Buscar

BRAKEMEIER, Gottfried. Preservando a Unidade do Espírito no Vínculo da Paz

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 69 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 69 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 69 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Preservando a 
Unidade do 
Espírito no 
Vínculo da Paz 
um cursó dê ecumenismo 
O Autor 
Gottfried Brakemeier nasceu em 
1937, na cidade de Cachoeira do 
Sul, RS. Doutorou-se em Gòttingen, 
Alemanha, na área de Novo 
Testamento; lecionou nessa área de 
1968 a 1994, em São Leopoldo. 
Foi presidente da Igreja Evangélica 
de Confissão Luterana no Brasil 
(IECLB), presidente do Conselho 
Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) 
e presidente da Federação Luterana 
Mundial (FLM). Atualmente é 
professor de Teologia Sistemática e 
Ecumênica na Escola Superior de 
Teologia (EST) em São Leopoldo. 
"Preservando a 
Unidade do Espírito 
no Vínculo da Paz" 
A publicação deste livro foi possível 
graças às contribuições da 
Evangelisches Missionswerk in Deutschland 
(Hamburgo, Alemanha) e das 
Igrejas Protestantes Unidas na Holanda -
Ministérios Globais (Utrecht), 
às quais a Associação de Seminários 
Teológicos Evangélicos agradece. 
Associação de Seminários Teológicos Evangélicos 
Presidente: Prof. Jose' Carlos de Sowça (São Bernardo do Campo) 
Vice-Presidenle: Prof. Dr. Nelson Kilpp (São Leopoldo) 
Secretário: Prof. Manoel Bernardino de Santana Filho (Rio de janeiro) 
Tesoureiro: Prof. Gerson Correia de Lacerda (São Paulo) 
Vogais: 
Prof. Dr. Werner Wiese (São Bento do Sul) 
Prof. Dr. Paulo D. Siepierski (Recife) 
Prof. Gerson Luis Linden (São Leopoldo) 
Secretário Geral 
Prof. Fernando Borlo/lelo Filho 
M LÍBER 
i ilíliflfff^ 
GOTTFRIED BRAKEMEIER 
"Preservando a 
Unidade do Espírito 
no Vínculo da Paz" 
U M C U R S O D E E C U M E N I S M O 
BS14 p 
São Paulo 
2004 
Seminário Concórdia 
Biblioteca 
st. CKj a«3J934 
3qroQ43CAaC )3 TU 
Copyright © Gollfried Brakemeier 
Todos os direitos reservados 
Direção Editorial 
Hernando Bortolleto Filho 
Revisão 
Hernando Bortolleto Filho 
Capa 
Marcos Gianelli 
Composição e arle final 
Comp System - Tel.: (II) 3106-3866 
reginonogucira@uol.com.br 
Diagramação 
Pr. Regino da Silva Nogueira 
Cícero J. da Silva 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Brakemeier, Gottfried 
"Preservando a unidade do espírito no vínculo da paz" : um curso de ecumenismo / Gottfried 
Brakemeicr. - São Paulo : ASTE. 2004. 
136 páginas; 16x23 cm. 
Bibliografia. 
ISBN: 85-87565-08-7 
1. Ecumenismo I. Título. 
04-1783 CDD-262.0011 
índices para catálogo sistemático: 
I. Ecumenismo : Eclesiologia 230 
2004 
Associação de Seminários Teológicos Evangélicos 
Rua Rego Freitas, 530 F.13 
Cep 01220-010 - São Paulo. SP 
Brasil 
Tel.: (11) 3257-5462 - Fax (II) 3256-9896 
aste@uol.com.br 
www.astc.org.br 
ÍNDICE GERAL 
Apresentação 7 
I . Ecumenismo: Definição, significado, abrangência 9 
II. Unidade e pluralidade da Igreja conforme o Novo Testamento.. 17 
III. Diversidade religiosa e parceiros ecumênicos no Brasil 23 
IV. Os inícios do movimento ecumênico moderno - pioneirismo 
protestante 31 
V. Breve história do Conselho Mundial de Igrejas 39 
VI. A Igreja Católico-Romana e o ecumenismo 49 
VII. Ecumenismo na América Latina 57 
VIU. A unidade da Igreja na visão de Igreja da Reforma 71 
IX. O ecumenismo de consenso 77 
X. O ecumenismo prático 85 
XI. Pcntecostalismo e movimentos transconfessionais 91 
XII. Ecumenismo e contextualidade 99 
Xm. Modelos de unidade eclcsial 105 
XIV. Diálogo inter-religioso - macroecumenismo? 113 
XV. Multireligiosidade e o futuro do ecumenismo 123 
APRESENTAÇÃO 
Sociedade democrática está comprometida com a liberdade reli-
giosa. Também o é a Igreja de Jesus Cristo. Está proibida de exercer 
tirania cm nome do evangelho. Tornou-se culpada sempre que o fez. 
Jesus Cristo rejeita a violência religiosa. Aposta no poder da palavra, 
busca a adesão voluntária, cria paz entre inimigos. Reservou exatamen-
te este mandato também à sua Igreja. "Bem-aventurados os pacificado-
res, porque serão chamados filhos dc Deus" (Mt 5.9). Eis a promessa a 
quem se engaja nesta nobre tarefa. 
O mundo do século XXI se ressente dc aguda carência de "pacifi-
cadores/as". Proliferam os conflitos, muitos dos quais com fortes ingre-
dientes religiosos. Ao lado do relativismo de uma sociedade hedonista, 
perplexa com respeito a valores normativos, renascem os fundamenta-
lismos, espalhando terror. As "guerras santas" dc modo algum são lem-
branças do passado. A paz, premissa da sobrevivência, está ameaçada de 
dissolver-se em miragem no horizonte. Terá chance somente, se for pos-
sível construir convivência sustentável na pluralidade e multiculturali-
dade da sociedade globalizada. 
É para tanto que o ecumenismo quer contribuir. Oferece-se como 
alternativa ao fanatismo fundamentalista, dc um lado, e ao descompro-
misso relativista, dc outro. Procura evitar tanto a colisão do diferente 
quanto a sua coexistência estanque. Está a serviço da construção de 
comunhão. Isto em primeiro lugar entre as Igrejas e as pessoas que car-
regam o nome de Jesus Cristo. Ecumenismo é um projeto eclesiológico. 
Quer superar divisões internas da Igreja. Mas vai além. Não pode excluir 
o resto da humanidade dc sua perspectiva. O objetivo último consiste na 
aprendizagem da glorificação conjunta dc Deus nas alturas e da constru-
ção da paz na terra entre as pessoas a quem Ele quer bem (Lc 2.14). 
8 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCUI.O DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
O texto que apresentamos foi colocado sob a palavra de Efésios 
4.3, escolhido como lema pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana 
no Brasil (LECLB) para o ano em curso. Pretende oferecer uma visão 
panorâmica de significado, história, objetivos e implicações do ecume-
nismo. Nasceu da preparação do curso sobre essa matéria, constante como 
disciplina no currículo da Escola Superior de Teologia, em São Leopol-
do, RS. É esta a razão do subtítulo. Também no mais foram conservadas 
características da origem em classe de aula, principalmente as indica-
ções bibliográficas ao final de cada capítulo. Estas se restringem à lite-
ratura em português e espanhol. Mesmo assim, não pretendem ser com-
pletas, aplicando-se o mesmo às referências bíblicas. O texto poderá ser 
usado para ministração de cursos correspondentes, dirigindo-se não só 
aos especialistas na área, como também a membros leigos nas comuni-
dades, confrontados de perto com o desafio da unidade na pluralidade 
religiosa. Pareciam-nos faltar subsídios para essa finalidade, que fossem 
sucintos, informativos e motivadores. Esperamos preencher uma lacuna. 
Um livro sobre ecumenismo tem o dever de ser "ecumênico". 
Mesmo assim, será escrito a partir de determinada posição, perspectiva 
e percepção. Trata-se, no nosso caso, da confissão luterana, aliás inseri-
da na tradição protestante c, por extensão, católica, cristã. Exatamente 
essa consciência compromete com ambas, a objetividade científica e a 
verdade evangélica. Esperamos que elas estejam em evidência cm nos-
sas reflexões. Agradecemos à Associação de Seminários Teológicos 
Evangélicos (ASTE) pelo apoio à publicação. No mais relembramos o 
célebre princípio a prevalecer no diálogo ecumênico que diz: 
"In necessariis unitas - in dubiis libertas - in omnibus caritas' 
"No que é necessário: unidade; no que é dúbio: liberdade; 
em tudo: caridade." 
ECUMENISMO: DEFINIÇÃO, 
SIGNIFICADO, ABRANGÊNCIA 
1.0 termo "ecumene" (ecumênico, ecumenismo) provém do gre-
go "oikoumene". Trata-se do participio passivo feminino do verbo 
"oikein" que significa "habitar". Ecumene, em tradução literal, significa 
"habitada", subentendendo-se tratar da "terra". Portanto, "oikoumene" 
designa a terra habitada. Na raiz está a palavra "oikos" (casa). "Ecume-
ne" tem a mesma origem etimológica de "ecologia", "economia", "eco-
sistema" coutras. Diz respeito à nossa "casa" que é o mundo, no qual 
nós habitamos. 
2. O sentido original de "ecumene", pois, é de ordem geográfica. 
Refere-sc ao espaço de vida do ser humano. E assim que aparece já no 
Antigo Testamento grego (SI 24.1, etc.) e, sobretudo, no Novo Testa-
mento (cf. Lc 4.5; At 11.28; Rm 10.18; etc) . Já muito cedo, porém, se 
associam outros significados a este. Sob o aspecto político, ecumene 
designa o império romano (Lc 2.1), na perspectiva cultural o mundo 
unido pelo helenismo, sendo que para a primeira cristandade a ecumene 
passa a ser vista como o campo de sua missão (Mt 24.14). Muito em 
breve, porém, o adjetivo "ecumênico" seria aplicado à própria Igreja, 
difundida por toda a terra. Torna-se sinônimo de "Igreja toda", isto é, 
"católica", de "Igreja inteira", "Igreja universal". O termo adquire signi-
ficado eclesiológico. Passa a caracterizar, enfim, determinada mentali-
dade, a saber, a da consciência da unidade em Cristo e por isto a de 
abertura c de amplitude. Ecumene ultrapassa as fronteiras de uma insti-
tuição. Tem cm vista o corpo de Cristo em sua integralidade, nos hori-
1 0 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA I'AZ - Gottfried Brakemeier 
zontcs de toda a "terra habitada". Possui proximidade ao que hoje se 
chama "global". 
3. Nos primeiros séculos a Igreja "global", "universal", era uma 
realidade. Seus Concílios eram de fato "ecumênicos", e como tais são 
reconhecidos. São representativos de toda a cristandade e suas resolu-
ções têm validade para as Igrejas em todo o mundo. Decorridos dois 
milênios, porém, e após tantas divisões, a ecumenc precisa ser restabe-
lecida. É o que diz o termo "ecumenismo". Identifica uma tarefa "mo-
derna". Embora não tenha equivalente bíblico exato, é de indiscutível 
legitimidade teológica. Expressa o esforço por recuperação da uni-
dade visível da Igreja de Jesus Cristo. Ecumenismo pretende superar 
divisões, sanar feridas e unir o povo cristão no cumprimento comum de 
sua missão. Prevalece hoje o significado teológico c cclesiológico do 
termo. 
