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ANALISE DA CONVERSAÇÃO A Angela Paiva Dionísio 1. PARA INÍCIO DE CONVERSA... Os estudos mais recentes na área da interação verbal definem a linguagem como uma forma de ação conjunta (Clark, 1996; Marcuschi, 1998a), que emer ge quando falantes/escritores e ouvintes/leitores realizam ações individuais, coordenadas entre si, fazendo com que tais ações se integrem, formem um con junto. Usar a linguagem consiste, portanto, em realizar ações individuais e so ciais. Estamos sempre fazendo algo com a linguagem. Conversar, por exemplo, é uma atividade social que desempenhamos desde que começamos a falar. No dia a dia, estamos conversando com alguém, convidando alguém para conver sar, puxando conversa com um outro. Na década de 1980, em nosso país, foi lançado o primeiro livro nesta área com o título Análise da Conversação, de autoria do professor Luiz Antônio Marcuschi. Segundo esse autor, “a conversa ção é a primeira das formas de interação a que estamos expostos e provavel mente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora”1. Quando se diz aqui “conversação” está se tratando de todas as formas de “interação verbal” exis tentes em nossa sociedade, embora alguns estudiosos dessa área a concebam 1 1. Marcuschi, L. A. Análise da conversação. São Paulo, Ática, 1986, p.14. 70 INTRODUÇÃO A LINGUÍSTICA como apenas as interações verbais face a face em que há “simetria de direitos e espontaneidade na realização do evento”2. Ainda segundo esse autor, é sugestivo, portanto, conceber a conversação como algo mais do que um simples fenômeno de uso da linguagem em que ativa o código. Ela é o exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas relações interpessoais, tor nando-se assim um dos melhores testes para a organização e funcionamento da cognição na complexa atividade da comunicação humana. Neste contexto a lín gua é um dos tantos investimentos, mas não o único, o que permite uma análise de múltiplos fenômenos em seu entrecruzamento3. A Análise da Conversação (AC) consiste numa abordagem discursiva que teve origem na década de 1960, ligada aos estudos sociológicos, ou, mais espe cificamente, à Etnometodologia,4 com os trabalhos de Harold Garfinkel, Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e Gail Jefferson. Enquanto os sociólogos reconhe cem que a conversação nos diz algo sobre a vida social, ao procurarem respon der a questões do tipo “como nós conversamos?”, os lingüistas da Análise da Conversação perguntam “como a linguagem é estruturada para favorecer a con versação?” e reconhecem que a conversação nos diz algo sobre a natureza da língua como fonte para se fazer a vida social (Eggins & Slade, 1997). Para a Etnometodologia, os analistas devem ser sensíveis aos fenômenos interacionais, observando detalhes e conexões estruturais existentes no proces so interativo. Motivados por esses princípios, os estudiosos da AC, nestas três décadas de trabalho, procuram investigar os aspectos essenciais para a organi zação do texto conversacional. Hilgert (1989) aponta três níveis de enfoque da estrutura conversacional:5 a) macronível: estuda as fases conversacionais, que são abertura, fecha mento e parte central e o tema central e subtemas da conversação; b) nível médio: investiga o turno conversacional, a tomada de turnos, a se- qüência conversacional, os atos de fala6 e os marcadores conversacionais; 2. Marcuschi, L. A. Perspectivas dos estudos em interação social na Lingiiística brasileira dos anos 90. Recife, 1998a, p. 7. (Mimeografado.) 3. Ibidem, p. 6. 4. A Etnometodologia “tem como objeto de estudo (a) as atividades práticas do cotidiano, o que implica (b) o caráter empírico desse estudo, além disso, supõe (c) um princípio de organização na realiza ção dessas atividades pelos membros do grupo social”. Hilgert, J. G. A paráfrase: um procedimento de constituição do diálogo. Tese de doutorado. PUC-SP, 1989, p. 80. 5. A análise desses níveis se encontra diluída no desenrolar deste capítulo. Em função disso, faremos agora apenas uma apresentação mais geral. 6. Ver o conceito de atos de fala no capítulo “Pragmática”, neste mesmo volume. A N Á LISE D A C O N V E R S A Ç Ã O 71 c) micronível: analisa os elementos internos do ato de fala, que consti tuem sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódia7. Dentre as razões que justificam o estudo da conversação, podemos apon tar: (i) é a prática social mais comum do ser humano, (ii) desempenha um papel privilegiado na construção de identidades sociais e relações interpessoais, (iii) “exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito a simples habilidade lingüística dos falantes”,8 (iv) permite que se abordem questões en volvendo “a sistematicidade da língua presente em seu uso e a construção das teorias para enfrentar essas questões”9. Quando estamos conversando, estamos sempre abordando um ou mais de um assunto, um ou mais de um tópico discursivo10 11, não importa se os temas são sérios, fundamentais para a vida dos interlocutores, para o bem-estar do país, do mundo ou se estamos “jogando conversa fora”. O importante é a existência de algo e sobre o qual duas pessoas, pelo menos, estão conversando. O tópico discursivo pode ser definido como uma atividade em que há uma certa corres pondência de objetivos entre os interlocutores (Fávero, 1992) e em que há um movimento dinâmico da estrutura conversacional (Jubran et al, 1992), fazendo com que o tópico seja um elemento fundamental na constituição do texto oral. A organização tópica compreende duas propriedades básicas, que são a centração e a organicidade. A primeira propriedade diz respeito ao conteúdo, ou seja, diz respeito ao falar-se sobre alguma coisa, enquanto a segunda se refere às rela ções de interdependência que são estabelecidas entre os tópicos de uma conver sação. A conversa espontânea se constrói a cada intervenção dos interlocutores, ou seja, a elaboração e a produção ocorrem, simultaneamente, no mesmo eixo temporal. É uma atividade co-produtiva, que “nunca se pode prever com exati dão em que sentido o parceiro vai orientar a sua intervenção”,11 o que não signi- 7. H ilgert, J. G. Op. cit. 8. M arcusch i, L. A. Análise da conversação. São Paulo , Á tica, 1986, p. 5. 9. M arcusch i, L. A. Perspectivas dos estudos em interação social na Lingüística brasileira dos anos 90. R ecife , 1998a, p. 6. (M im eografado ) 10. U m a das dificuldades encontradas pelos analistas da conversação se refere à definição do term o tópico discursivo, tendo em vista o “caráter vago e am plo do significado de assunto, e do conseqüente grau de subjetividade que preside a própria com preensão dessa noção” ; (...) e o “fato de que a associação de assunto e tema tom a a explicação circular, na m edida em que o conceito de tema carece, igualm ente, de um a defin ição precisa” (Jubran, C. C. A. S. et al. O rganização tóp ica da conversação. In: Ilari, R. (org .) Gramática do Português fa lado. C am pinas, E d ito ra da U N IC A M P, 1992, pp. 360-361. 11. K och, I. G. V . O texto e a construção dos sentidos. São Paulo , C ontex to , 1997, p. 116. 