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TRATADO DE DIREITO PRIVADO TOMO56

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO
PARTE ESPECIAL
TOMO LVI
Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral.
Disposições testamentárias em geral. Herança e legados.
TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS
TÍTULO III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
CAPÍTULO 1
HISTORICIDADE DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA
§ 5.646.Figuras jurídicas do passado. 1. Surgimento da sucessão testamentária. 2. Performas do testamento 
§ 5.647.Aparição do testamento. 1. Figura jurídica típica. 2. Correspondências sincrônicas. 3. Direito português § 5.648.Sucessão testamentária e saisina. 1. Equiparação perfeita completa quanto à saisina. 2. Direito alemão. 3. Direito suíço. 4. Código Civil austríaco. 5. Dois princípios. 6. Concepções. 8. Conseqüências dos princípios § 5.649.Influência e luta de dois princípios. 1. Adição da herança aquisição automática. 2. Posse, sua regra jurídica sobre sucessão hereditária. 3. Tentativas de explicações ....
§ 5.650.Precisões a respeito da posse. 1. Posse no sentido próprio posse dos herdeiros. 2. Relevância da distinção. 3. Objetivo da posse. 4. Transmissão da posse 
§ 5.651. Aceitação e renúncia da herança. 1. Sistema estabelecido após a morte. 2. Herança tida por aceita. 3. Transmissão por força da lei. 4. Função da aceitação. 5. Renúncia de herança testamentária. 6. Credores e renúncia da herança. 7.Prazo para deliberação. 8. Renúncia da herança e credores do sucessível. 9. Legitimação ativa. 10. Noção supérflua da fraude. 11. Autorização judicial. 12. Nulidade e anulação da renúncia. 13. Transmissão do direito à manifestação de vontade. 14. Cláusula testamentária a respeito da falta de manifestação de vontade pelo sucessível que morre antes de deliberar. 15. Legitimação passiva. 16. Credores e destino dos bens. 17. Aceitação e credores.... 
§ 5.652. Revogação da aceitação pelo herdeiro. 1. Revogação. 2. Revogabilidade da aceitação. 3. Irrevogabilidade da abstenção e da renúncia. 4. Anulabilidade por defeito de consentimento. 5.Direito patrimonial de ação de nulidade ou de anulação. 6.Defeitos de vontade (anulação ordinária e art. 1590, 1~a parte). 7. Efeitos da nulidade e revogação
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CAPÍTULO II
TESTAMENTO EM GERAL
§ 5.653.Conceito e natureza da testamento. 1. Morte e testamento.2.Definições 
§ 5.654.Direito de testar. 1. Surgimento do direito de testar. 2. Re-nascença do testamento. 3. Origem do testamento § 5.655.Execução testamentária. 1. Dados históricos. 2. Direito de hoje 
§ 5.656.Testamentos no direito luso-brasileiro. 1.inícios. 2. Ordenações Afonsina 
§ 5.657.Bens testáveis. 1. Direito romano. 2. Direito hodierno. 
§ 5.658.Definições e pressupostos de testamento. 1. Deferição.2.Revogabilidade essencial. 3. Sobre a definição do Código Civil. 4. Disposição no todo ou em parte. 4. Direito intertemporal e testamento 
§ 5.659.Fundamento da faculdade de testar. 1. Lei e faculdade detestar. 2. Direito de testar, e não dever. 3. Interpretação do testamento. 4. Conteúdo da função personalíssima detestar. 5. Conseqüências de ser personalíssimo o direito de testar 
§ 5.660.Revogabilidade inderrogável da testamento. 1. Precisões.2.Conceito de revogabilidade. 3. Elementos do passado.4.Direito de hoje 
§ 5.661.Cláusulas derrogatórias no direito contemporâneo. 1. Conteúdo do princípio da revogabilidade. 2. Espécies de cláusulas derrogatórias 
§ 5.662.Porção testável. 1. Limite legal à disposição. 2. Pressupostos e limitações. 3. Exceção ao princípio da inviolabilidade das legítimas 
§ 5.663.Disposições estranhas ao patrimônio. 1. Dados históricos.2.Amplitude do objeto 
§ 5.664.Contratos em testamentos. 1. Posição da questão. 2. Promessa de prestação em testamento 
§ 5.665.Pactos sucessórios e influência nos testamentos. 1. Espécies de pactos sucessórios. 2. Sobrevivência do benefício....
§ 5.666.Testamento para concluir um ou mais sucessíveis “ab intestato”. 1. Exclusão de herdeiros não necessários. 2. Direito-brasileiro 
§ 5.667.Incaducabilidade do testamento. 1. Direito romano. 2. Direito contemporâneo. 3. Direito alemão, direito suíço e direito russo. 4. Direito italiano. 5. Direito português...
CAPÍTULO III
CAPACIDADE DE FAZER TESTAMENTO
§ 5.668.Capacidade de direito o capacidade negocial. 1. Noções sobre capacidade de concluir negócio jurídico. 2. Pessoas físicas e Pessoas jurídicas. 3. Incapazes de testar. 4. Posição jurídica do testador. 5. Beneficiados pelo testamento. 
§ 5.669.Capacidade testamentária ativa. 1. Capacidades testamentárias ativa e passiva. 2. Técnica legislativa a respeito de capacidade
§ 5.670.Menores de dezesseis anos (1). 1. Direito romano e outros sistemas. 2. Direito brasileiro
§ 5.671.Loucos de todo o gênero (II). Exercitabilidade dos direitos e de funções de ordem jurídica. 2. Ônus da prova da loucura. 3. Posição do oficial público no caso de tresvario do testador. 4. Intervalos lúcidos e testamento § 5.672.Imperfeito juízo (III). 1. Conceito de imperfeito juízo.2.Nulidade e anulabilidade. 3. Presunção de juízo perfeito.4.Afirmativas de tabelião e faculdades mentais 
§ 5.673.Surdos mudas que não puderem manifestar a sua vontade(IV). 1. Pressupostos para validade. 2. Considerações“delege ferenda”. 3. Conseqüências da incidência da regra jurídica 
§ 5.674.Ausentes. 1. Testamento de ausente. 2. Solução acertada 
§ 5.675. Pródigos. 1. Posição da questão no direito luso-brasileiro. 2.Direito romano. 3. Problema de técnica legislativa... 
§ 5.676. Silvícolas. 1. Problema de técnica legislativa. 2. Precisões
§ 5.677.Falido e “factio testameisti”. 1Capacidade testamentária ativa. 2. Alienabiliadade
§ 5.678.Evolução técnica da regra de validade intertemporal. 1. Incapacidade superveniente. 2. Direito romano. 3. Direito moderno. 4. Natureza da regra jurídica. 5. Particularidade do Código Civil alemão
CAPÍTULO IV
NEGÓCIO JURÍDICO DO TESTAMENTO, VALIDADE E EFICÁCIA
§ 5.679.Negócio jurídico do testamento. 1. Classificação do fato jurídico do testamento. 2. Validade e invalidade. 3. Maiores de dezesseis anos, incapazes. 4. Anulabilidade 
§ 5.680.Erro nas disposições testamentárias. 1. Conceito de erro e testamento. 2. Restauração da verba testamentária. 3. Erro no testamento 
§ 5.681.Reserva mental. 1. Regra jurídica a respeito de reserva mental. 2. Cláusula em que houve reserva mental e dados sobre ela 
§ 5.682.“Falsa demonstratio”, lapsos e erros de redação. 1. Falsa demonstração. 2. Erros de fácil emenda 
§ 5.683.Dolo. 1. Conceito e sanção. 2. Anulabilidade das disposições testamentárias. 3. Ação de anulação por dolo . 
§ 5.684.Coação e testamento.1. Conceito e precisões. 2. Pressupostos. 3. Coação exercida pelo interessado ou por outrem.4.Dados fáticos. 5.Ameaça de exercício normal de direito e temor reverencial.6. Coação exercida por terceiro.7.Prova da coação
§ 5.685.Simulação. 1. Conceito e espécies de simulação. 2. Simulação e outros vícios. 3. Três espécies principais de simulação. 4. Terceiros e alegação de simulação. 5. Conversão. 6. Ressalva e legitimação ativa do lesado pela simulação. 7. Regras jurídicas invocáveis
§ 5.686.Fraude feita pelo testador. 1. Fraude contra credores. 2.Cláusulas testamentárias e fraude 
§ 5.687. Mudanças das circunstâncias, circunstâncias novas e interpretação. 1. Mudanças e repercussões. 2. Algumas questões e julgados. 3. Cláusula “rebus sic stantibus” 
§ 5.688.Anulabilidade e ações respectivas. 1. Causas de anulabilidade. 2. Dificuldade no plano doutrinário. 3. Prazos. 4.Nulidade e os vícios da vontade no espaço e no tempo.§ 5.689.Indignidade. 1. Incapacidade e indignidade. 2. Eficácia sentencial. 3. Morte do indigno 
§ 5.690.Direito das gentes e sucessão testamentária. 1. Relevância eventual. 2. Estado estrangeiro reconhecido sob governo não reconhecido e estado estrangeiro não-reconhecido. 3. Estado não reconhecido. 4. Governo não-reconhecido e testamento.5.Governo reconhecido e testamento 
 
§ 5.691.Direito intertemporal e testamentos. 1. Capacidade para testar. 2. Espécies proibidas. 3. Convalescença § 5.692.Direito internacional privado e testamentos. 1. Direito e sobre direito. 2. Remissão à lei estrangeira ou regra jurídica de envio. 3. Vocação hereditária. 4. Renúncia, em vida do decujo, pelo sucessível. 5. Indignidade e deserdação.6.Principio da coexistência dos contemplados e do decujo.7.Momento da abertura da sucessão 
§ 5.693.Considerações finais. 1. Explicação da comunhão hereditária.2. Características da comunhão hereditária. 3. Aceitação. 4. Renúncia. 5. Legados e “modus” 
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS EM GERAL
§ 5.694.Conceito e classificação de disposições testamentárias. 1. Conceito e classificação. 2. Requisito da pessoalidade das disposições. 3 Distinções exigíveis e distinções eventuais. 