4. No fundo, porém, "ecumenismo" quer mais. Almeja a unidade 
não só da Igreja. Quer também a unidade da humanidade, respectiva-
mente a da sociedade. E o que o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) 
sempre enfatizou. A unidade dos/as cristãos/ãs é prioritária. Mas não é 
um fim em si. Deus quer a unidade de toda a sua criação. Sem esta, a 
ecumene não está completa. Num mundo dilacerado por conflitos 
sociais, culturais, militares c outros também a comunidade cristã não 
poderá viver em paz. Ainda assim, fortes grupos do protestantismo, c, 
sobretudo, a Igreja Católica continuam a restringir o "ecumenismo" à 
sua dimensão eclesiológica. Seu objetivo consistiria exclusivamente na 
recuperação da unidade cristã. Trata-se de uma questão de conceituação, 
devendo-se convencionar um uso comum do termo. Há consenso de que 
a busca da unidade da Igreja deva constar no topo da agenda cristã. Per-
gunta-se, porém, se as dimensões da ecumene não extrapolam a "comu-
nhão dos santos". Embora o termo tenha adquirido conotação teológica 
específica, vale lembrar que elc designava originalmente não o conjunto 
das Igrejas, e sim a orbe terrestre habitada. 
5. Ecumenismo quer reverter divisões. Fraccionamento é prejuí-
zo. Infelizmente as divisões começaram cedo. Existem vestígios já no 
ECUMENISMO: DEFINIÇÃO, SIGNIFICADO, ABRANGÊNCIA 1 1 
Novo Testamento (cf. 1 Co l.lOs). Houve grupos sectários, ameaças de 
heresias na Igreja antiga, a exemplo da gnóstica, pelagiana e outras. Em 
1054 d.C. separam-se a Igreja do ocidente c a do oriente. No século XVI 
acontece a Reforma Protestante, em decorrência da qual surgem mais 
outras divisões (luteranos, anglicanos, calvinistas, etc) . Quatrocentos 
anos depois, o processo da pluralização da Igreja de Jesus Cristo de modo 
algum está concluído. A cristandade se apresenta dividida, necessi-
tando, pois, do esforço ecumênico. Diversidade como tal c mal 
nenhum. O que causa danos à Igreja e à sua missão é o conflito, a con-
corrência, a mútua condenação e exclusão. 
6. Os credos básicos da fé cristã, a exemplo do Credo Apostólico e 
do Niceno-Constantinopolitano, afirmam ser a Igreja de Jesus Cristo 
essencialmente uma. Está fundamentada no evangelho que é o mesmo 
ontem e hoje c cm todos os lugares. A unidade faz parte de sua essência. 
Jesus não quis diversas Igrejas, rivalizantes entre si. Quis apenas uma. 
Mesmo assim, existem muitas. Também isto, em si, não seria nenhum 
problema. O apóstolo Paulo escreve já no seu tempo "às Igrejas da Galá-
cia" (Gl 1.2; cf. 2 Co 11.28). Cada uma das comunidades locais é repre-
sentação da Igreja toda. Elas podem ter identidades próprias, específicas, 
decorrentes da pluriculturalidadc de seus membros, de particularidades 
contextuais ou de evoluções históricas. São numerosos os fatores diver-
sificantes da Igreja de Jesus Cristo. Ela sempre vai se apresentar multi-
forme, desdobrando-sc em Igrejas. Resulta daí que ecumenismo não 
deve querer uniformizar. Deve, isto sim, reconciliar, conjugar, criar 
comunhão eclesial. Diversidade é legítima, enquanto capaz da comple-
mentação mútua. 
7. Para tanto é fundamental reconhecer que a unidade da Igreja é 
anterior ao que a divide. Antes des sermos católicos/as, luteranos/as, 
metodistas, e tc , somos cristãos. A fé, o batismo, a invocação do nome 
de Jesus Cristo são vínculos que estabelecem a comunhão dos santos. 
Isto significa: Ecumenismo não tem por meta produzir (!) a unidade 
cristã. Isto é obra do Espírito Santo que chama e cria a fé. O objetivo do 
ecumenismo é bem mais modesto: Pretende fazer visível (!) a unidade 
que "em Cristo" já existe. Trata-se de concretizar a comunhão dos 
1 2 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Rrakemeier 
discípulos de Jesus, de dar-lhe foiTna, estrutura e expressão. Mas tam-
bém nessa perspectiva a tarefa ecumênica é nada fácil. 
8 . 0 esforço ecumênico é promovido por diversos grupos e aconte-
ce em muitos níveis. Existe o ecumenismo intereclesiástico, o ecumenis-
mo dos movimentos, o ecumenismo de base (e de "cúpula"), existe um 
ecumenismo prático e outro doutrinal, um ecumenismo em liturgia em 
oração, um ecumenismo espontâneo e outro organizado, ecumenismo 
em nível local, regional, nacional e internacional. Não é recomendável 
jogar um tipo de ecumenismo contra o outro ou então monopolizar o 
ecumenismo para apenas uma de suas formas. Ecumenismo é um fenô-
meno multifacetado, e vários são os seus métodos, seus jeitos c sujeitos. 
9. Apesar de procurar a unidade e de promover a boa causa, o 
ecumenismo encontra múltiplas resistências. Provoca temores. E sen-
tido como ameaça à própria identidade. Sofre sob a suspeita de promo-
ver o sincretismo ou então a relativização da verdade. O antiecumenis-
mo encontra-se predominantemente em grupos "conservadores", 
exclusivistas. Não raro resulta da desinformação. Pois o bom ecumenis-
mo jamais renuncia à verdade. Não nivela as diferenças nem as ignora. 
Ele pressupõe, isto sim, uma atitude de abertura e de disposição para o 
diálogo. Pretende solucionar conflitos mediante o auscultar mútuo e o 
recurso comum ao evangelho. Não abre mão da mútua prestação de con-
tas. Todas as Igrejas permanecem responsáveis frente ao evangelho. 
Comunhão é assim: Não aniquila identidades, antes as compatibiliza e 
possibilita vida comunitária. 
10. Para o bom êxito dessa causa importa esclarecer a relação 
entre ecumenismo e missão. A Igreja de Cristo é, a um só tempo, mis-
sionária e ecumênica. Parece residir aí um conflito: Quem pretende a 
amizade cclcsial, deve desistir de fazer missão, e quem procura atrair 
novos membros não pode ser ecumênico. Ora, não há como endossar tal 
lógica. Missão sofre prejuízo quando praticada como feroz concorrên-
cia entre as Igrejas e se manifestar em condenação mútua. A boamissão 
não é "captura" de membros. Repudia o "proselitismo". E convite, isto 
sim, para abraçar a fé e integrar a comunidade. Vai dirigir-se preferen-
Ecu.MENiSMO: DEFINIÇÃO, SIGNIFICADO, ABRANGÊNCIA 1 3 
cialmentc à gente sem Igreja, à procura de uma comunidade de fé. Natu-
ralmente, postura convidativa acompanhará também o esforço ecumênico. 
E no entanto, não há como confundir. Ecumenismo trata de superar a 
rivalidade e de possibilitar a missão comum. Divergências não anulam 
o ecumenismo, antes o exigem. 
11. Jesus Cristo quer a comunhão de seus discípulos. O mesmo 
vale para o Espírito Santo: Ele congrega os crentes em comunidade. 
Cria comunhão (2 Co 13.13). Eis porque a busca da unidade da Igreja é 
nada opcional. E imperativo inalienável e compromisso irrenunciável. 
Igreja cristã é por excelência ecumênica ou não é Igreja. A rejeição do 
ecumenismo ameaça transformar a Igreja em "seita". A cristandade 
perde credibilidade através de brigas e desavenças internas. As guerras 
religiosas, não por último aquelas entre os próprios cristãos, acumula-
ram culpa nas Igrejas diante de Deus e diante da humanidade. Em sentido 
abrangente, ecumenismo persegue o objetivo da paz na terra mediante a 
recondução de todos os povos à adoração do mesmo Deus, criador e 
redentor (cf. Is 2.2-5; Mt 8.11). 
12. Convém distinguir "ecumenismo" como dimensão da teolo-
gia e como disciplina no currículo: 
a. Toda teologia, na verdade, é ecumênica. Relaciona-se com o 
pensar teológico do passado, da história da Igreja, bem como 
com o pensar teológico nas Igrejas irmãs contemporâneas. 
O conhecimento da teologia de Lutero ou de Calvino, por exem-
plo, requer o estudo no pano de fundo da teologia escolástica 
da Idade Média e da Igreja antiga. Também hoje não podemos 
ignorar a História da Igreja, a teologia cm outros continentes, 
em outras Igrejas e outras entidades. Isto vale para a exegese, a 
dogmática, a teologia prática, para todo fazer teológico. Sem 
os horizontes ecumênicos será pobre qualquer teologia cristã. 
b. E, todavia, faz bom sentido tratar do ecumenismo em discipli-
na especial. Pois o ecumenismo tem uma história que épreciso 
conhecer. É tarefa a ser refletida. Quer ser di vulgado e ensaiado. 
Justamente numa época cm que a disputa religiosa reaparece 
14 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
vigorosa, é importante a lembrança da unidade que Deus quer. 
Em tempos de globalização somos obrigados a conviver com o 
diferente. Não o podemos manter à distância. Logo devemos 
achar formas de convivência pacífica. E o que o ecumenismo 
se propõe. 
13. Houve épocas de verdadeira euforia ecumênica. Achava-se 
que a unidade das Igrejas estaria próxima. Foi um engano. O caminho 
ecumênico se revelou como sendo bem mais pedregoso do que previsto. 
As dificuldades, porém, não justificam a resignação. A tarefa sc apre-
senta hoje com a mesma urgência como ontem. Devemos, isto sim, despe-
dir-nos de ilusões. Pelo que tudo indica, a cristandade terá rosto multi-
denominacional também no futuro. Mesmo assim, será possível viver 
a "comunhão dos santos". O empenho por esta meta tem a promessa 
de bênção. Algo desta bênção é muito palpável. Nos últimos decênios, 
o ecumenismo tem logrado substanciais melhoras no relacionamento 
dos/as cristãos/ãs. 
14. Um dos entraves continua sendo a notória dificuldade na defi-
nição dos objetivos. Falta uma "utopia" ecumênica, respectivamente uma 
visão do que seja unidade. Ecumenismo deverá pretender o quê? Deverá 
promover a fusão de todas as Igrejas em uma só instituição? Ou será 
suficiente uma "Federação de Igrejas"? Deverá ser privilegiada uma "ecu-
mene da justiça", isto é, um ecumenismo prático com base num projeto 
de ordem social? E as religiões não cristãs, porventura permanecerão 
fora da "ecumenc"? As perguntas serão discutidas oportunamente. Elas 
denunciam que os termos "ecumene" e "ecumenismo" necessitam de 
explicação. Queremos a unidade e a paz. Mas como alcançar o objetivo? 