72 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA fica que sua organização seja caótica ou aleatória. As contribuições dos falantes devem demonstrar, de alguma forma, uma relação com o curso da conversa, pois a conversação é uma atividade semântica, ou seja, um processo de produ ção de sentidos, altamente estruturado e funcionalmente motivado. Durante uma conversação, recorremos freqüentemente a enunciados do tipo “isso me lembra”, “por falar em”, “agora”, “mudando de assunto”, “voltan do ao assunto” para sinalizar que estamos compartilhando cognitivamente da interação. Ainda empregamos enunciados do tipo “desculpe interromper a con versa de vocês, mas...” quando nos inserimos em interações de que não somos participantes. Marcuschi (1998a)destaca que “uma conversação fluente é aque la em que a passagem de um tópico a outro se dá com naturalidade, mas é muito comum que a passagem de um tópico a outro seja marcada”.12 A determinação e a extensão de um tópico discursivo depende da anuência mútua dos interlocutores. A estrutura tópica serve, portanto, como “fio condutor de organização discursiva”, constituindo um traço fundamental para “definir os processos de entrosamento e colaboração entre os falantes na determinação dos núcleos comuns” e para “demonstrar a forma dinâmica pela qual a conversação se estrutura”13. Há uma linearidade na construção do tópico discursivo, que garante a organicidade da interação, pois “o conjunto de relevâncias em foco em dado momento vai, paulati- namente, cedendo lugar a outros conjuntos de relevâncias, ligadas a aspectos antes marginais do tópico em desenvolvimento ou a novos conjuntos de mencionáveis que vão sendo introduzidos a partir dos já existentes”14. Obser vando os segmentos (1) e (2) a seguir, conclui-se que há conversações em cada um deles e que há um tópico sobre o qual se constrói a interação. No segmento (1), dois interlocutores (Dora e Josué) discutem sobre uma viagem a ser realiza da (tópico discursivo) e no segmento (2), os três interlocutores [duas mulheres (M33 e M34) e um homem (H28)] discutem sobre o comportamento feminista- machista de M34 (tópico discursivo). (D Josué: Eu vou sozinho. Dora: Eu já d isse que eu vou com você. Josué: Eu não quero ir com você. Dora: E po r quê? 12. Marcuschi, L. A. Perspectivas dos estudos em interação social na Linguística brasileira dos anos 90. Recife, 1998a, p. 14. (Mimeografado) 13. Ibidem. 14. Koch, I. G. V. Op. cit., p.116. ANÁLISE D A C O N V E R S A Ç Ã O 73 Josué: Porque eu não gosto de você. Dora (aflita): E por quê? Josué: Já te falei. Porque você não vale nada. Dora: Como é que você vai chegar lá, quer me explicar? Josué: Deixa um pouco de dinheiro pra eu comer. {Fonte: Central do Brasil, 1998, pp.44-45) 9 ( 2)15 Contexto de Letras 01 H28 02 M33 03 H28 04 05 M34 06 H28 07 M34 08 H28 09 M34 10 11 12 H28 13 M33 14 H28 15 M33 16 17 H28 18 M34 19 H28 20 M33 21 H28 22 23 24 M34 25 26 : Três alunos (duas mulheres (M33 e M34) e um homem (H28)) universitários do Curso conversando em uma sala, esperando começar a aula. Sabem da gravação, bora gente... tenho aula... ( ) daqui a () minutos sinceramente...se fosse se fosse uma oculta era muito melhor não... isso é besteira... o papo rola... a gente já falou aqui quem é feminista...[M.H. [M.H.... é ((rindo)) é você não tem nada a ver [do-minadora [dominadora não... é o seguinte... eu acho que... é um assunto que não se entra em discussão porque são direitos iguais e acabou-se se... então não tem o que discutir... mas... mas eu noto assim [[mas eu garanto que muita coisa [[eu acho eu acho é a autoridade... você você você é a favor do do machismo por isso eu digo por isso eu digo que eu sou meio feminista você é uma feminista machista isso não existe é... existe... [você () do homem... . \ • [pera aí... você acha... pera aí... pera aí você acha machismo do homem... mas você é assim... veja bem., você acha assim o machismo do homem... mas você tem que analisar assim a mulher pode ser machista pelo lado dela [tá entendendo? [lógico... admito ser que a mulher pode machista só que eu tô querendo dizer é o seguinte que [eu não sou feminista 15. Os textos orais utilizados neste artigo respeitam a form a de transcrição original das fontes de onde foram extraídos. 7 4 IN T R O D U Ç Ã O À LINGÜÍSTICA 27 M33 [mas ela é contra a mulher machista... sabia? 28 M34 eu sou a favor de direitos iguais... com isso eu não tô querendo 29 é dizer que... é: o homem num deva... num possa ser cavalheiro [porque... 30 M33 [mas 31 M34 isso aí ele tá deixando... tá... não... 32 M33 isso faz parte do machismo... 33 M34 o cavalheirismo num faz parte do machismo {Fonte: Projeto Linguagem da Mulher, Elisabeth Marcuschi e Judith Hoffnagel, UFPE, 1989) No que diz respeito às condições de produção, é clara a distinção entre as interações. Em (1), fragmento do roteiro do filme Central do Brasil (1998), os interlocutores seguem um planejamento discursivo previamente elaborado, as sim como acontece nas novelas, nas peças de teatro, por exemplo. Esse tipo de interação simboliza a conversação artificial. Já em (2), fragmento de uma conversa informal entre pessoas conhecidas, é possível perceber que a interação se dá de forma natural e informal, tendo em vista que é relativamente não- planejada, ou seja, a construção da interação vai sendo “planejada e replanejada a cada novo ‘lance’ do jogo da linguagem”16. O planejamento ocorre no momen to da interação, ou seja, a conversação é localmente planejada. Os interlocutores constroem conjuntamente a interação, caracterizando a conversação como uma atividade co-produtiva, tendo em vista que eles estão empenhados na produção / do texto falado. E claro que em Central do Brasil os personagens também estão envolvidos na construção de sentido da interação, porém se trata de uma simulação das interações reais, naturais, entre os indivíduos na sociedade em que estão inseridos. O objeto de estudo da AC é justamente a conversação natural, ou seja, aquelas que são produzidas em situações naturais. / E importante destacar que a conversação natural apresenta variedades no grau de formalidade. Estabelecendo uma gradação do informal para o formal, podemos observar que há conversações mais informais, como as conversas es pontâneas, por exemplo, ao lado de outras bem mais formais, como as conferên cias acadêmicas. Ao abordar as diferenças entre fala e escrita, Marcuschi (1995) assegura que essas diferenças se dão dentro do “continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos”,17 pois as estratégias de formulação textual que determinam o contínuo 16. Koch, I. G. V. Op. cit., p.63. 17. Marcuschi, L. A. Oralidade e escrita. Conferência pronunciada durante II Colóquio Franco- Brasileiro sobre Linguagem e Educação. Natal, UFRN, 26-28 de junho de 1995, p. 14. ANALISE DA CO N VERSAÇÃO 75 apresentam variações estruturais, léxicas e sintáticas, entre outras, que são res ponsáveis pelas semelhanças e diferenças entre fala e escrita. 2. DADOS ORAIS: COMO TRATÁ-LOS? Antes de prosseguirmos com a apresentação e análise de segmentos de textos conversacionais, faz-se necessário comentarmos sobre o sistema de trans crição empregado nas transcrições dos dados orais. Como o corpus da AC deve ser constituído por conversações produzidas em situações naturais, é ne cessário que tais conversações sejam gravadas ou filmadas, para que o analista, após a sua transcrição e observação, possa comprovar suas análises. Essa trans crição deve ser a mais fiel possível, pois “a análise tem de se concentrar neces sariamente na produção dos interlocutores e nunca em interpretações e adapta ções do pesquisador. Nesse sentido, por exemplo, representaria um grave equí voco que o pesquisador completasse, com base em sua interpretação, um enun ciado incompleto ou incompreensível da gravação ou da transcrição, e subme tesse essa versão à análise”18. No livro Análise da conversação, mencionado anteriormente, é apresen tado, no capítulo 2, um sistema de transcrição para textos falados. Uma das observações feitas por Marcuschi (1986) diz respeito ao fato de “não existir a melhor transcrição”19. De acordo com os objetivos da pesquisa, o analista faz a transcrição assinalando o que é fundamental para suas análises. É necessário, no entanto, que a transcrição seja legível e sem sobrecarga de símbolos compli cados. No geral, as normas para transcrição têm seguido as orientações do Projeto deEstudo Coordenado da Norma Urbana Lingüística Culta (Projeto NURC). Essas normas estão sintetizadas no Quadro 3.1. A AC analisa materiais empíricos, orais, contextuais, considerando tam bém as realizações entonacionais e o uso de gestos ocorridos durante o processamento da conversação. Expressões faciais, entonações específicas, um sorriso, um olhar ou um maneio de cabeça corroboram com a construção do sentido do enunciado lingüístico que está sendo proferido, ou, ainda, podem substituir um enunciado lingüístico no processo interacional face a face. As conversas espontâneas que construímos cotidianamente estão repletas dessa mistura do verbal e do não-verbal. Steinberg (1988) sistematiza os recursos 18. Hilgert, J. G. A paráfrase: um procedimento de constituição do diálogo. Tese de doutorado. PUC-SP, p. 90. 