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Zetética e Dogmática Jurídica – Anotações de Direito – Medium

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Zetética e Dogmática Jurídica
Introdução ao Estudo do Direito
Zetética e dogmática são dois diferentes enfoques teóricos a serem utilizados
no estudo do Direito. Um acentua o aspecto de pergunta do problema,
mantendo abertas à dúvida suas premissas; já o outro aborda o ângulo de
resposta, estabelecendo pontos de partida e buscando um curso de ação.
Esta tensão contínua entre o especulativo e o diretivo é essencial à matéria
jurídica, associando investigação crítica a operações úteis e unindo o estudo
do Direito positivo com o de sua e�cácia social.
Diferenciando zetética e dogmática
No intuito de diferenciar zetética e dogmática, podemos partir do exemplo do
estudo de Deus na Filoso�a e na Teologia.
Na Filoso�a, a existência de Deus não é um pressuposto. Abre-se esta
premissa à discussão — Deus existe? Pralém disso, não só se coloca em dúvida
a existência de Deus como também se questiona o próprio sentido deste
questionamento, de um ponto de vista das limitações do conhecimento
humano. É possível ao ser humano determinar a existência de Deus? Como até
mesmo a premissa da investigação é questionada, a zetética se caracteriza por
uma especulação progressivamente in�nita.
A Teologia, por sua vez, tem a existência de Deus como um pressuposto
inatacável. Deus existe; portanto… Caso não fosse assim, o estudo teológico se
entreteria tanto com a existência de Deus que não chegaria a discutir os
problemas que derivam da sua existência — Por que Deus permite que pessoas
boas sofram? A especulação dogmática, portanto, é restrita com propósito de
buscar soluções, demarcando ponto de partida e de chegada — um
questionamento �nito.
Isto não signi�ca que na zetética ocorra uma abolição total de premissas, até
porque assim seria impossível conduzir um raciocínio. A diferença é que suas
premissas precisam ser veri�cadas e comprovadas, com alto grau de certeza
de sua veracidade — são, portanto, evidências. Não é o caso dos pressupostos
dogmáticos, os dogmas, cujo estabelecimento ocorre por arbítrio, isto é, por
uma decisão. Decide-se estabelecer tal ponto de partida para a discussão — 
Deus existe.
Diante de uma dúvida que não possa ser solucionada por considerações
racionais, como a do exemplo, seríamos levados pela zetética à paralisia da
ação. Sem jamais chegar a uma veri�cação da existência de Deus, tanto num
sentido quanto noutro, um enfoque puramente zetético não poderia se
dedicar à elaboração da ética religiosa e dos estudos teológicos, pois não
haveria premissa da qual estes problemas secundários possam derivar.
Apenas com a imposição de certeza sobre algo duvidoso podemos explorar
a questão num âmbito concreto — e é disso que a dogmática trata.
. . .
Colocando a distinção no campo jurídico, a sociologia do Direito pode
examinar a legitimidade de uma greve de servidores públicos como questão
aberta, de um ponto de vista zetético, estudando as causas e efeitos sociais
envolvidos e considerando a legislação a respeito apenas como um dado, sem
a menor necessidade de usá-lo como referência ou ponto de partida. Já o
jurista dogmático tem suas interpretações adstritas ao ordenamento vigente,
e conquanto este não resolva a questão da justiça ou injustiça de uma greve,
põe �m às disputas sobre como o governo deve agir sobre tal.
Utilizando de um exemplo mais especí�co, digamos que um condomínio baixe
uma regra proibindo animais em seus apartamentos. Um enfoque zetético
questionaria a utilidade desta regra e o poder do condomínio de interferir
desta forma na vida privada de seus habitantes, possivelmente ressaltando a
qualidade de vida que o convívio com animais traz a idosos e crianças. O
enfoque dogmático, por sua vez, admite a regra como estabelecida e busca
suas lacunas: ela vale para os que já possuíam animais, ou apenas em caráter
prospectivo? Aplica-se a todos os tipos, como peixes e jabutis, ou apenas
àqueles que possam perturbar a convivência? Questiona, portanto, a
interpretação da regra, não a sua legitimidade em si.
Distinguem-se assim, em linhas gerais, a zetética da dogmática: uma como
especulação descompromissada, em que nada se extrai à dúvida se não
comprovável, e a outra como questionamento partindo de um pressuposto
arbitrário e preocupado com seu curso de ação. Ou seja: busca a zetética
investigar o ser de algo, do que ele é, e a dogmática o dever ser, de que
decisão tomar sobre ele.
Críticas e defesa do enfoque dogmático
Essa adstrição dogmática ao ordenamento vigente é criticada por seu
legalismo, intransigência e distanciamento da realidade social,
examinando o fenômeno jurídico de forma isolada, ao exemplo da abordagem
de KELSEN.
É principalmente questionado o conceito de legislador racional, derivado do
formalismo jurídico. Neste conceito, atribuem-se ao legislador determinadas
propriedades: presume-se que este seja imperecível, onisciente, operante,
justo, preciso e onicompreensivo em sua atividade legiferante. Esta
idealização é incoerente com o legislador fático, que em muitos casos se
mostra impreciso e limitado de maneira característica à raça humana.
No entanto, a intenção do enfoque dogmático é justamente uma de
otimização da lei. Nas palavras de SANTIAGO NINO, a dogmática propõe
exatidão para os termos vagos, completa lacunas e resolve incoerências,
enquanto preserva a segurança jurídica ao a�rmar que as soluções propostas
não supõem modi�cação alguma do direito positivo, derivando
implicitamente dele. Como NOWAK coloca, a interpretação dogmática do
material normativo é um instrumento necessário e indispensável para a
adaptação das prescrições legais às exigências da vida social.
Aquele que pretendesse se orientar, em termos relativamente complexos,
pelos textos legais, sem considerar suas elaborações dogmáticas,
provavelmente se sentiria desorientado perante decisões que não se
fundamentam pura e simplesmente na letra da lei, tamanha a in�uência da
dogmática jurídica na jurisprudência.
Considerações �nais sobre zetética e dogmática
Tanto no plano geral de investigações cientí�cas quanto especi�camente no
âmbito jurídico, zetética e dogmática se complementam, com uma criticando
e desconstruindo o conhecimento estabelecido e a outra buscando otimizá-lo
para uso prático. Por isso, considera-se a Introdução ao Estudo do Direito um
estudo zetético da dogmática jurídica.

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