§ 5.695.Principio da separação. 1. Separação das disposições. 2.Alcance do princípio
§ 5.696.Vontades últimas como negócios jurídicos 1. Pressupostos de validade. 2. Herança e legado. 3. Função do testamento
§ 5.697.Ilicitude e imoralidade das disposições testamentárias. 1. Imoralidade e invalidade. 2. Conteúdo do ato imoral ou do ato ilícito. 3. Bons costumes. 4. Ofensa aos bons costumes e tempo da apreciação. - 5. Circunstâncias eventuais da atribuição. 6. Conhecimento de ilicitude. 7. Condenação e nulidade. 8. Exemplos de herança e legados contra os bons costumes. 9. Estado de necessidade e disposições com tumeliosas
§ 5.698.Necessidade de estar no testamento a disposição. 1. Preliminares. 2. Plenitude da declaração de vontade 
§ 5.699.Disposições testamentárias, condições ,termos e modos. 1. Negócio jurídico unilateral do testamento 2. Condições vedadas. 3. Delimitações do assunto. 4. Disposições puras e simples. 5. Condições e termos. 6. Condições e “modus” 
§ 5.700.Condição. 1. Herança e legado. 2. Pressupostos da condição. 3. “Condicio iuris” e condição 
§ 5.701.Espécies de condições. 1. Condições suspensivas e condições resolutivas. 2. Critérios distintivos. 3. Condições resolutivas. 5. Condição resolutiva no direito romano 
§ 5.702.Impossibilidade, contraditoriedade e perplexidade das condições. 1. Precisões. 2. Condições contraditórias ou perplexas
§ 5.703.IninteTiqibilíd e inutilidade de condições. 1.Condições ininteligíveis ou sem sentido. Condições inúteis
§ 5.704.Condições física e juridicanzente impossivris. 1 Conceituação. 2. Sanções. 3. Se é cogente a regra jurídica sobre impossibilidade física. 4. Condição impossibilitado impossível e termo. 5. Condição fisicamente impossível. 6. Impossibilidade originária e impossibilidade subseqüente. 7. Condição resolutiva
§ 5.705.Condições juridicamente impossíveis. 1. Conceituação. 2. Mudança esperada de legislação. 3. Condições necessárias e testamentos. 4. Sorte das condições necessárias. 5. Considerações finais
§ 5.706.Condições ilícitas e imorais. 1. Precisões. 2. Sorte das condições ilícitas e das condições imorais. 3. Condição de não casar. 4. “Quaestio facti”. 5. Condição contra o casamento religioso
§ 5.707.Considerações gerais sobre condições duvidosas. 1 Análise do conteúdo. 2. Ilicitude e imoralidade
§ 5.708.“Modus” ou encargo. 1. Conceituação. 2. Direito romano.
3.Direito germânico. 4. Direito civil brasileiro. 5. Conceito e natureza do encargo (“modus”). 6. Necessidade de precisões conceptuais. 7. “Modus” e condição suspensiva. 8. “Modus” e condição resolutiva. 9. “Modus” e contrato a favor de terceiro. 10. “Modus” e “nuda praccepta”. 11. “Modus” e fideicomisso. 12. “Modus” e fundação.
13.“Modus” e restrições de poder. 14. “Modus” assubjetivo e “modus” possivelmente subjetivo 
§ 5.709.Espeeses de “modus”. 1. Figura e espécies. 2. “Modus” com modus”. 3. “Modus” e cláusula penal. 4. Sucessividade de benefício modal
§ 5.710.Pressupostos e posições do “modus”. 1. “Modus” e exigência legal da determinação dos sujeitos. 2. Casos de principalidade do “modus”. 3. “Modus” excessivo em relação à deixa. 4. Requisitos jurídicos e aplicação do “modus”. 5.Aplicações do “modus”
§ 5.711.Ilicitude e impossibilidade em matéria de “modus”. 1. Invalidade. 2. Anulabilidade do “modus”. 3. “Modus” e herdeiros legítimos e necessários
§ 5.712.Surgimento e sorte da obrigação modal. 1. Precisões. 2. Conseqüências da autonomia modal. 3. Situação jurídica do encarregado ou onerado modal. 4. Situação jurídica do beneficiado pelo “modus”. 5. Unilateralidade da manifestação da vontade
§ 5.713.“Modus”, prescrição e prazos para, cumprimento. i. Generalidades. 2. Prazo para cumprimento do “modus” 
§ 5.714.Objeto do “modus”. 1. Patrimonialidade e apatrimonialídade. 2. Interesse do disponente e do beneficiado 
§ 5.715.Caução Muciana. 1. Conceito. 2. Fundamento da caução Muciana. 3. Extensão da “cautio” Muciana. 4. Direito brasileiro 
§ 5.716.Caução do “modus”. 1. Precisões. 2. Direito brasileiro. 
§ 5.717.Caução Sociniana,. 1. Cautela Sociniana. 2. Inclusão subentendida 
§ 5.718.Restrições de poder em cláusulas testamentárias. 1. Cláusulas de restração de poder. 2. Restrições do poder no Código Civil. 3. Cláusulas de restrição de poder e herdeiros necessários. 4. Declaração de vontade do testador. 5. Possibilidade das restrições de poder. 6. Impossibilidade e possibilidade superveniente. 7. Inalienabilidade perpétua e inalienabilidade temporária. 8. Cláusula de impenhorabilidade. 9.Cláusulas de indivisibilidade. 10. Incidência das cláusulas restritivas de poder 
§ 5.719.Motivos de dispor e demonstração. 1. Causa e motivo. 2.Falsa demonstração, falso motivo e falsa condição. 3. Falsa condição. 4. Conseqüência interpretativa da inoperabilidade da falsa demonstração
§ 5.720.Heranças e instituições mexas. 1. Direito romano e código civil. 2. Conteúdo da regra jurídica. Instituição e tempo. 4.Fundamento do “vestigium antiqui iuris”. 5. Condição suspensiva e instantaneidade. 6. Legados. 7. Fonte e entrada em sistema diverso. 8. Inaplicabilidade aos legados. 9.A que, finalmente, se reduz a regra jurídica. 10. Exotismo da regra jurídica. 11. Termo suspensivo. 12. Termo resolutivo. 13. Regra jurídica sobre encargos. 14.Limitações de poder
§ 5.721.Direito intertemporal sobre disposições testamentárias. 1. Lei nova e disposições testamentárias. 2. Impossibilidade cognoscitiva. 3. Impossibilidade lógica. 4. Impossibilidade física. 5.Impossibilidade moral e jurídica. 6. “Modus”. 7. Restrições de poder. 8. “Falsa demonstratio” 
§ 5.722.Direito internacional privado. 1. Mudanças no espaço. 2.Condições e “modus”. 3. Restrições de poder § 5.723. Tempo e direito intertemporal. 1. Conflitos de leis. 2. “Semel heres, semper heres”, condições e termos às heranças. 
§ 5.724. Ainda o direito internacional privado. 1. Conflitos de leis. 2.“Semel heres, semper heres”, condições e termos apostos às heranças
§ 5.725.Interpretação das verbas testamentárias. 1. Função do juiz. 2.Duas regras fundamentais. 3. Conseqüências da unilateralidade das disposições. 4. Eliminações e distinções prévias. 5.Interpretação das leis e interpretação dos testamentos. 6.Formas testamentárias e conteúdo dos testamentos. 7. Diferença entre a interpretação dos testamentos e a dos negócios jurídicos de intercâmbio. 8. Regra geral do Código Civil, art. 85. 9. Disposição clara. 10. Interpretação filológica.
11.Declarações de volitade, e não intenções internas. 12. Regra especial do direito testamentário. 13. Interpretação dostestamentos no direito romano. 14. Direito anterior. 15. Soluções confusas. 16. Problema técnico e a praxe. 17. Preferibilidade da regra jurídica alemã. 18. Preferibilidade da regra jurídica brasileira. 19. Regras da interpretação das vontades últimas. 20. Declarações tácitas de vontade.
§ 5.726.Circunstâncias na interpretação das verbas. 1. Apreciação judicial das circunstâncias. 2. Oficiais públicos e interpretação das verbas. 3. Cédulas referidas, notas, codicilos e de polimentos
§ 5.727.Relações entre o testamento e a sucessão legítima. 1. Problemas e princípios. 2. Pretenso favor da sucessão “ab intestato”. 3. Resultado das considerações anteriores. 4. Disposições ambíguas. 5. Dúvidas quanto a herdeiros 
legítimos. 6.Deixa a descendentes. 7. Deixa a descendente de terceiro
§ 5.728.Disposição testamentária em si.1. Impossibilidades cognos-citiva, lógica, moral, jurídica.2. Impossibilidade lógica. 3.Disposições extravagantes. 4. Cláusulas privatórias, aplicadas às disposições testamentárias. 5. Permissibilidade das cláusulas privatórias, aplicadas às disposições testamentárias.6.Casos em que não opera a cláusula privatória. 7. Considerações finais
§ 5.729. Categorias jurídicas e interpretação dos testamentos. 1. Negócio jurídico. 2. Categorias jurídicas
CAPÍTULO VI
HERANÇA E LEGADO
§ 5.730.Discriminação fundamental: herança e legado. 1. Posição diante do testamento. 2. Casos de presunção geral. 3. Verba com ou sem especificação. 4. Limitações jurídicas.5.Distribuição em bens móveis e imóveis. 6. Limitações à regra jurídica dos legados. 7. Deixa de todos bens móveis e imóveis. 8. Nomeação de testamenteiro que se pode interpretar como sendo instituição de herdeiro 
§ 5.731. Interpretação distintiva das determinações modais. 1.dus” e interpretação. 2. Legados e “modus”. 3. Regras práticas para se distinguirem “modus” e condições. 4. “Modus” e simples recomendações. 5. Deixa de núpcias 
§ 5.732.Conservação no direito testamentário. 1. Conservação. 2.Conservação, por motivo da piedade, das instituições e dos legados. 3. Exemplos de conservação no direito testamentário hodierno. 4. Nulidade de testamento e conservação. 
§ 5.733.Conversão no direito testamentário. 1. Conceito de negócio jurídico. 2. Favores e conversão. 3. Fixação do conceito de conversão. 4. Função da conversão. 5. Requisitos para a conservação. 6. Conservação nos sistemas jurídicos. 7. Conversão nas disposições testamentárias. 8. Conversão e fideicomisso. 9. “Error in nomine negotii”. 10. Convalescença e conversão. 11. Conversão nos diferentes sistemas jurídicos. 12. Nulidade, inexistência e conversão. 13. Campo de aplicação do procedimento conversivo. 14. Previsão do autor do ato. 15. Entre interpretação e nulidade, prima a interpretação. 16. “Totius ut valeat quam ut pereat”. 17. Testamento nulo e reconhecimento de dívida. 18.Gravames juridicamente impossíveis
§ 5.734.Natureza da regra jurídica. 1. Regra jurídica interpretativa, porém, nem por isso, menos lei. 2. Questões de direito judiciário federal e de direito rescisório. 3. Aplicação da regra jurídica
§ 5.735.Considerações finais sobre interpretação. 1. “Quaestio facti” e “quaestio iuris”. 2. Efeito fixador da classificação da verba. 3. Quanto aos legitimados para discutir a interpretação
§ 5.736.Direito intertemporal. 1. Preliminares. 2. Mudança da lei sem conhecimento do testador (A). 3. Morte do testador antes da lei nova (B). 4. Morte após a lei nova (C). 5. Direito anterior como elemento de interpretação. 6. Herdeiros legítimos contemplados. 7. Deixa a descendentes de outrem
§ 5.737.Direito internacional privado. 1. Problemas de sobre direito> no espaço. 2. Limitações à autonomia. 3. Substância e efeitos. 4. Vontade interpretável e vontade não declarada .5. Considerações finais
HISTORICIDADE DA SUCESSÃO LEGITIMA E TESTAMENTÁRIA
§ 5.646. Figuras jurídicas do passado
1.SURGIMENTO DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. Em todos os povos a herança testamentária é posterior a legitima. Só se testa se não há sui heredes. Assim nas XII Tábuas (TH.. SCHIRMER, Das Familienverrnõgen, Zeitschrift der Savigny-Stiftug, Romanistische Abteilung, II, 165 s.), no direito ateniense (C. O. BUNSEN, Disquisitio philologica de iure herediUvrio Athenien~ium, 74; Lu»wIG MITTEaS, Reicl&srecht und Volksrecht, 332 s.; W. VAN HILLE, De Testamentis jure attico, 18 e 28). fl geral a intervenção de autoridades religiosas e políticas, nas primeiras práticas testamentárias, cujas formas não excediam o testamento comicial, o thin.x lombardo, a afatomia. A Idade Média estava cheia de costumes que atestavam a vigilância. Na Inglaterra (E. POLLOCK and E. W. MAIT-~ LAND, History of English Larw, II, 327), quanto à real property. No direito talmúdico (Baba Bathra, f. 153 a). Nos povos primitivos, de que fala ALB. HERM. POST (Grundriss der ethnologischen Jurisp~-udenz, II, 202). Ainda hoje, perdura no direito muçulmano (E. SACHAU, Mz mmedaniscl&es ReeI&t, 228 s.) e estava no Código de Zurique, art. 982, como reminiscência do momento político-jurídico.
