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ELIAS, D. Globalização e fragmentação do espaço agrícola do Brasil.

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Scripta Nova 
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES 
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. X, núm. 218 (03), 1 de agosto de 2006 
GLOBALIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO AGRÍCOLA DO BRASIL 
Denise Elias 
Universidade Estadual do Ceará (UECE) 
 
Globalização e fragmentação do espaço agrícola do Brasil (Resumo) 
 A globalização da economia provocou uma reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, 
marcada pela territorialização do capital e pela oligopolização do espaço agrícola, culminando na 
organização de um novo modelo econômico, técnico e social de produção. Como este se 
processa de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva, acentuando as históricas 
desigualdades sociais e territoriais do país, além de criar muitas novas desigualdades, 
paralelamente à difusão do agronegócio, ocorre uma nova divisão territorial e social do trabalho 
agropecuário. Desse modo, amplia-se a dialética da produção do espaço agrícola, cada vez mais 
fragmentado, caracterizando-se arranjos territoriais produtivos agrícolas. Este artigo tem por 
objetivo tratar das principais características da consecução do agronegócio no Brasil; da 
fragmentação do espaço agrícola e do incremento da urbanização no Brasil agrícola moderno, 
resultando numa nova tipologia de cidade: a cidade do agronegócio. 
Palavras-chave. Brasil, agronegócio, arranjos territoriais produtivos, cidade do agronegócio 
 
Globalization and fragmentation of the agricultural space of Brazil (Abstract) 
 The globalization of economy provoked a productive reorganization of the Brazilian farming, 
marked for territorialization by capital and for oligopolyzation of the agricultural space, culminating 
in the organization of a new economic technique and social model of production. This model is 
processed socially excluding and selective space form, accenting the historical social and 
territorial inequality of the country, besides creating many new inequalities, parallel to the diffusion 
of the agribusiness, a new territorial and social division of the farm work occurs. In this way, is 
extended the dialectic production of agricultural space, each more fragmented, characterizing 
productive territorial arrangements. This article has for objective to deal with the main 
characteristics of the achievement of the agribusiness in Brazil; of the fragmentation of agricultural 
space and the increment of urbanization in modern agricultural Brazil, resulting in a new typology 
of city: the agribusiness city. 
Key words: Brazil, agribusiness, productive territorial arrangements, agribusiness city. 
 
Reestruturação Produtiva da Agropecuária [1] 
No Brasil, nas últimas quatro décadas, os setores econômicos vêm passando por intensa 
reestruturação produtiva. Com a globalização da economia verificaram-se profundas 
transformações no processo produtivo associado à agropecuária e reestruturaram seus sistemas 
de ação e de objetos (Santos, 1994, 1996) mediante introdução da ciência, da tecnologia e da 
informação. Resultou, então, um novo modelo técnico, econômico e social de produção 
agropecuária, ao qual aqui chamaremos, conforme Santos (2000), de agricultura científica, 
oferecendo novas possibilidades para a acumulação ampliada do capital. 
Segundo o mesmo autor (p. 88), e na nossa opinião, com a globalização se instala uma 
agricultura propriamente científica, responsável por intensas mudanças quanto à produção 
agrícola e à vida de relações. Para Santos, podemos falar de uma agricultura científica 
globalizada quando a produção agrícola tem uma referência planetária, e recebe influência das 
mesmas leis que regem os outros aspectos da produção econômica. A competitividade, 
característica das atividades de caráter planetário, leva a um aprofundamento da tendência à 
instalação de uma agricultura científica. Especialmente exigente de ciência, técnica e informação, 
esta induz ao aumento exponencial das quantidades produzidas em relação às superfícies 
plantadas. Por sua natureza global, conduz a uma demanda extrema de comércio na qual o 
dinheiro passa a ser uma “informação” indispensável. 
Embora desde o início do comércio em grande escala a agropecuária comercial se desenvolva no 
país, caracterizando a história econômica e a ocupação do território, somente quatro séculos 
mais tarde ela apresenta mudanças radicais. Isto se deve ao fato de a revolução tecnológica 
também ter atingido essa atividade, que passa a incorporar os principais paradigmas da produção 
e do consumo globalizados, em consonância com as transformações gerais do restante da 
sociedade. 
