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Perelman e a quebra do paradigma do raciocínio jurídico.

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Perelman e a quebra do paradigma sobre o raciocínio jurídico 
Clarcson Santana Maia de Medeiros 
 
Perelman foi e é de grande importância para o entendimento atual sobre a forma de 
raciocínio jurídico. Trazendo uma nova abordagem ao tema, ele quebra o paradigma existente sobre 
o que seria ou como se procederia ao raciocínio jurídico, através de uma explicação sobre o 
raciocínio analítico e raciocínio dialético, e a confusão existente à sua época sobre o tema, a saber, 
que o raciocínio jurídico, a lógica jurídica, seria o mesmo que o raciocínio analítico, ou lógica formal. 
Ao utilizar os conceitos do pai da lógica, Aristóteles, Perelman explica que os raciocínios 
analíticos, são aqueles que, partindo de premissas necessárias ou pelo menos indiscutivelmente 
verdadeiras resultam em conclusões igualmente necessárias ou verdadeiras. Esse padrão de 
raciocínio era para Aristóteles o silogismo em que temos: “se todo B é C, e todo A é B, logo todo A é 
C”. Dessa forma, para quaisquer termos que colocarmos substituindo as letras A, B e C, o raciocínio é 
válido, independente da matéria sobre a qual estejamos raciocinando. 
 Os raciocínios dialéticos, por sua vez, dizem respeito aos meios de convencer e persuadir 
pelo discurso, defendendo ou criticando, utilizando-se de argumentos mais ou menos fortes. O que 
diferiria o raciocínio dialético, do raciocínio analítico, seria que enquanto no raciocínio analítico as 
premissas seriam conhecidas e necessariamente verdadeiras, no raciocínio dialético as premissas 
seriam apenas plausíveis ou verdadeiras, e todo o restante da estrutura seria semelhante à do 
silogismo. 
 Aristóteles afirma que a função do discurso persuasivo é levar a uma decisão, desta forma a 
estrutura do raciocínio dialético não pode semelhante à do raciocínio formal, do silogismo, uma vez 
que a estrutura argumentativa que motiva uma decisão parece muito diferente à estrutura da lógica 
formal, pela qual o raciocínio se passa direto das premissas para uma conclusão. Além disso, estar 
diante de uma decisão, pressupõe a possibilidade de decidir de um modo, de outro, ou mesmo de 
não decidir. 
 À época de Perelman, os teóricos da argumentação utilizavam da redução de um argumento 
qualquer, a um esquema formalmente válido, criando-se um reducionismo na definição de lógica, ao 
afirmarem que lógica, incluindo a lógica jurídica, se resumia a lógica formal. 
Para Perelman, porém, a lógica jurídica não pode ser reduzida à lógica formal. A tentativa de 
identificar a lógica jurídica como sendo lógica formal faz com que se tente reduzir os argumentos que 
os juristas utilizam, a exemplo, a pari, a contrario, a fortiori, a estruturas meramente formais, ao 
passo que se trata de raciocínios que fogem da lógica formal, uma vez que para decidir sobre um 
mesmo tema, juristas podem utilizar argumentos diferentes a fim de conduzir a decisão a lados 
distintos. 
 A lógica jurídica é, portanto, uma lógica material, que nos deve fazer refletir sobre o que 
cabe fazer quando se quer chegar a juízos jurídicos equitativos, razoáveis ou justos. Devido às 
constantes controvérsias que acompanham os raciocínios jurídicos, mesmo entre os grandes juristas 
que “detém” conhecimento sobre determinados assuntos, podemos identificar com uma maior 
clareza a distinção que existe entre os raciocínios analíticos ou formais e os raciocínios jurídicos, uma 
vez que é muito mais fácil pacificar essas controvérsias nas áreas analíticas, devido a uma maior 
facilidade de se chegar a um acordo sobre técnicas de cálculos e medição. 
As técnicas argumentativas que podem utilizar os juristas, como a simili, a fortiori, a 
contrario, em uma mesma situação, são escolhidos e aplicados, levando em consideração a 
preocupação com os resultados que serão produzidos por suas utilizações, isto é, utilizando de juízos 
de valores quanto aos resultados que serão produzidos, haja vista que, como já citado, a depender 
da técnica empregada, o resultado pode ser conduzido para um lado ou para outro. Apenas essa 
preocupação é suficiente para enfatizar a insuficiência de um raciocínio jurídico puramente formal, 
que estaria apenas preocupado sobre as inferências lógicas, desprezando o juízo de valor sobre a 
conclusão. 
Quando se utiliza do raciocínio jurídico para a aplicação da lei, buscando alcançar o caráter 