19. Marcuschi, L. A. Análise da conversação. São Paulo, Ática, 1986, p. 9. 76 INTRODUÇÃO A LINGUÍSTICA QUADRO 3.1. NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO O corrências Sinais Exemplificação 1. Indicação dos falantes os falantes devem ser indicados em linha, com letras ou alguma sigla convencional H28 M33 Doc. Inf. 2. Pausas • • • não... isso é besteira... 3. Ênfase MAIÚSCULAS ela comprou um OSSO 4. Alongamento de vogal : (pequeno) :: (médio) ::: (grande) eu não tô querendo é dizer que... é: o eu fico até:: o: tempo todo 5. Silabação - i do-minadora 6. Interrogação 9• ela é contra a mulher machista... sabia? 7. Segmentos incompreensíveis ou ininteligíveis ( ) (ininteligível) bora gente... tenho aula... ( ) daqui 8. Truncamento de palavras ou desvio sintático / eu... pre/ pretendo comprar 9. Comentário do transcritor (( )) é ((rindo)) 10. Citações C6 >> “mai Jandira eu vô dize a Anja agora que ela vai apanhá a profissão de madrinha agora mermo" 11. Superposição de vozes [ H28. é... existe... [você ( ) do homem... M33. [pera aí... você acha... pera aí... pera aí 12. Simultaneidade de vozes [[ M33. [[mas eu garanto que muita coisa H28. [[eu acho eu acho é a autoridade 13. Ortografia tô, tá, vô, ahã, mhm ANALISE D A C O N V E R S A Ç Ã O 7 7 não-verbais normalmente empregados pelos falantes de uma dada língua numa conversa em: a) paralinguagem: sons emitidos pelo aparelho fonador, mas que não fa zem parte do sistema sonoro da língua usada; b) cinésica: movimentos do corpo como gestos, postura, expressão facial, olhar e riso;* \ c) proxêmica: a distância mantida entre os interlocutores; d) tacêsica: o uso de toques durante a interação; e) silêncio: a ausência de construções lingüísticas e de recursos da paralin guagem20. Steinberg (1988) diz que a paralinguagem é “uma espécie de modifica ção do aparelho fonador, ou mesmo a ausência de atividade desse aparelho, incluindo nesse âmbito todos os sons e ruídos não-lingüísticos, tais como as sobios, sons onomatopaicos, altura exagerada”21. Quanto aos gestos, os audí veis estão no campo da paralinguagem, enquanto os visuais podem ser anali sados no âmbito da cinésica. Para Steinberg, os atos paralingüísticos e cinésicos desempenham funções variadas no curso da interação e de acordo com essas funções podem ser classificados como lexicais (episódios não-verbais com . ^ - — ■ ; significado próprio, como “Shhh” para indicar “fique quieto”), descritivos (“suplementam o significado do diálogo através dos ouvidos e dos olhos”), reformadores (“reforçam ou enfatizam o ato verbal”), embelezadores (movi- . menta-se o corpo todo para realçar a fala) e acidentais (aqueles que ocorrem por acaso, sem uma função semântica). Dessa forma, a interação verbal se encontra estruturada em uma estrutura tríplice — linguagem, paralinguagem e cinésica — ,22 exigindo dessa forma dos analistas da oralidade uma postura interdisciplinar, uma vez que esses elementos estruturam a sociedade e são por ela estruturados. Falamos, portanto, com a voz e com o corpo. Por isso, o sistema de trans crição deve contemplar informações que assegurem o registro desses aspectos. Para exemplificar o que estamos afirmando, vejamos alguns fragmentos de con versas espontâneas, examinando a inter-relação entre atos lingüísticos, paralin güísticos e cinésicos e verificando algumas seqüências em que esses atos co- ocorrem. Os exemplos de (3) a (6) foram extraídos de Dionísio (1998) e nos 20. Steinberg, M. Os elementos não-verbais da conversação. São Paulo, Atual, 1988, p. 3. 21. Ibidem, p. 5. 22. Ibidem, p.16. 78 INTRODUÇÃO A LINGUÍSTICA mostram como são construídas indicações de pessoas, de objetos, de paisagens presentes no momento da interação: (3) 566 H03 é... o tem po num dá... pá chegá... m elhoro m uito... aqui tá m elhorado m uito... 567 num tem nem com para... eu saí daqui um a época... eu era garoto assim... assim 568 ((aponta para uma m enina com aproxim adam ente 8 anos )) ( ) uns dei zano ...t (4) 203 M 03 certas co isas ... eu d igo p era í... tin h a um a b ac ia co n fo rm e essa aqui (( pega numa 204 bacia plástica que está próxima e m ostra)) um a bacia... de loiça... eu meiei aqui 205 assim (( demarca na bacia o nível da água colocada na época )) eu butei água ... (5) 497 P01 com o é m erm o? de onde é a terra do senhô e pra onde é? * 498 H05 tá veno aquele ((aponta para vários coqueiros ao seu lado direito)) esse pé de coco 499 que tem ali? 500 P01 esse grande? [ esse m aior? ((aponta para o mais alto)) 501 H05 [ hum ?... sim esse m aió [... esse ju n to do pequenin in lá... é do m aió 502 P01 [sim tô vendo 503 H05 ✓ pra CA é m eu [ . . . ] pra lá 504 P01 [ sim ] 505 H05 ((aponta para frente)) aqui [... nessa nessa m andioquinha que tem aí nessa roça ... 506 P01 [ do lado esquerdo? 507 H05 tá veno? (6) 201 M 03 e eu eu tava m orava aqui na dona M ocinha.;, ali naquela vage dela... d igo oxi... e 202 aquilo ligero assim tum tum tum... e eu espiei... eu digo eu num tive m edo de {Fonte: D IO N ÍSIO , A . Imagens na oralidade. T ese de doutorado. U FPE, 1998) 3. COMO A CONVERSA SE ORGANIZA? Desde pequenos estamos convivendo com uma regra básica da AC, pois os mais velhos nos ensinam que devemos falar um de cada vez. Esperar a vez para falar significa esperar a ocorrência de um lugar relevante para a transição AN ALISE D A C O N V E R S A Ç Ã O 7 9 (LRT), ou seja, esperar por marcas como pausas, hesitações, entonações descen dentes, uso de marcadores etc., na fala do nosso interlocutor. Um falante pode entregar, o direito de fala a um outro por meio de sinais que deixem claro que ele terminou de falar ou por meio de um convite ao outro para falar. Em outras pala vras, manda a regra que só após a conclusão de sua “fala” (de seu “turno”), o outro interlocutor deve assumir a posição de falante. Mas basta pensarmos num grupo de pelo menos três amigos, conversando entre si, durante um encontro descontraído ou, ainda, nas salas de aula quando o professor faz uma pergunta à turma e vários alunos respondem ao mesmo tempo, para percebermos que esta regra não é seguida. Freqüentemente, em sala de aula, estamos dizendo “vocês falaram ao mesmo tempo e eu não entendi nada” ou “um de cada vez”. Por outro lado, somos capazes de participarmos de uma interação com várias pessoas e nos entendermos perfeitamente. A falta de organização nesse tipo de interação é ape nas aparente, pois a harmonia e a organização nas conversações são muito relati vas. O primeiro trabalho sobre a organização de turnos conversacionais foi o de Sacks, Schegloff & Jefferson (1974). Para eles, a noção de turno engloba dois sentidos: (i) o de distribuição de turno, ou seja, qualquer locutor tem o direito de tomar a palavra e (ii) o de unidade construcional, isto é, a fala elaborada no momento em que um indivíduo toma a palavra e se toma um falante. Com base^ nessesprincípios, pode-se definir turno conversacional como cada interven ção dos interlocutores formada pelo menos por uma unidade construcional. Marcuschi (1986) concebe tumo como “a produção de um falante enquanto ele está com a palavra, incluindo a possibilidade de silêncio”, mas não considera tumo como “a produção do ouvinte durante a fala de alguém, embora isto tenha repercussão sobre o que fala”23. No exemplo (2), já apresentado, temos 22 tur nos conversacionais, distribuídos entre os três interlocutores. A interação é cons tituída por meio de uma relação simétrica, ou seja, todos os falantes possuem o mesmo direito de fala. Os turnos podem ser identificados de acordo com os falantes no esquema a seguir: Retomada de exemplo (2) 01 H28 bora gente... tenho aula... ( ) daqui a ( ) minutos 02 M33 sinceramente... se fosse se fosse uma oculta era muito melhor 03 H28 não... isso é besteira... o papo rola... a gente já falou aqui quem 04 é feminista... [M.H. 05 M34 [M.H.... é ((rindo)) tumo 01 tumo 02 tumo 03 tumo 04 23. M arcuschi, L. A. Análise da conversação. São Paulo, Á tica, 1986, p. 89. 