A partir da década de 1980, a reestruturação produtiva da agropecuária intensificou-se, mas 
privilegiou áreas, produtos segmentos sociais. Isto acarretou profundos impactos sociais, 
territoriais e ambientais que culminaram na elevação da histórica concentração da propriedade da 
terra; num processo de oligopolização do setor agropecuário; em transformações das relações 
sociais de produção; na fragmentação do espaço agrícola e no incremento da urbanização. 
Neste contexto, a aplicação dos procedimentos e métodos científicos para a realização da 
agropecuária, com vistas ao aumento de produtividade e à redução de custos, aperfeiçoou e 
expandiu seu processo produtivo, imprimindo complexas inovações às forças produtivas do setor. 
Com a pesquisa tecnológica pôde-se reestruturar a base técnica empregada nesse conjunto de 
atividades, e, ao mesmo tempo, transformar os sistemas técnicos agrícolas, abrindo um grande 
número de novas possibilidades para a realização da mais-valia mundializada, por meio da fusão 
de capitais com os demais setores econômicos. 
Conforme observado, o aumento da extensão da área cultivada deixou de ser o fator exclusivo de 
crescimento da produção agrícola, uma vez que as inovações tecnológicas elevaram a 
produtividade do trabalho e da terra, que avançava muito lentamente até essa época. Verificou-
se, então, a reestruturação da agropecuária mediante amplo emprego de máquinas, insumos 
químicos e biotecnológicos fornecidos pela atividade industrial, com notáveis metamorfoses nas 
relações de produção, ocorridas, também, na divisão social e territorial do trabalho agropecuário. 
A rentabilidade do capital, exigida pela economia globalizada, induziu a existência de formas mais 
eficazes de produção. Desse modo, transformou radicalmente as forças produtivas da 
agropecuária, porquanto seus sistemas técnicos anteriormente hegemônicos não condiziam com 
a racionalidade vigente no período tecnológico. A impossibilidade de controle do processo 
produtivo da agropecuária, com uma estrutura extremamente dependente dos fatores naturais 
(clima, relevo, solo, temperatura, topografia etc.) e do ciclo biológico das plantas e dos animais, 
sempre representou um limite para a acumulação ampliada no setor, uma vez que o tempo de 
produção é comumente superior ao tempo de trabalho. 
No intuito de superar estas dificuldades, as instituições de pesquisa têm-se empenhado 
decisivamente e gerado resultados significativos. Entre os principais objetivos das pesquisas 
agropecuárias desenvolvidas, inclui-se o da geração de insumos artificiais produzidos em escala 
industrial, capazes de substituir parte dos insumos naturais e ter maior controle sobre o ciclo 
biológico das plantas e dos animais, por torná-lo um pouco menos vulnerável às forças da 
natureza e, em conseqüência, capaz de responder mais positivamente às novas formas de 
produção, distribuição e consumo. 
Inúmeras pesquisas voltadas para o setor desenvolveram ampla gama de novos produtos 
químicos, mecânicos e biotecnológicos, na tentativa de modificar as características do solo, 
prevenir as doenças das plantas, fabricar no laboratório sementes mais produtivas, aumentar a 
produtividade e o ritmo do trabalhocom a utilização de máquinas para semear, cultivar, colher 
etc. 
Com a difusão desse conjunto de inovações, configurando novos sistemas técnicos agrícolas, a 
agropecuária tornou-se crescentemente dependente do processo científico-técnico de base 
industrial, e minimiza a anterior vantagem relativa representada pela produção localizada nos 
melhores solos, nas topografias mais adequadas, entre outros. Além disso, aumentou a 
possibilidade de aproveitamento dos solos menos férteis e de ocupação intensiva de territórios 
desprezados para tal atividade, relativizando-se as questões locacionais, antes imprescindíveis. 
Para Graziano da Silva (1981), a produção agropecuária deixou de ser uma esperança ao sabor 
das forças da natureza para se converter numa certeza sob o comando do capital, perdendo a 
autonomia que manteve, durante séculos, em relação aos outros setores da economia. 
