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1 2 3 GEOVANI PAULINO OLIVEIRA GERSON PIRES DE ARAÚJO INTRODUÇÃO À FILOSOFIA 3ª EDIÇÃO EGUS 2021 Revisado e ampliado 4 5 Sumário UNIDADE 1: A FILOSOFIA ..................................................................................... 13 Filosofia: Por que e para que? .................................................................................. 15 As evidências do cotidiano ........................................................................................ 16 A atitude filosófica................................................................................................... 20 Achegando-se à Filosofia .......................................................................................... 22 A especificidade do saber filosófico ............................................................................ 25 Diversas visões de filosofia ........................................................................................ 27 UNIDADES 2: PENSAMENTO GREGO E MEDIEVAL ................................................. 31 O Paradigma do Ser ................................................................................................ 33 Sócrates ................................................................................................................. 38 Platão .................................................................................................................... 41 Aristóteles .............................................................................................................. 44 Pensamento Cristão ................................................................................................. 45 Patrística ................................................................................................................ 45 Escolástica .............................................................................................................. 47 UNIDADEDE 3: A FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA ........................... 49 Renascença ............................................................................................................. 51 Racionalismo .......................................................................................................... 52 Empirismo ............................................................................................................. 53 Iluminismo ............................................................................................................. 55 O paradigma da Linguagem ..................................................................................... 57 Idealismo ............................................................................................................... 58 Positivismo ............................................................................................................. 58 Ecletismo Filosófico ................................................................................................. 59 Intuicionismo .......................................................................................................... 60 Fenomenologia ........................................................................................................ 60 Existencialismo ....................................................................................................... 61 Pós-Modernismo ..................................................................................................... 62 UNIDADE 4: A FILOSOFIA E SEUS CAMPOS DE CONHECIMENTO....................... 65 A Filosofia e seus Campos de Conhecimento ............................................................... 67 A Ontologia e Axiologia ........................................................................................... 67 A filosofia prática .................................................................................................... 72 Estética .................................................................................................................. 73 Arte ....................................................................................................................... 74 LEITURA OBRIGATÓRIA ..................................................................................... 75 SAIBA MAIS .......................................................................................................... 76 REVISANDO ......................................................................................................... 77 6 AUTOAVALIAÇÃO ............................................................................................... 80 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 81 7 Palavra do Professor-Autor Caro estudante, Para compreendermos o essencial da reflexão filosófica e sua estruturação, é necessário direcionar o olhar para a realidade que vivenciamos, de forma cotidiana buscando compreender de forma racional, lógica e sistemática os fenômenos que nos cercam e determinam valores. Para isso, é aconselhável, de início, contemplar, interrogar e refletir de forma demorada os fatos e acontecimentos que estão na vivência social. Esse exercício tornando-se um hábito irá nos colocar na condição do exercício da razão interrogante que é o fundamento da filosofia. Mediante a isto, afirmamos que este saber está disponível a todos os indivíduos pensantes não sendo algo exclusivo de grandes gênios, mais sim de todos que atribua atenção ao seu existir e as circunstâncias sociais, econômicas, políticas e culturais, racionais, ou seja, não é apenas um saber direcionado a pessoas dotadas de inteligência. Este saber além de ser possível a todos é algo que anuncia no é possível a todos que venha a fazer uso de sua condição pensante. Com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, o homem desenvolveu um estilo de vida no qual passou a se submeter e depender do que estas produzem. A maioria das pessoas passa a ter uma existência mecânica, na qual o cotidiano se desvela de maneira automática. Conectados ao momento presente, ao “aqui e agora”, não resta tempo para analisarmos o significado de nossa existência neste mundo e para a procura de respostas a questionamentos como: De onde surgiu o homem? Por que o homem existe? Qual o é significado da existência do mundo e da vida? Somos nós produtos de uma inteligência ou obra cega do acaso? O que é a vida? O que é de fato importante para nossa existência? Há, ou não, significado para aquilo que o homem procura realizar? Está certo tudo o que o ser humano faz? O que é bem? O que é mal? O que é verdade? O que é mentira? Como sei que posso confiar no que a minha mente pensa? Existe realidade ou as coisas são simples aparências? Como posso confiar no que vejo, sinto ou ouço? Posso conhecer e ter certeza de que sei alguma coisa? Esses mesmos questionamentos sobre o mundo e o universo foram colocados pelos gregos e a partir das suas indagações e inquietações surgiu a filosofia. Bom estudo! O autor. 8 Autores Geovani Paulino Oliveira Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA e Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Professor das Faculdades UNINTA. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nas seguintes temáticas: Angústia, Filosofia da Existência, Filosofia Contemporânea, Teoria Crítica, Dialética, Memória e Identidade. Gerson Pires de Araújo Pastor e professor, exercendo suas atividades como educador por mais de meio século, especialmente nas áreas de Filosofia e Psicologia. Destaca-se também em outras atividades como tradutor, palestrante, maestro e conselheiro matrimonial. Bacharel em Teologia e Letras, licenciadoem Letras e Pedagogia, Mestre em Educação pela Andrews University,USA, e pela Universidade de São Paulo (USP). É doutorando em Liderança pela Andrews University, tendo trabalhado no UNASP (Centro Universitário Adventistas de São Paulo) por 37 anos. Atua na área de educação de jovens, procurando proporcionar-lhes uma cosmovisão de acordo com a realidade presente e preparando-os para um futuro mais promissor. Membro fundador da Sociedade Criacionista Brasileira, também se dedica a apresentar o criacionismo como a alternativa mais lógica e coerente para explicar a origem da vida humana e do mundo. Atualmente, exerce suas atividades como capelão e professor nas Faculdades INTA, em Sobral, Ceará. 9 Ambientação da disciplina O estudo de filosofia aconselha o comprometimento da reflexão, da pesquisa e da busca incessante pela informação que explica os fatos existentes no âmbito das relações moldadas com a natureza, com outros homens e consigo mesmo. Este conhecimento é abrangido em toda a ação humana. A filosofia resulta de uma ruptura do saber já existente com o saber a ser adquirido, haja vista ela problematizar e convidar à discussão. O estudo de filosofia é essencial porque oferece as condições teóricas para o desenvolvimento da consciência crítica pela qual a experiência vivida é transformada em experiência compreendida. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência de agentes divinos na explicação dos fenômenos. Procura a inteligibilidade numa dinâmica que considera o saber enquanto alicerce para a transformação. Exige coragem, pois descobrir a verdade obriga o enfrentamento do poder e suas diversas formas de manifestação como também aceitação do desafio à mudança. As afirmações anteriores foram sintetizadas do prefácio da obra “Antologia de Textos Filosóficos”. Desse modo, possibilita aos estudantes ter afinidade com os textos dos filósofos. Diante do exposto, convidamos você, prezado estudante, a ler essa obra e refletir sobre a importância da filosofia para que possamos atribuir sentido à rede de significações relacionadas aos objetos que percebemos. JAIRO, Marçal. (org). Antologia de Textos Filosóficos. SEED – Paraná: – Curitiba: 2009. 10 Trocando ideias com os autores Você é convidado a conversar com os autores dos livros indicados. Leia a obra Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, na qual a autora aborda o domínio da Filosofia para o ser humano. O saber filosófico é uma aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana. A reflexão filosófica possibilita aprender a partir da problematização da realidade social como ponto de partida e como ponto de chegada das experiências da vida diária, além de advertir o entendimento das situações habituais da vida humana. Esta mesma ponderação também adverte o entendimento das situações habituais da vida humana quando revelamos as características da filosofia. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2006. A segunda leitura recomendada é a da obra Vivendo a Filosofia, de Gabriel Chalita, a qual traz questões como: De onde provêm todas as coisas? O que é o pensamento, o bem, o belo, o amor? Estes são questionamentos que a filosofia desde a Antiguidade tem investigado. Este livro, por meio de uma linguagem clara, demonstra a habilidade do autor ao dar nova vida aos pensamentos que compõem a base da tradição ocidental e permanecem sendo ferramentas benéficas para compreendermos o mundo contemporâneo. CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Ática, 2008. Estudo Guiado: Ao concluir a leitura dos livros, faça uma síntese comparando as ideias dos autores destacando os conceitos básicos do ponto de vista de cada um. 11 Problematizando A problematização idealiza questionamentos incompreensíveis de atitudes humanas. No cenário do cotidiano acontecem diferentes situações em que o SER HUMANO é sujeitado a afirmar, negar, desejar, aceitar ou recusar coisas, pessoas e situações. As pessoas estão constantemente se questionando e, por esta razão, almejam respostas. Diante dessa situação, a expectativa é a de que alguém, dispondo de um relógio ou calendário, venha a responder questionamentos com exatidão. A partir do momento que perguntamos e aceitamos a resposta, confiamos que o tempo existe e que ele é medido por horas e dias. Muitos dizem que quando perguntamos estamos filosofando. Você talvez já se perguntou: O que é o homem? Para que serve o homem? A ciência melhora o homem? A espécie humana tem evoluído para melhor? Afinal, a filosofia serve para quê? Por que devo estudar filosofia? O que estuda a filosofia? Qual o seu significado? Por meio da filosofia é possível transmitir conhecimentos? Estudo Guiado: Leia a situação- problema e reflita sobre os questionamentos; encontre as respostas de acordo com os princípios defendidos pelos autores nos livros recomendados nesta unidade de ensino, reflita e faça uma resenha crítica e comente com seus colegas. 12 13 1 A FILOSOFIA Conhecimentos Conhecer o conceito de filosofia a partir de diversos posicionamentos teóricos; Compreender o processo de construção do pensamento filosófico; Compreender as diversas facetas em que o conhecimento humano se desenvolve. Habilidades Identificar posturas críticas sobre questões essenciais ao mundo e à vida no contexto sociocultural em que está inserido; Reconhecer os fundamentos filosóficos oriundos de qualquer acontecimento, evento, fenômeno ou pensamento de questões relacionadas ao conhecimento. Atitude Saber ampliar a ação da filosofia na construção do conhecimento a partir de novos olhares. 14 15 Filosofia: Por que e para que? Pensar filosoficamente é uma aventura – uma viagem aos limites do pensamento e do entendimento. (LAW, 2008, p. 10). De fato, a filosofia pode ser considerada uma aventura, é um lançar-se no desconhecido, no novo, no que não estamos acostumados. Ao mesmo tempo é um convite a abandonarmos nossas convicções, crenças, nos despojarmos de nossas seguranças, das verdades que nos foram transmitidas. Portanto, filosofar é um ato de coragem que leva ao crescimento intelectual, à reflexão autônoma. Sim, autonomia! Essa, talvez, seja, hoje, a principal tarefa da filosofia: fazer-nos pensar de modo autônomo, crítico, reflexivo, numa época em que a mídia, os grupos religiosos, os partidos políticos, as instituições de ensino etc., nos enquadram numa forma rígida, cristalizada, de pensar. Tal tarefa nos remete ao filósofo alemão Immanuel Kant, que nos leva a pensar sobre o esclarecimento no texto Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento? Escrito em dezembro de 1783, mas que nos é bastante atual. Vamos ler um trecho do referido texto: Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta para utilizar seu entendimento sem tutela de outro. Sapere aude! Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, portanto, é a divisa do Esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem-se em permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me. Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar; outros se encarregarão pormim da aborrecida tarefa. Que a maior parte da humanidade (e especialmente todo o belo sexo) considere o passo a dar para ter acesso à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, é ao que se aplicam esses tutores que tiveram a extrema bondade de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais 16 domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranquilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas. Ora, esse perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas acabariam aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade usualmente toda tentativa ulterior. Portanto, é difícil para todo homem tomado individualmente livrar-se dessa minoridade que se tornou uma espécie de segunda natureza. Ele se apegou a ela, e é então realmente incapaz de se servir de seu entendimento, pois não deixam que ele o experimente jamais. Preceitos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos destinados ao uso racional, ou antes ao mau uso de seus dons naturais, são os entraves desses estados de minoridade que se perpetua. Quem o rejeitasse, no entanto, não efetuaria mais do que um salto incerto por cima do fosso mais estreito que seja, pois ele não tem o hábito de uma tal liberdade de movimento. Assim, são poucos os que conseguiram, pelo exercitar de seu próprio espírito, libertar-se dessa minoridade tendo ao mesmo tempo um andar seguro. (KANT, 1783). Sapere Aude! Este é o convite que a filosofia nos faz hoje. Nisso consiste a importância de estudá-la, sua tarefa, no mundo de homens-máquinas, de homens programados. A filosofia é um exame crítico dos fundamentos de nossas convicções, de nossos preconceitos e de nossas crenças e é, conforme Bertrand Russell, filósofo inglês, na não- certeza que chegamos quando filosofamos onde devemos procurar o valor da filosofia, pois o seu valor está nas incertezas que ela nos proporciona, pois quem não pratica o filosofar caminha pela vida preso aos pré-conceitos que são adquiridos ao longo de sua vida. Porém, mesmo com esta consciência da tarefa da filosofia hoje, muitas pessoas questionam sua utilidade para o cotidiano. De modo imediato a filosofia realmente não tem muita utilidade para as pessoas. No entanto, sua utilidade se apresenta de modo mediato, ou seja, indiretamente. Bem nos explica a Professora Marilena Chauí: As evidências do cotidiano Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “que horas são?” ou “que dia é hoje?”. Dizemos frases como “ele está sonhando”, ou “ela ficou maluca”. 17 Fazemos afirmações como “onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não se resfriar”. Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, “esta casa é mais bonita do que a outra” e “Maria está mais jovem do que Glorinha”. Numa disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode gritar ao outro: “Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e alguém, querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um diga o que viu e vamos nos entender”. Também é comum ouvirmos os pais e amigos dizerem que somos muito subjetivos quando o assunto é o namorado ou a namorada. Frequentemente, quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos que essa pessoa “é legal”. Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano. Quando pergunto “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, minha expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós. Quando digo “ele está sonhando ”, referindo-me a alguém que diz ou pensa alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualmente muitas crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado, que, no sonho, o impossível e o improvável se apresentam como possível e provável, e também que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona com o que existe realmente. Portanto, acredito que a realidade existe fora de mim, posso percebê-la e conhecê-la tal como é, sei diferenciar a realidade de ilusão. A frase “ela ficou maluca” contém essas mesmas crenças e mais uma: a de que sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que inventa uma realidade existente só para ela. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de loucura, acredito também que a razão se refere a uma realidade que é a mesma para todos, ainda que não gostemos das mesmas coisas. Quando alguém diz “onde há fumaça, há fogo” ou “não saia na chuva para não se resfriar”, afirma silenciosamente muitas crenças: acredita que existem relações de causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma causa para ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa a fumaça como efeito, 18 a chuva causa o resfriado como efeito). Assim, acreditamos que a realidade é feita de causalidades, que as coisas, os fatos, as situações se encadeiam em relações causais que podemos conhecer e, até mesmo, controlar para o uso de nossa vida. Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou que Maria está mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Assim, julgamos que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las em nossa vida. Por exemplo, se dissermos que “o sol é maior do que o vemos”, também estamos acreditando que nossa percepção alcança as coisas de modos diferentes, ora tais como são em si mesmas, ora tais como nos aparecem, dependendo da distância, de nossas condições de visibilidade ou da localização e do movimento dos objetos. Portanto, acreditamos que o espaço existe, possui qualidades (perto, longe, alto, baixo) e quantidades, podendo ser medido (comprimento, largura, altura). No exemplo do sol, também se nota que acreditamos que nossa visão pode ver as coisas diferentemente do que elas são, mas nem por isso diremos que estamos sonhando ou que ficamos malucos. Na briga, quando alguém chama o outro de mentiroso porque não estaria dizendo os fatos exatamente como aconteceram, está presente a nossa crença de que há diferença entre verdade e mentira. A primeira diz as coisas tais como são, enquanto a segunda faz exatamente o contrário, distorcendo a realidade. No entanto, consideramos a mentira diferente do sonho, da loucura e do erro porque o sonhador, o louco e o que erra, se iludem involuntariamente, enquanto o mentiroso decide voluntariamente deformar a realidade e os fatos. Com isso, acreditamos que o erro e a mentira são falsidades, mas diferentes porque somente na mentira há a decisão de falsear. Ao diferenciarmos erro de mentira, considerando o primeiro uma ilusão ou um engano involuntário e a segunda uma decisão voluntária, manifestamos silenciosamente a crença de que somos seres dotados de vontade e que dela depende dizer a verdade ou a mentira. Porém, ao mesmo tempo nem sempre avaliamos a mentira como alguma coisa ruim: não gostamos tanto de ler romances, ver novelas ou assistir a filmes? E não são mentira? É que também acreditamos que quando alguém nos avisa que está mentindo, a mentira é aceitável, não seria uma mentira “no duro” ou “pra valer”. Quando distinguimosentre verdade e mentira e distinguimos mentiras inaceitáveis de mentiras aceitáveis, não estamos apenas nos referindo ao conhecimento ou desconhecimento da realidade, mas também ao caráter da pessoa, à sua moral. 19 Portanto, acreditamos que as pessoas, porque possuem vontade, podem ser morais ou imorais, pois cremos que a vontade é livre para o bem ou para o mal. Na briga, quando uma terceira pessoa pede às outras duas para que sejam “objetivas” ou quando falamos dos namorados como sendo “muito subjetivos”, também estamos cheios de crenças silenciosas. Acreditamos que quando alguém quer defender muito intensamente um ponto de vista, uma preferência, uma opinião, até brigando por isso, ou quando sente um grande afeto por outra pessoa, esse alguém “perde” a objetividade, ficando “muito subjetivo”. Com isso, acreditamos que a objetividade é uma atitude imparcial que alcança as coisas tais como são verdadeiramente, enquanto a subjetividade é uma atitude parcial, pessoal, ditada por sentimentos variados (amor, ódio, medo, desejo). Assim, não só acreditamos que a objetividade e a subjetividade existem, como ainda acreditamos que são diferentes e que a primeira não deforma a realidade, enquanto a segunda, voluntária ou involuntariamente, a deforma. Ao dizermos que alguém “é legal” porque têm os mesmos gostos, as mesmas ideias, respeita ou despreza as mesmas coisas que nós e tem atitudes, hábitos e costumes muito parecidos com os nossos, estamos, silenciosamente, acreditando que a vida com as outras pessoas - família, amigos, escola, trabalho, sociedade, política - nos faz semelhantes ou diferentes em decorrência de normas e valores morais, políticos, religiosos e artísticos, regras de conduta, finalidades de vida. Achando óbvio que todos os seres humanos seguem regras e normas de conduta, possuem valores morais, religiosos, políticos, artísticos, vivem na companhia de seus semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e com os quais entram em conflito, acreditamos que somos seres sociais, morais e racionais, pois regras, normas, valores, finalidades só podem ser estabelecidos por seres conscientes e dotados de raciocínio. Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; cremos também na objetividade e na diferença entre ela e a subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da moral, da sociedade. 20 A atitude filosófica Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “está sonhando” ou “ficou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão? Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?; “seja objetivo”, ou “eles são muito subjetivos”, por: O que é a objetividade? O que é a subjetividade?; “Esta casa é mais bonita do que a outra”, por: O que é “mais”? O que é “menos”? O que é o belo? Em vez de gritar “mentiroso!” questionasse: O que é a verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê? Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? O que é o desejo? O que são os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranquilamente sobre “maior” e “menor” ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as mesmas ideias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade? Alguém que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica. Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é a Filosofia? ” Poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que a Filosofia? ” 21 E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”. (CHAUÍ, 2000, p. 5 – 9). Portanto, a filosofia não está apartada de nós, faz parte da nossa vida, está diretamente ligada ao que somos de mais essencial, ou seja, ela nos auxilia na construção de nossa subjetividade, haja vista, sermos seres inacabados que estamos em constante processo de construção. Neste sentido, as perguntas e questionamentos que buscamos resolver por meio da filosofia é uma forma de nos situarmos perante as múltiplas possibilidades que a vida nos oferece. Agora, é importante entender o termo "filosofia" para que, este, seja compreendido em sua dimensão prática de sua ação. A palavra filosofia vem da cultura grega e significa, entre outros significados, amor à sabedoria. Ora, o ser humano possui um profundo desejo de saber, mais em muitas das vezes, exerce essa procura sem uma sistematicidade, estruturação e sem compreender de forma crítica os fundamentos. Assim sendo, a filosofia vem oferecer uma postura mais elaborada mediante o objeto que se relaciona com o homem. Por esta razão é possível encontrar dois motivos para a busca de conhecimento. O primeiro diz respeito às considerações teóricas (saber simplesmente por saber, para satisfazer as exigências de seu intelecto). O segundo diz respeito às razões práticas (a necessidade de conhecimento a fim de agir com retidão moral ou com eficiência técnica). Entendido isso, cabe então entender para que fim o homem utiliza seu saber. Essa compreensão se torna essencial, pois saberemos a forma como o homem se relaciona com o mundo. Por exemplo, sabemos que é comum ao ser humano desejar descobrir o propósito de sua própria existência; para isso, ele precisa encontrar as respostas de muitas perguntas acerca das coisas existentes e, neste ponto, a filosofia ganha um sentido fundamental para esclarecer o indivíduo em seus dilemas. Essa, talvez, seja a importância mais significativa do exercício da reflexão filosófica. Os homens observam certas coisas acontecendo ao seu redor como o crescimento das plantas, a chuva que cai, o sol nascendo... E eles começam a se perguntar sobre as causas destas coisas. Um verdadeiro filósofo é uma pessoa que se dedica à vida aparentemente "inútil" de contemplação. Por esse motivo, um filósofo é, muitas vezes, considerado ridículo: uma pessoa que está "fora de contato" com o mundo ao seu redor. 