Literatura: 
- BARROS, Marcelo. O Sonho da Paz. Petrópolis: Ed. Vozes, 1996,2 a ed., 
p. 37s. 
- BRAKEMEIER, Gottfried. Ecumenismo: Repensando o significado e a 
abrangência de um termo. In: Perspectiva Teológica, Ano 33, Belo Hori-
zonte, 2001, p. 195-216. 
ECUMENISMO: DEFINIÇÃO, SIGNIFICADO, ABRANGÊNCIA 15 
- CAMBON, Enrique. Fazendo Ecumenismo. Uma exigência evangélica e 
uma urgência histórica. São Paulo: Ed. Cidade Nova, 1994. 
- CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS / CONSELHO LATI-
NO-AMERICANO DE IGREJAS NO BRASIL. Diversidade e comunhão. 
Um convite ao ecumenismo. São Leopoldo: Ed. Sinodal / São Paulo: Ed. 
Paulinas, 1998. 
- HORTAL, Jesus. E haverá um só rebanho. São Paulo: Ed. Loyola, 1989, 
p. l is . 
- MEYER, Harding. Motivação e alvo do esforço ecumênico: integridade e 
indivisibilidade do movimento ecumênico. Diversidade reconciliada - o 
projeto ecumênico. São Leopoldo: EST/ Ed. Sinodal, 2003, p. 25-45. 
- NAVARRO, Juan Bosch. Para Compreender o Ecumenismo. São Paulo: 
Ed. Loyola, 1995. 
- SANTA ANA, Júlio de. Ecumenismo e Libertação: Reflexões sobre a uni-
dade da Igreja e o Reino de Deus. Coleção Teologia e Libertação IV/14, 
São Paulo: Ed. Vozes, 1991, 2 a ed., p. 15s. 
- VERCRUYSSE, Jos. Introdução à teologia ecumênica. São Paulo: Ed. 
Loyola, 1998. 
- WOLFF, Elias. Caminhos do ecumenismo no Brasil. História - Teologia -
Pastoral. São Paulo: Ed. Paulus, 2002. 
UNIDADE E PLURALIDADE DA IGREJA 
CONFORME O NOVO TESTAMENTO 
1. A unidade está na raiz do próprio ser da Igreja de Jesus 
Cristo. Juntamente com a santidade, a apostolicidade e a catolicidade, 
perfaz um de seus essenciais atributos. Já o rápido exame do Novo 
Testamento o comprova. Jesus ora pelos seus discípulos para que todos 
sejam um (Jo 17.21). O rebanho c um só, c um só c seu pastor (Jo 
10.14). "Há somente um corpo e um Espírito (...) há um só Senhor, 
uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de lodos..." (Ef 4.4s). Que 
Jesus Cristo esteja dividido (1 Co 1.13), é pensamento inconcebível 
para a primeira cristandade. Todos os batizados são um "em Cristo 
Jesus" (Gl 3.28). E quem come pão na mesa do crucificado e ressusci-
tado constitui um só corpo com ele, o doador da ceia, e os demais 
participantes (1 Co 10.16). Cristo derruba paredes de separação. Ele 
não divide, ele une (Ef 2 . l i s ) . 
2. Ainda assim, observa-se surpreendente diversidade de formas 
na Igreja das origens. O próprio NT é um livro plural, no qual se faz 
ouvir extraordinária variedade de vozes. A proposta de Taciano, teólogo 
cristão do segundo século, harmonizando os quatro evangelhos median-
te fusão, que chamou de "Diatéssaron" (= através dos quatro), acabou 
rejeitada. A Igreja de Jesus Cristo preferiu canonizar o lado a lado, às 
vezes tenso, de Mateus, Marcos, Lucas e João. Resistiu à uniformiza-
ção. Sempre se apresentou "multicolorida". Isto se aplica, não por 
último, à eclesiologia. A primeira cristandade ensaiou diversos mode-
los. Não se trata nisso de sinal de fraqueza, e sim de força. A Igreja de 
18 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
Jesus Cristo, em sua historia, mostrou ser capaz de adaptarse a varia-
dos ambientes e novas exigencias, desenvolvendo estruturas eclesiais 
correspondentes. 
3. São múltiplos os fatores diversificantes da mensagem do evan-
gelho, bem como da piedade e da vivência da fé: 
a. Na origem da fé cristã está o testemunho de um grupo de pes-
soas, não de um só indivíduo. Os apóstolos eram muitos. Ora, 
o testemunho de um grupo necessariamente é plural. Evidente-
mente, Jesus c o fundamento da Igreja. Mas nós temos notícia a 
seu respeito somente da boca de uma "nuvem dc testemunhas" 
(Hb 12.1). 
b. A Igreja das origens se alojou de imediato em dois ambientes 
culturais distintos, o hebraico e o helenístico. Os primeiroscris-
tãos se compunham dc judeus (exemplo: os doze apóstolos), de 
judeus helenísticos (exemplo: Paulo) e de gente pagã (exem-
plo: Tito [Gl 2.Is]). E claro que isto acarretou enormes diferen-
ças na articulação da fé. A notícia de Jesus, de sua mensagem, 
práxis e história, tinha que ser traduzida do idioma e do pensa-
mento aramaico para o grego. A variedade daí decorrente inevi-
tavelmente provocou tensões. Houve dificuldades com a vida 
cm comunhão, como bem o ilustra o conflito entre Pedro e Paulo 
na cidade da Antioquia (Gl 2.l is) . 
c. Além destes fatores diversificantes naturalmente Iiá outros. 
A biografia individual costuma imprimir marcas específicas no 
testemunho. Ou então a classe social, o gênero, a etnia exercem 
influência. Qualquer tentativa de compreender fenômenos his-
tóricos está obrigada a verificar os elementos condicionantes 
que estão em sua origem. 
4. A despeito da pluralidade do testemunho, porém, o Novo Testa-
mento, bem como a Bíblia cm seu todo, de modo algum se reduz a uma 
"colcha de retalhos". Não é um amontoado aleatório de textos religio-
sos, nem apregoa um ideal de pluralidade caótica. A canonização dos 
textos neotestamentários é expressão de um consenso básico da cristan-
U.NiDADF. E PLURALIDADE DA IGREJA CONFORME O NOVO TESTAMENTO 
dade. Seriam estes os escritos "fundamentais" da Igreja de Jesus Cristo. 
Afirma-se que são expressão autêntica do evangelho e por isto canóni-
cos. Em outros termos, o Novo Testamento tem um centro, um eixo 
gravitacional, um ponto referencial. E o próprio Jesus Cristo que man-
tém unida a variedade. E este o paradigma válido também para a unida-
de da Igreja: E unidade na pluralidade centrada em Jesus Cristo, é plu-
ralidade concêntrica. 
5. Isto significa que a idéia de um início homogêneo da cristanda-
de deve ser sepultada. E isto é salutar. Pois diversidade é a marca da 
criação. Ela é até mesmo pressuposto de unidade. O corpo não funcio-
na sem a diversidade de seus membros. Ninguém pode imaginar-se um 
corpo composto somente de mão (1 Co 12.12s). O que é absolutamente 
igual não tem condições de servir-se mutuamente. Um cego não pode 
guiar outro cego (Mt 15.14). Pode receber auxílio, sim, da parte de um 
surdo. Somente o diferente é capaz da complementariedadc c da cons-
trução de comunhão. Consequentemente, o ecumenismo está proibido 
de suprimir legítima variedade, de padronizar e nivelar as expressões 
de fé. 
6. O desafio ecumênico, com o qual se defrontam as Igrejas, tem 
réplica em qualquer convívio social. Diversidade é riqueza. Mas ela o 
é somente enquanto se dispor a cooperar e enquanto se alicerçar 
num consenso básico. Caso as diferenças conduzirem à agressão e aca-
barem em desavenças, pretendendo os grupos aniquilar o diferente ou 
eliminar o "estrangeiro", a sociedade se autodestrói. Desde sempre a 
Igreja queria ser agente da paz. O partidarismo entre os cristãos de 
Corinto mereceu severas críticas por parte de Paulo. Viu nele a rivalida-
de de interesses corporativistas, aniquiladora da comunidade (1 Co 1. lOs). 
O fundamento capaz de sustentar a comunhão humana deverá ser cons-
tituído por parâmetros objetivos e universais. A primeira cristandade pro-
clamou Jesus Cristo como quem aproximou "judeus c gregos", os de 
longe c os dc perto, constituindo a família de Deus (cf. Ef 2.14). Cristo 
acabou com a inimizade. Dele a Igreja herdou a tarefa ecumênica, sendo 
que antes de mais nada compete "fazer as pazes" entre os próprios cris-
tãos e as próprias Igrejas. 
2 0 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried iirakemeier 
7. O compromisso com a paz, porém, seria mal-entendido como 
pleito em favor de ilimitada tolerância. Paz não tolera o ódio, por exem-
plo. Pela mesma razão, ecumenismo não pode trair o evangelho. Exis-
tem verdades irrenunciáveis. Mostra-o o fenômeno da heresia, bem 
conhecido e combatido pelo Novo Testamento. Heresia não é a variante 
da fé. É, isto sim, a sua descaracterização e perversão. Nesses termos o 
apóstolo Paulo defendeu o evangelho frente aos "hereges" que haviam 
penetrado nas comunidades da Galácia. Quem faz depender a graça de 
Deus de condições a serem cumpridas pelo ser humano, sejam elas de 
natureza cultural, ética ou étnica, merece o anátema (Gl l.ós). Ecume-
nismo precisa do compromisso com a verdade. Não pode fazer-se cúm-
plice da confusão religiosa nem protagonista de superficial irenismo. 
8. Da mesma forma, porém, necessita do compromisso com o 
amor. Pois somente quem ama cumpre a vontade de Deus (Rm 13.8-
10). Enquanto o saber ensoberbece, o amor edifica (1 Co 8.1-3). Foi a 
misericórdia que fez com que Jesus dirigisse a sua atenção aos diferen-
tes, aos pecadores, bem como aos discriminados em termos religiosos, 
culturais c sociais, a samaritanos e até mesmo pagãos (Mt 8.5s; e tc) . 
Não diminuiu a vontade de Deus. Mas também não esperou que as pes-
soas se convertessem e acorressem arrependidas. Foi à sua procura para 
manifestar-lhes, a um só tempo, a exigência c o amor de Deus, a lei e o 
evangelho. Decorre daí que, com relação à unidade, há dois princípios a 
observar: 
a. Está aí, em primeiro lugar, a verdade, a doutrina da fé, o credo. 
De certa forma cia c excludente. Não existem duas verdades. 
