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Manual de Filosofia Política - Teorias Contemporâneas da Democracia

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Manual de Filosofia Política
Flamarion Caldeira Ramos
Rúrion Melo
Yara Frateschi
Cap. 11 – Teorias Contemporâneas da Democracia – Rúrion Melo
Rúrion Soares Melo
é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Possui graduação (2003), mestrado (2005) e doutorado (2009) em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), e pós-doutorado pelo CEBRAP (2011). Foi pesquisador visitante da J. W. Goethe Universität Frankfurt am Main e da Freie Universität Berlin entre 2007 e 2008. É membro do Grupo Interuniversitário de Pesquisa Filosofia Crítica e Modernidade (FiCeM) e coordena o Grupo de Estudos de Política e Teoria Crítica da USP. Desenvolve pesquisas nas áreas de teoria política e teoria social. É um dos coordenadores da Coleção Habermas pela Editora da UNESP. Atua principalmente nos seguintes temas: teoria crítica, marxismo e teoria política, teorias da democracia, esfera pública e lutas por reconhecimento.
Introdução
O que entender por Democracia?
Um regime democrático é apenas uma forma ideal de governo onde o povo governa?
Existe apenas uma espécie de democracia?
Democracia ideal (normativa) x Democracia real.
Independentemente do ponto de vista (ideal ou real) a democracia legitima a vida política moderna.
Democracia ideal – ideais de soberania popular e de autonomia política
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Argumentos realistas de democracia reforçam as características complexas e plurais das democracias reais, a competição das elites pelo poder, o sistema político-administrativo do Estado e o primado do autointeresse na descrição do jogo político.
Argumentos normativos apoiam-se nos procedimentos democráticos para a tomada de decisões coletivas, na participação política, nos processos de formação da opinião e da vontade e na deliberação pública entre os cidadãos.
As formas de se pensar a democracia por um aspecto normativo ou real são oposições de fato?
As concepções são complementares: “os realistas nunca abdicaram de atribuir uma justificação racional às instituições democráticas e avaliá-las positivamente diante de regimes autoritários; as concepções normativas, por sua vez, procuraram explicitar aquilo que os realistas apenas pressupuseram de forma implícita, ou seja, apontaram fagulhas de uma razão existente nas próprias práticas e processos políticos descritos empiricamente.”
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Elitismo Democrático
Trata-se de uma corrente pretensamente realista (em muitos aspectos pessimista).
Tem como figuras proeminentes Max Weber e Joseph Schumpeter.
Tais autores “ofereceram análises das Democracias contemporâneas em que a participação democrática e o ideal da soberania popular deram lugar aos mecanismos institucionais formais e a processos de concorrência pelo poder.”
Perspectiva “Realista”: As sociedades são altamente complexas e pluralistas.
Complexidade: O fato de serem compostas por um Estado burocratizado, por uma economia de mercado desenvolvida e por uma sociedade civil fragmentada em grupos de interesse.
Sociedades Complexas possuiriam um alto grau de diferenciação funcional que acompanha a racionalização do direito, a concentração das empresas e a extensão da intervenção estatal sobre os mais diversos âmbitos da atividade humana.
Sociedade Plurais são regidas por uma multiplicidade de valores e de interesses que na maior parte das são irreconciliáveis entre si. Trata-se de um pluralismo baseado em individualidades.
Em que pese Weber e Schumpeter considerarem que os ideais igualitários de liberdade política são vagos eles ainda assim justificam o governo democrático pois o núcleo liberal instaurado nos sistemas democráticos promoveria a pluralização dos valores, a concorrência dos grupos de interesse e fomentaria a liberdade de escolha.
Os autores negam, porém, as doutrinas clássicas por considerar que os processos políticos modernos contradizem o princípio da soberania popular.
Segundo Weber a sociedade política centrada no Estado seria uma oposição a ideia de autonomia popular. o Estado não é senão um agrupamento político que “reivindica o monopólio do uso legítimo da força física”.
Ainda no entender de Weber, os interesses coletivos da comunidade política ficam restritos, assim, às condições de competição política pelo poder administrativo, de sorte que o objetivo de assegurar o ideal da soberania popular é desmentido pelo modo como o poder administrativo se transforma num fim em si mesmo.
Schumpeter e as duas grandes ficções da clássica doutrina democrática:
- Bem comum: as diferenças entre as pessoas não possibilitariam no caso concreto estabelecer uma decisão que fosse igualmente válida para todos;
- Vontade de indivíduos racionais: A questão da massificação urbana e das manipulações da vontade do povo.
Os discursos ideológicos dos regimes totalitários
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Se a autodeterminação dos cidadãos é tão frágil o que justificaria racionalmente a Democracia?