80 INTRODUÇÃO À LINGÜiSTICA 06 H28 é você turno 05 07 M 34 não tem nada a ver turno 06 08 H28 [do-m inadora turno 07 09 M 34 [dom inadora não... é o seguinte... eu acho que... é um assunto -!► tum o 08 10 que não se en tra em discussão porque são d ireitos iguais e 11 acabou-se se... en tão não tem o que discutir... 1 2 H 2 8 m as... m as eu noto assim tum o 09 13 M 33 [[m as eu garanto que m uita coisa turno 10 14H 28 [[eu acho eu acho é a autoridade... tum o 11 15 M 33 você você você é a favor do do m achism o tum o 12 16 por isso eu digo por isso eu d igo que eu sou m eio fem inista 17H 28 você é um a fem in ista m achista turno 13 18 M 34 isso não existe tum o 14 19H 28 é... existe... [você ( ) do hom em ... tum o 15 20 M33 [pera aí... você acha... pera aí... pera aí turno 16 21 H28 você acha m achism o do hom em ... m as você é assim ... veja turno 17 22 bem., você acha assim o m achism o do hom em ... mas você tem que analisar 23 assim a m ulher pode ser m achista pelo lado dela [tá entendendo? 24 M 34 [lógico... adm ito + turno 18 25 ser que a m ulher pode m achista só que eu tô querendo d izer é o 26 seguinte que [eu não sou fem inista 27 M 33 [mas ela é contra a m ulher m achista... sabia? turno 19 28 M 34 • # eu sou a favor de direitos iguais... com isso eu não tô querendo tum o 20 29 é dizer que... é: o hom em num deva... num possa ser cavalheiro [porque... 30 M 33 [mas turno 21 31 M 34 isso a í ele tá deixando... tá... não... 32 M 33 isso faz parte do m achism o... 33 M 34 o cavalheirism o num faz parte do m achism o tum o 22 {Fonte: P rojeto L inguagem da M ulher, E lisabeth M arcuschi e Judith H offnagel, U FPE, 1989) Os tumos, quanto ao desenvolvimento do tópico na seqüência conversa- cional, podem ser nucleares e inseridos. Os nucleares contribuem substancial mente para o desenvolvimento do tópico discursivo, pois exigem que as inter venções subseqüentes estejam relacionadas com o turno anterior. No exemplo (2), os tumos 02,03,07, 08, 11, 12, 13, 14,15, 17, 18, 19,20 e 21 são nucleares porque estão dando andamento ao tópico (comportamento feminista-machista de M34), enquanto os tumos 04, 05, 06, 09, 10 e 16 são tumos inseridos por serem produções marginais em relação ao desenvolvimento tópico da conversa, ANALISE DA CONVERSAÇÃO 81 apesar de colaborarem para esse desenvolvimento, exercendo sempre uma fun ção meramente interacional. Dependendo do papel desempenhado por cada inserção no desenrolar da conversa, os turnos inseridos podem ser classificados como turno de esclareci mento, turno de avaliação, turno de concordância, turno de discordância, entre outros. Observando os exemplos (2) e (7), podemos constatar que os turnos inse ridos também sofrem a influência do tipo de interação, pois no exemplo (2), por se tratar de uma conversa espontânea, os interlocutores procuram marcar suas posi ções não só por meio de concordâncias (turnos 04,05), mas também de discòrdâncias (turnos 06, 16), por exemplo. Já no exemplo (7) a seguir, por se tratar de uma entrevista, a postura da documentadora é prodominantemente de concordâncias, com apenas uma realização de esclarecimento, com a função de testagem das informações dadas. A transcrição a seguir comprova essa classificação: (7) Contexto: Entrevista com uma médica, 65 anos, sobre a existência ou não de diferenças na fala do homem e da mulher. 10 Inf.M eu não acho que tem... não tem apenas a a mulher normalmente 11 é mais: mais delicada [tem sentimento 12 Doc. [uhrum turno concordância 13 Inf.M essa coisa... não é? 14 Doc. é exato turno concordância 15 Inf.M no todo... não é? 16 Doc. sim de forma genérica turno concordância 17 Inf.M a a a mulher tem mais sensibilidade... não é? 18 Doc. Lihrum + turno concordância 19 Inf.M tem mais: a educação mais apurada... não é? 20 Doc. certo turno concordância 21 Inf.M e: tem mais sensibilidade pra coisas be:las en en entendeu? 22 4 ... quase tudo... só isso 23 Doc. só isso? turno de esclarecimento 24 Inf.M só isso... eu só noto essas diferenças 25 Doc. quan:[do 26 Inf.M [mas assim m esm o têm m uitos hom ens dade também... que têm m uita sensib ili- 27 muita sensibilidade (Fonte: Projeto Auto e Heterocaracterização da Faia do Homem e da Mulher, Ângela Dionísio, UFPE, 1994) 82 INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA Outro aspecto relevante na organização das conversas é o fato de ser constituída pelas estratégias de gestão de turno que dizem respeito à troca de falantes, através de passagem de turno e de assalto ao turno, e à sustentação da fala. No primeiro caso, “a troca de falantes se processa segundo a presença (passagem) ou ausência (assalto) de pistas de LRT”24. Essa troca de turno pode ser requerida pelo falante, quando este entrega o turno de forma explícita, ou ainda pode ser consentida, isto é, quando a entrega é implícita. Já os assaltos ao turno constituem uma espécie de violação de uma regra básica da conversa, que é falar um de cada vez. Assim, os autores concebem essa questão da seguinte forma: “no assalto, um dos interlocutores invade o turno do outro, sem que a sua intervenção tenha sido solicitada ou consentida; em termos funcionais, verifica- se que a transição de um turno a outro ocorre sem que haja pistas de LRT. O assalto pode ocorrer com ou sem deixa”25. O tipo de assalto com deixa é aquele que se dá durante hesitações, alongamentos, entonação descendente, pausas realizadas pelo falante que possui o turno. O assalto sem deixa caracteriza-se por intervenções bruscas, provocando sobreposição de vozes. Para Marcuschi (1986), a ocorrência de sobreposições e de falas simultâneas pode provocar um “colapso” na interação. Talvez seja esse conhecimento prévio sobre o funciona mento da estrutura da interação que faz com que um dos interlocutores em sobreposição desista do turno e deixe o outro assumi-lo, como se verifica no exemplo (2), nas linhas 13 e 14: 13 M 33 [[m as eu garan to que m uita co isa 14 H 28 [[eu acho eu acho é a au to ridade... 