Jesus Cristo c o caminho, a verdade c a vida. Afirma-se exclu-
sividade. Da mesma forma, a fé estabelece parâmetros para a 
conduta. A Igreja tem o compromisso dc zelar pela coerência 
com o evangelho, em discurso c prática. Deve assumir posição 
que nega possíveis "oposições". E o que se aplica também ao 
ecumenismo. Ele está proibido de diluir a verdade evangélica. 
b. E, no entanto, a verdade não pode divorciar-se do outro princí-
pio que é o amor. Amor sempre tem natureza inclusiva. Quer 
abraçar o outro. Procura compreendê-lo e com ele aprender. 
UNIDADE F. PLURALIDADE DA IGREJA CONFORME O NOVO TESTAMENTO 21 
Não condena precipitadamente nem se conforma com o pre-
conceito. No trato do outro, "não se alegra com a injustiça" (cf. 
1 Co 13.6). Por isto mesmo, amor autêntico possui elementos 
"autocríticos". Vai escandalizar-se com as divisões. Examina a 
eventual co-responsabilidade própria nas mesmas. Quer a comu-
nhão com o diferente. 
9. Ecumenismo, pois, deve conjugar a paixão pela verdade com 
a paixão pelo amor. Está compromissado a unir ao exclusivismo dou-
trinal o inclusivismo fraternal. São esses os dois poios do afazer ecumê-
nico que o protegem de desfigurações. Amor sem insistência na verdade 
será fraqueza. Vai redundar em sentimentalismo c cair em ficções. Por 
sua vez, verdade sem amor será cruel e desumana. Costuma provocar 
resistências e até mesmo o ódio. Em Jesus nós vemos ambas as coisas: 
a insistência na vontade de Deus c sua verdade, bem como o amor que 
não larga o outro nem o violenta ou o entrega a seu destino. 
10 .0 Novo Testamento oferece bonitos exemplos de empenho pela 
unidade da Igreja sem com isto suprimir a pluriformidade. Seja lembrado 
o assim chamado Concílio dos Apóstolos (At 15; Gl 2). Teve por assun-
to a unidade da Igreja, formada por judaico-cristãos, observadores da lei 
judaica, e gentílico-cristãos, não observadores da "torá". Encontraram-se, 
na oportunidade, Paulo e Barnabé de um lado e as "colunas" da comuni-
dade dc Jerusalém, Pedro, João c Tiago (irmão de Jesus), de outro. 
O conclave teve o mérito dc ter impedido o surgimento de duas Igrejas 
cristãs, uma judaica c outra gentílica. Teria sido um cisma "mortal" para a 
cristandade, confinando Pedro c os demais integrantes do grupo dos doze 
apóstolos a uma facção cristã do judaísmo e privando a missão entre os 
gentios de sua raiz histórica em Jesus de Nazaré. A manutenção do "sola 
gratia " (somente por graça) para tanto tem sido decisiva. É Cri sto quem 
salva, e somente ele. Isto não proibe observar tradições culturais. Mas 
elas já não possuem força salvífica. Doravante nãohaveria necessidade 
de cumprir a lei judaica como premissa para abraçar a fé em Cristo. 
11. Outro exemplo de esforço por unidade é o projeto da coleta 
que o apóstolo Paulo levanta nas comunidades gcntílico-cristãs em 
22 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
favor dos cristãos judaicos em Jerusalém (2 Co 8-9). Esta coleta, na 
verdade, era um determinação do Concílio dos Apóstolos (Gl 2.10). Mas 
o apóstolo mostra particular engajamento nessa causa. Ela simboliza o 
débito dos gentílico-cristãos com relação aos judaico-cristãos. Pois é 
deles que partiu o evangelho para todo o mundo. Não há como contestar 
que a "salvação vem dos judeus", como se lè no evangelho de João (4.22). 
Conseqüentemente existe um vínculo entre todos os cristãos, quer venham 
de fora, quer venham de dentro. A Igreja de Cristo é uma só, composta 
de muitas nações. Seus membros vivem todos da graça de Deus, não do 
que herdaram ou do que produzem. A justificação por graça e fé é o 
mais poderoso fator ecumênico. 
12. Ecumenismo precisa do consenso na fé e na prática. Mesmo 
assim, e também isto está em evidência no NT, tal consenso será "dife-
renciado". Não será uniforme. Deixa espaço para articulações próprias 
e para a diversidade que é característica dos dons do Espírito Santo. 
E um assunto a ser retomado mais abaixo. 
Literatura: 
- BRAKEMEIER, Gottfried. O cânon do Novo Testamento - paradigma da 
unidade da Igreja? In: Estudos Teológicos, v. 37, São Leopoldo: EST, 1997/ 
3, p. 205-222. 
- GALLAZI, Sandro. O projeto e o lugar da unidade na Igreja. Estudos Bí-
blicos, n° 12: Unidade e conflitos na Igreja à luz do Novo Testamento. 
Petrópolis: Ed. Vozes, 1986, p. 7-14. 
- HORTAL, Jesus. E haverá um só rebanho. São Paulo: Ed. Loyola, 1989, p. 
133-157. 
- KÀSEMANN, Ernst. Diversidade e unidade no Novo Testamento. Conci-
lium, n° 191, Petrópolis: Ed. Vozes, 1984/1, p. 80-90. 
- SANTA ANA, Júlio de. Ecumenismo e Libertação: Reflexões sobre a uni-
dade da Igreja e o Reino de Deus. Coleção Teologia e Libertação IV/I4, 
São Paulo: Ed. Vozes. 1991, 2 a ed., p. 177-216. 
- TAPPENBECK, Heinrich. A unidade da Igreja na obra e no pensamento do 
apóstolo Paulo. In: Estudos Teológicos, Ano 2, São Leopoldo: EST, 1962, 
n° especial, p. 1-13. 
DIVERSIDADE RELIGIOSA E 
PARCEIROS ECUMÊNICOS NO BRASIL 
1. Ecumenismo acontece entre grupos, movimentos, entidades e 
instituições eclesiásticas. É preciso, pois, conhecer os parceiros. De 
modo algum são iguais. Há os mais próximos e os mais distantes. Há 
aqueles com os quais o ecumenismo c mais fácil e aqueles com os quais 
é difícil. Sc a ecumene é família de Deus (cf. Ef 2.19), a existência de 
parentes de diversos graus não surpreende. Não podemos ter o mesmo 
tipo de comunhão com todas as pessoas. Importante é que ninguém seja 
definitivamente excluído. O imperativo do ecumenismo se aplica, ainda 
que em modalidade diversa, a todos os grupos religisosos. Eis porque 
ecumenismo exige noções do mapa religioso circundante. 
2. Uma das proeminentes características da sociedade brasileira, c 
por extensão também da latino-americana, consiste na pluralidade reli-
giosa. Isto nem sempre tem sido assim. Durante séculos prevalecia a 
Igreja Católico-Romana na condição de Igreja estatal. Outras formas de 
religião e de fé cristã estavam interditadas. Se existiam, viviam submer-
sas na clandestinidade, a exemplo da religiosidade afro. Até mesmo quan-
do o Império, no início do século XIX, atraiu imigrantes ingleses, ale-
mães e suíços, sendo obrigado a conceder aos protestantes entre eles o 
exercício de sua fé, a situação em princípio persistiu. Somente em 1889 
foi decretada a liberdade religiosa. A abertura para imigrantes de quase 
todos os países deste planeta transformou o Brasil em nação multicultu-
ral. Aqui aportaram muitas nações, trazendo sua bagagem cultural e 
religiosa. 
2 4 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried lirakemeier 
3. Religião, se livre, sempre se apresentou em multiplicidade de 
cultos e ritos. Somente ditadura poderia garantir uniformidade. E o que 
o ecumenismo não pode pretender. Por motivos do próprio evangelho 
não poderá abrir mão da liberdade religiosa. Mas, como manejar a plu-
ralidade? É uma pergunta especialmente candente na atualidade. A glo-
balização cultural e a privatização da fé redundaram numa explo-
são de religiosidade quase selvagem. Ela traz em seu bojo forte potencial 
conflitivo. Pode produzir o fundamentalismo, ou seja, a intransigência 
fanática de grupos, por um lado. O diferente cai sob suspeita e sofre 
demonização. Ou pode acabar no relativismo que já não mais conhece 
normatividade. A alternativa a esses dois descaminhos é o ecumenismo, 
inconformado com o caos religioso e, todavia, adverso a quaisquer méto-
dos violentos. Na perseguição de suas metas necessita de estratégias e, 
sobretudo, da análise do respectivo quadro religioso. Ecumenismo deve 
trabalhar em estreita cooperação com a ciência da religião. 
4. As religiões "originais" neste Continente são as indígenas. 
Elas foram majoritariamente extintas. Sobraram apenas restos dessas 
religiões tribais. Em decorrência do "despertar das consciências", porém, 
e do resgate da herança indígena, elas voltaram a atrair atenção. Os povos 
indígenas têm o direito ao diálogo interreligioso que lhes ausculte os 
credos e os valores culturais. Algo semelhante vale para a cultura afro-
brasileira. Passou por um processo sincretista com a religião cristã 
dominante. Mas na umbanda, no espiritualismo, no candomblé, bem 
como em muitas formas de religiosidade popular, ela sobreviveu às 
adversidades dos tempos e conseguiu recuperar importância sócio-
religiosa. O ecumenismo com essas formas de religosidade requer 
reflexões especiais. Voltaremos ao assunto ao tratar do macroecume-
nismo. 
5. Aliás, já muito cedo vieram também judeus ao Brasil, fugindo 
da perseguição em outros países. Sofreram discriminação também em 
terras brasileiras. Mesmo assim, ao longo da história, estabeleceu-se no 
Brasil forte comunidade judaica. Ela representa mais outro desafio ao 
ecumenismo cristão. Cristãos c judeus, a despeito de suas diferenças, 
têm muito em comum. Que significa isto para a sua convivência? 
DIVERSIDADE RELIGIOSA F. PARCEIROS ECUMÊNICOS 2 5 
6. O catolicismo que se estabeleceu no Brasil-colônia trazia fisio-
nomia ibérica. Sofreu mudanças com a chegada de outros contingen-
tes católicos, oriundos da Itália ou da França, por exemplo. Perdeu a 
exclusividade com a vinda de protestantes. Distingue-se tradicional-
mente entre protestantismo de imigração (luteranos, reformados, 
anglicanos) e protestantismo de missão (metodistas, batistas, presbi-
terianos e outros). No caso do primeiro, o protestantismo foi importa-
do quase como efeito colateral de interesses econômicos e políticos. 
Sofreu transplante para as terras brasileiras para criar novas raízes. 