Para tratarem múltiplas questões de que o testamento e o direito sucessório semeiam a vida, temos de recorrer, constantemente, à sociologia e à história. Só assim poderemos ter a cwisoiêncja das fontes, que são heterogêneas, e só assim chegaremos à apreensão do fio funciona1 que as regras jurídicas hodiernas traçam.
Dos hábitos de espírito, próprios dos pandectistas, já RUDOLF VON JHERING observara que se não haviam despregado os historiadores do direito romano. Pior é exercerem tal função raciocinante, mas divorciada das verdades, os que tratam, nos nossoS dias, de assuntos singularmente complexos e sutis. Procedimento, esse, sensivelmente arbitrário. ~ escusado dizer-se que a matéria dos testamentos se ressente disso. Donde os erros sem conta.
O Direito das Sucessões compreende as regras sobre a vocação hereditária, o testamento, o regime jurídico da divisão sucessória, e a maneira de inventariar e partilhar. Quanto ao direito de processo, muito há fora do Código Civil: são as regras de organização judiciária e de caráter estritamente processual, que hão de ser respeitadas em tudo que não discrepe a lei de direito material, que é o Código Civil.
Conforme frisamos no Tomo LV, além do sentido geral, que lhe dá o étimo, de tomar o lugar de outrem, ocupar o mesmo sítio (o comprador sucede ao vendedor, o donatário ao doador, o arrematante à herança), suxeder tem o senso restrito, que a idéia de morte implica. Então, em vez de abranger todos os modos de adquirir a propriedade, originários e derivados, restringe-se ele à noção de transmissão da totalidade de toda ou de parte da herança à pessoa, a que, por lei, ou por testamento, se devolve. Definindo-a, K. S. ZACHARIAE V. LiNGENTHAL, por um lapso, arbitrariamente, falou de totalidade ou parte alíquota: em verdade, a sucessão compreende partes alíquotas, aliquantes e até individuadas.
Nesse sentido estrito, a sucessão pode ser definida subjetivamente e objetivamente. No sentido objetivo, é a universalidade, a massa de bens, que, com os elementos negativos, ficam, com a morte do defunto, para outrem. No sentido subjetivo, é o direito a receber tais bens.
Alguns autores frisam a distinção entre direito de suceder e direito de sucessão. Aquele, direito e pretensão a receber, no momento da morte de outrem, a herança ou parte dela. Direito em potência, iure Iutbitu.Esse, direito efetivo, realizado, que a pessoa, herdeiro ou legatário, adquiriu, pela aceitação, expressa ou tucita, sobre a herança, parte, ou coisas que a compõem. Direito in suctu. Os arts. 1.572 e 1.690 do Código Civil dão a figura do primeiro. O art. 1.581, a do segundo. Mas, além deles, há direito a suceder, irrecusável no caso dos herdeiros necessários. Ora, tudo isso é sem pertinência. O herdeiro é titular do direito no momento da morte do decujo. A situação jurídica, fundamental, é essa. A posse, que está com outrem, é ofensiva, se passara ao herdeiro.
Aos bens, ou patrimônio, que o morto deixa, testado ou intestado, chama-seherança, monte, espólio, e pode compreender parte intestada, para ser devolvida aos herdeiros legítimos, e outra testada, para o cumprimento das disposições do testamento.
Sobre a origem da palavra heres, primeiro se lhe deu a de herus, senhor, dono, segundo CÍCERO, TITO Lívio, LuCRÉCIO e FESTUS. Mas, excluída essa, digladiam-se os etimologistas: a)Heres do grego x E Q, mão, X E Q ~ ç, submetido (heres apud antiquos pro domino ponebatur, PAULUS-FESTUS, 71, que tem outra interpretação), antigo indico hárate, para VANLCEK (Etyrnologisches Wõrterbuch, der latenischen Sp’rache, 2~a ed., 93; e BRUGMANN (Grundriss der vergleichenden Grammatik der indo gernuinischen Sprctcherc, 2a ed., 133).
b)Heres, grego x ij o ç, pilhado, privado, i a, viúva, velho indico jáhati, abandonado, deixado, cf. POTT, 1, 68, FIÇK, 1, 437, PRELLWITZ, verbo x ij o g, HIRT, 34 s. BRUGMANN explica a sílaba ed (XV, 103), contra PRELLWITZ (Beit rãge, 25, 31 s.: ed, comer, consumir). Contra, porque a herança romana não cabia no conceito de “abandonar”, WENGER (Wõrten und Sctchen, 1, 89 s.); ZUPITZÃ (Wochenschrift Ijir Klctssische Philologie, 1909, 674 s.).
2.PREFORMAS DO TESTAMENTO. Nas civilizações não desenvolvidas, arcaicas, não se encontra a função atual do testamento. Mas outras instituições chegam, de per si, a resultados parecidos.
a) Na, Grécia, na Índia, na Pérsia, na Irlanda, no País de Gales, na China, no Japão, nas populações pré colombiana da América do Norte, na Arábia pré-islâmica, na antiga Hungria, o que se vê são atos jurídicos que atuam no círculo da família, e só em conseqüência, derivadamente, podem influir na vocação hereditária. Ora, quem diz “herança”, dependente de status familiae, exclui a função específica do testamento. Nos povos citados, usava-se a adoção. Na Constituição de Diocleciano (Const. VI, 24, 7), acha-se a adoip tio in fratrem, a fraternidade artificial, fratern,itas do costume sírio-romano, as ad fratrationes lombardas, as Erbverbr-iiderungen dos nobres alemães.
b)Noutras ocasiões, confere-se, sem o status familiae, a vocação hereditária: afatomia sálica e ripuária, thinx lombardo, cartas de afliliationes lombardas. Da afatomia fala o Título 46 “De hac famírem” da Lei Sálica. Espécie de ado~tio in hereditatem, com que, por intermédio de alguém (Salmannj, se buscava herdeiro a quem não no tinha (J. C. WACHTERUS, Glossarium Germanicum, 1347: “Salmann, significat quantum potest, villicum, & cuiusvis domus possessorem, hominem Salicum, patronum causae in curia, assessorem in curia, executorem iuris curialis, traditorem fiduciarium, si derivetur a selen tradere”). O nome vem de Sal, tradição de bem (J. G. SCHOTTELIUS, Ausfithrliche Arbeit von der deutschen Hauptsprctch, 287; J. L. FRISCH, Teutschlateinische Wõrterbuch, Ii, 143; J. UND W. GRIMM, Deutsches WÉirterbuch, VIII, 1698, Deutsche Rechtsa2terthiimer, 555). Apresentava três fases:
no mailus indicatus, com a tradição simbólica, pela entrega da palha ao salmão e o indicar ao futuro e definitivo destinatário; a instalação na casa do disponente, para, quanto a terceiros, adquirir a Gewere; no maílus legitimus, em presença do rei, o salmão cumpria a missão, transferindo “per festucam” ao destinatário os bens confiados. No direito longobardo, em vez de Salman, chama-se Gisel ao intermediário (Roth., 172), porém parece que, pelo menos longe da origem, é assaz secundária e não de intermediário a função do Gisel (TAMASSIA, Le Alienazioni degU immobili, 227). No século VIII, perde a afatomia a existência autônoma (H. AUFFROY. L’Évolution du Testament, 210).
c)Contratos sucessórios, como se encontram na época franca, no Erbvertrag alemão; e, correspondendo-lhes no passado, figuras típicas no direito babilônico, no hebraico e no egípcio. Também donationes >ost obitum, ou reseri~ ato usufructu, ou reservata precaiia, já na alta Idade Média.
d)Transmissões por intermediários, como se notam na alta Idade Média cristã (executores testamentários e entre vivos), que são fatos históricos, como aqueles, ajustáveis aos dos outros povos (e.g., o direito hebraico, o bizantino e o muçulmano).
c)Liberalidades de um ou alguns objetos, de que são encarregados, à morte de alguém, os seus herdeiros. Às vezes, ainda é só moral o dever de entrega (alta Idade Média cristã, direito hebraico e povos primitivos).
§ 5.647. Aparição do testamento
1.FIGURA JURÍDICA TÍPICA. Verdade é que tudo isso bem longe estava do testamento. A devolução do patrimônio do decujo, fora e independentemente da ordem familial, pela só vontade do declarante, para depois da morte, tal é a característica do que depois, com fontes romanas, se precisou. Não o mostra a Etnografia. Na própria Europa ocidental, foi grande a resistência. Ainda em 1837 o testamento inglês que recai em real property apresentava os traços de operação inter vivos, de convevance. Na Suíça, revelou-o o costume.