22 Por exemplo, sobre Thales de Mileto foi dito que ele caiu em um poço, enquanto estava olhando para o céu. Esse fato provocou o riso de uma empregada doméstica. Esta condição de estar buscando aquilo fora do mundo se configura como uma compreensão onde as coisas não são aquilo como elas se apresentam ser. Logo, para perceber de fato a natureza essencial de um fenômeno (objeto) devemos buscar os fundamentos queestão para além da dimensão do perceptível pelos nossos sentidos. Através do uso de imagens, Platão, em seus diálogos, mostra as pessoas que estão imersas no mundo dos "bens úteis" - o grupo de atenienses que possuem dinheiro e sucesso. Estas pessoas são incapazes de tornarem-se filósofas, pois não têm nenhum desejo de verdade, apenas sucesso; não aspiram conhecer o sentido da vida. O que os filósofos procuraram demonstrar é que o espírito filosófico é a busca de um conhecimento acerca da realidade espontânea, que vai além do conhecimento alcançado pelas artes e ciências técnicas. Com isso, o objetivo de um filósofo consiste na busca do conhecimento em si, não tem um fim utilitário (não para ganhar dinheiro, fama, etc.; não é uma ciência de produção). Então, por que começamos a filosofar? Para Aristóteles, todos os homens, naturalmente, desejam saber. Pertence à natureza humana a busca das causas dos acontecimentos. Há a busca por respostas, razões, explicações, levando a outras questões (não é igual a um direito de saber tudo - curiosidade, invasão de privacidade, etc.). A mente humana é obrigada, por sua própria constituição, a fazer as perguntas que os filósofos discutem. O objeto do intelecto é a busca pela verdade. É de Aristóteles a seguinte premissa: "Você diz que é preciso filosofar. Então, você deve filosofar. Você diz que não se deve filosofar. Então, para provar sua alegação, você deve filosofar. Em qualquer caso, você deve filosofar". Portanto, não podemos fugir da filosofia. Podemos até não cultivar um espírito filosófico, mas as questões fundamentais da filosofia sempre andam conosco, pois são questões essencialmente humanas. Achegando-se à Filosofia O primeiro contato com a filosofia, no entanto, pode, para muitos, ser extremamente difícil, doloroso, árduo, devido a diversos fatores, tais como, o questionamento que ela põe às nossas crenças, ao modo peculiar da argumentação filosófica, a abstração de seus conceitos etc. Contudo, isso não deve servir de 23 justificativa para permanecermos na minoridade intelectual. Estudar filosofia, começar pelo entendimento que já existe uma filosofia, não se trata de aprender pensamentos dos pensadores, mas sim aprender a pensar filosoficamente. Sempre houve filosofia, uma vez que em seu sentido mais amplo, filosofar consiste em pensar sobre tudo que envolve o ser humano na tentativa de explicar as coisas. As questões fundamentais que o pensamento humano procura esclarecer giram em torno daquilo que nos cerca e está além do que nos chega através dos órgãos dos sentidos. O que vem a ser real e imaginário, haja vista a possibilidade da mente criar e desenvolver ideias e pensamentos que provavelmente, ou não, correspondem à realidade? “O que é a vida?”, “O que é o homem?”, “Existe algum sentido para a existência do ser humano neste planeta?”, “Existe algo que se encontra além do que percebemos pelos sentidos?”. Perguntas como estas fazem parte de inúmeras questões levantadas pelo ser humano e, de acordo com as respostas dadas ou encontradas, o homem vai pautando sua existência. Certamente, a maioria das pessoas vivem sem pensar nessas questões ou pensam apenas no imediato sem se preocupar com as perguntas mais profundas da existência e da vida humana. O estudo de filosofia objetiva despertar o estudante para as grandes questões que determinam e dirigem a vida humana. Todavia, essa forma de estudar fica restrita a especialistas nas academias. No entanto, não deveria ser reservado somente para os estudantes das áreas humanas, mas também para aqueles que buscam profissões em outras áreas de conhecimento, por exemplo, técnicos e profissionais das áreas de ciências exatas e biológicas. É impossível admitir a existência humana sem reflexão. Somos obrigados a pensar antes de qualquer ação; isso significa que o ser humano tem um ponto de vista sobre o mundo, uma linha de conduta ética e política para manter ou transformar os modos de pensar e agir do seu tempo histórico. Esta maturidade do homem é resultado da aquisição da sua autonomia sobre o pensar e o agir no mundo. A filosofia dá condições teóricas para a superação da consciência ingênua e promove aquisição da consciência crítica. Por exemplo, tente responder as seguintes questões: Quais são os limites da liberdade em uma sociedade civilizada? É errado comer carne ou usar animais para investigação científica? Devemos respeitar a natureza? O que é a mente e como esta se relaciona com o corpo? Existe vida 24 após a morte? Certamente, você concordará que estas questões dizem a respeito a todos nós e que as respostas podem afetar profundamente a forma como conduzimos nossas vidas no cotidiano. Você, provavelmente, já pensou em muitas delas e pode ter discutido esses temas com amigos ou parentes. Algumas pessoas pensam uma coisa, outros pensam outra. A filosofia possibilita modos de pensar sobre essas questões. Os filósofos tentam construir argumentos racionais para seus pontos de vista seguindo pressupostos lógicos. Filósofos também tentam construir argumentos contra as posições de seus oponentes. Esses processos nem sempre vão levar a um acordo universal, mas eles possibilitarão o debate, ajudando-nos a entender os pontos fortes e fracos das diferentes posições e as relações entre eles. Os filósofos também devem submeter as suas próprias crenças aos padrões de argumentação racional, e devem estar preparados para mudar as suas mentes, caso existam bons argumentos contra suas opiniões. Ao questionar suas crenças e testá-las de forma rigorosa, eles podem identificar seus preconceitos e suposições e substituí-los coerentemente. A filosofia é, pois, um antídoto útil ao dogmatismo. Ao estudar filosofia, as pessoas, muitas vezes, percebem que suas opiniões não eram tão firmes como pensavam e tornam-se mais dispostas a ouvir a opinião de outras pessoas. Essa preocupação com o esclarecimento de ideias é fundamental para a filosofia e tem aplicações em muitas áreas. Por exemplo, os políticos falam sobre liberdade, democracia e direitos humanos, mas o que exatamente eles têm em mente quando usam essas palavras? Contudo, apesar da relevância que pode ser atribuída à filosofia, nem sempre ela é compreendida. Vejamos o exemplo de uma sátira entre dois comediantes sobre o papel da filosofia na vida cotidiana. — John: Pode me esclarecer que relevância a filosofia tem para a vida cotidiana? — Smith: Sim, eu posso fazer isso com bastante facilidade. — Esta manhã fui a uma loja e o vendedor estava discutindo com um cliente. — O vendedor disse “sim”. O cliente disse: "O que quer dizer "sim"? E o vendedor falou: “Eu quero dizer sim”. — John: Isso é muito emocionante. 25 — Smith: Aqui está um exemplo esplêndido da vida cotidiana entre duas pessoas comuns trabalhando com questões filosóficas essenciais. ‘Você quer dizer ‘sim’? “Eu quero dizer ‘sim’. “ E onde eu, como filósofo, poderia ajudá-los?” — John: E você ajudou? — Smith: “Bem, não. Eles estavam com bastante pressa...” John e Smith estavam satirizando as tendências filosóficas de seu tempo, mas seu diálogo ilustra dois pontos de vista sobre a filosofia que ainda estão bastante difundidos. Um deles é que os filósofos estão fora de contato com a vida cotidiana e as preocupações das pessoas comuns. A outra é que os debates filosóficos são muito abstratos e muitas vezes descem ao nível de discutir o significado das palavras ('O que quer dizer, "sim”? '). fui a uma loja e o vendedor estava discutindo com um cliente. O vendedor disse “sim”. O cliente disse: "O que quer dizer "sim"?. E o vendedor falou: “Eu quero dizer sim”. A especificidade do saber filosófico A filosofia, assim como a ciência, busca o conhecimento. Porém, esses campos têm seus métodos próprios e atingem determinadas “verdades”. Além dos saberes filosófico ecientífico, existe ainda o saber do senso comum, que é uma série de crenças admitidas por um determinado grupo social, cujos membros acreditam ser compartilhadas por todos. E produzido por meio das percepções sensíveis e imediatas. É caracterizado pela falta de fundamentação, de coerência e sistematicidade. As pessoas não sabem o porquê das coisas, mas aglutinam acriticamente juízos. Nessa forma de saber, as verdades provisórias e parciais são tomadas por definitivas e absolutas. As descrições são imprecisas e os relatos dos fatos e acontecimentos são abordados de maneira superficial, impregnados de opiniões, que geram uma infinidade de pré-conceitos os quais, aos poucos, vão se tornando parte do conhecimento popular. Por fim, o senso comum é um conhecimento prático, utilitário, sem ou quase sem nenhuma teoria, integrante da chamada cultura popular. Contudo, nem todos os conhecimentos integrantes do senso comum são irrelevantes, já que partem da própria realidade. Algumas concepções são, de fato, precisas, faltando a elas, entretanto, o rigor, o método, a objetividade e a coerência típica do senso crítico. 