Inicialmente não desenvolveu dinamismo expansivo. Contentava-se 
com a permissão para o exercício de sua fé. Enquanto isso, o protes-
tantismo de missão, em ofensiva evangelizadora, tratava de recrutar 
adeptos entre a população. É claro que entrou em colisão com a Igreja 
Católica dominante. Principalmente após a proclamação da República 
em 1889, o Brasil veio a ser atrativo campo missionário de muitos 
grupos evangélicos, vindos predominantemente dos Estados Unidos 
da América. Hoje as diferenças entre os tipos se confundem. As Igre-
jas de missão se tornaram de alguma forma "sedentárias", e as de imi-
gração reconheceram sua tarefa missionária. A evangelização do povo 
brasileiro de modo algum está encerrada. Frente a novos desafios, porém, 
e na consciência da solidariedade de todas as Igrejas, cumpre conceber 
uma "missão ecumênica", que evite a rivalidade c venha a somar os 
recursos. 
7. Vale isto, não por último,para as Igrejas pentecostais que 
experimentaram verdadeiro milagre de multiplicação no Brasil. Tam-
bém o pentecostalismo se apresenta multifacetado, sim, altamente com-
plexo, estonteante, impossibilitando estatísticas com números exatos. 
Ao lado de Igrejas pentecostais já há mais tempo radicadas no País, a 
exemplo da Assembléia de Deus, da Igreja do Evangelho Quadrangu-
lar e da Congregação Cristã no Brasil, encontra-se o "neopentecosta-
lismo" do tipo da Igreja Universal do Reino de Deus. O fenômeno 
exige apreciação própria, sendo particularmente constrangedor o pro-
blema do ecumenismo com essa ala do cristianismo. Quais seriam as 
formas de comunhão eclesial entre Igrejas tradicionais c pentecostais. 
Ademais, juntaram-se ao mosaico religioso brasileiro diversas Igrejas 
26 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
orientais, ortodoxas. Elas aumentam o exuberante colorido do cristia-
nismo brasileiro, espelhando a extraordinária variedade das expres-
sões cristãs. 
8. E no entanto, a América Latina j á não é "continente cristão" 
como se preconizava ainda poucas décadas atrás. Mesmo em condição 
minoritária, muçulmanos, budistas, hindus e adeptos de outros credos 
não cristãos fazem parte "natural" do quadro religioso brasileiro. O Espi-
ritismo goza de ampla aceitação. Difundem-se Nova Era ou então gru-
pos como Scicho-no-iê, Perfeita Liberdade e outros. Novos movimentos 
religiosos integram o quadro e desenvolvem considerável dinâmica. 
O mercado religioso diversifica a oferta. Dilui o que se tem chamado de 
"cultura cristã". A tradição cristã se encontra em franco processo de ero-
são que instala também na religião a lei da compelividadc. O ecumenis-
mo, terá ele chance nessas circunstâncias? Como se correlacionam o 
ecumenismo c a missão em termos de mercado? 
9. Ecumenismo nem sempre terá a mesma face. Está condiciona-
do à natureza dos parceiros, às suas afinidades, à sua disposição, à res-
pectiva auto-compreensão. O ecumenismo costuma operar com várias 
categorias. Distingue entre: 
a. Igrejas. São instituições constituídas como "associações reli-
giosas", dando expressão e espaço para a vivência da "comu-
nhão dos santos", confessada no Credo Apostólico. Exige-se 
de "Igrejas" que tenham definida a sua identidade cristã, que 
tenham certa expressão na sociedade, que possuam estrutura 
administrativa. Igreja se baseia em amplo consenso dos fiéis 
enraizado cm fundamento bíblico. Fala-sc cm "Igrejas históri-
cas", quando se trata de instituições eclesiásticas com alguma 
tradição, distinguindo-sc assim de Igrejas recém estabelecidas. 
Em todos os casos, Igreja é uma instituição, ultrapassando os 
limites de uma comunidade local e naturalmente a de um movi-
mento fugaz. 
b. Seitas. São grupos cristãos à parte das correntes eclesiásticas 
principais. O termo se deriva do latim "secare" que significa 
DIVERSIDADE RELIGIOSA E PARCEIROS ECUMÉNICOS 2 7 
"cortar", "separar". Seitas, portanto, seriam entidades "corta-
das" do tronco, c por isto marginais. Outra explicação etimoló-
gica deduz o termo do verbo latino "sequi" com o significado 
de "seguir". Uma seita seria um grupo unido em tomo de um 
mestre, seguindo-lhe os ensinamentos. Seria algo como uma 
"escola". Falta uma explicação etimológica consensual. O ter-
mo adquiriu conotação pejorativa. Evoca a idéia da heresia, do 
fanatismo, do isolacionismo. Nenhuma comunidade eclesial vai 
autodenominar-se assim. Recomenda-se cuidado no uso do ter-
mo por isto. E injusto aplicá-lo a grupos simplesmente "desvi-
antes". Mesmo assim ele faz sentido. Designa determinada 
postura ou mentalidade que se caracteriza por: Exclusivismo, 
antiecumenismo, purismo, elitismo, unilateralismo, simplismo. 
Espírito sectário pode perpassar também as Igrejas c ameaçar a 
liberdade resultante do evangelho. 
c. Denominações. O termo surgiu na Inglaterra, mas tomou-se 
importante de fato nos Estados Unidos para caracterizar os 
múltilplos grupos protestantes que aí se formaram. O termo é 
neutro, puramente formal, sem nenhuma carga teológica. Não 
contém nenhum juízo avaliativo sobre os diversos grupos. Iden-
tifica-os tão somente pela sua designação, ou seja, "denomina-
ção". É claro que o diálogo ecumênico se trava não somente 
com Igrejas de diversos nomes, e sim de diversos credos ou 
confessionalidades. Não obstante, a vantagem do termo con-
siste em sua conotação inclusivista, "democrática". Somos todos 
cristãos, embora com diversos nomes. 
d. Novos movimentos religiosos. São, como diz o termo, movi-
mentos que surgem como expressão da religiosidade contem-
porânea. Normalmente possuem natureza sincretista, ou então 
representam uma religiosidade estranha, "importada", respec-
tivamente redespertada após longo tempo submersa. A fasci-
nação desses movimentos resulta justamente da aparência da 
"novidade" que exibem, do que é exemplo clássico a "Nova 
Era". Como movimentos, possuem pouca estrutura organizacio-
nal. Conquistam simpatizantes entre os membros das Igrejas 
tradicionais c grupos confusos com a modernidade. 
2 8 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Ilrakemeier 
10. A avaliação destes conceitos vai constatar a relatividade dos 
mesmos. O que é Igreja, seita, movimento religioso, isto dependerá do 
respectivo lugar teológico do observador e da observadora. Sofre decisi-
va influência pela maneira de perceber o outro e de entender a diferença. 
O maior entrave ecumênico desde sempre tem sido o desconhecimento, 
normalmente acoplado ao preconceito. Por isto merece aplauso a recen-
te iniciativa da reflexão sobre uma "hermenêutica ecumênica", engajada 
na superação de equívocos, de identificações errôneas, em suma, no apro-
fundamento da compreensão mútua das comunidades cristãs. Ainda 
assim, a terminologia acima analisada é útil. Ajuda no "discernimento 
dos espíritos" (1 Co 12.10). Quem são os sujeitos ecumênicos, seus agen-
tes e os possíveis parceiros? Já a tipificação dos mesmos é uma questão 
altamente sensível. Serão irmãos, irmãs, concorrentes, hereges? Que 
deverá prevalecer no relacionamento com outras Igrejas e outros gru-
pos? A intransigência, a tolerância ou então o ecumenismo? Este último 
pretende mais do que a mera co-existência. Quer a con-vivência, para o 
que há de buscar um mínimo de base consensual, bem como a disposi-
ção para a aprendizagem ecumênica. 
11. Trata-se de um imperativo que em sociedade p Iuri religiosa se 
reveste de urgência. E bem verdade que o mundo religioso brasileiro 
não facilita o ecumenismo. Ele é sincretista, competitivo, proselilisla. 
Em ampla escala religião se tornou um produto de mercado. E pre-
ciso vender para sobreviver. Justamente cm tal situação, porém, cabe às 
Igrejas mostrar que salvação não provém do mercado, e sim do evange-
lho. E um dos ingredientes da salvação é a paz. Religião que não se 
empenha pela paz, perdeu a legitimidade. 
Literatura: 
- ALTMANN, Walter. O pluralismo religioso como desafio ao ecumenismo 
e à missão na América Latina. In: Desafios Missionários na Realidade 
Brasileira, São Leopoldo: CECA, 1997, p. 61-72. 
- BITTENCOURT FILHIO, José. Matriz Religiosa Brasileira - religiosida-
de e mudança social. Petrópolis / Rio de Janeiro: Ed. Vozes / Koinonia, 2003. 
DIVERSIDADE RELIGIOSA E PARCEIROS ECUMÊNICOS 2 9 
- BOBSIN, Oncide. Tendências religiosas e transversalidade: Hipóteses 
sobre a transgressão de fronteiras. In: Estudos Teológicos. Ano 39, São 
Leopoldo: EST, 1999/2, p. 105-122. 
- CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS / COMISSÃO DE FÉ E CONSTI-
TUIÇÃO / CONIC. Um tesouro em vasos de argila. Instrumento para uma 
reflexão ecumência sobre a hermenêutica. São Paulo: Ed. Paulus, 2000. 
- HORTAL, Jesus. E haverá um só rebanho. São Paulo: Ed. Loyola, 1989, 
p. 97-131. 
- LANDIM, Lcilah (org.). Sinais dos Tempos - igrejas e seitas no BrasilCadernos do ISER 21, Rio de Janeiro, 1989. 
- . Sinais dos Tempos - tradições religiosas no Brasil. Rio de 
Janeiro. Cadernos do ISER 22, 1989. 
- . Sinais dos Tempos — diversidade religiosa no Brasil. Rio de 
Janeiro. Cadernos do ISER 23, 1990. 
- MENDONÇA, Antonio Gouvea. O Celeste Porvir: A inserção do Protes-
tantismo no Brasil. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984. 
- . O não-ecumenismo no Brasil. In: Tempo e Presença. Ano 20, 
n° 301, Rio de Janeiro: Koinonia, 1998, p. 16-18. 
- MIGUEZ BONINO, Jose. Rostos do protestantismo latino-americano. São 
Leopoldo: Ed. Sinodal, 2001. 
- WULFHORST, Ingo. Religiões, novas religiões e seitas no Brasil. In: Pre-
sença Luterana, G Brakemeicr (org.), São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1990, 
p. 77-92. 
- ZWETSCH, Roberto. Perspectivas de diálogo entre fé indígena e fé cristã. 
In: Estudos Teológicos. Ano 36. São Leopoldo: EST, 1996/1, p. 45-60. 
OS INÍCIOS DO MOVIMENTO 
ECUMÊNICO MODERNO -
PIONEIRISMO PROTESTANTE 
1. O movimento ecumênico moderno surge como reação à frag-
mentação da Igreja de Jesus Cristo. E sinal de inconformidade com 
ela. De certa forma encerra o período confessional, isto c, o da divisão 
regional do mundo por "confissões". A guerra dos trinta anos (1618-
1648) havia sido a última tentativa de restabelecer, pela força, a unidade 
da cristandade, tentativa esta que redundou em terrível fracasso. Desde 
então o norte era predominantemente protestante, o sul católico, o leste 
ortodoxo, o oeste anglicano c calvinista. Mas a internacionalização do 
mundo que ocorre no século XIX já não mais permite a separação geo-
gráfica das confissões. Faz com que colidam, principalmente nas áreas 
missionárias da Africa e da Ásia. Surgem daí importantes impulsos para 
o ecumenismo. 