1- a)A Democracia seria um método de seleção. A Democracia é entendida assim como “o arranjo institucional para chegar a decisões coletivas em que certos indivíduos adquirem, por meio de uma disputa competitiva pelo voto popular, o poder de decidir” (Schumpeter), ou;
b) “a Democracia significa simplesmente que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar os homens que os governam” (Schumpeter)
2- A Democracia conferiria o ônus da racionalidade política aos membros das elites nos partidos e cargos públicos em oposição à irracionalidade das massas. Democracia como o governo dos políticos. 
O elitista concebe a Democracia como uma tecnocracia. As práticas administrativas estão nas mãos de grupos de líderes políticos que são competentes para tomar decisões e intervir nos problemas reais da política. 
Aparente falha do elitismo democrático: No final das contas, ambas as críticas nos levariam à conclusão de que Weber e Schumpeter parecem “incapazes de conciliar o realismo do método democrático por eles proposto com o apelo normativo da ideia da Democracia” (AVRITZER, 1996, p. 109). A teoria realista precisaria esclarecer os pressupostos normativos que estão de algum modo apoiando a defesa do pluralismo e das regras do jogo democrático: o elitismo enxuga o pluralismo diagnosticado e também deixa de esclarecer por que as políticas das elites precisam satisfazer os interesses que não são os das próprias elites.
Em resumo: O elitismo democrático não justifica a necessidade de procedimentos democráticos.
Teoria Econômica da Democracia
Defendida por Anthony Downs em “Uma teoria econômica da democracia”.
Buscava responder o dilema schumpeteriano: Como compatibilizar os procedimentos racionais do revezamento das elites no poder com o comportamento considerado irracional dos eleitores?
Downs complementou o elitismo democrático com uma teoria da racionalidade individual.
Considerou que a teoria do realismo político falhava pois não considerava indivíduos capazes de escolher racionalmente diante de alternativas diversas.
A escolha racional de indivíduos poderia explicar sistemas macrossociais.
Indivíduos, segundo essa teoria seriam maximizadores de utilidade (buscam a otimização, a minimização dos custos).
Gênese da teoria encontra-se no utilitarismo liberal. No campo das ciências sociais a matriz principal da teoria da escolha racional seria a economia.
Utilidade esperada - os agentes econômicos são maximizadores que escolhem uma ação ou um conjunto de ações desejando obter a máxima utilidade esperada em relação a suas próprias preferências.
“[...] não levamos em consideração a personalidade total de cada indivíduo quando discutimos qual é para ele um comportamento racional [...]. Retomamos da teoria econômica tradicional, na verdade, a ideia do consumidor racional. Assim como se considerou no caso do homo economicus [...], nosso homo politicus é o ‘homem comum’ que compõe o eleitorado, o ‘cidadão racional’ de nosso modelo de democracia” (Downs).
O modelo racional é usado não apenas no âmbito econômico, mas também no social,
jurídico ou político.
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Os eleitores direcionam seus próprios interesses ao sistema político, e aqueles que administram tal sistema trocam os votos que podem obter dos eleitores por determinados benefícios e ofertas políticas.
Os partidos não vencem eleições com a finalidade de formular uma série de políticas públicas que possam satisfazer as carências da população, mas, antes, “formulam políticas públicas para vencer eleições” (DOWNS)
Assim como no modelo de Schumpeter os partidos lutam pelo poder e criam políticas públicas com o objetivo de vencer eleições.
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Em que pese esse aspecto de toma-lá-dá-cá, o processo tem um princípio de legitimação que se justifica na medida em que o resultado de uma eleição manifesta a preferência da maioria dos cidadãos.
Os estudos que compreendem o comportamento político racional a partir da lógica econômica partem de uma noção minimalista de Democracia inspirada na teoria dos jogos.
No jogo democrático deve existir uma incerteza quanto aos resultados, mas as regras do jogo devem ser conhecidas.
A subordinação da política à esfera econômica: “[...] o homo politicus, não sendo senão o homo economicus transposto para certa arena especial de problemas, caracterizar-se-ia pela busca de manipulação eficiente das condições que lhe oferece o ambiente de maneira a viabilizar a realização de seus objetivos” (SANTOS, 2000, p. 96).
Pluralismo democrático
Tem em Robert Dahl seu autor mais importante.
Os defensores do pluralismo democrático acreditam que ambas as explicações realistas anteriores são incompletas e parciais: a deficiência, nos dois casos, consiste em desconsiderar os grupos intermediários na descrição do jogo democrático e na justificação da legitimidade da Democracia.
Dá importância às ações coletivas de indivíduos que maximizam seus variados interesses comuns.
Mais importante do que sublinhar que o jogo político estaria constituído por partidos voltados ao sucesso e à conquista do poder, a definição contemporânea da Democracia precisaria atentar às condições procedimentais que asseguram uma estabilidade justificável para a concorrência.
