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SBS. XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA GT 21 Sociologia da Cultura Título do Trabalho: Moda e indústria cultural. Da distinção à confusão. Autor: Profa. Dra. Maria Lucia Bueno Ramos Moda e Indústria Cultural. Da distinção à confusão. Maria Lucia Bueno Ramos (Mestrado em Moda, Cultura e Arte. Centro Universitário Senac/SP) Na sociedade moderna do século XIX, com a emergência do modo de vida urbano e a extinção dos privilégios aristocráticos, o desenvolvimento de uma cultura das aparências (Daniel Roche:1986) estende-se para todos os segmentos sociais, no interior de um universo onde o sistema da moda passa a desempenhar um papel fundamental. Para Elisabeth Wilson podemos encarar “o vestuário de moda no mundo ocidental como um meio através do qual um eu sempre fragmentário é unificado e aparenta uma certa identidade. A identidade passa a ser um tipo de problema da modernidade. A moda faz transparecer uma tensão entre a multidão e o indivíduo, em todas as fases de desenvolvimento da metrópole dos séculos XIX e XX.” (Wilson:1989:24) Nesse novo contexto as roupas, juntamente com todo um repertório de objetos e comportamentos, adquirem um caráter predominantemente cultural na construção de uma nova categoria social: o estilo de vida. Para Anthony Giddens “um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo adota não só porque essas práticas satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade.” (Giddens:1997:75) No século XIX e início do XX a moda, através da indumentária, tomando as mulheres como casos exemplares, operam como mecanismo de distinção social (Bourdieu: 1989) assinalando uma diferença radical entre dois universos: o das mulheres de elite, que tem a sua condição ociosa como status social, e a das mulheres que trabalham. Esta distinção se constitui nos espaços urbanos em escala mundial: dos circuitos cosmopolitas em Paris e Nova York à “boa sociedade” do Rio de Janeiro no século XIX (Rainho:2002). Em meados do século XX notamos uma transformação nessa dinâmica. Primeiramente a evolução da industrialização da indumentária e da indústria cultural, em particular, emerge cada vez mais como um poderoso veículo de mundialização das tendências, tanto com relação aos estilos de vida, quanto no que diz respeito à moda, produzindo uma desterritorialização de modos de vestir que até então estavam confinados em circuitos restritos. Um exemplo é o da consagração internacional da sofisticadíssima e artesanal alta-costura francesa na década de 1950, através das estrelas Hollywood que se converteram nas principais clientes desse comércio restrito. A partir de então, moças de classe média no mundo inteiro passaram a vestir-se de acordo com as últimas novidades da moda parisiense (Wilson:1989) Uma segunda transformação esta associada a uma mudança societária, a expansão da esfera do trabalho, antes circunscrita às classes populares, para outros domínios da vida social, inclusive para o espaço privado, onde o trabalho passa a se constituir numa referência importante na construção das identidades. Após os anos 60 assistimos uma segmentação na cultura da indumentária, que assume desde então uma nova conotação, como forma de expressão e de afirmação de estilos e modos de ser, geralmente associados à alguma atividade ligada ao mundo do trabalho. A partir dos anos 1970 e 1980, inclusive as elites econômicas, vão procurar se inserir e se distinguir socialmente em função de alguma ligação profissional, mesmo que, em alguns casos, seja apenas caráter decorativo. Nos anos 80, com a consolidação do processo de globalização este quadro se complexifica. Compreendemos como globalização um fenômeno associado ao desenvolvimento de um sistema de comunicação-mundo,(Armand Mattelart:1994), responsável pela construção de uma nova base material, a partir da qual a vida - social, econômica, cultural e política - , em diferentes regiões do planeta, passa a evoluir num movimento de conexão crescente. Na consolidação dessa nova configuração social as indústrias culturais desempenham um papel fundamental. Outro aspecto, já mencionado acima, ligado à globalização - responsável pela instabilidade e a desorganização de fronteiras que vigora entre diferentes domínios da vida social - é a radicalização da desterritorialização. Para Octávio Ianni ela implica numa situação de dezenraizamento generalizada. “Uns e outros deixam de estar vinculados a somente, ou principalmente, uma cultura, história, tradição, língua, religião, utopia. O dezenraizamento que acompanha a formação