justo ou injusto, razoável ou aceitável, é necessária a utilização dos juízos de valor. Estes juízos são 
insuprimíveis do Direito uma vez que guiam todo o processo de aplicação da lei. A aplicação da lógica 
formal não admite a utilização de juízos de valor. Dessa forma, buscando apresentar uma oposição 
aos pensamentos existentes sobre a lógica jurídica, Perelman apresenta sua tese, baseada na 
retórica aristotélica, a qual ele denomina como “nova retórica”. 
A nova retórica tem por objeto o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou 
aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a sua aceitação. Quatro observações devem 
ser acrescentadas à definição, quais sejam: 
Primeira: A retórica procura persuadir por meio do discurso. Quando utilizamos da 
experiência para obtermos uma adesão a uma afirmação não se trata de retórica. A retórica utiliza da 
linguagem para ganhar uma adesão, excluindo a violência e a carícia, mas utilizando da ameaça e da 
promessa. 
Segunda: A demonstração e as relações da lógica formal com a retórica. “A relação é que não 
há relação nenhuma”. Em uma demonstração não há espaço para retórica. A demonstração existe 
em um âmbito diferente da retórica. É praticamente uma relação dicotômica. Existem palavras que 
pode ser entendidas com vários sentidos, e surge um problema de escolha e decisão do sentido a ser 
utilizado, que a lógica formal não é capaz de resolver, que só é solucionado através da apresentação 
das razões (argumentos) para aquela escolha, e o estudo desses argumentos depende da retórica. 
Terceira: A adesão a uma tese pode ter intensidade variável e isso acontece quando se é 
tratado não de verdades “absolutas”, mas de valores. 
Quarta: A retórica diz respeito mais à adesão que a verdade. Verdades são verdades, e seu 
reconhecimento nada vai interferir no fato de serem verdades. Porém a adesão (aos argumentos) é 
sempre a adesão de um ou mais espíritos em um auditório. 
O auditório é uma noção central na retórica, uma vez que o discurso só será eficaz se estiver 
adaptado ao auditório que se quer persuadir. Na noção de retórica Aristotélica, o auditório era visto 
como homogêneo, embora houvesse vários tipos de auditórios geralmente diferenciados pela 
fortuna ou idade. A nova retórica considera que a argumentação pode dirigir-se a auditórios 
heterogêneos, isto é, abrangendo pessoas de diferentes níveis de informação e conhecimento, que 
por sua vez, não reagirão da mesma forma, isto é, com a mesma intensidade de adesão, aos 
argumentos apresentados. 
 Toda argumentação é relativa ao auditório que se pretende persuadir. Ela pressupõe tanto 
na mente do orador, quanto na mente do auditório o desejo de realizar e manter um contato entre 
os espíritos, isto é, o desejo de persuadir por parte do orador, e o desejo de escutar por parte do 
auditório. O contato dos espíritos necessita que seja utilizada uma linguagem comum que possa ser 
compreendida entre os ouvintes, e não há dificuldade em fazer isso quando se trata de um auditório 
homogêneo, porém, quando o auditório é heterogêneo, não havendo uma certeza sobre os tipos de 
pessoas e conhecimentos existentes no auditório, a adaptação do orador para a utilização da 
linguagem comum pode apresentar dificuldades, e tem que se tomar cuidado para que os 
argumentos apresentados não caiam em vulgarização, isto é, não venham a anular ou falsificar o quese queira comunicar. 
Para persuadir o auditório é necessário conhecê-lo. Conhecer o auditório diz respeito a 
conhecer as teses que o auditório admite e que poderão ser utilizadas na argumentação, e a 
intensidade que essas teses são aceitas, uma vez que “teses e teses” poderão entrar em conflito, 
sendo mantidas as teses que tiverem maior intensidade de aceitação. As técnicas de argumentação 
visam, portanto, partindo do que é aceito, reforçar ou enfraquecer a adesão a outras teses ou 
suscitar a adesão a teses novas, que poderão, inclusive, ser resultado de adaptações de teses antigas. 
Portanto, Perelman trouxe, baseando a sua argumentação nas técnicas argumentativas 
utilizadas pelos juristas, e se apropriando de conceitos oriundos do pai da lógica, uma nova forma de 
contemplar o raciocínio jurídico, criticando e refutando o conceito existente de similaridade entre a 
lógica formal e o raciocínio jurídico, e apresentando sua tese da nova retórica, que trouxe uma 
importante contribuição no campo da teoria da argumentação.

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