Democracia como “um processo de tomada de decisões coletivas” (Dahl)
Dahl entende que sistemas democráticos ideais não existem mas considera que as práticas democráticas existentes podem favorecer a aproximação da Democracia Ideal.
Poliarquia - uma situação aberta de concorrência entre partidos, grupos e indivíduos que enriquece a variedade de minorias existentes e cujas preferências precisam ser levadas em consideração pelos líderes na formulação de suas políticas (DAHL, 2005).
Instituições necessárias às poliarquias:
a) o controle sobre as decisões governamentais tomadas por seus representantes;
b) Eleições livres e periódicas;
c) a inclusão de todas as pessoas e grupos envolvidos;
d) chances reais de participação no processo político repartidas equitativamente entre os grupos interessados; 
e) igual direito ao voto nas tomadas de decisão;
f) direitos iguais no que diz respeito à escolha de temas e à manutenção da agenda política;
g) condições de publicidade e transparência para que todos os interessados possam compreender as matérias controversas a serem regulamentadas. 
Crítica: também afetam a ideia de soberania popular. Trata-se de um governo de minorias!
princípio da autonomia moral: não se reduz à operação da escolha racional baseada apenas no auto interesse, mas remete às condições equitativas para o exercício de uma cidadania plenamente livre.
Crítica: Não se preocupa com o ponto onde se funda a legitimidade das práticas, dos direitos e das instituições democráticas.
Democracia Deliberativa
Jürgen Habermas preocupa-se em reconstruir a gênese democrática das instituições políticas a partir do núcleo procedimental que as constitui.
Democracia deliberativa: em contraste com a concepção pluralista dos grupos de interesse e com o elitismo democrático, entende que a legitimidade das decisões e acordos políticos se fundamenta nos processos de deliberação pública.
Teoria da ação comunicativa
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A legitimidade do poder e dos princípios e normas que regulam a vida coletiva depende da aceitação ou da recusa das razões que são oferecidas para justificá-la: todos os concernidos devem poder oferecer razões que possam ser publicamente reconhecidas por cidadãos livres e iguais.
Ao lado de uma ação estratégica, dirigida pelas preferências e voltada ao sucesso, teríamos de pressupor também uma ação regulada por normas, já que ninguém conseguiria utilizar estrategicamente normas sem supor o reconhecimento intersubjetivo delas.
Diferença do modelo habermasiano das concepções liberal e republicana de Democracia:
Concepção liberal: a Democracia cumpre a função de programar o Estado para a realização dos interesses individuais dos cidadãos. Palavras-chave: Autointeresse, direito subjetivo, autonomia privada.
Concepção republicana: tem como um dos principais aspectos a participação ativa dos membros da sociedade na vida política. Palavra-chave: Bem-comum.
Modelo habermasiano: Habermas atribui ao processo democrático conotações normativas mais fortes do que aquelas assumidas pelo modelo liberal; contudo, tais conotações seriam mais fracas do que o modelo republicano pressuporia. Tratar-se-ia da institucionalização de discursos e negociações capazes de fundamentar a suposição de racionalidade para todas as tomadas de decisão realizadas conforme o procedimento.
Discursos pragmáticos: surgem quando temos de procurar os meios mais apropriados para realizarmos preferências e fins já previamente estabelecidos. Típico do tilitarismo dowsiano.
Discursos éticos: surgem quando uma comunidade política coloca em primeiro plano questões que envolvem osideais e valores que orientam seus projetos comuns de vida.
Discursos morais: por fim, surgem quando examinamos a possibilidade de regular nossa convivência no interesse simétrico de todos.
É um teoria que se preocupa mais do que as anteriores com os processos políticos de formação da vontade. É condensada no princípio do discurso: “são válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais” (HABERMAS).
Condição de imparcialidade necessária na Democracia Deliberativa:
“1) a participação na deliberação é regulada por normas de igualdade e simetria; todos têm a mesma chance para iniciar atos de fala, questionar, interrogar, e abrir o debate; 2) todos têm o direito de questionar os tópicos fixados no diálogo; 3) e todos têm o direito de introduzir argumentos reflexivos sobre as regras do procedimento discursivo e o modo pelo qual são aplicadas ou conduzidas” (BENHABIB, 2007, p. 51).
Sey la Benhabib, um dos mais importantes nomes entre os democratas deliberativos.
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Funciona como um processo de aprendizado. Os participantes podem e devem mudar de opinião mediante os fatos apresentados.
Conclusões:
Conclusões normativas: Mais abrangentes, inclusivas na avaliação dos processos empíricos e na explicitação de seus conteúdos normativos.
Importância da interpretação do processo político de um ponto de vista que não inclua apenas o Estado, mas também o ponto de vista do uso público da razão de todos os cidadãos.

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