15 M 33 você você você é a favo r do do m ach ism o 16 p o r isso eu d igo po r isso eu d igo que eu sou m eio fem in ista I / Retomando do exemplo (2), no trecho das linhas 16 a 33, constatamos quatro ocorrências de troca de falantes, decorrentes de assalto ao turno. Nas linhas 19 e 20, M33 assalta o turno de H28, durante uma pausa, e nas linhas 23 e 24 o assalto se dá durante a realização provável de um sinal prosódico, o que caracteriza em ambos os casos um assalto com deixa. Já nas demais ocorrências de assalto ao turno (linhas 25 e 26, 29 e 30), as tomadas se dão de forma mais brusca, tendo em vista que não há pistas de LRT, caracterizandoo assalto sem deixa. tu rno 10 turno 11 ^ turno 12 24. Galembeck, P. et al. O turno conversacional. In: Preti, D. & Urbano, H. A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. São Paulo, T. A . Queiroz/FAPESP, 1997, v. IV, p. 75. (título original, 1990) 25. Galembeck, P. et al. Op. cit., p. 78. ANALISE DA CO NVERSAÇÃO 83 15 M 33 16 1 7 H 2 8 18 M 34 1 9 H 2 8 20 M 33 21 H28 22 23 24 M 34 25 26 27 M 33 28 M 34 29 30 M 33 31 M 34 32 M 33 33 M 34 você você você é a favo r do do m achism o por isso eu d igo po r isso eu d igo que eu sou m eio fem in ista você é um a fem in ista m achista isso não existe é... ex iste ... [você ( ) do hom em ... [pera aí... você acha... pera aí... pera aí você acha m achism o do hom em ... m as você é assim ... veja bem ... você acha assim o m ach ism o do hom em ... m as você tem que analisar assim a m ulher pode ser m ach ista pelo lado dela [tá en tendendo? [lógico... adm ito ser que a m u lher pode m ach ista só que eu tô querendo d ize r é o seguin te que [eu não sou fem in ista [m as e la é con tra a m u lher m achista ... sabia? eu sou a favor de d ire ito s iguais... com isso eu não tô querendo é d izer que... é: o hom em num deva... num possa ser cavalheiro [porque... [m as isso faz isso a í ele tá deixando ... tá ... não... parte do m achism o... o cavalheirism o num faz parte do m achism o Nos contextos de assalto com deixa, podem ser geradas as seguintes situa ções: (i) o interlocutor assaltado abandona o turno e o interlocutor assaltante fica com o turno, como em (7), quando a informante assaltou o turno da documentadora durante um alongamento: 25 D oc. 26 In f.M quan:[do [m as a ss im m esm o têm m u ito s h o m e n s q u e tem m u ita s e n s ib il i dade tam bém ... 27 m uita sensib ilidade (ii) o interlocutor assaltado não abandona o turno e continua a comandar a interação, como em (5), pois P01 em sobreposição ao turno de H05, durante uma pausa, faz uma solicitação de esclarecimento, mas H05 se mantém no turno e ignora a intervenção de sua interlocutora: 505 H 05 ((aponta para frente)) aqui [... nessa nessa m andioqu inha que tem aí nessa roça... 506 P01 [do lado esquerdo? 507 H05 tá veno? 84 INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA (iii) o interlocutor assaltado perde o turno, mas o recupera em seguida, como no exemplo (2), já que H28 não permite que M33 se mantenha com o turno de que ela tentou tomar posse: 19 H 28 é... ex iste ... [você ( ) do hom em ... 20 M 33 [pera aí... você acha... pera aí... pera aí 21 H28 você acha m achism o do hom em ... m as você é assim ... veja bem ... você acha 22 assim o m achism o do hom em ... m as você tem que analisar assim a m ulher A segunda estratégia de gestão de turnos — a sustentação da fala — é, na realidade, uma tentativa empregada pelo falante para garantir a posse do turno, assinalando à sua audiência o desejo de manter-se na conduta do diálogo. Para isso, recorre aos marcadores conversacionais, aos alongamentos, às repetições e à elevação da voz. Ainda no exemplo (2), podemos verificar que no turno 17, linhas 21-23, H28 realiza quatro pausas e usa um marcador conversacional (“veja bem”) para assegurar seu turno, enquanto no turno 20, linhas 28-29, por exemplo, a falante M33 mantém seu direito de fala recorrendo a pausas e alongamento de vogal (é:). No caso das entrevistas formais, a exemplo das realizadas pelo NURC, apesar de consistir num evento conversacional, que apresenta uma estrutura básica pergunta e resposta, unidade mínima dialógica, semelhante à da conver sa espontânea, a elaboração do turno conversacional apresenta uma distinção nítida: os turnos que correspondem às respostas tendem a ser longos e não so frem intervenção do interlocutor no sentido de tomar o turno. No exemplo (8), o turno do documentador contém 20 palavras, enquanto o do informante tem 313. Apesar das pausas, dos truncamentos, das hesitações, dos alongamentos, ou seja, das várias deixas, o documentador não toma o turno, pois o seu papel era meramente conduzir a interação, numa relação assimétrica. (8) D oc. você fa lou da ca rn e ... com o d o n a-d e -casa ... q u a is são as p a rtes ... da carne que você gosta m ais? [pra te r em casa? Inf. [áh: eu go/ assim de filé né? ((ri)) a que eu gosto m ais é do filé... m as né com o: filé filé nem todo com pra... não dá pra com prar en tão ... de ixa ver...p ra churrasco a m elho r carne que eu acho é um a carne cham ada p icanha... que: é um a carne que fica por c im a... da alcatra ... e que tem assim um a cam adinha de gordura que quando a gen te bo ta no fogo derre:te... fica com aquele cheiro... é um a delícia... éh::... deixa ver agora pra consu:m o... de ca :as... eu gosto m uito de alcatra ... acho um a carne assim que::...assim m uito saboro:sa ... e la:... não é m uito du:ra... e dá pra gen te fazer rosb ife m uito facilm ente ... ou tra outro pedaço de carne que eu gosto é o con trafilé ... P R IN cipalm ente com osso ... a gente m anda o açougueiro assim cortar em fa tia e dá: às vezes um rosb ife m uito bom com o osso que eu ANALISE DA CONVERSAÇÃO 85 adoro roer o osso do: contrafilé ... e dá churrasco tam bém ... agora... PR A fa/ uhm : aí m eu D eus do céu eu m e lem brei de um a coisa... O N TEM ... a/ eu m andei m inha em pregada com prar carne pro m eu cachorro ... e e la foi com prar a carne... A contece que e la com prou um O SSO que era a co isa m ais lin:da que eu já vi na m inha vida... um osso de braço... de de parece um cham baril assim aquele... aquela coisa redon:da... cheia de um as gorduras assim entrem eadas e o osso no m eio com um tutano... eu tom ei o osso que era do cachorro ((ri)) cozinhei... ((rindo)) fiz um pirão e com i... co isa m ais gostosa desse m undo... é o tal do cham baril... eu não conhecia não viu?... a í ontem eu vi... quer dizer... eu já tinha com ido ali num barzinho ali na V árzea m uito bom setenta cruzeiros duas pessoas... e eu fiz o o:... cham baril M AS que coisa gostosa... pronto... é um ... pedaço de carne que eu... p re/ p re ten do com prar... no futuro... é cham baril. {Fonte: N U R C , R ecife, 1997. Inq. 1 5 0 /R E -1. 245- 256, p. 18) Nem sempre, porém, é essa a estrutura da entrevista, pois dependendo do processo de interação instaurado entre os interlocutores, tal estrutura pode consistir numa estratégia de perguntas e respostas, com turnos cujas dimen sões estejam mais próximas da conversa espontânea. No exemplo (9), que se encontra a seguir, trecho de uma entrevista com uma empregada doméstica, percebe-se que a entrevistada (S) limita-se a responder exatamente o que lhe é perguntado, com frases curtas, sem demonstrar interesse em desenvolver mais exaustivamente a pergunta que lhe foi endereçada. A exceção dessa postura se encontra nas linhas de 08 a 14, quando a entrevistada procura es clarecer sobre o tempo em que ela acompanha as crianças. No entanto, a postura assimétrica permanece, pois o tópico discursivo é proposto pela entrevistadora (I), que conduz a interação, sem permitir que haja um desvio do tema da entrevista. (9) 01 I — há quanto tem po está nesta casa? 02 S — há um ano e um m ês 03 I — que é que você faz aqui? 04 S — eu cozinho e arrum o 05 I — você cuida tam bém de crianças? 06 S — cuido m uitcho bem 07 I — fica m uito tem po duran te / com ela... com elas? 08 S — depende do tem po/ 09 se ela for saí: 11 e não tivé quem fique 12 eu fico até:: o: tem po todo ... 13 se não tivé outra 86 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA 14 eu eu posso ficá até um ano., dois ... depende 151 — você gostade crianças? 