A nosso ver, devemos ser cuidadosos com a simples reprodução de afirmações como esta. Mas 
não há dúvida quanto às reestruturações advindas, uma vez que parte da agropecuária brasileira 
passou a ser um empreendimento totalmente associado à racionalidade do período técnico-
científico-informacional (Santos, 1979, 1988, 1993, 1994, 1996, 2000), com algumas 
possibilidades semelhantes às dos demais setores econômicos para a aplicação de capital e para 
a obtenção de alta lucratividade, tornando-se mais competitiva e permitindo maior valorização dos 
capitais nela investidos. Nesse sentido, um dos principais signos da agricultura científica no Brasil 
é uma crescente interdependência com os demais setores da economia. A partir desta 
interdependência ocorrem processos freqüentes de fusão com capitais dos setores industriais, 
comerciais e de serviços. Tais fusões se dão juntamente com o aumento de sua presença 
no circuito superior da economia (Santos, 1979). 
Outra característica da agricultura científica é seu funcionamento cada vez mais regulado pela 
economia de mercado, em razão das demandas urbanas e industriais. As relações entre os 
setores agrícola e industrial merecem destaque, por propiciarem o desenvolvimento de muitos 
ramos industriais, notadamente dos que fornecem os insumos e bens de capital para a 
agricultura, assim como das indústrias que processam os produtos agropecuários – 
agroindústrias -, transformando-os em mercadorias padronizadas para o consumo de massa 
globalizado. 
Tudo isto leva à multiplicação dos espaços da produção e das trocas agrícolas globalizadas, e 
induz os espaços agrícolas a inúmeras transformações, os quais se mostram extremamente 
suscetíveis de aceitação do capital do agronegócio. Isto se deve, em parte, ao fato de possuírem 
pequena quantidade de pedaços de tempo materializados, o que permite imediata difusão do 
capital novo e possibilidade de responder mais rapidamente aos interesses das empresas 
hegemônicas dos setores agropecuário e agroindustrial. 
Quando do início da aceleração contemporânea (Santos, 1996), o campo era um espaço com 
menos rugosidades (Santos, 1985), e com flexibilidade muito superior à apresentada pelas 
cidades, repletas de capitais mortos, mostrando-se um dos lócus preferenciais de introdução dos 
capitais industriais e financeiros. Desta forma, nas áreas onde se expande a agricultura científica, 
o meio natural e o meio técnico são rapidamente substituídos pelo meio técnico-científico-
informacional (Santos, 1985, 1993, 1994, 1996, 2000), aumentando a proporção da natureza 
social sobre a natural. 
Em seu livro O espaço dividido, Santos (1979) chama a atenção para o fato de que devemos 
considerar as modernizações como o modo de levar em conta as implicações temporais da 
organização do espaço, especialmente nos países em situação desfavorável na Divisão 
Internacional do Trabalho. Por modernização entende-se a generalização de uma inovação vinda 
de um período anterior ou da fase imediatamente precedente. Como cada período é 
caracterizado pela existência de um conjunto coerente de elementos de ordem econômica, social, 
política e moral, que constituem um verdadeiro sistema, segundo sugere o autor, devemos 
realizar uma divisão do tempo em períodos para reconhecer a existência da sucessão de 
modernizações, que seria a própria história das modernizações. 
Ao se utilizar o recurso da periodização como componente fundamental de método, com vistas à 
consecução da agricultura científica no Brasil e à reorganização do seu espaço agrícola, 
vislumbramos três momentos principais. Entretanto, lembremos, a periodização sempre guarda 
conformidade com os objetivos específicos do autor que a está processando num determinado 
momento de evolução de seus estudos. 
O primeiro seria o da mudança da base técnica, a partir da década de 1950, com o emprego de 
uma gama de insumos artificiais, em detrimento dos naturais, com a difusão de inovações 
químicas (fertilizantes, agrotóxicos, corretivos etc.) e mecânicas (tratores, arados, colheitadeiras 
etc.). Nesse primeiro momento da reestruturação produtiva da agropecuária, os insumos eram na 
sua grande maioria importados, uma vez que o Brasil não fabricava tais produtos. Como 
sabemos, a implantação da primeira grande indústria de bens de produção para a agropecuária 
dá-se em 1959, com a instalação de uma multinacional fabricante de tratores (Amato Neto, 1985). 
