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FILOSOFIA E PENSAMENTO E. CARNEIRO LEÃO


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FILOSOFIA E PENSAMENTO 
 
Emanuel Carneiro Leão 
Filósofo da Academia Brasileira de Filosofia 
 
 
 A Filosofia não é uma ciência, uma teoria ou disciplina do conhecimento 
tal como se entendem hoje em dias estes termos. Ao contrário. Toda ciência, teoria ou 
disciplina do conhecimento é que são, de alguma maneira, dependentes da Filosofia, quer o 
reconheçam ou não. 
 A Filosofia também não constitui uma ideologia, concepção de vida ou visão 
de mundo. Mas não vale a inversão. Pois toda ideologia, concepção de vida 
ou visão de mundo não podem prescindir da Filosofia. Foi o que, de certa 
feita, reconheceu Bertrand Russel, com as seguintes palavras: ''Um 
empirismo lógico, sem compromisso, é logicamente insustentável.'' 
Mas, então, que é a Filosofia se não for ciência, teoria ou disciplina do 
conhecimento, se não for ideologia, concepção de vida ou visão de mundo? 
Antes de responder, pensemos o que nos torna a pergunta não somente 
possível como, sobretudo, imperiosa. 
 A pergunta supõe aceitas, sem mais, muitas coisas. Supõe, por exemplo, que 
toda Filosofia seja ou, ao menos, pretenda ser um exercício de 
conhecimento. Supõe, também, que, além de conhecimento, já não sobre nada 
para a Filosofia ser. Supõe, igualmente, que tudo que é não possa deixar 
de ser alguma coisa, um quê, e, por isso, pergunta ''que é''. Supõe que toda 
a pretensão de conhecimento termina sempre com a produção de um conhecimento objetivo 
e, então, é ciência, ou, com a produção de uma ilusão transcendental ou empírica, e, então, 
é ideologia. Supõe, por fim, que todas as época tenham concepção de vida e visão de 
mundo, e não somente a época moderna 
 Como se pode ver, não são poucas as suposições que sustentam as perguntas. Mas, 
e se todas as suposições estiverem a serviço da ditadura da razão, 
seu raciocínio e sua racionalidade, muito bons, sem dúvida, para conhecer objetos, mas 
imprestáveis para pensar a realidade do real nas realizações históricas do homem? Neste 
caso, com que cara ficamos nós, ao perguntar: mas, então, que é a Filosofia se não for nem 
conhecimento, nem ideologia, nem concepção de vida, nem visão de mundo? Será que 
ainda ficaremos com alguma cara, quando só nos restar a carranca intransigente da razão e 
sua ditadura? 
 Agora, que percebemos os limites da pergunta, poderemos tentar 
respondê-la. 
 A Filosofia é uma experiência de Pensamento. Mas não é a única. Outras 
experiências são o mito e a mística. Uma outra é a experiência dos deuses 
e do extraordinário, seja ou não religiosa. Ainda outra é a Poesia e a Arte. 
Ainda outra é a Pólis e a Politéia. A última, por ser no fundo, a primeira 
experiência de Pensamento, é a vida e a morte, Eros e Thanatos. 
 Hoje somos pós-modernos. Vivemos os progressos da técnica e os avanços da 
ciência. Nestas condições, por que nos é tão importante ainda aprender a 
pensar no nível dos pensadores? Não seria muito mais vantajoso empenhar 
logo todas as forças e concentrar todo o esforço em desenvolver a técnica 
e promover o crescimento da ciência, dedicando-se apenas à Filosofia 
Analítica da Ciência e às Ciências Cognitivas? Que utilidade poderá trazer 
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para nós, ''filhos do carbono e do amoníaco'', ''joguetes nas mão do caos 
e dos fractais'', ''aranhas da w.w.w''? Para que aprender a pensar, como os 
pensadores, se os muitos chats já nos fazem repetir os slogans já pensados 
das ideologias e os big-brothers Brasil nos inculcam sub-repticiamente que o ideal é a 
exclusão e não a inclusão e a distribuição? 
 O Pensamento é um passado tão vigente que sempre está por vir. Qualquer 
esforço da Filosofia não deixa de ser um esforço do Pensamento pelo 
Pensamento. E por quê? Porque nenhum esforço filosófico pode dispensar a 
força de futuro do pensamento do passado. Por isso também toda Filosofia 
vive de pensar a História da Filosofia. É que se tornou transparente, 
sobretudo, desde Hegel. A Filosofia inclui sempre uma Filosofia da 
História. Na introdução de suas Preleções de história da filosofia, Hegel 
pergunta: como é possível que a Filosofia, que busca a verdade, possa, em 
sua História, desdobrar-se numa multiplicidade de tantas filosofias? 
De fato, o balcão da história nos mostra, à saciedade, que onde um 
filósofo diz ''sim'', outro diz ''não'' e vice-versa. Por isso se costuma repetir 
que é próprio dos filósofos se contradizerem uns aos outros e do filósofo se contradizer a si 
mesmo. 
 A todas estas arremetidas da razão contra o Pensamento na Filosofia a 
resposta de Hegel é dialética: a verdade não é parte. As partes são 
passagens de que necessita a verdade para chegar a si mesma no todo. A 
verdade é o todo. Por ser e para ser o todo, a verdade possui a tendência 
de se desenrolar nas peripécias de uma dialética, formando um fluxo de 
crescimento, o curso da História. E não somente Hegel que o percebeu. 
Heráclito já sabia. Platão também, Aristóteles também, Santo Agostinho 
também, Joaquim de Fiore também, Kant também, Schelling também, Nietzsche 
também, Heidegger também. Mas é um saber raro. Só os grandes pensadores o 
possuem. Pois o possuem na medida em que transformam na grandeza de outros 
endereços de Pensamento e de novos caminhos de pensar. O destino do 
Pensamento, em qualquer endereço ou caminho é mantê-lo vivo da forma mais 
pura, na forma de um contínuo questionamento. Por isso os filósofos nascem 
e morrem como filósofos, num diálogo ininterrupto de Pensamento com seus 
antecessores e com seus sucessores. Somente morrendo é que um filósofo e 
uma filosofia se tornam contemporâneos do Pensamento. É o sentido da 
famosa definição platônica da Filosofia: melete thanatou, empenho da morte. Agora 
talvez se tenha tornado um pouco mais clara a resposta de que, em 
distinção de toda ciência, teoria ou disciplina do conhecimento, de toda ideologia, 
concepção de vida ou visão de mundo, a Filosofia é apenas uma experiência 
do Pensamento em todos os empenhos de conhecer e sentir, de fazer e agir, 
em todos os adventos de ser, não ser e vir as ser dos homens em 
peregrinação histórica. 
 
FONTE: [Caderno Idéias, Jornal do Brasil 01/MAR/2003 - link<http://jbonline.terra.com.br/>]

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