16 S — gosto bastante {Fonte: Projeto sobre a Linguagem Falada pela Empregada Doméstica, L. A. Marcuschi, UFPE) 4. COMO SE ORGANIZAM AS SEQÜÊNCIAS NA CONVERSAÇÃO? Pergunta (P) e resposta (R) compõem a unidade fundamental da organi zação conversacional, ou par adjacente, na terminologia de Sacks, Schegloff & Jefferson26. Mas este par adjacente pode ter “várias formas de realização; a P pode ser na forma interrogativa direta, mais comum, ou na indireta”, e as respos tas também podem “ser na interrogativa”27. Urbano et al. (1993) abordam es sencialmente dois tipos de perguntas: perguntas fechadas (sim/não) e pergun tas abertas (sobre algo). O primeiro tipo caracteriza-se como um enunciado, que conduz para uma resposta que, em princípio, se constitui de um sim ou de um não. A repetição de verbo da pergunta, o uso de back-channel, o uso de certos advérbios e o emprego do verbo topicalizado em negativas são alguns recursos que substituem o sim/não nesse tipo de pergunta. As perguntas fechadas têm carga semântica e as respostas consistem apenas numa confirmação ou não do que foi questionado. O segundo tipo, as perguntas abertas, contêm marcadores interrogativos e as respostas devem estar compatíveis com a circunstância ex pressa no marcador. Esses autores lembram ainda que, ao se realizar um con junto de perguntas simbolizando um todo, a tendência é a elaboração de respos tas truncadas, de respostas à última pergunta ou numa ordem preferencial do interlocutor. Apresentaremos um fragmento de uma entrevista que tinha por objetivo verificar como homens e mulheres caracterizam a própria fala e a fala do outro: ( 10) Contexto: Entrevista com um engenheiro, 28 anos, sobre a existência ou não de diferenças na fala do homem e da mulher. 01. Doc. e você? como é que você descrevería a SUA fala? Pergunta Aberta 02. InfH. eita ... ((ri demonstrando nervosism o)) a minha voz é muito baixa 03. Doc. sua voz é baixa? + Pergunta Fechada 26. Sacks, Schegloff & Jefferson (1974) elaboraram um modelo sobre o sistema de organização da conversação com base na tomada de turno. 27. Marcuschi, L. A . Análise da conversação. São Paulo, Ática, 1986, p. 37. ANALISE DA CONVERSAÇÃO 87 0 4 .InfH. 05. Doc. 0 6 . InfH. 07. Doc. 08. InfH. 09. Doc. 10. InfH. 11. 12. Doc. 1 3 .InfH. 14. Doc. 15. InfH. 16. Doc. 1 7 .InfH. 18. Doc. ✓e o que mais? Pergunta Aberta tenho uns vícios de linguagem vícios de linguagem? ^ Pergunta Fechada e que vícios? Pergunta Aberta é h : ... deixe-me ver... uma coisa que eu me / me fiscalizo muito é: concordância... fiscalizo demais por que você se fiscaliza? Pergunta Aberta porque [eu acho feio [e QUANdo você se fiscaliza? Pergunta Aberta porque eu acho feio... quando falando de modo geral né? a qualtquer: situação? ^ Pergunta Fechada [[é [[ou tem alguma situação que você se fiscaliza mais do que outra? Pergunta Aberta 19. InfH. quando estou com vocês ((Doc e InfH riem)) 20. Doc. por quê? ^ Pergunta Aberta 21. por que somos da área? 4 Pergunta Fechada 22. InfH. é porque são da área {Fonte: Dionísio, A., Projeto Auto e Heterocaracterização da Fala do Homem e da Mulher, UFPE, 1994) Analisando o exemplo (10), podemos observar que as perguntas abertas são introduzidas pelos pronomes como, o que, que, por que, alguma e o advér bio de tempo quando, que tendem a orientar o discurso informante, quanto à autodescrição da fala. Das quatro ocorrências de perguntas fechadas, verifica mos que as duas primeiras têm uma função meramente interacional, pois pare cem desnecessárias do ponto de vista informacional, já que as respostas dadas às perguntas abertas que as antecedem são claras e objetivas. A hipótese da função interacional justifica-se, por um lado, pelo término do turno do entrevista do, demonstrando que não deseja prolongar sua resposta e, por outro lado, pela insegurança da entrevistadora em conduzir a interação, ao parafrasear as res postas do informante. 5. É BOM FALAR SOBRE MARCADORES CONVERSACIONAIS, NÃO É? Observando as conversações apresentadas neste capítulo, podemos per ceber a ocorrência de alguns recursos que são traços característicos da fala, 88 INTRO DUÇÃO A LINGUÍSTICA como em (7), por exemplo, em que a informante finaliza seus tumos com o emprego de “não é?”, “entendeu?”, procurando interagir com sua interlocutora. Esta, por sua vez, participa da conversação empregando expressões não- lexicalizadas (“uhrum”) e expressões estereotipadas sinalizadoras de conver gência (“é exato”, “sim”, “certo”). Esses recursos são chamados de marcadores conversacionais (MC). Retom ada do exem plo (7) 10 Inf.M eu não acho que tem ... não tem apenas a a m ulher norm alm ente 11 é mais: mais delicada [tem sentim ento 12 Doe. [uhrum 13 Inf.M 14 Doc. 15 Inf.M 16 Doc. 17 Inf.M 18 Doc. 19 Inf.M 20 Doc. 21 Inf.M essa coisa... não é? é exato no todo ... não é? sim de forma genérica a a a m ulher tem mais sensibilidade... não é? uhrum tem mais: a educação mais apurada... não é? certo e: tem mais sensibilidade pra coisas be:las en en entendeu? Como o texto oral é planejado e verbalizado ao mesmo tempo, os interlo cutores podem empregar MCs em qualquer ponto da interação, desempenhando funções conversacionais e sintáticas. Os falantes podem inserir MCs no início, % * no meio ou no fim de tumos ou de unidades comunicativas (UC). São denomina das de unidades comunicativas as porções informacionais, ou seja, os enuncia dos conversacionais, que coincidem ou não com tumos, orações ou atos de fala. Segundo Marcuschi (1989), “tal como a frase na escrita, a UC no texto oral é um ponto de referência dos mais diversos fenômenos lingüísticos”28. No exemplo (2), o falante H28, no turno 17, emprega dois MCs: “veja bem” no início da UC — “veja bem... você acha assim o machismo do ho mem...” — e “tá entendendo?” no final do seu turno, que também coincide com o término da UC — “você acha assim o machismo do homem... mas você tem que analisar assim a mulher pode ser machista pelo lado dela tá enten dendo? 28. Marcuschi, L. A . Marcadores conversacionais no português brasileiro: formas, posições e funções. In: Castilho, A. T. (org.) Português culto falado no Brasil. Campinas, Editora da UNICAMP, 1989, p. 288. ANALISE DA CONVERSAÇÃO 89 Retomada do exemplo (2) 21 H28 você acha machismo do homem... mas você é assim... veja bem... você acha 22 assim o machismo do homem... mas você tem que analisar assim a mulher 23 pode ser machista pelo lado dela [tá entendendo? Com funções conversacionais, os MCs são produzidos pelos falantes (aqueles que servem para dar tempo à organização do pensamento, sustentar o turno, monitorar o ouvinte, corrigir-se, reorganizar e reorientar o discurso) e pelos ouvintes (aqueles que são produzidos durante o turno do falante e que servem para orientar o falante e monitorá-lo quanto à recepção, por meio de sinais de convergência, como “sim”, “claro”, “mhm”, “ah sim”; de indagação, como “será?”, “mesmo?”, “o quê?”, “é?”; e de divergência, como “duvido”, “não”, “peraí”, “calma”). Os interlocutores podem recorrer a marcadores conversacionais lingüisticos (verbais e prosódicos) e paralingüísticos (não-verbais). Os MCs verbais, con junto de partículas, palavras, sintagmas, expressões estereotipadas e orações ou ainda expressões não-lexicadas (“ahã”, “uhrum”, “ué”) “não contribuem pro priamente com informações novas para o desenvolvimento do tópico, mas si tuam-no no contexto geral, particular ou pessoal da conversação”29. Os MCs prosódicos (chamados também de supra-segmentais), apesar de sua natureza lingüística, são de caráter nãó-verbal (os contornos entonacionais, as pausas, o tom de voz, o ritmo, a velocidade, os alongamentos de vogais etc.). Dentre eles se destacam as pausas eo tom de voz como sendo os mais importantes para as análises das conversações. Já os MCs paralingüísticos ou não-verbais estabele cem, mantêm e regulam a interação, por meio de risos, olhares, gestos, meneios de cabeça. Quanto às formas em que se apresentam os MCs lingüísticos, eles podem ser divididos em quatro grupos: (i) MCs simples: realizam-se com um só item lexical (“mas”, “éh”, “olha”, “exatamente”,”agora”, “aí”, “então” etc.); $ (ii) MCs compostos: realizam-se como sintagmas, geralmente estereoti pados (“sim mas”, “bom mas aí”, “e então”, “tudo bem mas” etc.); (iii) MCs oracionais: realizam-se como pequenas orações (“eu acho que”, “não mas sabe”, “sim mas me diga”, “então eu acho que”, “porque eu acho que” etc.); 29. Marcuschi, L. A . Análise da conversação. São Paulo, Ática, 1986, p. 62. 