O segundo momento se concretiza em meados da década de 1960, quando os interesses das 
grandes corporações se apropriam do processo de produção agropecuária brasileira. Nas 
palavras de Graziano da Silva (1996), configura-se, então, o processo de industrialização da 
agricultura, com ampla implantação de indústrias dos ramos a montante da agropecuária, 
fornecedores de insumos modernos (fertilizantes, máquinas, sementes etc.), e a jusante, 
transformadores dos produtos agropecuários (agroindústrias), com um intenso processo de 
instalação de indústrias, que assumem o comando das transformações no setor. 
A dinâmica da agricultura passa a ser determinada pelo padrão de acumulação industrial, 
centrado no desenvolvimento dos complexos agroindustriais (CAIs) (Sorj, 1980; Muller, 1989; 
Mazzali, 2000) ou sistemas agroindustriais (SAGs) (Farina e Zylbersztajn, 1998). A agropecuária 
moderna passa a ser o núcleo dos CAIs ou SAGs emergentes. Sua produção destina-se 
prioritariamente à geração de commodities e de matérias-primas para as agroindústrias em franca 
expansão, da mesma forma que demanda uma gama importante de produtos industriais. 
Caracteriza-se uma nova organização econômica e social da agropecuária, que acompanha a 
unificação da economia pelo movimento do capital industrial e financeiro. 
Para Graziano da Silva (1996, 1999), esse movimento de mudança da agropecuária brasileira 
caracteriza-se pela desarticulação do chamado complexo rural com a constituição dos complexos 
agroindustriais, a ocorrer mediante a substituição da economia natural por atividades agrícolas 
integradas à indústria, pela intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais e com 
a especialização da produção agropecuária. 
Podemos identificar a terceira fase da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira em 
meados da década de 1970. Nesse período, dá-se um processo de integração de capitais a partir 
da centralização de capitais industriais, bancários, agrários etc., expansão de sociedades 
anônimas, cooperativas agrícolas, empresas integradas verticalmente (agroindustriais ou 
agrocomerciais), assim como a organização de conglomerados empresariais por meio de fusões, 
organização de holdings, cartéis e trustes, com atuação direta nos CAIs (Delgado, 1985). 
 
Na década de 1970, difunde-se, em grande escala, a biotecnologia, uma das mais revolucionárias 
e controvertidas tecnologias já desenvolvidas pelo homem. Diferentemente dos dois grupos de 
inovações citados anteriormente (químicas e mecânicas), que modificam as condiçõesnaturais 
do solo e a intensidade e o ritmo da jornada de trabalho, a biotecnologia afeta a velocidade de 
rotação do capital adiantado no processo produtivo, por meio da redução do período de produção 
e da potencialização dos efeitos das inovações químicas e mecânicas (Silva, 1981). 
No entanto, a biotecnologia não representa uma simples inovação, mas sim um novo paradigma 
para a própria existência da humanidade. Com a biotecnologia acirra-se a utilização da ciência 
para a acumulação ampliada em vários setores econômicos (farmacêutico, químico, agroindustrial 
etc.), inclusive na agropecuária, e completam-se as bases da chamada revolução verde, 
fundamentada na utilização e difusão internacional de um conjunto de práticas tecnológicas de 
pesquisa e produção agropecuárias, vendidas ideologicamente como a resolução do problema da 
fome no mundo. 
Se a expansão dos CAIs constituiu um dos principais vetores da reestruturação produtiva da 
agropecuária brasileira, acreditamos que compreender os fixos e os fluxos dos principais CAIs 
atuantes no Brasil (da soja, do suco de laranja, do leite, do trigo, da cana, do milho etc.), em 
especial a partir de seus circuitos espaciais de produção, seria um importante exercício de análise 
da agricultura científica e do território resultante dessa produção. 
Da mesma forma, captar seus círculos de cooperação (Santos, 1986) e seus sistemas de ação 
(Santos, 1994, 1996) é identificar, no tempo e no espaço, a forma de agir das grandes 
corporações globalizadas que dominam a produção agropecuária e agroindustrial brasileira, 
revelando suas alianças com o Estado e suas ingerências na reestruturação do espaço agrícola. 