Já se quis invocar para provar serem mais próximas do que se pensa as XII Tábuas (III, em vez de V antes de Cristo) o argumento de nelas se achar a regra uti legassit super pecunia tutelave suae rei ita ius esto. Porém o muito de arcaico das XII Tábuas opõe-se a tal presença: contra a afirmativa dos escritores da época clássica, de PAUL FRÉDÉRIO GIRARD (Tertes de D’ioit romain, 13; Manuel élémentaire de Droit romain, 790) e de historiadores e pandectistas, está a convicção sociológica. Aqui, a convicção sociológica, com os elementos da crítica comparativa e da etnologia jurídica, pode dizer: é possível que lá estivesse a frase, mas, então, êsse testamento é um nome idêntico para outra coisa. Aliás, a dúvida vem de mais de um século. Já em 1825, EDUAJw GANS (Das Erbrecht, 37-74) via naquele testamentum a criação de laços de família, algo de adoção (ad-rogação e adoção, só mais tarde, acreditava E. GANS, se distinguiram). Depois F. SCHULIN (Lehrbuch der Geschichte des Ràmischen Rechts, 458) insistiu na adoção post mortein: o testamento in calatis comitiis seria o equivalente do testamento grego Contra ambos, um argumento: a adoção testamentária só apareceu, em Roma, no fim da República. Mas pode ser falta de informes (A. LEFAS, L’adoption testamentaire à Rome, Nouvelle Révue Historique, 21, 724; EDoUAR.D CUQ, Institutions juridiques des Romains, 236-239; Recherches historiques sur le testament “per aes et libram”, Nouvelies Révue Historique, X, 540 s.; LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Votksrecht, 340). Demais, há o exemplo, na Grécia, da transição da sucessão legítima. para a testamentária, por intermédio da adoção (W. VAN IIILLE, De Testamentis iure attico, 1; C. G. BRUNS, Die Testamente der griechischen Philosophen, Zeits,chrift der Savigny-Stiftung, 1, 6 s.).
Discute-se se teria sido a adoção testamentária, que tarde se viu, sobrevivência de expediente que levou ao testamento. É a hipótese de RUDOLPH SOHM (Institutionen, 16~a ed., 675 s.). ~,Onde as provas convincentes? Como quer que seja, o testamento das XII Tábuas não era o que as compilações justinianeias conheciam. Deve ter sido a forma correspondente à afatomia franca e ao thinx lombardo. GAIO (II, 101) deu corno se fosse a mais velha forma de testamento o que entendeu chamar calatis comitiis, feito perante o colégio dos pontífices e os comícios por curias. com a função primitiva, assaz generalizada de testemunhas instrumentárias: função ativa, essa, que lhes atribuiu EDUARD GANS (II, 46), após CHR. THOMASIUS, J. C. HEINÉCIO e A. D. TREKELL, seguido por alguns romanistas hodiernos, como TH. MOMMSEN, A. PERNICE, PAUL FRÉDÊRIO GIRARD, EDOUARD CUQ e E. LAMBERT. Sustentaram o papel passivo, de simples assistência, EDUARD HÓLDER (J3eitrÉtge, 40 s.), OTTO KARLOWA (Rõmische Geschichte, II, 847 s.), M. VoíGT (D ~e XII Tafoln, 171) e F. GREIF (De l’Origine du Testament ro’nuxin, 51 s.). Nos começos de evolução, as testemunhas instrumentárias exercem papel ativo: e. g., aconselham, ou garantem moralmente a execução. Não era a só vontade do disponente que decidia,
 e sim, também, a vontade coletiva. Os comícios legislavam. Era criação excepcional, dispensa,ato de poder. Falou-se em testamento legislativo. Esse encontro de vontades colaborantes, temo-lo noutros institutos similares: na afatomia franca, depois da assembléia judiciária do povo (R. SOHRÓDER, Lehrbuoh der deutschen Rechtsgesohiohte, 334), no thinx lombardo, antes do edicto de Rotário (A. HEUSLER, Institutionen. des deutschen Privatrechts, II, 622; ANTONIO PERTILE, Storiadel Dirltto italiano, IV, 6; GEORG BESELER, Die Lehre voa den ErbvertrÉtgen, 1, 109). TH. SCHIRMER (Das Familienver mõgen, Zeitsohift der Savigny-Stiftung, R. A., II, 165-180) sustentou que, havendo sui heredes, não se podia, no velho direito romano, fazer testamento. O título do suus era mais direito de sucessão. Tanto assim que postumi agnatione testarnentum rumpitur. Com a substituIção pupilar, procurava-se “derrogar” a impossibilidade de instituir herdeiro com prejuízo de sui heredes. Contraprova: no direito grego, também se usou da substituição. Donde dizer E. LAMBERT (La Fo’nction du Droit CivU comparé, 431) : “As duas teorias do direito clássico, rutura do testamento pela superveniência de herdeiro seu, substituIção pupilar, são apenas, visivelmente, conseqüências do direito indelével de sucessibilidade, conferido, outrora aos sui heredos. conseqüências que sobreviveram à sua causa primitiva, transformando-se, aliás, porque receberam novas utilizações”.
Na versão de GAIO (II, 224), de POMPÔNIO (L. 120, D., de verborum significatione, 50, 16) e das próprias Institutas. lê-se uti iegassit suae rei, ita jus esta. As XII Tábuas dispensaram a intervenção pontificial e da assembléia quando se tratasse de res sua. Excluída ficara à testabilidade a fortuna possuída em comum com os sui heredes.
2. CORRESPONDÊNCIAS SINFRÔNICAS. Sociologicamente, o regime das XII Tábuas era, em correspondência de tempo social, o do thinx lombardo, da afatomia ripuária: havendo sui heredes, não podia fazer-se. Quando se lê a fórmula das XII Tábuas si intest ato moi Yur, oui .s’uus heres neo escit adgnatus proimus familiam hab eta deve-se entender: se existirem herdeiros necessários, não os há testamentários; se não há aqueles, nem esses, serão chamados os legais. Essa ordem, encontramo-la noutros povos: em Atenas (C. C. BUNSEN, Disquisitio phiioiogioa de iure hereditario Atheniensium, 74; R. CAILLEMER, Le droit de tester à Athênes, Annuaire pour l’Encouragement dos études, 27, s.), no velho direto cantonal de Berna e na India moderna.
3.DIREITO PORTUGUÊS. Quanto às fontes remotas do direito português, há os seguintes dados principais: (a) No Breviário de Alanco estão doações reservato usufructu, com a candieio iuris da sobrevivência do donatário (VIII, 5, 1; Código Theod., ed. de MOMMSEN, VIII, 12, 1. E doações com reserva de posse (in q’ua sibi donator certum tempus possessionis reservat). Provavelmente era revogável a doação mortis causa do Breviário. Foi o que o direito romano conseguiu meter nas fórmulas dos atos inter vivos, tirado do seu direito testamentário. No caso de morte, perigo, doença, viagem, o Breviário consignava a doação causa mortis, caducavel com o afastamento do risco. (b) No Código Visigótico, o princípio é a irrevogabilidade, se houve a tradição da coisa: dação efetiva, ou simbólica, pela entrega da escritura. Mas o Código Visigótico também tratou das doações cujo efeito dependia da morte do doador, com reserva de usufruto, revogáveis (similitudo est testamenti, diz a lei). Note-se a diferença: no Código Visigótico, reservato usufructu, não há tradição da coisa. O doc. de 1.060 (Diplomata et Chartae, n. 425), em que pessoa que enferma “voluit testare”, não era testamento. No Código Visigótico (V, 2, 4, 6), testator, test are, testationem traduzem doador, doar, doação. Nele, o testamento vem entre as “escrituras”. Nada se disse sobre a instituição do herdeiro, a aceitação da herança, os legados, os codicilos e os fideicomissos. Exigiu-se presença de testemunhas, porém não se disse o número. A noção do ato inter vivos perdurou. O romanismo mal se filtrou pelas grêtas da mentalidade gôdo-lusitana.. Ainda no século XIII, com as Decretais de Gregório IX, não é o testamento romano que se vê.
O Código Euriciano revela que os Visigodos já no século V tinham o testamento oriundo do contacto com os Romanos; mas a doutrina mantinha a ligação às donatianes mortis causa (Cap. 308). Dos tempos anteriores ao direito reformador de Chindasvindo e de Recesvindo, cogitavam das volunt ates a antiqua do Código Visigótico e os escritos de Santo Isidoro. Quase só se falava de testamentum se a vontade unilateral tinha a forma escrita. No Codex Euricianus, cap. 335, e na Lex Visigothorum, IV, 2, 12, falava-se de “voluntatem ordinare”, ou de “ordinare”.
As Fórmulas Visigóticas e documento do século VI foram as melhores fontes sobre o testamento visigótico na península hispânica. No documento de 516, testador foi um bispo, que, nas vésperas da morte, ditou a um diácono a disposição de vontade, para que valesse como testamento conforme o direito civil e o pretório e, se não valesse, tivesse a eficácia de codicilo ab intestato. Era a cláusula codicilar, assaz em uso naquele tempo. O modelo foi o testamento romano do Baixo Império. É interessante observar-se que nele se confirma doação.
A propósito das testemunhas, a Lex Visigothorum nenhuma referência fêz ao número das testemunhas, O testamento cerrado e o selado desapareceram, e à subsoriptio se substituiu o sinal.
Osig’num já aparece nos gesta de aperiunda testamento, no ano 474 (C. G. BRUNS, Fontes iuris ronutni antiqui, 319; 7a ed., 317-319; H. AUFFROY, L’Évolution du Testament des Origines au XIIIe siêcle, 44), a despeito de Recesvindo já ter, pormenorizadamente, cogitado das scripturae olographae (Lex Visigothorum, II, 5, 16 e 17)
OBreviário não se referiu ao testamentum militis, mas aparecia no Edicto de Teodorico e na Lex Romana Burgun
dionum.
O registro, a publioatia, era apud curiam, mas, com a extinção das instituições municipais e o dificultamento do ato, atendeu-se às circunstâncias, sem, porém, se extinguir.
§ 5.648. Sucessão testamentária e saisina
1.EQUIPARAÇÃO PERFEITA E COMPLETA QUANTO À SAISINA. - A equiparação dos herdeiros testamentários aos herdeiros legítimos é completa: com o testamento, os instituidos sucecedem como, ex lege, os legítimos. Longe ficou o “solus Deus heredes facere potest, non homo”, o “heredes gignuntur, non fiunt”, que exprimia o princípio germânico, ainda representado no Código Civil francês, por influência das Coutumes, no conceito de legatários universais e legatários a título singular (Código Civil francês, art. 724). Lê-se na 1.a alínea:
“Les héritiers légitimes sont saisis de pIem droit des biens, droits et actions du défunt, sous l’obligation d’acquitter toutes les charges de la succession”. É a saisina. juris, pela qual pro­priedade e posse passam, ipso iure, aos herdeiros legítimos. Mas, apesar disso, há o romanismo da aceitação, que consti­tui algo de superposto, de colado, de preso por alfinetes, de heterogêneo. Para penetrar e compreender a função dessa janela depois do corpo da casa, desse órgão que se enxertou onde não cabia, — e a História é cheia disso, como o é de tera­tologias a Natureza, os intérpretes (e.g., E. AÇOLLAS, Manuel de Droit Civil, II, 192 s.) levantaram a questão da suspensivi­dade ou resolutividade da aceitação: isto é, ou o herdeiro re­cebe com a condição suspensividade de aceitar, ou com a condição resolutiva de renunciar.