9 0 IN T R O D U Ç Ã O A LIN G U ÍST ICA (iv) MCs prosódicos: realizam-se como recursos prosódicos (entonação, pausa, hesitação, tom de voz) e geralmente acompanhados por al gum MC verbal. 6. COMO SE CONSTRÓI A COMPREENSÃO NO TEXTO FALADO? De acordo com Marcuschi (1998b), “admite-se, hoje, que a compreensão, na interação verbal face a face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades colaborativas e coordenadas de co-produção de sentido e não de uma simples interpretação semântica de enunciados proferidos”30. É importante salientar que colaboração não implica consenso ou concordância, mas apenas a realização de ações coordenadas31. Quando dois ou mais indivíduos partici pam de uma conversação, eles estão coordenando conteúdos e ações, ou seja, os interlocutores fazem um esforço mútuo para construir sentido, isto é, para cons truir um texto coerente. O sucesso de uma interação face a face está, portanto, atrelado ao processo interacional estabelecido entre os participantes, uma vez que esses se envolvem e refletem esse envolvimento num esforço coletivo, bus cando a construção de sentidos. O exemplo (2) exemplifica claramente a distin ção entre colaboração e concordância. Os três interlocutores realizam ações colaborativas durante toda a interação, ou seja, todos estão engajados no pro cesso interacional. No entanto, percebe-se que não há uma concordância entre eles: se há um consenso entre M33 e H28, quanto ao fato de considerarem M34 uma dominadora, uma feminista machista, não há consenso entre eles (M33 e H28) e M34, que não concorda com as características que lhe são atribuídas. Marcuschi (1998b) alerta o analista de interações verbais face a face para o fato de que “não lhe cabe apenas identificar e admitir que há compreensão. Ele deve dar conta da seguinte questão: como é que os participantes de uma interação resolvem suas estratégias e processos de compreensão de forma tão competen te?”32. O próprio autor apresenta algumas atividades de compreensão na interação verbal, a partir da análise de materiais do corpus do NURC-SP. Dentre as ativida des propostas, serão destacadas, neste artigo: a) a negociação; b) a construção de um foco comum; c) a demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento; d) a existência e diversidade de expectativas e as marcas de atenção. 30. Marcuschi, L. A. Atividades de compreensão na interação verbal. In: Preti, D. (org.) Variações e confrontos. São Paulo, FFLCH/USP, 1998b, p.15. 31. Ibidem, p. 21. 32. Ibidem, p. 19. ANALISE DA CONVERSAÇÃO 91 6.1. Estratégia 1: negociação A negociação é “aspecto central para a produção de sentido na interação verbal enquanto projeto conjunto”33. No exemplo (11), citado a seguir, nas li nhas 121 a 128, a troca do fonema /p/ pelo /t/ provocou um estranhamento quan to ao nome do veículo — uma Pampa —, já que havia sido entendido por M06 como “tampa”. O riso (linhas 127 e 130) é resultado da inadequação terminoló gica, pois o nome de um objeto (tampa), associado a um meio de transporte não parece ser coerente para M06. M06 procura checar a sua compreensão do termo e M22 colabora repetindo o nome do carro, enfatizando a sílaba que desfaz o equívoco (PAMpa). # ( 11) Contexto: Várias pessoas conversam num terreiro da comunidade de Pedra D ’água (PB). M02 narra a dificuldade encontrada por uma mulher para sair da comunidade, tentando subir uma ladeira bastante íngreme. 121 M02 vei uma mulé: naquela mulé de ( ) ela vei no carro ... como é o nome daquele carro 122 Van? ((Van é apelido de M22)) 123 M22 uma pampa 124 M02 aí quedê subi a ladera 125 M06 uma tampa? 126 M22 uma PAMpa 127 M02 é ((sorrindo)) 128 M06 eu entendi uma tampa 129 M02 (...) aí a mulé veii de Campina dana: Denise 130 M06 veii ( ) com Pampa ((continua a sorrir com o nome do carro)) 131 M02 aí cade subi a ladera... arente fícô olhano ela butava o carro... o carro... descia logo {Fonte: Tese Imagens na oralidade, Ângela Dionísio, UFPE, 1998) Marcuschi (1998b) ainda nos chama a atenção para o fato de que “nem tudo é negociável. Por exemplo, não negociamos crenças nem convicções, o que tem conseqüências por vezes relevantes na continuidade de um tópico e pode ditar sua ‘morte’”34. O exemplo (12), fragmento de uma interação longa, na qual H05 apresentava as linhas divisórias do lote de terra da sua família, demonstra que a atitude encontrada por H05 foi abortar o tópico, mediante a não-compre- ensão de P01 sobre as áreas limítrofes. H05 discorda severamente da conclusão 33. Ibidem, p. 19. 34. Ibidem, p. 19. 92 INTRODUÇÃO A LINGUÍSTICA (linhas 638-639) a que P01 havia chegado. P01 percebe que seu interlocutor ficou ofendido e brinca com seu erro (linha 640). Tenta voltar à questão (linha 642), mas H05 muda de tópico, encerrando o assunto (linha 643). P01 reconhece que não há condições de consenso e aceita construir um novo tópico (linha 644). ( 12) Contexto: A pesquisadora (P01) conversa com um dos moradores da comunidade (H05) sobre o tamanho do seu lote de terra. Ambos estão no terreno e H05 aponta para linhas limites da terra. 625 P01 eu sigo esse caminho: eu sigo esse pé de laranja como é que é? 626 H05 num tá veno num tá veno é: essa carrera de capim? ((indica algumas touceiras de 627 capim plantadas acompanhando o trilho que leva até as duas casas acima)) 628 P01 tô 629 H05 eu me dirijo por aqui ((indica na direção do capim)) poraqui inté ali ((indicação 630 imprecisa)) agora chegano ali [... ] agora quano chega ali já vai lá: a linha vai sê lá 631 P01 [sim] 632 H05 aquele pezim de pau que sobe lá pá casa do ôto fii ((apesar dele indicar 633 H05 com um pau a direção fica impossível precisar o “pezim de pau” porque 634 há várias árvores)) 635 P01 qual? aquele pé lá de cima? 636 H05 sim 637 P01 então eu posso dizê que a linha é esse caminho? [ não? 638 H05 [é po/ NÃO assim oxente 639 fica meu pá cá ainda 640 P01 ah: assim eu tô dando sua terra pros outros ((sorrir)) 641 H05 é... é ((sorrir)) 642 P01 então vem por onde? aqui por esse baxio é? H05 vocês querem i lá em: Maria agora qué? 644 P01 bora ... já tá aqui A {Fonte: Tese Imagens na oralidade, Angela Dionísio, UFPE, 1998) 6.2. Estratégia 2: construção de um foco comum Uma outra atividade de compreensão na interação verbal diz respeito à construção de um foco comum. Como argumenta Marcuschi, “numa interação face a face, a base do sucesso das trocas é a presença de interesses comuns e referentes partilhados, previamente existentes ou construídos no processo de interação”35. Nos exemplos (7), (8), (9) e (10), que contêm trechos de entrevis- 35. Ibidem, p. 21. ANALISE DA CO N VERSAÇÃO 93 tas, pode-se observar que, em (7) e (8), entrevistador e entrevistado entram em sintonia na configuração de um foco comum, pois os tópicos sugeridos são de senvolvidos pelos entrevistados com interesse e atenção. Já em (9) e (10), per cebe-se que os entrevistadores têm um esforço maior para conduzir as interações, pois as respostas dos entrevistados, apesarde se manterem no tópico focalizado, são mais sucintas e não revelam um interesse em informar além do mínimo solicitado nas perguntas. A construção desta sintonia referencial36 nem sempre é possível, exigin do de um dos interlocutores um árduo trabalho. No exemplo (12), é possível observar o esforço de ambos os interlocutores, buscando construírem o mapa das terras de H05. Apesar dos interlocutores terem interesses comuns (a cons trução do mapa das terras de H05) e de P01, durante a interação, demonstrar concordância ou procurar checar suas dúvidas quanto às informações dadas por H05, não foram construídos referentes partilhados no processo da interação, pois a pergunta “então eu posso dizê que a linha é esse caminho? [não?” (linha 637) revela a falta de sintonia referencial. 