2. A internacionalização do planeta é consequência das conquistas 
tecnológicas que encurtam as distâncias, bem como da migração inter-
continental de grandes parcelas da população mundial. Trata-se do avanço 
da globalização, iniciada com a descoberta das Américas no século XV 
e fortemente acelerada no século XIX. A máquina altera os meios dc 
produção, de transporte c de comunicação. Faziam-se necessárias orga-
nizações internacionais para fazer frente aos problemas e às necessida-
des de um mundo progressivamente menor. Entre as promoções mencio-
namos: 
3 2 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
- a primeira Exposição Mundial, em 1851; 
- a fundação da Cruz Vermelha, em 1864; 
- a criação da Associação para o Direito Internacional, em 1873; 
- os Jogos Olímpicos Modernos, realizados pela primeira vez em 
1896. 
Infelizmente também os conflitos políticos tomar-se-iam interna-
cionais. As guerras do século XX, sobretudo as de 1914-1918 e de 1939-
1945, teriam proporções mundiais, com prejuízos inéditos até então. 
3. Também o colonialismo é sintoma dessa internacionaliza-
ção. Demonstra a hegemonia européia que, após sofrer a perda das 
Américas em virtude da emancipação das mesmas, se apodera da África 
e da Ásia como aquele resto do mundo considerado ainda "sem dono". 
Promoveu a mescla dos povos, a missão cristã, o intercâmbio cultural. 
Da mesma forma, porém, fez colidir os interesses colonialistas na 
exploração das riquezas das regiões ocupadas. Nesse contexto atuam as 
sociedades missionárias. Seria injusto rotular a admirável e abnegada 
obra das mesmas indiscriminadamente de "colonialismo cristão". Por 
demais vezes, as missões entraram em choque com as forças coloniza-
doras, exigindo a observância de princípios evangélicos e sua primazia 
sobre os brutais interesses econômicos. Ainda assim, é verdade que os 
impérios coloniais propiciaram a expansão da missão. Simultaneamen-
te, aguçaram a consciência das dolorosas divisões na própria cristanda-
d e / Num mundo crescentemente global e, todavia, fragmentado, iria 
emergir, quase que naturalmente, a idéia ecumênica. 
A/A primeira reação das Igrejas à internacionalização consistiu na 
constituição de estruturas igualmente globais. Surgem no século XIX c 
inícios do século XX as federações e alianças eclesiásticas. São as 
Igrejas protestantes que buscam a comunhãocom seus irmãos e irmãs 
de fé espalhados pelo mundo afora com o intuito de conjugar o testemu-
nho. Eis alguns exemplos: 
- em 1867: Organiza-se a "Comunhão Anglicana" 
- cm 1875: Cria-se a "Aliança Mundial de Igrejas Reformadas" 
Os INÍCIOS DO MOVIMENTO ECUMÉNICO MODERNO - PIONEIRISMO PROTESTANTE 3 3 
- em 1881: Juntam-se os metodistas na "Conferência Ecumênica 
Metodista" 
- em 1905: Constitui-se a Federação Batista Mundial 
- em 1923: E criada a "Convenção Luterana Mundial". 
Não se trata da fundação de Igrejas. As estruturas são de natureza 
antes "federativa" entre Igrejas irmãs. Nisso distinguc-sc o protestan-
tismo da Igreja Católica com sua "estrutura planetária". Esta celebra no 
Concílio Vaticano I, em 1870, pública demonstração de sua "internacio-
nalidadc". Proclama solenemente a infalibilidade papal e consagra 
assim o centralismo eclesiástico como decidida resposta aos avanços do 
pluralismo e individualismo da modernidade. Em todo esse cenário, o 
imperativo de unir é sentido com bem maior premência pelo protestan-
tismo, no que reside seguramente um dos motivos para seu pioneirismo 
ecumênico. As afinidades doutrinais e a magnitude dos desafios a enfren-
tar questionavam a permanência das divisões lesivas no corpo da cris-
tandade. 
5. Os protestantes, porém, queriam mais do que simples associa-
ções confessionais. As instituições eclesiásticas, é verdade, ficaram 
inicialmente à margem das iniciativas. O protagonismo coube a pes-
soas leigas a exemplo do metodista John Mott c do anglicano Joseph 
Oldham, ou a movimentos como a "Aliança Evangélica", fundada cm 
1846 com o nome de "Liga Fraternal de Oração c Combate à Descrença". 
Sejam mencionadas, ainda, a "Associação Cristãs de Jovens", fundada 
em 1855, e as "Sociedades Bíblicas". Entidades como essas prepararam 
o ecumenismo, transpondo as tradicionais fronteiras denominacionais e 
promovendo a cooperação. 
6. É das sociedades missionárias que partem os mais fortes impul-
sos para a união. Mas há outras causas na raiz do sonho ecumênico. 
Destaca-se o problema da economia e da justiça social em meio ao capi-
talismo emergente. A pauperização de amplas camadas da população 
devido à exploração selvagem do trabalho, o êxodo rural, o crescimento 
do proletariado e da miséria nos centros urbanos sensibilizava as cons-
ciências e clamava por uma reação das Igrejas. O embate ideológico das 
3 4 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakciiteier 
forças restauradoras após a revolução francesa de 1789-94 e dos movi-
mentos revolucionários a exemplo do comunista de Karl Marx necessa-
riamente provocava a fé cristã./Algo semelhante vale para o avanço do 
ateísmo dito científico num mundo progressivamente secular. As conse-
qüentes perdas para a fé eram motivo de inquietitude não só de uma 
confissão ou de uma Igreja.)Sejam mencionadas, enfim, as ameaças à 
paz mediante exacerbado nacionalismo e militarismo nos países euro-
peus que mais tarde, de fato, iriam detonar em horríveis banhos de san-
gueiTodo esse quadro constrangia os cristãos c os animava ajuntar for-
ças c vozes. O evangelho exigia uma resposta comum da cristandade. 
7/Marco inicial do movimento ecumênico 6 a Conferência Inter-
nacional sobre Missão que teve lugar em Edimburgo, Escócia, em 
1910.)Não era essa a primeira conferência desse tipo, mas a maior c a 
mais representadva.)Ela é considerada o divisor de águas na história do 
ecumenismo. O que antecedeu eram preliminares, o que sucede c con-
cretização de uma visão c encaminhamento de estruturas.ÍPretendia-se a 
coordenação da missão principalmente na Ásia c na ÁfricaXEntretanto, 
o resultado foi muito além. Representantes das Igrejas Ortodoxase da 
Católico-Romana ainda estão ausentes./Reúnem-se, na oportunidade, 
mais que 1.200 delegados de Sociedades Missionárias protestantes; 
A Conferência estava marcada por forte otimismo missionário. Aprego-
ava-se a "evangelização do mundo ainda nesta geração", uma esperança 
que frustrou. A importância da convenção, porém, reside nos incentivos 
ecumênicos que deu. As próprias Igrejas demoraram cm acolher a idéia. 
Mas a semente estava lançada. Mais e mais sentia-se a necessidade de 
não só organizar a tarefa missionária, e sim de também falar sobre 
assuntos de doutrina e de promover ações conjuntas em questões práti-
cas entre as Igrejas. 
8. Naccram dessa Conferência diversas organizações que dariam 
origem ao Conselho Mundial de Igrejas. São elas: 
a. - O Conselho Missionário Internacional, constituído legalmente 
em 1921, nos Estados Unidos\Seu objetivo consistia no apoio 
e na coordenação das inciativas missionárias em nível global. 
Os INÍCIOS DO MOVIMENTO ECUMÊNICO MODERNO - PIONEIRISMO PROTESTANTE 35 
Cabe ressaltar que isto deveria acontecer no simultâneo esfor-
ço por evangelização e por justiça no relacionamento entre os 
povos e as raças. 
b. O movimento para o cristianismo prático, chamado "Vida e 
Ação" ("Life and Work").iO movimento foi uma resposta ecumê-
nica imediata aos horrores da Primeira Guerra Mundial, tendo 
na promoção dajpaz uma de suas grandes metas) 
c. (O movimento "Fé e Ordem"'i("Faith and Order", chamado em 
português também "Fé e Constituição"), que se propõe o diálo-
go teológico e o acerto das Igrejas cm questões de doutrina. 
A ideia de se criar tal foro remonta ao bispo anglicano Charles 
Brent. Ainda em Edimburgo, ele se convenceu de ser impossí-
vel aproximar as Igrejas sem a remoção dos impedimentos dou-
trinais da unidade. 
9. No período entre a Conferência de Edimburgo e a fundação do 
Conselho Mundial de Igrejas a idéia ecumênica amadurece, sendo abra-
çada crescentemente pelas lideranças eclesiásticas/Ém 1919, na Suécia, 
o bispo luterano Nathan Sõderblom lança, pela primeria vez, a sugestão 
da criação de um "Conselho Ecumênico de Igrejas".)Ela caiu em solo 
fértil. Era forte o anseio por maior unidade entre as Igrejas cristãs, nutri-
do entre outras pelas turbulências de um mundo em crise. Associa-se 
também, ainda que de forma tímida c parcialmente relutante, a Igreja 
Ortodoxa.\Em 1920, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla envia 
uma encíclica na qual propõe uma "Koinonia ton Ekklesion" (Comu-
nhão das Igrejas). Naquele mesmo ano, a Conferência de Lambeth, rea-
lizada pela Igreja Anglicana, avança mais um passo: Conclama à reuni-
ficação da cristandade.'5ão estes apenas alguns exemplos do entusiasmo 
com que vinha sendo acolhida a idéia ecumênica na época. Enquanto 
isto, a Igreja Católica Romana se mantinha afastada do movimento. Iria 
despertar para o mesmo somente decênios mais tarde"^ 
10. A missão, a ação e a doutrina, cada qual com suas respecti-
vas organizações, são estas as principais veias que iriam confluir no 
Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Há outros movimentos que a eles 
se unem, a exemplo do "Conselho Mundial de Educação Cristã", criado 
36 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
em 1947 a partir da liga mundial das escolas dominicais, existente desde 
1907. Ademais, não devem ser esquecidas as iniciativas de grupos lei-
gos./ Jovens, mulheres e outros têm participação decisiva no desabro-
char e crescer da idéia ecumênica^E todavia, os movimentos em torno 
da missão, da ação c da doutrina constituem algo como as motivações 
fundamentais do ecumenismo nas Igrejas) "Fé e Ordem" pretende o 
testemunho conjunto, a fé professada de comum acordo. Trabalha a teo-
logia, a doutrina. Parte da convicção de que unidade necessita de um 
consenso básico no credo. Promove o diálogo interconfessional. O movi-
mento "Vida eAção" quer conjugar os esforços diaconais das Igrejas, a 
serviço da criatura sofrida. Tem em vista a praxis eclesial, convicta de 
ela ser poderosa força de união. As missões, enfim, procuram a sintonia 
no cumprimento do mandato de levar o evangelho aos confins da terra. 