No direito brasileiro, a herança vai aos herdeiros, mesmo se não necessários, no momento da morte do decujo. No direito romano, não; porque isso somente ocorreu com os heredeu ne­cessari. Por isso, até à aceitação, a herança jazia. Tinha-se de chamar quem fosse herdeiro e ao mesmo tempo de cuidar do interesse dos outros. Hoje, todos os herdeiros, legítimos e tes­tamentários, são beneficiados pela saisina, de modo que, em boa terminologia, não há jacência da herança, ou se reduz o conteúdo conceptual a simples espera dos atos de adição. Por isso mesmo, se o herdeiro está na situação dehaver alguém, mesmo se herdeiro fosse, na posse da herança, cabe-lhe a ação para que ele restitua a posse e outros direitos da herança. Se há pluralidade de herdeiros, cada um tem a legitimação ativa quanto ao todo da herança, porque há entre eles comunhão de mão-comum. O fideicomissário não tem posse, de modo que não lhe tocam ações possessórias (Torno X, § 1.092, 2). l, Não pode ele ir contra terceiro para exercer a pretensão da herança, salvo se já se tornou em direito à herança? Para isso, só tem as pretensões contra o fiduciário (e.g., KARL BLUMENSTEIN, Der Erbschaftsarnspruch naeh dem BGB., 8); para outros, não:
e.g., L. KuHLENBFCK (Das Bilrgerliche Gesetzbuch, II, 511), que admitia a pretensão de herança, indistintamente; cf. CARL SPRINGGUTH (Die Rech.tsverhãltnisse zwischen Vorerben und Nacherben, 42). Não se há de confundir a pretensão da he­rança com a ação declaratória do direito à herança. O fideico­missário pode exercer a pretensão declaratória mesmo como litiscon sorte ou terceiro que intervém. Se o direito do fiduciário acaba com a morte do decujo, o que se transfere já é a propriedade, ou a posse, ou uma e outra.
Com a extensão da saisina, no direito brasileiro, quer se trate de herança legitima, quer de herança testamentária, a ação de qualquer herdeiro não é ação para haver a herança. A ação de petição de herança é ação real, e não pessoal. No direito alemão, o titular do Pflichtteil é titular da pretensão e de ação à aquisição do quinhão, do quanto (cf. RICHARD LEIBL, Das Pflichtteilsrecht, 6). No direito brasileiro, o que teria de ser do herdeiro — quer legítimo, quer testamentário — já o é (cf., para o direito francês, M. SCHUTZENSTEIN, Beitrtlge zur Lehre voin Pflichtteilsreeht, 240).
Se a condição é suspensiva, não há direito adquirido a coisa: os herdeiros do beneficiado, que morreu pendente condi­cione, não herdam a coisa. Herdam, ou, melhor, podem herdar o direito expectativo.
Se não é de condição suspensiva que se trata, mas de termo inicial, há direito adquirido à coisa: está suspenso o exercício, e não a aquisição do direito. Os herdeiros do beneficiado que morreu antes do advento do termo, herdam o direito à coisa..
O que decide quanto a haver condição ou termo, aconteci­mento certo ou incerto, é a intenção do testador. Velha lição, que o CARDEAL DE LUCA ilustrou.
No caso de legado condicional (suspensivamente), adjudi­ca-se ao herdeiro, ou testamenteiro, ou outro Legatário, que tem de cumprir o que resulta da deixa. Esse pode reivindicar a coisa de quem quer que seja. Está com ele o domínio.
Quanto ao legado in diem, antes do dia o legatário não pode pedi-lo, mas com razão dizia PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE que já adquiriu o direito, real ou pessoal (cf. art. 123).
Tudo isso toma aspecto bem grave se perguntarmos: pode o legatário ante conditionem vel diem renunciar?
PAULO DE MOURA E YAF.ABA, que tanto criticou e censurou o direito romano (fonte de acertos e males) trouxe à balha a L. 45, § 1, D., de legatis et fideicommissis, 31: “Si sub condi­cione vel ex die certa nobis legatum sit, ante condicionem vel diem certum repudiare non possumus: nam nec pertinet ad nos, antequam dies veniet vel condicio existat”. E vergastou a POM­PONIUS: “A razão que dá o texto é porque antes do dia, ou con­dição, não se adquire o legado; cujo fundamento se reconhece o quanto é vão: 1.0) porque para renunciar um direito basta que possamos adquiri-lo; pois semelhante renunciação só se en­tende do direito contingente; 2.0) porque sobre o fideicomisso condicional pode o fideicomissário transigir, como expressamente o decide a L. 1, C., de pactis, 2, 3, ibi — Condieioni~ incertum inter fratres non iniquis rationibus conventione uni­tum est”.
E é inegável que pode ser matéria da renunciação aquele direito que tem entidade bastante para ser transigido.
Escreveu PASCOAL JOSÉ DE MELO FREmE (Institutiones, III, 83) : “Pro partem etiam legatum renunciari (potest) ... quamvis sub condicione, vel ex die (h.ereditas) certa sit re­lictum, et quidem antequam dies veniat, vel condicio implertur”.
Porque o que ele renuncia não é o direito que vai vir, mas “o direito, a que ele”, o ato jurídico “visa” (art. 118) ; e o direito a esse direito é o direito expectativo, é Wartrecht.
A diferença entre o termo suspensivo e a condição suspen­siva está, apenas, em que essa é mais enérgica na suspensivi­dade; porém não é, nem podia ser, inexistência jurídica abso-. luta: obsta a um direito, que é condicionado; não, porém, ao que resulta do ato jurídico (contrato, testamento) : há o direito a um direito. Por mais que possa destoar de leituras super­ficiais, essa é a construção.
Daí a ineficácia da lei nova para ferir tais situações júri­dicas criadas pela condição suspensiva e a herdabilidade de tais direitos eventuais, salvo lei especial ou declaração contrária.
Quanto à alienabilidade (transferência, transação, renun­cia, penhorabilidade, arrestabilidade), a regra é a afirmativa da possibilidade. Só não cabe onde o direito, a que visa, não no é. PAULO DE MOURA E YARABA e ANDREAS VON TUHR (Der Allgemeine Teu, 1, 224; cf. G. PLANCK, Kommentar, II, 556), após as lutas que se conheceram.
No Código Civil francês, ad. 1.181, 2a alínea, diz-se: “obligation ne peut être éxecutée qu’aprês l’événement”.
Dos textos o que mais se parece com o brasileiro é o do Código Civil alemão, § 158.
Tirou-se do art. 1.181 do Código Civil francês que a posi­ção jurídica não se herda. “Une chaince’, dirão os juristas fran­ceses, “qui est considerée déjà comme un élément actif ou passif du patrimoine”. Nih.il adhuc debetur, sed spes est debitum ici.
Mas, nesse estado, já o direito condicional é transmissível:esse direito, que só existe em estado futuro ou virtual, passa aos herdeiros, com a morte do titular. É cedível, é renunciável. Os italianos não diziam outra coisa: há direito, se bem que não seja, precisa e completamente, o que haverá, quando se verifi­car a condição; transmite-se aos herdeiros do titular, de regra. Os juristas portugueses entenderam durante o tempo que me­deia entre a declaração de vontade e a verificação ou falha da condição, há estado de pendência, que constitui situação espe­cial regulada pelo Direito, e dela derivam direitos. São permi­tidos os atos conservativos. Tais direitos condicionais, ou even­tuais, podem ser transmitidos, quer por atos entre vivos, quer causa mortis (GUILHERME ALVES MOREIRA, Instituições do Direito Civil português, 1, 480).
Se a condição tem por objeto ato de uma das partes, que não seja pessoal, o herdeiro toma-lhe o lugar. A regra é a here­ditariedade, não só das obrigações como de todas as posições jurídicas, oriundas de declaração de vontade.
A condição suspensiva, só por si, não obsta à hereditaríe­dade do direito expectativo. Onde foram buscar o contrário ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões,. 281) e EDUARDO ESPÍNOLA (Manual, III, 2, 63), que muito pare­ce ter-se impressionado com o art. 74, III, e o § único? Mas tais dizeres, oriundos da Comissão revisora (ad. 183), não meras proposições definidoras, e não regras legislativas. Provavel­mente em FERREIRA ALVES (Manual do Código Civil, 19, 150).. Não haverá herdabilidade quando a condição é ato pessoal do titular, ou quando, por lei, ou disposição do ato, deva verifi­car se durante a vida do titular do direito expectativo, ou quando tocar a qualidade própria do titular.
O	direito expectativo do Código Civil, arte. 118, 121, é a Rechtspositicrn dos comentadores alemães, o Wartrecht, de que GREGOR SEMEKA (Das Wartrecht, Archiv f’Ur Biirgerliches­Recht, 135, 121 s.) e ANDREAS VON TUHR (Der Alígemeine Teil, tanto cogitaram e foi assunto deste Tratado, Tomo V, § § 573— 578). Não há dúvida quanto à hereditariedade deles, de regra.
No Código Civil alemão, § 2.074, aparece a exceção à he­reditariedade: “Tendo feito o decujo disposição de última von­tade sob condição suspensiva, deve presumir-se, em caso de dúvida, que a liberalidade somente deve valer se o beneficiado sobreviver ao advento dacondição”. Não há, explícita, no Có­digo Civil brasileiro, tal regra jurídica de interpretação. (Aliás, o “valer”, gelten, foi termo impróprio, porque se trata da efi­cácia, e não de validade.)
O Código Civil brasileiro, art. 118, coincide com o Código Civil alemão, § 158. Ora, lá, ninguém tiraria do § 158 que ele inibe a hereditariedade da posição jurídica. No Brasil, vemos tal dedução em ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 281). Não está certo. As conseqüências seriam desastrosas A contratou tantas sacas de açúcar para o dia 5 do mês próximo, se o Brasil tiver aderido ao convenio ou quando
o Brasil aderir; morreu no intervalo, os seus herdeiros não herdariam isso. Herdam, sim. Herdam o Wartrecht, o direito expectativa a posição jurídica, que vai aos herdeiros como todos os outros elementos componentes do seu patrimônio, é herdavel, transferível, como parte do patrimônio do titular do direito expectativo, e como ativo de uma massa.
A posição jurídica, o direito expectativo do fideicomissário, é protegido pela combinação de restrições e de deveres do fidei­comisso, como acontece noutras situações oriundas de condi­ções suspensivas (art. 121). O art. 1.788 do Código Civil é exceção ao principio da hereditariedade.
Ainda no caso de legado, ou de herança com opção (Código Civil, art. 1.699), o direito passa ao herdeiro.
Outra questão é a da aceitação: se não foi feita, e a insti­tuição do herdeiro está adstrita a condição suspensiva, ainda não verificada, é inerdável; mas porque há texto expresso, espe­cialíssimo (art. 1.585, in fie). Seria êrro este/nder-se tal regra jurídica sobre herança ainda não aceita a outras heranças não aceitas. O art. 1.585, in fine, só se ~refere à aceitação não ope­rada em vida do herdeiro, em caso de condição suspensiva.