O estudo dos CAIs da cana e da laranja é um bom exemplo da formação de espaços 
corporativos resultantes dessa evolução (Elias, 1996, 2003a). 
Como observado, a reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil se dá calcada na 
conquista de mercados internacionais de produtos alimentares industrializados, semi-
industrializados ou mesmo in natura, como é o caso da fruticultura. Dessa maneira, transformam-
se também as tradicionais formas de distribuição e consumo de produtos agropecuários. Cada 
vez mais, a produção para o autoconsumo e a produção simples de mercadorias são substituídas 
pela economia de mercado, em razão das demandas urbanas e industriais, com vistas à 
produção de mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado, sendo as 
multinacionais os agentes mais poderosos desse processo. 
Reforçam-se as determinações exógenas ao lugar de produção, especialmente no tocante aos 
mercados cada vez mais longínquos e competitivos. Fato semelhante ocorre em relação aos 
preços, internacionais e nacionais, comandados pelas principais bolsas de mercadorias do 
mundo, sobre os quais não há controle local. Da mesma forma, aumentam as distâncias entre os 
produtores e os centros de decisão e de pesquisa. 
A predominância dos interesses exógenos verifica-se em outros componentes do cotidiano, tais 
como a difusão de um padrão estandardizado de consumo alimentar, com a criação de novas 
mercadorias de alto valor agregado: alimentos semiprontos, congelados, enlatados, iogurtes, 
margarinas, maioneses, produtos derivados do açúcar, bebidas lácteas, óleo de soja, 
produtos diet, light, desnatados, bebidas isotônicas, refrigerantes, legumes pré-cozidos etc. Uma 
parcela cada vez maior dos produtos agropecuários sofre beneficiamento industrial antes de 
chegar à mesa do consumidor. 
A carne de frango, por exemplo, é introduzida no mercado muito fortemente, em substituição à 
carne vermelha, e muda hábitos alimentares, tornando-se uma opção de alimentação mais 
acessível para amplas parcelas da população, pois compete com vantagem, em matéria de 
preço, com a carne bovina. 
Essas novas mercadorias passam a ocupar as prateleiras das grandes redes de supermercados, 
transformados nos principais centros de comercialização varejistas dos produtos alimentares 
industrializados, difundindo novos hábitos de consumo que buscam homogeneizar o padrão de 
consumo alimentar, violando identidades locais baseadas em saberes e fazeres historicamente 
construídos. 
Outras atividades econômicas associadas ao terciário se desenvolvem e ajudam a reforçar o 
novo padrão de consumo alimentar, tais como redes de fast foods (Habib’s, Pizza Hut, 
McDonald’s etc.), de serviços decatering para hotéis e linhas aéreas etc. Essas mudanças 
caracterizam uma agricultura científica globalizada, que funciona, em alguns aspectos, quase 
como uma linha de montagem. 
Dessa forma, a reestruturação produtiva da agropecuária tem profundos impactos sobre os 
espaços agrícolas, que passam, desde então, por um processo acelerado de reorganização, 
mostrando-se extremamente abertos à expansão da tecnosfera e da psicoesfera (Santos, 1994, 
1996, 2000), características do período técnico-científico-informacional. Organizam-se 
verdadeiras redes técnicas (de eletrificação, de armazenagem, de irrigação, de transportes, de 
telecomunicações etc.) voltadas para o objetivo de dotar o espaço agrícola de fluidez para as 
empresas hegemônicas do setor. Isto induz à mecanização dos espaços agrícolas e onde a 
atividade agropecuária se dá baseada na utilização intensiva de capital, tecnologia e informação, 
é visível a expansão do meio técnico-científico-informacional, revelando o dinamismo da 
produção do espaço resultante das reestruturação produtiva da agropecuária. 
Uma vez que a reestruturação produtiva da agropecuária privilegia áreas, produtos e segmentos 
sociais, tem acarretado profundos impactos sociais, territoriais e ambientais a culminar na 
territorialização do capital no campo e na oligopolização do espaço agrário. Desse modo, agrava-
se a histórica concentração fundiária e impõe-se uma nova dinâmica ao mercado de terras, com 
forte intensificação do valor de troca em detrimento do valor de uso, contrariando ainda mais as 
aspirações pela Reforma Agrária, que se mercantilizou na última década (com a substituição da 
desapropriação pela compra da terra). Tudo isto promove decisivas transformações nas formas 
de trabalho agrícola, no espaço agrícola e no incremento da urbanização da sociedade e do 
território. 