Pretendem evitar a perda de crédito e demonstrar coerência evangélica. 
Em todos estes casos havia dificuldades a vencer. "Fé e Ordem" celebra 
duas grandes conferências internacionais, a primeira em 1927, em Lau-
sanne (Suíça), a segunda em 1937, em Edimburgo (Escócia). Decide 
aderir à sugestão de criar uma comissão preparatória do "Conselho 
Mundial de Igrejas" (CMI). Algo semelhante vale para o movimento 
"Vida c Ação". Tem a sua primeira conferência cm 1925, em Estocolmo, 
Suécia, a segunda em 1937, cm Oxford, Inglaterra. Manifesta igualmen-
te seu apoio à criação de um Conselho Mundial na oportunidade. 
11. Quem fica fora, por enquanto, é o Conselho Missionário Inter-
nacional. Realiza, também ele, Conferências Internacionais, em Jerusa-
lém (1928) e Tambaram, índia (1938). Mas ainda não se vê em condi-
ções de se integrar no Conselho em formação. O que seria "missão 
cristã", isto já naquela época era controvertido. A adesão iria acontecer 
somente em 1961, na terceira Assembléia Geral do CMI, em Nova Dclhi 
(índia). Mesmo assim permanece verdade que a missão, a ação social e 
o diálogo doutrinal, esses três, são o tripé em que o projeto do CMI sc 
assenta e a partir do qual se desenvolve. Pretende-se a missão conjun-
ta, a ação conjunta, o testemunho conjunto. 
12. Seja anotado à margem que o movimento ecumênico, na pri-
meira parte do século XX, era uma promoção predominantemente 
Os INÍCIOS DO MOVIMENTO ECUMÊNICO MODERNO - PIONEIRISMO PROTESTANTE 3 7 
européia e norte-americana. As Igrejas jovens, do assim chamado ter-
ceiro mundo, eram antes espectadores do que parceiras. )Isto começa a 
mudar já em 1928, na Conferência sobre Missão, na índia. Percebe-se 
ser impossível conceber "missão cirstã" como via de mão única, sendo 
uns os permanentes "doadores" c outros os "receptores". Somente mutua-
lidade promete o bom êxito. Desenvolvimento semelhante pode-se obser-
var no que diz respeito ao ecumenismo. De uma promoção de entidades 
cristãs do hemisfério norte iria gradativamente transformar-se num movi-
mento global, adquirindo feição de fato "ecumênica". Isto não diminui 
em nada a validade da iniciativa. Mostra, porém, que "ecumenismo", 
também sob este aspecto, é um processo de aprendizagem. 
Literatura: 
- BUSS, Theo. El Movimiento Ecuménico en la perspectiva de Ia liberación. 
La Paz: Ed. Hisbol / Quito (CLAI), 1996, p. 247s. 
- DIAS, Zwinglio Mota. O movimento ecumênico - história e significado. 
In: Numen. Juiz de Fora: Ed. UFJF. V 1, n° 1, 1998, p. 127-163. 
- KAICK, Baldur van/RAISER, Konrad. Movimento Ecumênico - História 
e Desafios. São Leopoldo: CECA, s.d. 
- KRÜGER, Hanfried. O Conselho Mundial de Igrejas - História do Movi-
mento Ecumênico. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1987, p. 10s. 
- RAMALHO, Jether Pereira. Meio século de compromisso ecumênico. 
In: Tempo e Presença. Rio de Janeiro: Koinonia, Ano 20, n° 301, 1998, 
p. 10-13. 
BREVE HISTÓRIA DO CONSELHO 
MUNDIAL DE IGREJAS 
1. A fundação do CMI estava prevista para o ano de 1941. Mas 
a segunda guerra mundial forçou o adiamento. Somente sete anos mais 
tarde, cm 1948, na cidade de Amsterdã (Holanda), foi possível consti-
tuir o que, desde então, seria a mais importante entidade ecumênica. 
Estiveram representadas 147 Igrejas de todo o mundo, predominante-
mente protestantes. Na Assembleia Constituinte a Igreja Católica não 
se fez presente nem mesmo por observadores. Também a representa-
ção das Igrejas Ortodoxas, por razões diversas, era fraca, valendo o 
mesmo para as Igrejas da Africa, Asia e América Latina. Mesmo 
assim, tem sido dado um passo de grande envergadura. Igrejas cristãs 
reagiram ao processo da mundial i zação mediante a criação de uma 
estrutura supra-cclesial.O Conselho Mundial de Igrejas tem sido c 
continua sendo órgão integrador de numerosas iniciativas ecumêni-
cas até então isoladas, abrigando-as sob o mesmo teto c facilitando-
lhcs a cooperação. Ademais, as Igrejas tinham doravante um instru-
mento de expressão internacional que iria atrair a filiação de sempre 
maior número de Igrejas. Prometia garantir-lhes presença marcante no 
cenário internacional, além de maior eficácia no combale aos males 
deste mundo. Para tanto é sintomático o tema da Assembleia Consti-
tuinte: "A desordem do mundo e o desígnio de Deus". A este tema 
corresponde a visão da "sociedade responsável" apregoada como meta 
a comprometer os povos. A constituição do CMI se deu numa Europa 
terrivelmente devastada e num mundo polarizado na guerra fria entre 
leste c oeste. 
4 0 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRIIO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakeineier 
2. A fundação do CMI c certamente um dos mais notáveis eventos 
na historia da Igreja dos últimos séculos. Ainda assim, para a devida 
compreensão deste órgão é preciso considerar o seguinte: 
a. O CMI representa apenas urna parte da ecamene. Não está 
filiada a ele a Igreja Católico-Romana. Somente a "Comissão 
Fé e Ordem" conta com a participação plena da mesma. Man-
tém-se afastada também a maioria das Igrejas pentecostais, 
batistas e outras. As Igrejas ortodoxas, por sua vez, não têm 
atuado de forma unânime. Enquanto algumas se engajaram 
desde cedo, outras contemplaram o ecumenismo cm atitude 
de ceticismo. Isto muda em 1961, por ocasião da III Assem-
bléia Geral do CMI, em Nova Delhi, índia, quando as Igrejas 
ortodoxas de vários países socialistas resolveram filiar-se. 
Mesmo assim, a colaboração dessas Igrejas tem sido marcada 
por cautela e mesmo reservas frente a uma abertura ecumêni-
ca mais corajosa. 
b. O CMI não pretende ser uma super-igreja. Define-se a si mes-
mo como comunhão de Igrejas "que, de acordo com a Sagrada 
Escritura, confessam Jesus Cristo Deus e Salvador e que, por 
isto, pretendem cumprir conjuntamente o mandato para o qual 
foram chamados, para a glória de Deus, Pai, Filho e Espírito 
Santo." São estes os termos da Constituição do CMI. Ele não 
substitui as Igrcjas-membro em suas funções. Quer ser entendi-
do antes como um foro de encontros e de cooperação. Não deve 
ser confundido com um órgão de "jurisdição ecumênica". Para 
a auto-compreensão do CMI permanece fundaméntala "De-
claração de Toronto", de 1950, resolvida pelo Comitê Central. 
Ela traz o título: "A Igreja, as Igrejas e o Conselho Mundial de 
Igrejas." Nela sc afirma que o CMI não relativiza as eclcsiolo-
gias de suas Igrejas-membro nem pretende impor-lhes uma nova. 
Quer conjugar, não fusionar. Sob tal ótica, o CMI continua sendo 
um modelo dc comunhão eclesial, permitindo às Igrejas a pre-
servação de sua identidade, e, simultaneamente, irmanando-as 
numa grande família. Pretende somar os esforços e ensaiar 
passos concretos rumo à unidade. 
BREVE HISTÓRIA DO CONSELHO MUNDIAL DE IGRFJAS 4 ] 
c. Os grandes movimentos originantes do CMI continuam ten-
do dentro dele alguma vida própria. A Constituição compro-
mete a entidade expressamente com a continuação dos traba-
lhos dc "Fé e Ordem", de "Vida e Ação", do "Conselho 
Missionário Internacional" c do "Conselho Mundial de Educa-
ção Cristã". Isto às vezes significa tensão. Basta lembrar que 
em 1925, em Estocolmo, o movimento "Vida e Ação" havia 
preconizado: "A doutrina divide, enquanto a ação une". Isto 
não soa bem aos ouvidos da Comissão "Fé e Ordem", integra-
da no CMI, mas não extinta. Vários decênios depois, a pergun-
ta pelo peso cabível à questão doutrinal, dc um lado, e à práxis 
eclesial, dc outro, continua a agitar os ânimos. Algo semelhan-
te vale para a conceituação da missão, assunto em que de modo 
algum há unanimidade. Considerando-sc, ainda, o confronto 
de expectativas tão variadas como as das Igrejas do norte e do 
sul, provindas de contextos e realidades sociais e culturais 
extremamente diversas, tem-se uma noção das dificuldades a 
vencer no caminho a uma "comunhão de Igrejas". 
3. Na estrutura do CMI, cuja sede administrativa se encontra em 
Genebra, na Suíça, se exprime nitidamente a vinculação eclesiástica. 
Autoridade máxima é a Assembléia Geral que, em períodos normais de 
7 a 8 anos, reúne os representantes das Igrejas-membro e que define o 
rumo dos trabalhos. "Presidente" é um Moderador que atua em regime 
de tempo parcial. Nos intervalos entre as Assembléias, o CMI é drigido 
por um Comitê Central e, nos interstícios de reuniões do mesmo, por um 
Comitê Executivo, aos quais é responsávpl a Secretaria Geral. Figura 
destacada na constituição do CMI tem sido o primeiro Secretário Geral, 
o holandês Willcm Visser't Hooft. Seguiram-lhe, no cargo, Eugene Car-
son Blake, Philip Potter, Emílio Castro, Konrad Raiser c, atualmente, 
Samuel Kobia, todos à sua maneira personagens marcantes. Também no 
mais, o CMI tem lido colaboradores de grande notabilidade. 
4. Os programas se agrupam em torno de cinco blocos temáti-
cos, nos quais se espelham os impulsos que estão na origem do CMI . 
São eles: 
4 2 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
a. "Fé e Ordem". O trabalho visa a promoção da unidade da Igre-
ja mediante o fortalecimento da responsabilidade comum na 
teologia, buscando consensos em assuntos polêmicos. 
b. "Missão e educação ecumênica". Os programas dessa área se 
propõem à (re) conceituação de missão e evangelização num 
mundo carente de cura e reconciliação, conectando a preocupa-
ção à educação ecumênica das pessoas. 
c. "Justiça, paz e integridade da criação". Nos horizontes do 
antigo processo conciliar merecem particular atenção os efei-
tos da globalização da economia, a meta de um desenvolvi-
mento sustentável, o projeto de uma ética planetária e outros. 
d. "Assuntos internacionais, paz e segurança humana". A pro-
liferação da violência, do terror e do ódio exigem uma estraté-
gia "ecumênica" de "pacificação", de desarmamento e de pro-
moção dos direitos humanos. 
e. "Diaconia e solidariedade". Este programa procura incentivar 
os esforços diaconais das Igrejas em situações de emergência c 
diante dos flagelos que assolam a humanidade. A temática 
inclui, não por último, o diálogo interreligioso. 