A deferência do art. 74, parágrafo único, nada tem com a herdabilidade do direito expectativo. O mais frisante exemplo é o da situação criada no intervalo entre a transmissão da heran­ça (art. 1.572) e a aceitação ou renúncia. Ora, em se tratando de renúncia, que seria o caso mais próprio de aplicação do ar­tigo 74, parágrafo único, se ele tivesse considerado direito já herdável ou direito não herdável, como direito deferido ou não deferido, respectivamente, nenhuma invocação seria preciso do ad. 1.585. Não se tire das definições do art. 74, parágrafo
único, qualquer regra legal, quer sobre direito intertemporal, porque se chocaria com os princípios, quer sobre a herdabili­dade dos direitos, porque seria, na prática, calamitosa. Jus de­latum, is nondum delatum: por exemplo, herdeiros necessá­rios presumíveis (antes da morte do decujo), herdeiros neces­sários no momento da morte.
No revogado Código Civil português, art. 2.011, foram equiparados herdeiros legítimos e testamentários. E lá vinha
a aceitação cuidadosamente disciplinada. O Código Civil alemão fixa prazo à renúncia (§ 1.944, alínea í.~). Bem assim, o Código Civil suíço (arts. 567 e 571, 1ª parte).
Em virtude do desenvolvimento, que aí fica, restringiu-se o assunto, delimitou-se o campo em que se há de pôr o pro­blema de interpretação do direito brasileiro:
a) Nada tem o direito brasileiro, quanto à transmissão ipso iure, com o direito romano: o Código Civil, art. 1.572, claramente estatui transmitirem-se, desde logo, quer aos her­deiros legítimos, quer aos testamentários, o domínio e a posse (entenda-se a propriedade e a posse).
b) Como o direito francês, que é, nesse ponto, o mais germânico, o direito brasileiro tem a saisina; porém não a limitação aos herdeiros legítimos (e “naturais”), e aos lega­tários universais, no caso do art. 1.006 do Código Civil francês.
2. DIREITO ALEMÃO. — No Código Civil alemão, o § 1.922, que trata da transmissão por morte, fala em Vermiigen, pa­trimônio, ais Ganzes, “como todo”. É o conceito da sucessão universal. Quanto à posse, estatui o § 857: “Der Besitz geht auf den Erben tiber”. É a hereditariedade da posse, como já se tem, e o direito romano não a conheceu. A concepção alemã lutou na elaboração do Código Civil alemão e venceu o II Projeto, § 777 (Protoleollc, V, 650 s.). A doutrina tirou do apodíctico princípio do § 857 todas as conseqüências de apli­cação: todas as espécies de posse, que o testador tinha e sus­cetíveis de se lhe transmitir o exercício, passam aos herdei­ros, cf. OTTO vON GIERKE (Deutsches Privatrecht, II, § 115), E. 1. BEKKER (Aphorismen zur Besitzlehre, 17) e MARTIN WOLF’F (Das Sachenrecht, Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts,)
3.	DIREITO suíço. — No Código Civil suíço, § 560, os herdeiros adquirem, de pleno direito, a universalidade da su­cessão, desde que está aberta. Mit dem Tode, diz o texto alemão. No art. 567 consigna-se o prazo de três meses para a renúncia (ré pudier, diz o texto francês; zuir Ausschlagung, no alemão). Contados da morte, para os legítimos; do dia da comunicação, para os instituidos. O prazo do art. 567 cons­titui direito cogente (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch de A. EGOER, III, 250). Se não a renuncia (art. 571, alínea 1), ou se a renuncia ile­galmente (e.g., sob condição ou reserva; EMIL STROHAL, Da deutsche Erbrecht, II, 16; EuGÊNE CURTI-FORRER, Commen­taire du Code Civil suisse, 448; A. ESCHER, III, 210), não importa.
4.	CÓDIGO CIVIL AUSTRÍACO. — Bem diferente é a solução no caso dos §§ 797-824 do Código Civil austríaco. Entre o decujo e os herdeiros interpõe-se o juiz. A aceitação é perante ele: nunca ela é tácita. O juiz aprecia a espécie, e dá ou não a posse. Se há testamento e sucessíveis ex lege, que pleiteiam a nulidade ou a anulação, a imissão não se faz. Nenhum dos liti­gantes recebe a herança: da se lhe administrador. A ingerência do juiz é, evidentemente, grande. ~A preocupação fundamental é a de só se entregar o bem aos verdadeiros herdeiros. Com a adjudicação, confere-se a posse. E a posse, que então se con­fere, tem a vantagem da publicidade, porque coincide com o registro fundiário e com as garantias da entabulação (§§ 819 e 436).
Em comparação com outros sistemas, é de notar-se que nesses não se transcrevem as passagens mortis causa, donde a ocorrência das soluções de continuidade. Com o sistema jurí­dico brasileiro, coincide, em parte, mas quanto à propriedade, uma vez que, hoje, se transcrevem as partilhas e os cálculos de adjudicação: a posse é que, transmitida ex lege, fica sem publi­cidade. Aliás, mesmo a propriedade transmite-se com a morte (Código Civil brasileiro, art. 1.572), apenas — quanto aos efeitos divisórios — depende da transcrição (art. 532, 1).
A transmissão aos herdeiros (Código Civil brasileiro, ar­tigo 1.572) não precisa de registro: opera-se ex tege.
	
§ 5.648. TESTAMENTO E SAISINA
Noutros sistemas jurídicos, procuraram-se expedientes para se dar publicação às transmissões causa mortis, conforme provam os projetos italianos de 1903 e de 1910. VITTORIO POLACCO (Delie successioni, II, 75) pensou na própria trans­crição dos testamentos. Assim, se evitaria o tão longo decor­rer entre a transmissão ex lege e a transcrição.
Se bem que a ingerência judicial, no Brasil, não dê a posse, o sistema aparece fundamente atenuado, quase contraditório, quando os bens são apólices ou outros títulos, porque as repar­tições e estabelecimentos exigem, pelos regulamentos e esta­tutos respectivos, os alvarás ou ofícios do juiz. Mas há o artigo 1.572 do Código Civil, dir-se-á. Sim, há o art. 1.572. Mas que é ele (argúi-se) diante da lei especial, ou dos estatutos da so­ciedade, que subordinam os efeitos da transmissão à intervenção decisória do juiz? De qualquer modo, está no ar, inesboçada, mas ja perceptível em traços fugidios, solução nova da publi­cidade e da transmissão causa mortis, quando operada ex lege. A descoberta dos expedientes que tornem compossíveis um e outro princípio, que alternadamente os sistemas austríaco e brasileiro sacrificariam, constituiria problema de política jurí­dica, e — no momento — dos mais urgentes e delicados. As leis especiais e os estatutos só se podem referir a efeitos inter­nosà empresa ou à entidade estatal ou paraestatal emissora. O testador não pode destruir o direito do Código Civil, artigo 1.572: é ius cogens, é inderrogável, pelos disponentes, a aqui­sição ipso iure da herança. O art. 1.665 não precisava dizê-lo, nem, verdadeiramente, o disse. Nas próprias disposições fidei­comissárias, a herança — domínio e posse — passa, desde logo, aos herdeiros fiduciários, O direito do herdeiro, o direito con­dicionado ou não à herança, o direito de herdar, a qualidade hereditária, essa nasce simultaneamente, com a morte do decujo, aos fiduciários e aos fideicomissários, indistintamente. O próprio fideicomissário é herdeiro do morto, e não do fidu­ciario.
. É absoluto o princípio da aquisição ipso iure? ~ No caso de falência, ou de insolvabilidade notória? A lei não abriu ex­ceção. Não havendo, no Código Civil, prazo fixo, como existe no alemão e no suíço, a exceção é escusada. Demais, o art. 1.590 contém a veia aberta da retratabilidade da própria aceitação.
5.	DOIS PRINCÍPIOS. — Vigoram no Brasil os dois princí­pios: a) o princípio da sucessão em todo, ou da universalidade da herança (Prinzip der Gesamtfolge): a herança passa aos herdeiros como todo, indo, como unidade (ativo e passivo, do­mínio, nuas propriedades, domínio útil, direitos reais, crédi­tos), aos que são chamados e que recolhem. b) O princípio da aquisição co ipso (Prinzip des “eo ipso”-Krwerb es), pelo qual os bens da herança passam aos herdeiros, sem qualquer ato para os adquirir e sem necessidade de qualquer manifestação de vontade. “Aberta a sucessão”, isto é, com a morte, transmi­tem-se os bens. É o germânico Der Tote erbt den Lebemdigen, le mort saisit te vif, a saisina de direito, saisina iuris. Não se pode falar em herança jacente (P. rBUOR, Das Erbrecht, Kom­mentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 565) : no Código Civil brasileiro, tal expressão é errônea, para designar a herança sujeita às procuras de herdeiros parentes; tecnica­mente (arts. 1.591-1.594), contradição verbal. O art. 1.572 es­tatui que a herança se transmite, desde logo, aos herdeiros legí­timos e testamentários; o art. 1.603 inclui os Estados, o Dis­trito Federal e a União na classe dos legítimos; e o art. 1.594 diz que os bens arrecadados passam ao domínio do Estado, do Distrito Federal ou da União, decorridos cinco anos da aber­tura da sucessão (Decreto-lei n. 8.207, de 22 de novembro de 1945). Mas o domínio, se não havia herdeiros, passou, no dia da morte, àquelas pessoas jurídicas de direito público; se os havia, não passou, e somente passam cinco anos depois. Tem-se de interpretar, desfazendo-se a contradição intrínseca.