26 Já o saber científico é forma especializada, metódica, observacional de estudo da realidade. Não se contenta com as opiniões, com as verdades disseminadas culturalmente. O saber, para ser cientificamente validado, precisa passar por uma série de investigações, experimentos, verificações etc. Somente após um longo processo de investigação é que uma afirmação pode ser tomada por uma verdade científica. Por sua vez, o saber filosófico é uma atividade reflexiva que deixa de ver os elementos que compõem determinada realidade como dados naturais, universais, óbvios, eternamente válidos, para serem analisados, relativizados, examinados criticamente, compreendidos como construções histórico-sociais. É fruto de uma metodologia orientada pela razão e pela pesquisa reflexiva. O filósofo tem a incumbência de questionar a realidade das aparências, de ilusões dos sentidos, abrindo a perspectiva do logos. Esse espírito filosófico é expresso de modo magistral pelo poeta Bertoldo Brecht: “Nós pedimos com insistência: Não digam nunca: isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia. Numa época em que reina a confusão. Em que corre sangue, Em que se ordena a desordem, Em que o arbítrio tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza. Não digam nunca: isso é natural!” (Bertoldo Brecht) Tem-se comumente a ideia que o filósofo é aquele que divaga em questões abstratas, desconectadas da vida cotidiana com um discurso que não diz respeito aos interesses da maioria. Já o cientista, pelo contrário, é um pesquisador confinado em seu laboratório e preocupado com problemas práticos, imbuído na elaboração de um saber útil. No entanto, podemos questionar: até que ponto o saber filosófico não tem utilidade e o quanto o saber científico está próximo das expectativas práticas? Na modernidade, a filosofia e a ciência seguem caminhos diferentes, determinados por uma metodologia própria. O método determina a diferença de abordagem dos problemas em cada área e a lógica é o instrumento comum entre a 27 ciência e a filosofia. Com a separação entre filosofia e ciência, a partir da revolução científica do século XVI, cada qual passou a guardar características próprias: CIÊNCIA FILOSOFIA Trabalha com métodos científicos, ou seja, baseia-se na observação de dados empíricos. Trabalha com elementos teóricos e nãocondiciona o objeto de sua análise as experimentações. Saber especializado. Visão de conjunto. Descritiva. Crítica. O saber filosófico designa o conjunto dos conhecimentos racionais. Portanto, um saber amplo e universalista. Como a ciência passou a direcionar suas investigações a campos delimitados da realidade, a filosofia, hoje, passou a ter a função de buscar a unidade do saber e de examinar a validade dos métodos e dos saberes formulados pelas ciências. Entretanto, a filosofia pode se valer dos resultados alcançados pelas ciências e questioná-los. Já as ciências podem se valer dos elementos teóricos da filosofia para efetivar suas investigações no campo da empiria e, consequentemente, estender o entendimento perante o objetivo investigado elaborando hipóteses que doravante possam ser comprovadas por meio do andamento das pesquisas. Com isso, a ciência pode reelaborar o saber filosófico – principalmente o de base metafisica - e a filosofia pode buscar a coerência das pesquisas científicas percebendo se há um ordenamento lógico e fundamental. Diversas visões de filosofia Você sabia que a filosofia tem vários significados? Vamos elencar alguns deles: do ponto de vista etimológico, filosofia significa “amigo da sabedoria”. Para muitas pessoas, a palavra filosofia quer dizer a maneira própria de uma pessoa ver e explicar as coisas. Quando dizemos que cada pessoa tem sua própria filosofia, estamos nos referindo a este conceito. Embora, a explicação seja um verdadeiro absurdo do ponto de vista da lógica, um mito ou superstição, por exemplo, mas é sua filosofia. 28 A filosofia é conhecida, também, como uma atividade do pensamento que se baseia na lógica e na reflexão sistemática, onde o sujeito, a partir de certa estrutura, exerce uma postura de examinar e pensar de forma rígida e criteriosa os objetos do conhecimento. Ou seja, este saber não se trata de simples opiniões, mas de conhecimentos baseados num processo lógico de pensamento em que se usa determinado método para chegar a alguma conclusão. A filosofia consiste num conjunto de conhecimentos sobre certos assuntos sistematizados e obtidos por meio de métodos definidos que procuram explicar todas as coisas por suas causas mais profundas e não imediatas. Para isto, são usadas a observação sensível e a razão natural. O conjunto dessas regras chama-se lógica. Nota-se que este segundo conceito está ligado apenas ao mundo sensível e à razão natural, excluindo o campo da ciência e da religião. Neste sentido, a filosofia pode ser entendida como uma busca de explicações para todas as coisas e relaciona todo o conhecimento dos diversos campos, como o conhecimento especulativo, experimental, entre outros. Reunindo todos num processo de integração, elabora-se uma visão do mundo ou do universo e esta ação faz toda diferença quando se estar diante de um objeto exercendo uma investigação para descobrir sua natureza e sua condição de verdade. Portanto, a filosofia desenvolve um sistema de pensamento que compreende a existência de todas as coisas do universo e é denominada de cosmovisão. Dentro desse conceito, inclui-se tanto o campo da ciência experimental, quanto da religião fundamentada na Revelação Escrita, isto é, da Teologia Bíblica e do conhecimento adquirido pelo processo sensitivo racional. Finalmente, chegamos a um significado da palavra filosofia, um modo de pensar, que inclui não apenas uma compreensão intelectual ou teórica, mas também um saber que faça parte do nosso “eu”, de nosso ser psíquico. Abrange o conjunto total de nossas experiências vividas e modos de viver. Então, Filosofia é vivência. Portanto, essa forma de conhecimento é, essencialmente, prática, na qual o ser humano passa a viver de acordo com sua visão de mundo. Esse modo de viver deverá ser coerente com a cosmovisão obtida a fim de que o ser humano não experimente uma dicotomia entre a psique, que se refere à mente, e a soma, que se refere ao corpo material. 29 Podemos perceber então que diferentes são os conceitos de filosofia, o modo como cada pessoa vê as coisas no mundo e as maneiras pelas quais os seres humanos elaboram sua visão sobre este. Cada conceito diferente de filosofia também provoca mudança na natureza do saber filosófico. Ao considerar a função, ou funções, da filosofia, constatamos que sua natureza é tríplicee culmina em aspectos amplos e globalizantes. Vejamos cada uma delas: Em primeiro lugar, ao expor seu sistema, analisar as causas fundamentais e explicar a existência/essência das coisas, a filosofia é descritiva em sua natureza. Discorre sobre tudo o que existe, explica conceitos, enumera e descreve os componentes, procura integrar as partes, relacionando-as de modo apropriado e buscando abranger o todo. Quando a filosofia estabelece as regras do pensamento válido e a aplicação destas no processo do raciocínio, passa a ter um caráter normativo. Este caráter normativo também ocorre ao se tratar da Filosofia Prática na qual são estabelecidas normas de conduta para servir como modelo de comportamento aos indivíduos, determinando as noções de dever e direito, certo e errado. Finalmente, a parte da filosofia que faz uma avaliação do conhecimento adquirido pela especulação e verifica se as regras foram obedecidas na conduta ou na produção de uma obra de arte, chama-se Filosofia Crítica ou Avaliativa. Isso também ocorre quando a filosofia procura se certificar da validade deste conhecimento, bem como dos argumentos empregados, procurando trazer à mente mais certeza e convicção da realidade e da verdade das coisas. Ainda, verifica-se que esse caráter de crítica quando a filosofia julga o valor e a legitimidade dos métodos empregados pelas ciências particulares e quando fornece a essas ciências postulados fundamentais sobre os quais elas estão construídas. O conceito de crítica equivale a analisar os aspectos positivos e negativos, justificando as colocações feitas nas funções anteriores. É quando se verifica a coerência das exposições com a realidade. Devemos mencionar que para se pensar de maneira correta, é preciso conhecer e obedecer às regras que comandam o pensamento a fim de que este seja válido em sua forma e verdadeiro em sua aplicação. Portanto, é necessário, que se conheçam essas leis estudadas pela lógica. 30 Para concluir, dizemos que a filosofia é sintética em sua natureza quando procura compreender, dentro de seu campo, tudo o que existe e é acessível à inteligência humana. A filosofia, enquanto cosmovisão tem em si esse caráter sintético. Ela deve admitir que todos os métodos usados na ciência, na filosofia especulativa e na religião são válidos e possíveis de serem empregados para se descobrir a verdade. Também é necessário estabelecer princípios pelos quais seremos orientados em nosso processo de filosofar, usando todas as formas e campos de conhecimento. Podemos então dizer que todos os métodos serão usados, tais como a lógica, experimentação, observação sistematizada, revelação, intuição, entre outros. 31 2 PENSAMENTO GREGO E MEDIEVAL Conhecimentos Conhecer a história da filosofia no período clássico, moderno, contemporâneo e suas respectivas fases a partir dos grandes paradigmas que perpassaram cada época. Habilidades Identificar a função dos diversos ciclos da filosofia no processo de construção do conhecimento. Atitude Vincular os conhecimentos advindos do pensamento filosófico à vida cotidiana. 