Geopolítica dos Transgênicos 
O Brasil acaba de dar mais um passo rumo à insustentabilidade de seu desenvolvimento, com 
grandes prejuízos à soberania tecnológica, à economia, ao ecossistema e, principalmente, à 
construção de uma sociedade mais justa. Referimo-nos ao início do pagamento de royalties por 
parte dos produtores de soja transgênica do Rio Grande do Sul à multinacional Monsanto, 
empresa detentora dos direitos de patente da soja transgênica plantada neste estado. 
 A partir do início de março de 2005, oficializou-se a cobrança de R$ 0,60 por saca de sessenta 
quilos de soja transgênica entregue às cooperativas de produtores, e, no contrato firmado entre 
estas e a multinacional, está prevista a possibilidade de realização de auditorias por parte da 
Monsanto, para averiguação dos repasses. 
Concretiza-se, entre outros, uma tendência já evidenciada nos últimos anos, qual seja, a 
cobrança pelo uso das sementes transgênicas. Lamentavelmente, tal cobrança se faz respaldada 
em medidas provisórias e em outras leis, entre as quais a Lei de Patentes, aprovada em 1996, 
após tramitar durante cerca de uma década no Congresso Nacional. Esta reconhece como legal, 
por exemplo, a propriedade intelectual das empresas que atuam na área de engenharia genética 
voltada à produção e comercialização de transgênicos, e autoriza a cobrança de royalties por 
parte destas empresas. 
Embora apenas recentemente a polêmica sobre os transgênicos tenha chegado ao grande 
público, sendo mais comumente associada à resistência de ambientalistas e movimentos 
ecológicos, em face da insuficiência de estudos científicos sobre os reais impactos à saúde do 
homeme do meio ambiente, o âmago do problema é mais antigo e revela muitas outras faces, 
tão ou mais temíveis. 
Uma delas é a luta pelo monopólio da produção e comercialização das sementes geneticamente 
modificadas, ora travada entre algumas importantes holdings multinacionais, à frente a Monsanto, 
poderosíssima holding que mantém diversas atividades ligadas ao setor químico, de 
medicamentos, de agroquímicos e é uma das mais destacadas em pesquisa de transgênicos. 
Como a guerra está longe de terminar, parece-nos oportuno contextualizar minimamente a 
discussão, com objetivo de qualificá-la para um maior número de pessoas. 
Desde meados da década de 1970, difunde-se, com grande velocidade, a engenharia genética, 
uma das mais revolucionárias e controvertidas tecnologias já desenvolvidas. Sua principal força é 
conferir ao homem o poder de transformar, em laboratório, as características dos seres vivos, 
principalmente animais e vegetais, a partir da identificação, isolamento e clonagem de genes. 
Dadas suas inúmeras possibilidades, desde sua descoberta, a engenharia genética vem sendo 
utilizada em larga escala como força produtiva em várias atividades econômicas, particularmente 
na indústria farmacêutica, química, alimentícia, assim como na agropecuária, entre outros. Entre 
as utilizações mais polêmicas, mencionamos as processadas na agropecuária, especialmente as 
associadas às mudanças genéticas de plantas e de animais, por possibilitarem a criação de 
novas espécies com características não encontradas na natureza, tais como plantas mais 
resistentes às intempéries, a certos tipos de pragas e doenças, plantas e animais mais produtivos 
etc. 
Além disso, o uso da engenharia genética viabilizou um maior número de safras anuais e de crias 
por animal reprodutor, multiplicando a produtividade do setor. Propiciou, assim, a diminuição do 
ciclo biológico vegetal e animal, ou seja, a diminuição do tempo de produção, até então sempre 
muito superior ao tempo de trabalho aplicado. Dado que, quanto menor a diferença entre tempo 
de produção e tempo de trabalho, maior a taxa de lucro, conforme observado, o uso da 
engenharia genética tem propiciado um aumento exponencial das taxas de lucro na agropecuária. 