6.	CONCEPÇÃO CIENTÍFICA DA SAISINA. — Finalmente, a construção. Foram propostas as explicações seguintes:
a)	Presunção da aceitação pelos herdeiros (G. P. CHIRO­NI, Istituzioni di Diritto Civije italiano, II, 2Y~ ed., 405 s.; A.	EsCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, 183). Mas, em verdade, quanto ao fundamento histórico do princípio germâni­co da aquisição co ipso, tal presunção constituiria elemento he­terogêneo e acrescido pelos que têm dificuldade em explicar o próprio princípio. Aliás, a dificuldade só existe onde se quer, com os conceitos romanos, esclarecer o elemento germânico.
b)	Condição suspensiva da aceitação. Explicação contra­ditória, porque o princípio estabelece exatamente o contrário: a transmissão automática. Máxime historicamente. Incorreram nesse erro A. HEUSLER (Institutionen des Deutschen Privat­rechts, II, 560), EUGEN HUBER (Sstem und Geschichte des schweizerischen Privatrechts, IV, 667) e L. REHF’OUS-A. MAR­TIN, Introduction à l’Ê’tude du Code Civil suisse, 158).
c) Princípio da transmissão ipso iure. Haveria condição resolutiva da renúncia. É a solução teôricamente menos artificial. , mas atendamos a que essa explicação pelo fato jurídico condicionado tornaria ato jurídico o que o não é. A transmis­são deriva de acontecimento involuntário, que é a morte. Os atos jurídicos são fatos jurídicos, porém nem todos os fatos jurídicos são atos jurídicos. A condição, na espécie, seria da­quela classe que se costuma chamar condição legal, pelo fato de serem efeito de ius cogens e inerentes ao instituto.
d) Aceitação, com efeito retroativo, explicação que, posta por A. FABER e CESARE LOSANA, não se compadece com a exis­tência indiscutível de dois princípios diferentes: o romano e o germânico.
e) Condição resolutiva para o herdeiro chamado, suspen­siva para o beneficiado pela renúncia; com a aceitação, cessaria o direito desse; com a renúncia, o daquele. Certo, tudo se passa como se assim fosse; mas por que aludir-se a condição?
f)	Diante dos efeitos do art. 1.572 do Código Civil (cf. Código Civil alemão, § 1.922), entendia ERNST STAMPE (Unsere Recht und Begriffsbildung, 55 s.) que só existia uma aqui­sição ipso inre, a do Fisco, porque não precisa aceitar nem deliberar: chegada a sua vez de suceder, sucede sem qualquer ato seu, sem qualquer possibilidade de se voltar sobre a ordem do Código Civil. Nos outros casos, não; é a própria lei que se encarrega de atenuar, até à contradição, as conseqüências ime­datas do art. 1.572: a aquisição dos outros sucessíveis não é definitiva, tanto assim que pode a herança ser renunciada, e os chamados se tratam como se não estivessem na sua vez. Daí falar na oferta causa mortis, que seria a situação do sucessível antes de aceitar ou renunciar, — oferta do que faleceu aos her­deiros. Vê-se bem quão desesperada foi a solução teórica de ERNST STAMPE, solução em que insistiu em 1922 (Juristische Wochenschrift, 50, 22), em nota a julgado da justiça. Interes­sante é notar-se que, no fim da sua exposição, aludiu a “mania
de construir” dos juristas, esquecendo-se de que a sua cons­trução, aberrativa, concorreria para maior acúmulo de edifi­cações opinativas.
7.	EXAME DAS OPINIÕES. — Alguns autores põem muito ao vivo a provisoriedade do herdeiro em espera; porque não e definitiva. É levar muito longe a noção de provisório: defini­tivo, então, não seria o proprietário de nenhum bem, porque pode dá-lo, vendê-lo, trocá-lo. Nem seria definitivo o proprie­tário de fundo que outro possui, porque a posse gera usucapião. O domínio e a posse transmitem-se, diz a lei, desde logo: her­deiro, ele o é, definitivamente; com a possibilidade de renun­ciar po’sterior’m~ente, deixando de ser, de ter sido, como, ainda depois de aceitar, pode retratar a aceitação, ou renunciar a herança já aceita (ato de doação ou de alienação onerosa)
8.	CONSEQÜÊNCIAS DO PRINCÍPIO. — Resulta do princí­pio posto no Código Civil, art. 1.572:
a)	Os herdeiros, quer legítimos, quer testamentários, po­dem, desde logo, exercer as ações de domínio. Mas fazem-no como proprietários pro iudiviso, se há mais de um.
b)	Os herdeiros, legítimos, ou testamentários, podem re­clamar, na qualidade de compossuídores, os bens da herança que se acham com terceíro ou cuja posse terceiros turbam.
c)	Não existem bens sem dono, por motivo de morte. A expressão “herança jacente” é errônea; e o nome que se dá ao instituto dos arts. 1.591-1.594 não tem o significado romano. Nem podia ter (arts. 1.572, 1.603) . No spatium deliberandi, há sempre sujeitos da herança: nunca se dá a existência de bens que, pela morte do dono, fiquem adéspotas.
d)	Para a posse da herança — no direito brasileiro — os herdeiros não precisam de investidura judicial. Nem precisam eles de apreensão material. A formalidade da abertura ou da apresentação e do cumpra-se do testamento nada tem com o fato do Código Civil, art. 1.572: são formalidades do processo do testamento, que não tiram nem dão direitos; apenas, tratan­do-se de herdeiros testamentários, delas precisam eles, para a exigibilidade de alguns dos seus direitos, ou para a prova da qualidade de herdeiros ex testamento.
Daí dizer-se que a função do juiz é receptiva, e não ativa. Os direitos dos herdeiros, eles os têm por forca do ato testa­mentário, desde o dia dos efeitos (morte do testador), ainda que continuem em segrêdo as disposições (isto é, quando ainda fechado o testamento).A posse da herança vem-lhes da lei. Dá-se o mesmo quando particular o testamento e, pois, depen­dente das formalidades dos arts. 1.646-1.648 do Código Civil:
são comprobatórias. O julgado opera desde a morte do testa­dor. (Em todo o caso, na discussão, e enquanto se apura a ver­dade, pode o juiz ordenar atos conservativos, ou de tutela dos interessados, como o sequestro. Mas isso pode ele decidir a res­peito de quaisquer coisas sobre cuja posse pairem fortes dúvi­das, tal como se dá na espécie do Código Civil, art. 507, pa­rágrafo único.)
No caso de fideicomisso, discutiu-se se, com a morte do fiduciário, a posse dos bens fideicomitidos passa aos herdeiros do fiduciário, ou, desde logo, também ao fideicomissário. EMII. STROHAL (Das deutsche Erbrecht, III, 75) procurou reestudar a questão, tida como difícil. JULIUS BINDER (Die Rechtsstellung des Erbe’n, III, 60), de acordo com a sua concepção geral, admi­tiu, sempre, a possibilidade de ipso iure passar aos fideico­missários a posse. Aliás, a opinião mais vulgar era a de trans­mitir-se aos pós-herdeiros com o implemento da condição, com advento do termo, ou a posse dos bens gravados. Mas pode ocorrer que a condição se adimpla ou o termo advenha em vida do fiduciário, que está de posse dos bens: ora, nesse caso, ele não perde, ipso iure, a posse, pois, ocorrendo-lhe a morte, passa, segundo alguns, a seus herdeiros, que a entregarão aos fidei­comissários e, para outros, vai ao fideicomissário, automática­mente (JOHANNES BIERMANN, Das Sachenrecht, III, § 57).
É possível mais puro trato de problema tão sutil. Com a morte do decujo nasceu o direito de herdeiro ao fiduciário e ao fideicomissário. Não há dúvida. Mas o fiduciário é que recebe o domínio resolúvel e a posse. Questão preliminar: ~. O fideicomissário já tem domínio? Segunda questão preliminar: o fideicomissário já tem posse, por farsa do art. 1.572, uma vez que a peça transmitida independe da veste de fato, isto é, a ordem legal abstrai do poder efetivo? Quanto ao domínio, fideicomissério ainda não o tem: a condição, para o fiduciário, é resolutiva, e foi ele quem adquiriu o domínio.
Se a posse do fiduciário é só mediata, com a morte dele,. vai ao fideicomissário. Mas, se é, também, imediata (direta), adquirida depois, não pode essa, sem qualquer ato de trans­missão, isto é, por efeito do art. 1.572 (transmissão automá­tica), passar ao fideicomissário: fica com os herdeiros do fi­duciário, de quem o fideicomissário a haverá. Não é pela ação de posse que há de reclamá-la contra os herdeiros.
O co-herdeiro, que foi acionado para cumprimento de dí­vida da herança, dívida da comunhão hereditária ou só parcial, tem objeção contra o que atinja o seu patrimônio fora do que lhe passa com a morte do decujo, por direito sucessório. O que herdou entrou no seu patrimônio, com a saisina, mas per­mite, em virtude do benefício de inventário, legalmente esta­belecido, a discriminação.
§ 5.649. Confluência e luta de dois princípios
1.	ADIÇÃO DA HERANÇA E AQUISIÇÃO AUTOMÁTICA. — Ri­gorosamente, dois princípios disputam as preferências, e a História, aqui, os extrema, e ali, os mescla um ao outro: o prin­cípio da adição da herança ou aquisição pelo ato jurídico do herdeiro; o princípio da situação criada pela acidentalidade da morte para os bens já comuns. A modernidade juntou-os, e fêz sistemas novos, que são os vigentes, mais próximos ou mais distantes da noção romana, mais próximos ou mais distantes do Sachsenspiegeí, 1, 33, III, 83, § 1, e do Preussisches Alíge­mernes Landrecht, 1, 9, § 67 s. Na sucessão dos tronos, le roi est mort, vive le roil
No primeiro sistema, são em tempos diferentes delação e aquisição; no segundo, simultâneos.
A aditio operava a transmissão. Havia efeito retroativo à morte do sucedendo. Com ela, adquiria-se o domínio; não, po­rém, a posse. Posse seria questão de fato.
Havia princípio da compropriedade familiar, e só a su­cessão legítima operava tal comunidade. Morto o chefe, a administração tinha, naturalmente, de passar a outrem. Não se podia cogitar de aceitação, de aditio; tão-pouco, de ingerência judicial, que fosse instrumento de passagem do chefe aos com proprietários. De herditas iacens também não se podia falar. Não havia sucessores propriamente ditos. Havia a comunhão, sob a chefia; passada a chefia, continuava o que antes era: a comunhão, já sem aquele que morreu. Der Todte erbt den Le­bendigen. Mortuus saisit vivum. Saisina defuncti descendit in vimtm. Le mort saisit le vif, son plus prochain héritier habile­à lui succéder.
No direito romano, havia o principio da transmissão reta via ao legatário (L. 80, D., de legatis et fideicommissis, 31). donde as duas ações, a real e a pessoal (L. 2, C., communia de legatis et fideicomrnissis et de irt rem missione tollenda, 6, 43). Ao herdeiro o legatário havia de pedir a posse; se o legatário arbitrariamente se imitia, concedia-se ao herdeiro o interdictum quod legatorum (L. 1, § 1, D., quod legatorum, 43, 3). A diferença entre o direito romano e o hodierno, inclusive o brasileiro, resulta da posição de domínio e posse do herdei­ro. Havia problema técnico, que os juristas romanos não resol­veram, e parecia estarem a procurar, problema a que a moder­nidade, fundidos o sistema romano e o germânico, deu solução, de origem híbrida, porém, na teoria posterior e nos resulta­dos, de toda a inteireza.
A saisina iurís estabeleceu a nova ordem. Der Todte erbt den Lebendigen, le mort saisit le vif, ou, na Itália, transeat possessio in heredem defuncti ipso inre sine aliqua appre­hensione (Estatuto de Busseto, r. 54).
No direito romano, havia a continuação da posse no su­cessor a título universal, e a conjunção das posses no sucessor a título particular (L. 40 e L. 31, § 5, D., de usurpationibus et usucapitionibus, 41, 3; L. 13, § 10, D., de adquirenda vel amit­tenda possessione, 41, 2). Todavia entre a delação e a adição, se outrem possuia a coisa, não havia espoliação, porque não havia possuidor (L. 6, § 2, D., pro emptore, 41, 4). O lapso constituía o problema técnico. Donde a lacuna na tutela posses­sória. A imaginação prática dos jurisconsultos romanos expe­rimentou expedientes, como aquele de obrigar a pronta adição, o interdictum quorum bonorum e, devido a Marco Aurélio, o erimen expilatae hereditatis. Expedientes, tão só.