32 33 O Paradigma do Ser O grande paradigma que marcou as filosofias da antiguidade grega e da Idade Média foi o do SER. Mas em que consiste esse paradigma? E o que é esse ser que os filósofos buscavam? Para entendermos bem esse paradigma, é preciso, antes de mais nada, entender a postura filosófica destas épocas. A questão fundamental era saber qual o fundamento, a essência, de todas as coisas. Os filósofos gregos, por exemplo, buscavam o ser, o princípio (arché) que era a origem de tudo. Procuravam descobrir quais os elementos primários constituidores das coisas existentes como a terra, as plantas, os animais, a água, o ar, o fogo, etc. O ser pode ter dois sentidos, a saber: significar Existência: existir, estar aí; significar Consistência: ser isto, ser aquilo. Quando perguntamos: O que é o homem? O que é a água? O que é a luz? Não queremos perguntar se existe ou não existe o homem, se existe ou não existe a água ou a luz. Queremos dizer: qual é a sua essência? Em que consiste o homem? Em que consiste a água? Em que consiste a luz? Durante o tempo que antecedeu o período considerado áureo no qual o pensamento grego chegou a seu apogeu, houve um grupo de pensadores que se dedicaram aos assuntos já mencionados sem, contudo, ter a preocupação de construir um sistema de pensamento coordenado e integrado. A este período denominou-se período naturalista e se estendeu desde o século VI até o séc. IV a.C. Os filósofos desse período ficaram conhecidos como pré-socráticos, porque viveram antes de Sócrates. As questões fundamentais para os filósofos pré-socráticos eram: • Por que existe algo e não o nada? • Se existe algo, em que consiste esse algo? • Qual é a essência do que existe? • Qual é o elemento fundamental, o ser em si, que constitui a realidade? Podemos afirmar que a filosofia pré-socrática caracterizava-se como um Realismo Metafísico (res = coisa ► realismo = o que existe), na medida em que eles se perguntavam sobre a existência do ser que era o pressuposto de qualquer existência, o fundamento de toda a realidade, o ser que é em si, que não se decompunha em outras coisas. Com os gregos começou um esforço para discernir entre aquilo que tem uma existência meramente aparente e aquilo que tem uma existência real, uma existência em 34 si, uma existência primordial, irredutível a outra. Estes filósofos gregos procuram qual é ou quais são as coisas que têm uma existência em si. Eles chamavam a isto o "princípio" (arché), nos dois sentidos da palavra: como começo e como fundamento de todas as coisas. Vamos conhecer alguns filósofos pré-socráticos: Tales de Mileto (640 – 548 a.C.) ► O princípio de toda a realidade era a ÁGUA; Não consiste em nada; existe, com uma existência primordial, como princípio essencial, fundamental, primário. Anaximandro de Mileto (610-547 a.C.) ► O princípio fundamental da realidade era o APEIRON (INDEFINIDO); Uma coisa indefinida que não era nem água, nem cerra, nem fogo, nem ar, nem pedra, mas antes tinha em si, por assim dizer, em potência, a possibilidade de que dela se derivassem as demais coisas. Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) ► O princípio fundamental da realidade era o AR INFINITO (pneuma ápeiron); ► Foi quem pela primeira vez denominou o princípio de arché; O universo era o resultado das transformações do ar, da sua rarefação, o fogo, ou condensação, o vento, a nuvem, a água e a terra. Esse era o processo pelo qual se passava da substância primordial para a multiplicidade dos elementos. Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.) Não procurou um, mas vários princípios para a realidade, com a ideia de salvar as qualidades diferenciais das coisas, admitindo, não uma origem única, mas uma origem plural; não uma só coisa, da qual fossem derivadas todas as coisas, mas várias coisas. Assim, ele admitiu que eram quatro as coisas realmente existentes, das quais se derivam todas as demais e que essas quatro coisas eram: a água, o ar, a terra e o fogo, que ele chamou "elementos", isto é, aquilo com que se faz "tudo o mais”. 35 Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.) Foi o primeiro filósofo que pensou como fundamento da realidade um ser não- material, não acessível aos sentidos. Para Pitágoras a essência última de todo ser, dos que percebemos pelos sentidos, é o número. As coisas são números, escondem dentro de si números. As coisas são distintas umas de outras pela diferença quantitativa e numérica. O 1 é o ponto, o 2 determina a linha, o 3 gera a superfície e o 4 produz o volume. Por exemplo, Pitágoras descobriu que na lira se as notas das diferentes cordas soam diferentemente, é porque umas são mais curtas que as outras e não somente descobriu isso,mas também mediu o comprimento relativo e encontrou que as notas da lira estavam entre si numa simples relação numérica de comprimento: na relação de um dividido por dois, um dividido por três, um dividido por quatro, um dividido por cinco. Descobriu, pois, a oitava, a quinta, a quarta, a sétima musical. Assim, Pitágoras chegou à ideia de que tudo quanto vemos e tocamos as coisas tais e como se apresentam, não existem de verdade, mas antes são outros tantos véus que ocultam a verdadeira e autêntica realidade, a existência real que está atrás dela e que é o número. É a primeira vez que na história do pensamento grego surge como coisa realmente existente, uma coisa não material, nem extensa, nem visível, nem tangível. Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) Foi o primeiro filósofo a perceber que as coisas são e não-são, ao mesmo tempo, ou seja, que a realidade está em constante movimento. Quando nós queremos fixar uma coisa e definir sua consistência, dizer em que consiste esta coisa, ela já não consiste no que consistia um momento antes. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito; um constante fluir. O elemento que representa o princípio de todas as coisas é o fogo, pois este mostra a fluidez de tudo, o contínuo deixar de ser para tornar-se ser. O fogo consome, destrói, para tornar-se o que é. 36 Parmênides de Eléia (544-470 a.C.) Sua filosofia está diametralmente oposta à filosofia de Heráclito. Enquanto este afirmava que o ser é e o não-ser também é, Parmênides afirmava que o ser é e o não-ser não é. Parmênides verifica, pois, que dentro da ideia do devir há uma contradição lógica, há esta contradição: que o ser não é; o que aquele que é não é, visto que, o que é neste momento já não é neste momento, antes passa a ser outra coisa. Qualquer olhar que lancemos sobre a realidade nos confronta com uma contradição lógica, com um ser que se caracteriza por não ser. E diz Parmênides: isto é absurdo; a filosofia de Heráclito é absurda, é ininteligível, não há quem a compreenda. Porque como pode alguém compreender que o que é não seja, e, o que não é seja? As qualidades do ser de Parmênides são: 1. Idêntico a si mesmo - (princípio da identidade); 2. Único - não pode haver dois seres; Suponhamos que haja dois seres; pois, então, aquilo que distingue um do outro "é" no primeiro, porém "não é" no segundo. Mas se no segundo não é aquilo que no primeiro é, então, chegamos ao absurdo lógico de que o ser do primeiro não é no segundo. Tomando isto absolutamente, chegamos ao absurdo contraditório de afirmar o não-ser do ser. Dito de outro modo: se há dois seres, o que há entre eles? O não-ser. Mas dizer que há o não-ser é dizer que o não-ser, é. E isto é contraditório, isto é absurdo, não tem cabimento; essa proposição é contrária ao princípio de identidade. 3. Eterno - não tem princípio nem fim; Se tem princípio, é que antes de começar o ser havia o não ser. Mas, como podemos admitir que haja o não-ser? Admitir que há o não-ser, é admitir que o não-ser é. Pela mesma razão não tem fim, porque se tem fim é que chega um momento em que o ser deixa de ser. E depois de ter deixado de ser o ser, que há? O não-ser. Mas, então, temos que afirmar o ser do não-ser, e isto é absurdo. 4. Imutável; Toda mudança do ser implica o ser do não-ser, visto que, toda mudança é deixar de ser o que era para ser o que não era, e, tanto no deixar de ser como no chegar a ser, vai implícito o ser do não-ser, o que é contraditório. 37 5. Infinito - não está em parte algum; Estar em uma parte é encontrar-se em algo mais extenso e, por conseguinte, ter limites. Mas o ser não pode ter limites, porque se tem limites, cheguemos até estes limites e suponhamo-nos nestes limites. O que há além do limite? O não-ser. Mas, então, temos que supor o ser do não-ser além do ser. Por conseguinte, o ser não pode ter limites e se não pode ter limites, não está em parte alguma e é ilimitado. 