedade, para a condução da 
guerra e a organização da paz. 
CAPITULO 111 
OS ELEMENTOS POLlTICOS DA CIVILIZAÇÃO 
I. ORIGENS DO GOVÊRNO 
O instinto insocial - Anarquismo primitivo - O clã 
eatribo-Oreí-Aguemz 
Só involuntàriamente é o homem um animal político. O 
macho humano associa-se a seus companheiros menos pelo 
desejo do que pelo hábito, pela imitação ou fôrça das cir-
cunstâncias. Associa-se porque o isolamento o põe em perigo 
e porque muitas coisas há que só podem ser feitas de co-
operação; mas no fundo é um animal solitário que heroi-
camente se retesa contra o mundo. Se o homem médio hou-
vesse predominado, nunca teríamos a formação do estado. 
Ainda hoje êle se ressente dessa instituição e anseia pelo 
"estado que governe menosw. Se pede novas leis, é porque 
está seguro de que o seu vizinho delas necessita; a sós con-
sigo é um anarquista pouco filosófico, e acha que no seu 
caso pessoal as leis são desnecessárias. 
': Nas sociedades mais simples havia um mlnimo de govêr-
no. Os primitivos caçadores só aceitavam regras quando 
reunidos em bando para a ação conjunta. Os boximanes 
vivem divididos em famllias solitárias; os pigmeus da Africa 
e os nativos da Austrália só temporàriamente admitem a orga-
nização politica e dela refogem para o isolamento familial; 
os tasmaoianos não tinham chefes, nem leis, nem govêmo 
regular; os vedas do Ceilão formavam pequenos grupos de 
26 IIISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 
acordo com as relações de familia, mas sem govêrno; os kubus 
da Sumatra "vivem sem autoridades", cada família governan-
do-se a si mesma; os fueguinos raro se reúnem em número 
maior que doze; os tungus associam-se em grupos de dez 
tendas, mais ou menos; a "horda" australiana raro excede de 
sessenta almas.1 Em tais casos a associação e a cooperação 
se realizam com propósitos especiais, como uma caçada; não 
se tornam permanentes . 
.A mais primitiva forma de organização social continua foi 
o clã - um grupo de famllias aparentadas, vivendo num mes-
mo trato de terra. com o mesmo totem, os mesmos costumes, 
as mesmas leis. Quando certo n{•mero de clãs se reuniu sob 
um chefe, formou-se a tribo - o segundo passo para o estado. 
Mas o desenvolvimento foi demorado; muitos grupos não ti-
nham chefes,2 e outros só os toleravam em tempo de gt•erraJ 
Em vez de ser a democracia um distintivo da nossa época, · 
aparece sob a melhor forma nos vários grupos primitivos 
em que o govêrno não passa do conselho dos pais de familia 
do clã e nenhuma autoridade arbitrária é permitida.4 Os 
índios iro9ueses e do Dclaware não reconheciam leis ou res-
trições alem das decorrentes do clã; seus chefes dispunham 
de poder bem limitado, e que ainda podia ser cassado pelos 
mais velhos da tribo. Os índios do Omaha eram governados 
pelo Conselho dos Sete, o qual só emitia ordens em caso de 
acôrdo completo; temos ainda a famosa Liga dos Iroqueses, 
reunião de muitas tribos com o fito de manter a paz - como 
os estados modernos se ajuntaram na Liga das Nações . 
. · ll: a guerra que faz os chefes, o rei e o estado, como é o 
estado que faz a guerra. Na Samoa o chefe dispõe de poder 
durante a guerra, mas na paz ninguém lhe dá atenção. Os 
cluak.Y não tinham outro govêrno além do que cada chefe de 
família exercitava sôbre esta; em caso de luta escolhiam o 
melhor guerreiro para chefiá-los e obedeciam-lhe estritamente; 
cessado o conflito, destitulam-no das funções.5 Nos intervalos 
de paz, era no sacerdote, ou no mágico, que residia a in-
fluência e a autoridade; e quando, afinal, uma realeza perma-
nente se desenvolveu como o sistema de govêrno da maioria 
das tribos, essa realeza se formou dum conjunto composto pelo 
guerreiro, o pai da famllia e o sacerdote. A sociedade gover-
nava-se por meio de duas fôrças: a palavra, na paz e a espada, 
nas crises. A espada entra em cena quando a palavra perde 
I'LJo:MilNTOS POLÍTICOS DA CIVILIZAÇÃO 2:[ 
a fôrça. Lei e mitos têm andado de mãos dadas através 
<los séculos, cooperando ou revezando-se na direção da huma-
nidade; até hoje nenhum estado ousou separar-se do mito. 
Como a guerra conduziu o homem ao estado? O homem 
não é naturalmente inclinado à guerra. Alguns povos dos 
primeiros degraus da escada são completamente pacíficos; os 
esquimaus não podem compreender porque os europeus da 
mesma fé religiosa - e fé pacífica - caçam-se uns aos outros 
e roubam-se mutuamente as terras. ·Que bom sejas assim", 
dizem êlcs para o solo, "que bom sejas coberto de gêlo e 
ucve, e que em tuas rochas não haja o ouro e a prata de que 
os cristãos se revelam tão ardentemente cobiçosos! Tua este-
rilidade faz a nossa felicidade e impede que êles nos moles-
tem".6 Não obstante, a vida primitiva era atormentada pela 
intermitência da guerra. As tribos_ caçadoras disputavam os 
melhores campos de caça, as tribos pastôras __ cli~Y.-~v_am novas __ 
pastagens, os agricultores disputavam as terras novas; e todos, 
a espaços, lutavam para v_il}gar_~m crime, 011_ ~endurecer 
e disciplinar os moços, ou para_ i_!lt«<rromper a monotonia da 
vida, ou para saquear e raptar- e só raramente por motivo 
de religião. Havia instituições e costumes prepostos à limi-
tação na chacina, como os há entre nós; havia certas horas, 
dias, semanas ou meses durante os quais nenhum selvagem 
podia matar; certos funcionários eram invioláveis, certas es-
tradas eram neutras, certos mercados e asilos eram postos de 
lado para a paz; e a Liga dos Iroqueses manteve a "Grande 
Paz" durante três séculos.7 Mas pela maior parte era a 
guerra o instrumento favorito da seleção natural entre os 
primitivos grupos humanos. 
·. Suas conseqüênciás foram sem fim. Agill __ ~O_I111L!!!t­
piedoso eliminaailr dos povos fracos e levanti>U_ o !lly~l. da 
raça, dand~-lhe coragl!!!! •. l?l"ue!~dl!,_yi_!>Iên_ci!!..in~!Mnciª- -~ 
habilidade. _Estimulou a invenção, criou armas, que depois 
se tornaram instrumentos úteis, e as art(lS __ da gu~ __ que 
depois _se. tornai-ain artes da pa:i. · · (Quantas_ estr:1~ _CI_e_ ferro 
de hoje não _foram éonstru14as __ <;()ID fin_s_~~~atégiC!!~. __ isto é, 
_dl! guc~a! L E acima de tudo, __ !__gu~ll di~Q!via _Q_EOmu-
nismo e o anarquismo, introduzia a organiza~o I! _a disciplina, 
det~ina.-:a _a escraviziç~- dos"'prisioneiros, a ~bordina~ão 
~as classes e o crescimento do govêrno. A pr~~~~~~~e.__f()• a 
'!lâe~l!á gtierra ~oi o pai_dó l_lStadl!. · ·· ---- .. 
28 IIISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO

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