6.3. Estratégia 3: demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento A terceira atividade de compreensão apresentada por Marcuschi (1998b) é a demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento. No exemplo (5), verifica-se que o não-partilhamento das informações vai se desfazendo na medi da em que a interação progride. No exemplo (10), o informante afirma que se fiscaliza mais ao falar quando está na companhia da documentadora. Em segui da, ela pergunta o porquê dessa fiscalização e ao mesmo tempo propõe uma razão: serem professoras de língua portuguesa. O argumento proposto é aceito imediatamente por seu interlocutor (linha 22). Há entre os interlocutores interes ses comuns e conhecimento partilhado. Nem sempre os interlocutores possuem os mesmos conhecimentos ou possuem os mesmos interesses sobre os tópicos. Para ilustrar esta afirmação, será apresentado a seguir um trecho analisado por Marcuschi (1998b), que exemplifica uma situação típica de desinteresse pelo tópico em andamento. (13) 663 L I outro dia aí então o (Fábio) contando umas histórias de um:... de um boy barato aí né?... 36. “Sintonia referencial” é um termo empregado por Marcuschi (1998b). 94 INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA 665 carro envenenadíssimo então temos que quando o cara vai acelerar a ss im ::... ele aGArra a direção assim:: pisa no acelerador::... e faz um movimento assim como estivesse caval/cavalgando L2 ahn ((ri)) 670 LI e agarra a máquina [assim ((ri)) L2 [queria estar num cavalo LI porquê?... analogia... ele está cavalgando né? ✓ E o::... o:... L2 ((ri)) o rei do oeste ahr 675 LI não tem oeste aqui... ((ri)) L2 não tudo bem:: eu sei entendi (D2-Inq. 343, pp. 33-34)37 Pode ser constatada, neste exemplo (13), a construção de uma relação de não-colaboração tópica. Os interlocutores discorrem em faixas diferentes (LI na faixa séria e L2 na faixa não-séria). L2 toma no sentido literal a analogia que LI propõe: “boy barato” — “rei do oeste” e provoca em LI uma reação de desagrado (linha 675, “não tem oeste aqui”). A resposta de L2 revela que ele estava entendendo, apenas não tinha interesse no assunto. Marcuschi (1998b) salienta que “trocas deste tipo são utilizadas intencionalmente para produzir hu mor ou então construir piadas ou chistes, pois mostram interlocutores jogando em campos diversos, sem sintonia cognitiva”38. 6.4. Estratégia 4: existência e diversidade de expectativas Um encontro entre pelo menos dois interlocutores gera expectativas muito diversificadas, as quais estão intimamente relacionadas ao contexto, às condi ções em que o encontro ocorre, ao conhecimento partilhado, às diferentes pers pectivas que os interlocutores possuem. Em situações interativas, os interlocuto res sempre têm expectativas prévias (às vezes, chegamos até a ensaiar o que vamos dizer, como vamos dizer, simulamos a resposta do nosso interlocutor; e quase sempre esses ensaios não servem para nada no momento real da interação). Por ter expectativas prévias, o falante sempre procura estratégias para fazer com que elas ocorram, bem como fica atento à reação do seu interlocutor. A 37. Marcuschi, L. A. Atividades de compreensão na interação verbal. In: Preti, D. (org.) Variações e confrontos. São Paulo, FFLCH/USP, 1998b, pp.25-26 38. Ibidem, p. 26. ANALISE D A C O N V E R S A Ç Ã O 9 5 interação é, pois, um “jogo com regras dinamicamente escolhidas, por isso é um jogo perigoso: nem sempre se escolhe a regra certa”39. Nos fragmentos de en trevistas dos exemplos (8) e (10), verificamos que, em (8), documentador e informante parecem ter selecionado bem as regras do jogo, já que a informante constrói o seu turno enumerando as partes da carne que ela mais gosta de ter em casa, assinalando no turno aquela de que mais gosta. Já no exemplo (10), o informante deixa transparecer um certo espanto com a pergunta da documenta- dora, através do emprego de uma interjeição, seguida de uma pausa e um riso nervoso (linha 02: “eita... ((ri demonstrando nervosismo )))”. 6.5. Estratégia 5: marcas de atenção r v Durante a construção de uma conversação, são de importância fundamen tal os sinais enviados pelos interlocutores, pois dependendo desta sinalização é possível avaliar se está havendo uma boa sincronia ou uma má sincronia entre os interlocutores. A boa sincronia revela maior atenção pelo tópico em andamento e uma má sincronia revela problemas no processo interacional, que vão desde a não-aceitação do tópico até a não-compreensão do mesmo. O uso de marcadores conversacionaís, o uso de alguns traços prosódicos (entonação, mudança de altura de som, alongamentos de vogais etc.), a realização de alguns gestos, de expressões faciais e de risos são marcas que informam ao falante sobre a com- preensão do que está sendo dito e sobre o envolvimento dos seus interlocutores na interação. Observando alguns exemplos analisados previamente, neste artigo, verificamos as marcas de sintonia entre os interlocutores, como o uso de marcadores conversacionais, nos exemplos (5) e (7), de alongamentos nos exem plos (10) e (12), e de gestos no exemplo (5). Apesar do caráter sucinto dessas análises, é possível afirmar que muito do que se compreende numa interação social resulta da relação construída entre os interlocutores e da contextualização da própria interação. Não se quer com isso descartar a importância da lingua gem verbal, mas apenas salientar (i) que ao falarmos não nos utilizamos apenas de uma diversidade de linguagens, mas colocamos em conexão indivíduos, lin guagens, cultura e sociedade e que (ii) gestos, expressões faciais e tons de voz são, muitas vezes, mais informativos do que construções lingüísticas, visto que a “gramática é um veículo pobre para exprimir os sutis padrões de emoção”40. 39. Ibidem , p. 30. 40. Keller, M. C. & Keller, J. D. Im aging in iron, or thought is not inner speech. In: Gum perz, J. & L evinson, S. (orgs.) Rethinking linguistic relativity. C am bridge, C am bridge U niversity Press, 1996, p . l 18. 96 IN TRO D U ÇÃO À LINGÜÍSTICA No Brasil, a Análise da Conversação consiste numa linha de pesquisa que vem sendo praticada sistematicamente e conta com uma produção edito rial que abrange transcrições de materiais do corpus do Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta (NURC), análises de textos orais realizadas por pesquisadores brasileiros sobre diversos temas da AC, gramáticas de con sulta referentes ao português falado, utilizando o corpus dos NURCs, além de dissertações e teses apresentadas nos programas de pós-graduação das uni versidades brasileiras. Após aBibliografia, o leitor poderá encontrar enumera das as publicações referentes às transcrições de textos orais do corpus do NURC e aos volumes referentes à gramática do português falado. Uma outra conversa que poderá ser iniciada a partir de agora será entre você leitor e as referências bibliográficas que foram aqui apresentadas. Certamente, mui tos assuntos virão à tona! BIBLIOGRAFIA BRAIT, B. O processo interacional. In: PRETI,D. (org.) A n á lise de textos orais. São Paulo, FFLCH/USP, 1995,pp.l89-214. _______ .Imagens da norma culta, interação e constituição do texto oral. In: PRETI, D. (org.) O discurso ora l culto . São Paulo, FFLCH/USP, 1997, pp. 45-62. CHAFE. W. Linguistic differences produced by differences between speaking and writing. In: OLSON, D., TORRANCE, N. & HILDYARD, A. (orgs.) Literacy language and le a rn in g : the n a tu re a n d co n seq u en ces o f rea d in g a n d w riting . Cambridge, Cambridge University Press, 1985, pp. 5-123. CASTILHO, A. T. (org.) P ortuguês culto fa la d o no Brasil. Campinas, UNICAMP, 1989. ________ . A língua fa la d a no ensino de po rtu g u ês. São Paulo, Contexto, 1998. ✓ DIONISIO, A. P. A in teração em narrativas orais. Dissertação de mestrado. UFPE, 1992. _______ . A postura interacional do narrador. 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