6. Imóvel - mover-se é deixar de estar em um lugar para estar em outro; Mas como predicar-se do ser o estar em um lugar? Estar em um lugar supõe que o lugar onde está é mais amplo, mais extenso que aquilo que está no lugar. Por conseguinte, o ser, que é o mais extenso, o mais amplo que há, não pode estar em lugar algum, e se não pode estar em lugar algum, não pode deixar de estar no lugar; ora: o movimento consiste em estar estando, em deixar de estar num lugar para estar em outro lugar. Mas, na realidade, as coisas estão em movimentos, os seres são múltiplos, vão e vêm, que se movem, que mudam, que nascem e que perecem. Não podia, pois, passar despercebido a Parmênides a oposição em que sua metafísica se encontrava frente ao espetáculo do universo. Então, Parmênides não hesita um instante, daí tira a conclusão: este mundo heterogêneo de cores, de sabores, de cheiros, de movimentos, de subidas e descidas, das coisas que vão e vêm, da multiplicidade dos seres, de sua variedade, do seu movimento, de sua heterogeneidade, todo este mundo sensível é uma aparência, é uma ilusão dos nossos sentidos, uma ilusão da nossa faculdade de perceber. Assim, como um homem que visse forçosamente o mundo através de uns cristais vermelhos diria: as coisas são vermelhas, e estaria errado: do mesmo modo quando dizemos: o ser é múltiplo, o ser é movediço, o ser é mutável, o ser é variadíssimo, estamos errados. Na realidade, o ser é único, imutável, eterno, ilimitado e imóvel. Desse modo, Parmênides cria dois mundos, um sensível e outro inteligível. Pela primeira vez na história da filosofia, aparece esta tese da distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligível. Demócrito de Abdera (460-370 a. C.) ► O princípio fundamental da realidade é o Átomo; 38 Partículas minúsculas indivisíveis e invisíveis a olho nu e eternos. Se fossem divisíveis, a natureza acabaria por se diluir. E como nada pode surgir do nada, são eternos. ► Um dos primeiros materialistas; ► Tenta resolver os impasses surgidos nas teorias de Heráclito e Parmênides; O ser, o átomo é eterno (como pensava Parmênides), mas está em constante movimento (como pensava Heráclito), como, por exemplo, os átomos que compõem a alma (feita de átomos sutis, que se movem, lisos e arredondados), já que esta se move. Após o período da filosofia naturalista ou pré-socrática, temos o período das grandes sínteses. Os principais pensadores dessa época são Sócrates, Platão e Aristóteles. Estes filósofos dão uma configuração mais rebuscada às questões e teorias dos pré-socráticos, a partir da tentativa de desenvolver sistemas de ideias capazes de abarcar todas as dimensões da realidade. Daí o nome de período das grandes sínteses ou período sistemático. Nele procurou-se coordenar e sistematizar o que se havia pensado até então e continuar se aprofundando no pensamento sobre elementos constituintes do nosso universo. Tais elementos diziam respeito não somente ao que se podia perceber através dos sentidos. Como também, daquilo que estava além, isto é, a metafísica. Sócrates Sócrates considera o uso do raciocínio e o ato de elogiar os outros ao fazê-los na busca de respostas. As histórias dos deuses tinham muitas contradições em si e tornou- se difícil acreditar neles. Eventualmente, como alguns devem acreditar em Papai Noel, também muitos precisaram desistir de sua crença nos deuses. Mas, assim como a crença no Papai Noel é reconfortante e traz presentes físicos, a crença nos deuses era reconfortante para fornecer uma base de ordem moral. Uma vez que a crença nos deuses foi removida, o que os gregos colocaram em seu lugar? O que serviria de base para a ordem social e moral? Sócrates foi em busca dessas respostas no momento de sua morte. Platão achava que ele tinha encontrado, mas Sócrates obteve julgamentos sobre as histórias dos deuses. Ele sabia quecertos atos dos deuses devem ser seguidos e outros definitivamente evitados. Sócrates foi à procura de uma base para afirmar a existência 39 de um padrão moral ou conjunto de regras ao qual até os deuses estão sujeitos. Isto é conhecido como Ética em Filosofia. Sócrates foi um dos primeiros seres humanos a prosseguir na resposta para a pergunta "O que é o bem?" Usando a razão e não crença. Concluiu que não há realmente princípios válidos de pensamento e de ação que devam ser seguidos para desfrutarmos de uma vida boa se quisermos ser, ao mesmo tempo, genuinamente felizes e verdadeiramente bons. Estes princípios são objetivos e verdade para todos os homens e mulheres, sempre e onde quer que vivam. Algumas pessoas são injustas, autoindulgentes, obcecadas com metas inúteis, confusas e cegas sobre o que é verdadeiramente importante. Estas pessoas precisam encontrar a verdade e viver de acordo com ela. Tornou-se famoso por dar uma volta em torno da ágora (mercado) e questionar os cidadãos sobre: "O que é a justiça", "O que é o conhecimento". Desafiava as pessoas questionando de volta cada resposta que elas davam. Filho de uma parteira, preocupou-se em purificar e esclarecer os conceitos através do método de questionar seus alunos. Reuniu em torno de si um grupo de jovens estimulando o pensamento, questionando conceitos e fazendo perguntas a fim de tornar as ideias mais claras e precisas. Buscava retirar da mente o que, em potencial, já se encontrava no íntimo. A este processo deu-se o nome de maiêutica, comparando-o com o processo do parto em que a parteira procurava tirar a criança do ventre materno. Dessa forma, Sócrates procurava retirar conhecimento do íntimo das coisas. Na filosofia socrática, processo do parto em que a parteira procurava tirar a criança do ventre materno. Dessa forma, Sócrates procurava retirar o conhecimento do íntimo das coisas. Este filósofo, cujo aforismo atribuído era “Conhece-te a ti mesmo”, demonstrava também as incoerências e inconsistências da sociedade de sua época apresentando a injustiça das leis. Motivava seus alunos a buscar conhecimentos sobre si mesmos. A verdade está dentro de cada um de nós, não nas estrelas, nem na tradição, ou nos livros religiosos, ou nas opiniões das massas. Cada um tem ocultado dentro de si os verdadeiros princípios de pensar e agir. Por isso, ninguém pode ensinar a verdade sobre a vida a ninguém. Se isso não fosse verdade dentro de você, você nunca encontraria tais princípios, mas eles existem e somente por intermédio de um implacável autoexame de crítica, eles se revelarão para você. 40 Sócrates não deixou nada escrito. Seus ensinamentos vieram-nos através de dois alunos seus: Platão e Xenofonte. Ele procurava induzir as pessoas através do questionamento de algo, sem necessidade de palestra ou dizer qual é a resposta. Ele orientava as pessoas para os valores universais cujo primado era conhecer o fundamento dos processos de introspecção, indução e definição empregando isso na conduta moral que procurou estabelecer pela prática das leis. Segundo Sócrates, o fim do homem é a prática do bem através de uma vida virtuosa que deve acompanhar o conhecimento. Sócrates afirmava: "A vida não examinada não vale a pena ser vivida." Ele acreditava que o conhecimento é virtude e os seres humanos nunca, intencionalmente, cometem erros. Em outras palavras, é indigno quem simplesmente vive o dia a dia sem nunca se perguntar: "O que estou fazendo aqui? Por que estou vivendo como eu sou?". Para ser verdadeira e completamente humano, no pensamento de Sócrates, cada ser humano deve submeter sua vida e convicções à prova de crítica do autoexame. Por intermédio desse processo de autoexame, podemos alcançar a verdadeira felicidade. Além disso, defendia que a ignorância é o mal e para ser moral, o ser humano deve educar-se. Em sua opinião, a única coisa da qual ele realmente sabia era que não sabia de nada e ser fiel a si mesmo era a coisa mais importante a fazer. Por intermédio de seu método de interrogatório, pensava poder levar os homens a reavaliar suas respostas e examinar suas crenças. A sabedoria consiste em admitir que não sabemos de nada e que a busca pelo conhecimento é o mais elevado bem. Por causa de sua ignorância confessada, ele pode parecer contraditório, para ser sábio. No entanto, Sócrates percebeu que não sabia de nada e estava ciente de sua ignorância; de fato, foi esse reconhecimento que o fez sábio. Na realidade, muitas pessoas que se diziam sábias, não o eram. A prática do que é errado ocorre devido à falta de conhecimento. Sócrates preocupava-se com o comportamento moral e devia obedecer às leis embora mostrasse a seus alunos que muitas vezes estas são injustas. Este filósofo foi levado a julgamento por "corromper a juventude" ao criticar a sociedade e as leis de Atenas e por "questionar os deuses”. Ele tinha a opção de ser exilado ou beber cicuta, um veneno que iria matá- lo. Mantendo-se fiel às suas crenças, ele bebeu a cicuta. Sócrates afirmou também que a tarefa mais importante na vida era cuidar da alma. Ele acreditava que a alma de uma pessoa era verdadeiramente a pessoa e o centro de seu caráter. Assim como o corpo, a alma deve ser mantida saudável; Sócrates propôs 41 uma maneira de manter a alma saudável: por meio da introspecção e a busca por livrar- se da ignorância. Este mesmo filósofo acreditava também que uma boa pessoa não poderia ser prejudicada por terceiros. Claro, as pessoas podem ser machucadas fisicamente por outras, mas Sócrates estava se referindo ao fato de uma pessoa de alma boa não poder ser prejudicada por forças externas. Ou seja, se a parte mais importante de uma pessoa é a alma e esta não é física, e sim algo dentro do ser humano, então a pessoa não poderia ser prejudicada pela a alma. O corpo pode ser prejudicado por outra pessoa, mas a alma não, a menos que exista uma permissão a si mesmo para tornar-se suscetível aos outros e mudar suas crenças, valores e percepções sobre a vida. Platão Considerando o governo que condenou o mestre, Platão, discípulo de Sócrates, acreditava que a democracia, o governo dirigido pela maioria, estava fadado ao fracasso e dizia que o rei deveria ser um filósofo. Procurava definir o que é justiça e o que é o estado. Busca então resposta a questões mais fundamentais como: Qual é a natureza da realidade? Qual