Todos esses blocos têm programas coordenados, mas próprios. 
Realizam encontros c Conferências Mundiais. A última Conferência 
sobre Missão, por exemplo, realizou-se em Salvador da Bahia, 1996, 
sob o tema: "Chamados a uma só esperança - o evangelho cm diferentes 
culturas." Já está programada a próxima a ter lugar em 2005, sob o tema: 
"Vem, Espírito Santo, cura e reconcilia. Em Cristo, chamados para uma 
comunhão reconciliadora e terapêutica." 
5. Até o momento tiveram lugar oito Assembléias Gerais, em 
diversos continentes, tendo cada qual características específicas: 
1.1948 - Amstcrclam (Holanda) Tema: A desordem do mundo c o desígnio de Deus. 
2.1954 - Evanston (EUA) Tema: Jesus Cristo, a esperança d o mundo. 
3.1961 - Nova Delhi (índia) Tema: Jesus Cristo, a luz do mundo. 
4.1968 - Uppsala (Suécia) Tema: Eis que faço novas todas as coisas. 
5.1975 - Nairobi (Quênia) Tema: Jesus Cristo une e liberta. 
BREVE HISTÓRIA DO CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS 4 3 
6.1983 - Vancouver (Canadá) Tema: Jesus Cristo, a vida do mundo. 
7.1991 - Canberra (Austrália) Tema: Vem, Espírito Santo, renova a criação. 
8.1998 - Harare (Zimbabwc) Tema: Buscai a Deus na alegria da esperança. 
A nona Assembléia Geral está planejada para o ano de 2006 e terá 
como sede a cidade de Porto Alegre, Brasil. Realizar-se-á sob o tema: 
"Deus, cm tua graça, transforma o mundo." 
6. Os temas das Assembléias são transparentes para as ênfases 
específicas c para as preocupações em pauta. São documentos de um 
período de história da Igreja. Mereceriam uma abordagem à parte.O tema da Assembléia de Uppsala, por exemplo, é reflexo do "otimis-
mo revolucionário" predominante na década de 1960 a 1970. O de 
Nairobi demonstra o esforço por reconciliação entre os segmentos "con-
servadores" c "libertadores". O de Canberra dirige a atenção pela pri-
meira vez ao terceiro artigo da fé. Isto acontece num mundo progressi-
vamente multicultural. Uma das assembléias mais importantes tem sido, 
sem dúvida alguma, a de Nova Delhi. Isto não só por causa da adesão 
das Igrejas Ortodoxas da Rússia, da Romênia e da Polônia, nem mes-
mo pela integração do Conselho Missionário Internacional ocorrida na 
oportunidade. Não menos importantes foram a adoção de uma "Fór-
mula de Unidade" de irrestrita validade até o presente, bem como a 
decisão dc maior aproximação da Igreja ao mundo. Pode-se ver nisto 
um paralelo ao projeto do "aggiornamento" da Igreja Católico-Roma-
na, lançado pelo papa João XXXIII. Aliás, o tema "Cristo a luz do 
mundo" de certa forma antecipa o início da constituição dogmática do 
Concílio Vaticano II "Lumen gentium quod sit Jesus Christus" (= a luz 
dos povos que c Jesus Cristo). Nova Delhi incentivou a realização de 
uma "Conferência Mundial sobre Igreja e Sociedade" que teve lugar 
em 1966, desencadeando apaixonada discussão sobre a tarefa da Igre-
ja no mundo. Todas as assembléias, apesar dos destaques especiais, 
colcoaram balizas, bem como setas indicadoras para a trajetória do 
ecumenismo mundial. Trata-se de soletrar e concretizar o significado 
da "koinonia", característica do ser da Igreja, como bem o afirmou a 
Assembléia dc Nova Delhi c como o relembrou programáticamente a 
de Canberra. 
44 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakenwier 
7. O Conselho Mundial de Igrejas congrega hoje mais de 340 Igre-
jas-membro, em cerca de 120 países, portanto mais do que o dobro do 
que em 1948. Infelizmente há também quem novamente se retire. Incon-
formados com o curso que a discussão sobre a missão estava tomando 
nos anos sessenta, separaram-se depois de Uppsala os evangelicais do 
CMI. Convocaram, para o ano de 1974 um grande Congresso em Lau-
sanne, Suíça, onde se celebrou o "Pacto de Lausanne". Portanto, separa-
ram-se os "evangelicais" dos "ecumênicos", como se dizia. Entremen-
tes a polaridade amainou, embora não fosse de todo eliminada. Projeto 
particularmente polêmico tem sido o programa de combate ao racismo. 
Em 1969 a Comissão Central decide criar um fundo de apoio financeiro 
a grupos em luta contra racismo e apartheid. Embora fosse expressa-
mente interditado o uso das verbas para a aquisição de armas e fins 
militares, a decisão provocou alvoroço. Por outro lado, porém, granjeou 
simpatias junto às Igrejas negras, evidenciando que a costumeira conde-
nação do racismo por parte do CMI não se limitava ao discurso. O CMI 
sofreu muitas acusações. Dizia-se que estaria "cego no olho esquerdo" 
por criticar a exploração capitalista em termos mais enérgicos do que a 
violação dos direitos humanos no comunismo. Na mesma linha acusa-
va-se o CMI de confundir o reino de Deus com um projeto social. De um 
modo geral deve-se constatar que, no CMI, discutiam-se as questões 
melindrosas dentro das prórpias Igrejas-membro. De fato, o CMI tem 
desempenhado a função de uma estação experimental do ecumenis-
mo e de um laboratório de respostas corajosas da cristandade aos pro-
blemas de um mundo em crise. Em sua trajetória, o barco ecumênico 
enfrentou muitas tempestades, ameaçando, não raras vezes, pô-lo a 
pique. 
8. Além das polêmicas, porém, o CMI conseguiu avançar em 
muitas áreas cruciais e brindar as Igrejas com valiosos impulsos. Isto 
vale em primeiro lugar para a área social, cabendo proeminente desta-
que ao "Processo Conciliar de Mútuo Compromisso para Justiça, Paz 
e Integridade da Criação", deflagrado em 1983 de acordo com as tra-
dições de "Vida e Ação". Mobilizou as Igrejas em torno de questões 
vitais da humanidade, conduzindo à "Convocação Mundial de Seoul" 
(Coréia), em 1990. O processo de modo algum está encerrado, visto 
BREVE HISTÓRIA DO CONSELHO MUNDIAL DE IORFJAS 4 5 
que as ameaças à justiça global, à paz e ao meio ambiente sofreram 
preocupante agravamento num mundo vitimado pela obsessão do com-
bate internacional ao terror com meios apenas militares. Novas inicia-
tivas foram tomadas pelo CMI, a exemplo da "Década da Solidarie-
dade com as Mulheres" (1988-1998) e da "Década da Superação da 
Violência", proclamada na VIII Assembléia em Harare. Os programas 
convidam a uma demonstração de cristianismo prático, de engajamen-
to ecumênico em questões de vital interesse da humanidade e de voz 
profética na sociedade. O CMI tem atuado como vanguarda nesses e 
em outros assuntos. 
9. Além dos esforços por unir as Igrejas pela ação, o CMI tem 
produzido importantíssimos documentos de reflexão e de consenso 
teológico. Isto principalmente pelo trabalho da Comissão "Fé e 
Ordem ". Teve forte repercussão o assim chamado "Documento de Lima" 
sobre "Batismo, Eucaristia e Ministério" (BEM), uma convergência 
doutrinal, elaborada em 1982, assinada também pela Igreja Católica em 
sua qualidade de membro oficial da Comissão. Naquele mesmo ano, a 
Comissão Central aprovou um pronunciamento com o título "Missão e 
Evangelização - uma afirmação ecumênica." As Igrejas necessitam de 
unidade, e a humanidade também. Mas o que significa unidade em ter-
mos precisos e concretos? Desde a Assembléia de Canberra, prefere-se 
falar em "comunhão" (koinonia). E termo dinâmico, de qualificado 
conteúdo teológico. Com ele se ocupou intensamente a V Conferência 
Mundial de "Fé c Ordem", em Santiago de Compostela, Espanha, 1993. 
O que se pretende é comunhão na fé, na vivência e no testemunho. E, no 
entanto, o conceito da comunhão abre algum espaço para a diversidade. 
Isto não significa renúncia à meta da unidade. Pois esta está implícita na 
comunhão. Conseqüentemente são grandes os esforços por construir um 
patamar dogmático comum, do que são exemplos instrutivos o projeto 
"A Confissão da Fé Apostólica - explicação ecumênica da fé apostólica 
segundo o Credo Niceno-Constantinopolitano", o estudo sobre "Igreja 
e Mundo - a unidade da Igreja e a renovação da comunidade humana ", 
ambos de 1990, da autoria de "Fé c Ordem". O CMI, pela sua própria 
existência, coloca às Igrejas c à sociedade global o imperativo da convi-
vência "ecumênica", cm paz e mulualidadc. 
4 6 PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍKTIO NO VÍNCULO DA PAZ - Gottfried Brakemeier 
10. Inversamente é flagrante que ao próprio Conselho Muni-
ciai de Igrejas falta de momento uma visão precisa do que isto po-
deria significar. Os modelos de unidade elaborados no decorrer da 
caminhada não conseguiram produzir os desejados efeitos estruturais. 
Falta a oficialização da experiência ecumênica por parte das Igrejas. 
A Igreja Católica coopera em determinados assuntos, mas resiste à idéia 
da filiação plena. Não existe por ora concepção realmente consensual 
do que seja uma ética social ecumênica. Ainda não podemos comungar 
juntos na mesa do Senhor. As diferenças continuam a barrar a comu-
nhão. Isto não só nas Igrejas. Pergunta-se em termos gerais: Como con-
viver num mundo cada vez mais plural? Talvez seja mera coincidência 
que o CMI tenha sido fundado no mesmo ano da Organização das 
Nações Unidas, a ONU. Também ela persegue a meta da unidade, da 
reconciliação, da paz, ainda que, evidentemente, em outro patamar e 
com outros parceiros. E uma organização política, sendo por isto ilíci-
to comparar o CMI e a ONU. Mas é típico que também a ONU se 
encontre em crise. Como conviver num mundo a um só tempo global e 
plural é a inlerrogante crucial da humanidade neste início de terceiro 
milênio. O conflito entre as culturas, o renascer dos fundamentalismos 
religiosos, a concorrência mortífera na economia, as guerras étnicas, tudo 
isto requer uma resposta

Continue navegando