e o funcionamento da sociedade global põe uns e outros, situados em diferentes lugares e distintas condições socioculturais, diante de novas, desconhecidas e surpreendentes formas e formulas, possibilidades e perspectivas. Compreendido em suas diversas conotações, o processo de desterritorialização,liberta horizontes sociais, mentais, imaginários, abrindo novos e distintos ângulos à ciência, à filosofia e à arte.” (Ianni:1992:101) A globalização só existe enraizada nas práticas cotidianas. Os homens estão cada vez mais ligados pelo destino, pelas experiências sociais e por um repertório simbólico comum (Ortiz: 1994:30). Renato Ortiz observa que trata-se de “um processo social que atravessa de forma diferenciada as realidades nacionais e locais. Seu vetor se define por sua transversalidade. Trata-se de uma tendência. (...) como uma tendência é sempre algo genérico e é preciso aprendê-la indiretamente, torna-se necessário buscar expressões modais que a explicitem. Minha hipótese inicial é pois: cultura popular, consumo, turismo, moda, música popular etc. são objetos heurísticos que revelam um arranjo social transcendente às exigências e expectativas de uma cultura nacional. Pensá-los em um contexto particular é considerá-los como parte de uma matriz mais ampla, mundial.”(Ortiz:2000:12) Refletir sobre a moda a partir desta matriz, é considerá-la como um objeto privilegiado para compreendermos a organização da cultura e da sociedade na dinâmica globalizada, na qual o sistema da moda opera como um importante motor, no âmbito social, econômico e cultural.” A moda de massas, que passou a ser uma forma de estética popular, pode muitas vezes ajudar os indivíduos a expressar e a definir a sua individualidade. A estética modernista da moda também pode ser utilizada para expressar a solidariedade de grupo e, especialmente em anos recentes, a solidariedade anti-cultural. Os dissidentes sociais e políticos criaram formas especiais de vestir para exprimirem a sua revolta durante o período industrial. Hoje em dia, os rebeldes sociais transformaram a utilização da moda numa afirmação vanguardista.” (Wilson:1989:25) A roupa e a moda nesse contexto deixam de operar como mecanismos de distinção social, para funcionar cada vez mais ora como formas de inserção no mundo do trabalho, ora como formas de expressão da identidade ou de diferenciação social – que o sociólogo francês Pierre Bourdieu designaria como mecanismos distintivos – no cotidiano privado. A nossa hipótese é que nessa nova atmosfera a roupa e a moda emergem cada vez mais na desorganização das fronteiras entre os diferentes segmentos sociais, como agentes de confusão. É a evolução desse processo – da distinção à confusão - que pretendemos abordar nessa pesquisa que contempla o comércio de roupas, a moda feminina e a indústria cultural, como um veículo para refletir sobre a relação modernidade e cultura brasileira nos séculos XXe XXI. Como já foi apontado por vários autores o que designamos como cultura brasileira é sempre o resultado de uma construção, articulada a partir da visão de alguns segmentos sociais, envolvendo elementos retirados da memória coletiva e elementos retirados de experiências correntes em diferentes períodos históricos. No contexto do séculos XX e XXI esta construção se alimenta fortemente de expressões modais como indústria cultural, cultura popular, turismo, moda, etc.. Tratam-se de referências constitutivas do modo de vida contemporâneo que vão produzir novas aproximações com a memória coletiva. Dentro desta perspectiva o fenômeno da moda não emerge apenas como um objeto privilegiado, mas como elemento constitutivo desta dinâmica, operando como pólo de uma rede, que em conexão com outras expressões modais, responsável pelas constantes transformações que atravessam tanto o panorama cultural brasileiro, quanto o internacional. REFERÊNCIAS. LIVROS BADOU, François, A moda do século. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. BENHAMOU, Françoise, L’ économie de la culture. Paris: La Découverte, 2001. BENSTOCK, Shari e FERRISS, Suzanne (org.), Por dentro da moda, Rio de Janeiro, Rocco,2002. BOURDIEU, Pierre, O poder simbólico. Lisboa: Difel,1989. ________________, A produção da crença. Contribuição para uma economia dos bens simbólicos, São Paulo, Zouk, 2002. _______________, La Distinction. Paris: Minuit, 1976. BUENO, Maria Lucia, Artes plásticas no século XX. Modernidade e globalização. Campinas: Ed. da UNICAMP/IMESP, 2001. CAMARGOS, Márcia, Villa Kyrial. Crônica da Belle Époque paulistana. 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