é a natureza do mundo físico? Qual é a natureza humana? Qual é o maior bem para o homem? A teoria das ideias é a base da filosofia de Platão: as ideias não são apenas os objetos reais, ontologicamente falando; elas são, também, objetos de conhecimento autêntico e epistemológico. Platão defende um claro dualismo ontológico em que existem dois tipos de realidades ou mundos: o mundo sensível e o mundo inteligível, ou, como ele chama, o mundo das ideias. O mundo sensível é o mundo das realidades individuais, e assim, é múltiplo e em constante mutação; é o mundo da geração e destruição, é o reino do sensível, do material, das coisas temporais e de espaço. O mundo inteligível, ao contrário, é o mundo das realidades universais, eternas e invisíveis chamadas ideias (ou formas), que não mudam (imutáveis) porque não são materiais, temporais ou espaciais. As ideias podem ser compreendidas e conhecidas, pois são a realidade autêntica. Elas não são apenas conceitos ou eventos psíquicos de nossas mentes; existem como seres objetivos e independentes de nossas consciências. As ideias são ordenadas hierarquicamente, há diferentes tipos e elas não têm, todas, o mesmo valor. Os tipos de ideias que estão incluídas no mundo inteligível são: 42 ideia de retidão, ideias morais e outras como justiça, virtude, etc.; ideias estéticas (especialmente a ideia de beleza); ideias de multiplicidade, unidade, identidade, diferença; ideias matemáticas. Platão localizava a ideia deretidão na posição mais alta do mundo inteligível; às vezes ele se identificava com a ideia de beleza e até mesmo com a ideia de Deus. A ideia de retidão é a origem da existência de tudo, pois o comportamento humano depende dele próprio e tudo tende a ele (intrínseco propósito na natureza). De alguma maneira misteriosa, as coisas materiais individuais participam da realidade de ideias, assim como sombras dependem de objetos reais. Platão ensinou que o nosso conhecimento acerca das ideias existia dentro de nós a partir de outra vida, quando já existia em um mundo superior, sem um corpo. Platão acreditava que um ser humano alcança conhecimento por recordar o que era conhecido antes da alma deste ter entrado no corpo. Há um mundo de formas eternas, de ideias que nunca mudam. Estas formas ideais existem em um reino além deste universo físico. O referido filósofo elabora sua teoria do mundo material, imperfeito, que está sempre em mudança e seria sobra de outro mundo, perfeito, imutável, o mundo ideal para onde se dirigiam as almas que eram partes do homem e se desprendiam do corpo após a morte. Para Platão, o início da filosofia é a ideia, que seria a realidade objetiva, eterna, perfeita, imutável. A ideia platônica é centrada no Bem Absoluto, que é Deus; este é a felicidade suprema do homem. Essa ideia de outro mundo, ideal, perfeito, imperfeito e passageiro, é ilustrada no Mito da Caverna que engloba os pontos cardeais de sua filosofia. Ele quer que ela seja uma metáfora de nossa natureza quanto à sua educação e a sua falta de educação, isto é, serve para ilustrar questões relativas à teoria do conhecimento. O mito descreve a nossa situação acerca do conhecimento: somos como os prisioneiros de uma caverna que somente observam as sombras dos objetos e assim vivem na mais completa ignorância. Somente a filosofia pode nos libertar e permitir que saiamos da caverna para o mundo verdadeiro, ou mundo das ideias. Platão pede-nos para imaginar que somos prisioneiros em uma caverna subterrânea. Estamos acorrentados e imobilizados desde a infância, de tal forma que somente podemos ver as sombras dos objetos projetadas na parede extrema da caverna e as pessoas que caminham junto a essa parede, falando e levando esculturas que representam objetos diferentes (animais, árvores, objetos artificiais...). Nesta situação, 43 naturalmente, os prisioneiros pensariam que as sombras e os ecos das vozes que se ouvem são a verdadeira realidade. Platão defende que um prisioneiro libertado aos poucos iria descobrir diferentes níveis de realidade autêntica: primeiro ele veria os objetos e a luz dentro da caverna, mais tarde ele veria de fora, em seguida ele veria o reflexo desses objetos da água e, finalmente, os objetos reais. Finalmente, ele veria o sol e concluiria que ele é a razão das estações, que governa o reino dos objetos visíveis e é a razão de tudo o que os prisioneiros podem ver. Lembrando a sua vida na caverna e seus companheiros de cativeiro, ele se sentiria feliz por estar livre e, apesar dos perigos, voltaria para o mundo subterrâneo para libertá-los. Estas são as chaves que Platão nos dá para ler o mito: a fuga para o mundo exterior visando a contemplação dos seres reais (metáfora do mundo das ideias) deve ser comparada com o caminho de nossas almas para elevar-se ao mundo inteligível. A teoria das ideias responde à pergunta sobre a possibilidade de conhecimento. Esta teoria divide o mundo em duas esferas de realidades distintas, ontologicamente, que correspondem a duas sabedorias diferentes. Os tipos de conhecimento são: ciência, que cuida das ideias imutáveis e está dividida em dialética e pensamento discursivo e parecer, que é o conhecimento do mundo sensível e mutável e, por sua vez, está dividido em crença (animais que nos rodeiam, plantas e objetos artificiais) e conjecturas (que se ocupam de "tons" e coisas semelhantes). Platão trabalha a ideia de ciência (conhecimento estritamente falando) baseada na sensação como critério de verdade não possível, pois não podemos ter ciência das coisas mutáveis (do mundo sensível), que somente aparecem aos nossos sentidos. A ciência deve ser baseada na razão, que estuda a natureza ou essência das coisas (ideias). A ciência estritamente falando não consegue lidar com as coisas que estão mudando continuamente; o mundo sensível está em constante mudança, por isso a ciência não pode estudá-lo. Esta deve estudar um mundo imutável. Platão concebe o homem como um composto de duas substâncias diferentes: o corpo, que nos liga ao mundo sensível, e a alma, que nos retira dessa esfera material e se relaciona com um mundo superior – esta é entendida como imortal e tem um destino superior ao corpo. Essa superioridade vem do fato de que a alma, ao contrário do corpo, é, em essência, um princípio de retidão e conhecimento. O corpo é governado pela corrupção e pela morte, enquanto a alma é imortal. 44 Aristóteles Com Aristóteles, a filosofia grega chega a seu ápice no que se refere à sistematização do conhecimento. Estabelece as leis norteadoras do pensamento válido para dedicar-se depois à cosmologia, na qual ele observa a matéria e a forma mostrando que foi profundo investigador da natureza e caracterizando-se por seu realismo, elemento que estimulava suas observações. Depois de estudar o mundo físico e o homem, Aristóteles passa para a metafísica, na qual, através de abstração, ele constrói sua ontologia, estudando o ser, suas causas, possibilidades e realizações com as ideias de potência e ato. Potência significa que uma coisa pode ser, mas ainda não está na realidade. O ato significa existência plena e perfeita, como se a ação mais perfeita de uma coisa existisse apenas para ser o que é. As coisas reais da natureza são compostas pelos dois fatores acima mencionados. Eles estão em ato porque realmente existem, mas sua existência é incompleta porque eles estão sujeitos a alterações e por isso têm uma potência de certos tipos de mudanças. O homem seria, como todos os seres da natureza, formado de matéria de modo que o corpo seria a matéria e a alma, a forma. Aristóteles estranha alguém pensar que a sabedoria prática é a mais excelente forma de conhecimento. Ele diz que a sabedoria teórica produz felicidade por ser uma parte da virtude, e que a sabedoria prática olha para o desenvolvimento da sabedoria teórica emitindo comandos para a sua atuação. Assim, é evidente que o exercício da sabedoria teórica é um componente mais importante do nosso objetivo final do que a sabedoria prática. Em seus escritos, trata ainda da ética e política. Nestas o comportamento moral seria de acordo com a razão e seu fim seria a felicidade do homem e a política na qual o estado é um organismo moral em que se objetiva o bem da sociedade. Aristóteles defende a ideia de que existem diferenças de opinião sobre o que é melhor para os seres humanos e que devemos resolver essa divergência. Ao levantar a questão “O que é o bem-estar?”, Aristóteles não está à procura de uma lista de itens. Ele assume que essa lista pode ser reunida com bastante facilidade. A maioria concorda, por exemplo, que é bom ter amigos, sentir prazer, ser saudável, honrado e ter virtudes como a coragem. 45 A questão difícil e controversa surge quando perguntamos se alguns desses itens são mais desejáveis do que outros. A busca de Aristóteles pelo “bem-estar” é uma busca pelo bem-estar maior e ele assume que este tem três características: é desejável por si mesmo e não pode ser a finalidade da vida, pois embora seja desejável por si mesmo, não é válido por si mesmo, mas como um relaxante que nos torna aptos a uma atividade séria. Finalmente, Aristóteles chega à conclusão da existência de um Ser que é o motor do universo, a causa primeira de tudo o que existe: Deus. Este seria o real absoluto, puro. A Teodiceia
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