A vida posterior deu a solução; mas a vida, a experiência, só o ousou depois de ver a fórmula que trazia a concepção 
mânica da continu dxtde, da unidade patrimonial e da inves­tidura imediata (saisina íuris).
No conjunto do direito, esse grito germânico dominou, mas como exceção, como direito singular, e por isso disse A. FABER. no Codex Fabrianus, L. VII, 6, IV: “beneficium possessionis consuetudina’úiae quod a defuncto in heredem recte continuatur singulare ius et privilegium est”.
Da saisina excluia-se o legatário, porque era sucessor a título particular. A vida aproveitou os dois sistemas e deu-se, historicamente e evolutivamente, o seguinte: ao direito romano somou-se o elemento germânico; a tutela jurídica da posse fêz-se possível, sem os incompletos expedientes romanos, de modo que a aspira9áo do direito romano se realizou com a fusão dos dois direitos; e teoria e prática consagraram a nova con­cepção da investidura imediata, que se coadunava com a neces­sidade social da sucessão, in universum ins.
2.	POSSE, NA REGRA JURÍDICA SOBRE SUCESSÃO HEREDITÁ­RIA. — A posse de que fala o Código Civil, no art. 1.572,indc­pende de qualquer efetividade: ela se transfere, saiba ou não o herdeiro que se lhe transferiu; posse nec animo nec corpore. O elernsnto germânico reponta, vê-se-lhe bem o traço de espi­ritualidade, que atravesga, firme, a materialidade das con­cepções romanas. Posse, que não precisa de ato ou gesto ou reconhecimento do possuidor. Um é, categórico, que a tradição germânica disse, e as leis escritas, após os costumes da França e de alhures, repetem. No tempo em que a posse bonorum (Có­digo Civil, arts. 485-523) era de configuração romana, ao jeito de FR. VON SAvIGNY, isso criava embaraçosteóricos; hoje, com a concepção nova, refletida no Código Civil brasileiro, esmae­ceu. A lacuna romana foi preenchida, com a conseqüência de se transmitir ao herdeiro a posse dos bens de que o testador era proprietário e a dos pertencentes a outrem, desde que lhe cou­besse a posse. Porém, como a posse do testador vai toda ao herdeiro, o título testamentário atribui a propriedade ao lega­tário e a posse vai do testador ao herdeiro, em virtude da saisi­na iuris. Daí a cisão; e ter o legatário de pedir a posse.
Em francês, sai,sine é palavra de origem germânica, que significa posse, — mais direito de possuir, ou posse que o di­reito dá, do que posse no sentido de exercício efetivo. Tão portuguesa, como de outra língua, porque está nos textos do latim cosmopolita: saisina, in saisina. No brocardo francês, le mort saisit le vif, a psique germânico-latina da França bem se re­trata: saisir, do germânico, traduz a passagem, por força de direito, da posse do defunto aos herdeiros, isto é, palavra ger­mânica para exprimir conceito germânico.
A posse vai aos herdeiros que receberem a herança, quer dizer — potencialmente deslocável de grau, incluído o efeito da representação: se um dos chamados não aceita a herança, e ia toca aos co-herdeiros, ou, se é o único, ou se todos renunciarem, aos sucessíveis do grau imediato. No Brasil, ao próprio côn­juge sobrevivo e ao Fisco (art. 1.603; cp. Código Civil francês, art. 724, que não se estende a esses). Mas repugna aos nossos dias concepção da saisina coletiva aos parentes; só se refere a herdeiros.
Em vez de seguirem os dados históricos e os veios do prin­cípio, através dos tempos e em luta com o direito romano, que partia a posse, pontuando-a com a morte do decujo, e deixando lapso entre esse momento e a tomada de posse pelos herdeiros,— os juristas deixam-se levar pela ambição de explicar o fato, que o art. 1.572 apodictamente cria, mas segundo os propósitos dos seus raciocínios.
É a exigência de explicação dogmática, que, por vezes, con­duz a edificações só a priori. Aliás, para o bom êxito dos mé­todos científicos, esse desejo de explicar tem de precipuamente buscar os dados históricos e os informes de sociologia. Todo caminho, que não seja esse, pode ser desvirtuador das realida­des e dos próprios preceitos que se querem explicados.
3.	TENTATIVAS DE EXPLICAÇÕES. — a) JULIUS BINDER (Die Rechtsstellung des E7rben, 47) entendeu que a posse do Código Civil alemão, § 857, é posição jurídica ligada ao poder efetivo, mas que se desprende, ao passar, do seu suporte funda­mental, da sua base material.
b) Em tal ato vêem W. TURNAU—K. FÓRSTER (DOS So­chenrecht, 3a ed., § 857) e MARTIN WOLFF (Das Sachenrecht, Lehrbuch, III, 36), apenas ficção da posse. Assim, também, ROTERING (Aus der Lehre vom Besitz, Archiv filr Biírgerliches Recht, 27, 95 a.).
c)	FERDINAND KNIEP (Der Besitz des BGB., 168) esfor­çou-se por mostrar que só se transmite a pretensão para que continue a posse.
d)	Entendia HUGO KREsS (Besitz und Recht, 168 s. e 186) que os herdeiros adquirem a posse imediata (Verkersbe­sitz) sem apreensão, desde que saibam da morte e queiram ser herdeiros. É estranho aludir a esse elemento intruso da von­tade do herdeiro.
e)	Para CARL CROME (System des deutschen biirgerlichen Rechts, III, 16 s.), trata-se de relação de posse, e nessa sucedem os herdeiros, sem dificuldades conceptuais e práticas.
f) M. GREIFF (G. PLANCK, Kommentar, III, 39) achava que o poder efetivo do decujo acabou com a morte: não poderia transmitir-se aos herdeiros; de modo que esses precisam de tomar posse efetiva, para serem possuidores no sentido do ar­tigo 485 (Código Civil alemão, § 854), e os arts. 496 e 1.572 (§ 857) não bastariam. (Na 4~ ed. de G. PLAN’CK, E. BROD­MANN rediscutiu o assunto, e continuou a sustentar que a posse não é algo de separável da personalidade, — é relação de pessoa com a coisa; não pode ser tratada como se trata, por exemplo, o domínio. Mas acabou por explicar como ficção, “pelo menos”).
g) A verdadeira teoria é a que busca o fundamento e a evolução do princípio, que é estranho ao direito romano; e dele há de tirar, como fazemos, todas as conseqüências doutrinárias e práticas. Sem esse elemento histórico-cultural, nada se con­segue de sólido e de certo.
§ 5.650. Precisões a respeito de posse
1.	POSSE NO SENTIDO PRÓPRIO E POSSE DOS HERDEIROS. —A respeito de posse dos herdeiros e legatários, encontram-se no Código Civil os arts. 495, 496, 1.572, 1.580, 1.754, 1.755 e 1.579. Mas, a despeito, de usar-se a mesma palavra posse, cumpre distinguir-se da posse dos arts. 495 e 496, referida no capítulo sobre posse (Direito das Coisas), rei possessio, BesUz ou Sachenbesitz, e posse dos demais artigos, que é a hereditatis possessio do direito romano, Erbschaftsbesitz. São institutos distintos, outrora e hoje, que concernem a fatos idênticos.
Como havemos de ver, a hereditatis possessio apresenta, no direito romano, no comum e no vigente entre povos cultos, estrutura particular, que a olhos cuidadosos teria lembrado, na feitura dos Códigos Civis, nome que evitasse qualquer confu­são. Se no Código Civil alemão se empregou o romanismo Erb­schaftsbesitzer, para que se não misturasse com o Besitzer da doutrina da posse, nenhum cuidado tiveram os legisladores de outros Estados, desatentos a linhas mestras das instituições. Na prática, a diferença é de importância. Basta pensar-se em que a ação do possuidor, no caso do art. 495, combinado com os arts. 485, 499, 501, 502 e 5.04, esbarra, em se tratando de bens móveis, diante do art. 618 (usucapião, no caso de boa fé e posse ininterrupta de três anos), ou do art. 619 (ainda com má fé e sem título, durante cinco anos), ao passo que não prescrevem em tais tempos as ações oriundas da hereditatis possessio. Quando já é nenhum o meio de reaver-se a posse, possessio rei, ainda perdura a ação contra o possuIdor da herança. Em se tratando de imóveis, as ações possessórias têm de parar, diante de quem alega posse, com justo título e boa fé, de dez anos entre presentes, ou quinze entre ausentes (art. 551), e no entanto persistem os meios legais fundados no direito heredi­tário (e.g., petição de herança, querela de doação oficiosa). Cp. Código Civil, arts. 177, 179 e 1.772, § 2.0.
2.	RELEVÂNCIA DA DISTINÇÃO. — E evidente a relevância da distinção. No instituto da posse da herança, dois elementos alteiam-se como indestrutíveis colunas, e é impossível, sem graves erros, tomar-se uma por outra das duas construções heterogêneas, a posse do direito das coisas, que só ela rigorosa-mente merece chamar-se posse, e a outra, a do herdeiro, que se funda em título, e não no ter-se, de fato, o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou outro direito real (art. 485). Aquelas duas colunas, a que nos refe­rimos, dão caráter próprio ao instituto: uma é o pensamento de universalidade, que dilata a significação mesma da palavra posse; outra, o de título lucrativo, mas ineficaz, pelo qual alguém, em vez de herdeiro, possui (A. A. VON BUCHHOLTZ, Juristische Abhahdlungen, 10; RUDOLF LEONHARD, Die Erb­schaftsbesitz, 76 s.; JOSEPH SCHAEFER, Vergleich zwischen Sachbesitz und Erbschaftsbesitz, 71). No fundo (bem signi­ficativo é o fato do excesso dos prazos da usucapião), privilégio para restaurar a ordem intrínseca, dentro do tempo (cp. JuLIUS BINDER, Die Rechtsstellung des Erbeu, 421 s.). Os dois elementos dão à posse do herdeiro as ações que decorrem de par­ticularidades de direito material e de direito processual, tão firmes, que RUDOLF LEONHARD não acreditava em que, no fu­turo, se apaguem (127). Foram baldados os propósitos assi­miladores do Preussisches Alígemeines Landrecht e do Código Civil francês: teve a prática, fruto da vida, de trazer as águas. ao leito próprio; bem assim, o exemplo do Código Civil alemão (§§ 2.018-2.031). No Brasil, deixou-se à doutrina, mas, em verdade, subentendem-se as regras jurídicas materiais preci­sadoras do instituto e constitutivas do velho e tradicional di­reito das ações.
Na posse, rei possessio,

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