Desde então, acirra-se sobremaneira a inserção da lógica industrial ao ciclo biológico animal e 
vegetal, a qual se torna cada vez mais atrativa para conglomerados nacionais e multinacionais. 
Como é notório, o modo de produção vigente tem como uma de suas principais características a 
produção de mercadorias destinadas ao mercado, no qual se realiza o valor de troca destas, via 
mediação da mercadoria dinheiro. O que queremos destacar aqui é que a oficialização do 
pagamento de royalties é mais uma batalha ganha pelas multinacionais hegemônicas do modelo 
empresarial de agricultura, via patenteamento das sementes geneticamente modificadas, as 
sementes transgênicas. 
Desse modo, as sementes, de patrimônio da humanidade, se transformaram em mercadoria, pois 
são patenteáveis como outra mercadoria qualquer, tornando-se exclusividade de poucas 
empresas, seja quanto a sua produção, seja quanto a sua comercialização. Isto aumenta ainda 
mais a dependência dos produtores agrícolas, que, além de ter de recorrer anualmente ao 
mercado extremamente oligopolizado para a aquisição desse insumo imprescindível à agricultura, 
já que as sementes transgênicas são estéreis, têm agora de pagar royalties pela utilização 
destas. 
Com o patenteamento e pagamento de royalties pelo uso dos transgênicos, alguns grandes 
grupos completaram o domínio do pacote tecnológico imposto à agropecuária. As holdings 
multinacionais associadas ao agronegócio estão entre as líderes em pesquisa biotecnológica, 
evidenciada como uma nova fronteira para a concentração econômica e de poder. No Brasil, a 
luta pelo pagamento dos royalties pelas sementes modificadas tem alguns anos, vencida agora 
pela Monsanto, concretizada pelo acordo firmado entre a multinacional e os produtores gaúchos. 
Na nossa opinião, as polêmicas em relação aos transgênicos deverão se multiplicar nos próximos 
anos, porquanto os usos da engenharia genética estão somente numa fase preliminar de suas 
potencialidades. A dimensão do problema é ainda maior quando lembramos a unanimidade entre 
os pesquisadores do setor ao afirmarem que a exploração dos recursos biológicos deverá 
constituir-se num dos principais vetores de crescimento econômico no século XXI. 
Vale lembrar que a quase totalidade do material genético usado como matéria-prima para as 
pesquisas biotecnológicas, da qual a engenharia genética é a parte mais moderna, está nos 
países da Ásia, África e América Latina, sendo a Amazônia um dos principais centros de 
biodiversidade do mundo. Isto explica, em parte, por que os Estados Unidos se recusaram a 
assinar o Tratado da Biodiversidade, na Eco-92, ocorrida no Estado do Rio de Janeiro. 
 
 
Arranjos Territoriais Produtivos Agrícolas 
A reestruturação da agropecuária brasileira processou-se de forma socialmente excludente e 
espacialmente seletiva, mantendo intocáveis algumas estruturas sociais, territoriais e políticas 
incompatíveis com os fundamentos do desenvolvimento. Isso significa que privilegiou 
determinados segmentos sociais, econômicos e os espaços mais rapidamente suscetíveis de 
uma reestruturação sustentada pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da 
produção e consumo. 
 
Acirrou-se a expansão das relações capitalistas de produção no campo, conduzida de forma 
extremamente prejudicial à maioria da população rural, à organização do território e ao meio 
ambiente. Desse modo, promoveu um crescimento econômico cada vez mais desigual, gerador 
de desequilíbrios, exclusão e pobreza, e acentuou as históricas desigualdades socioeconômicas 
e territoriais brasileiras. 
No período técnico-científico-informacional, a divisão territorial do trabalho agropecuário se 
redefine. As regiões Sudeste e Sul foram as mais intensamente atingidas pelos processos de 
modernização em geral e formam, no dizer de Milton Santos (1986a), a Região Concentrada. É 
nessa região que o espaço agrícola recebeu mais fixos, tornando mais complexos os sistemas de 
objetos e mais intensos os fluxos de commodities, capital financeiro e informação especializada, 
entre outros, renovando permanentemente o território. 
É a Região Concentrada que, desde o início da reestruturação da agropecuária, se adapta 
progressiva e eficientemente aos interesses do capital hegemônico, reconstituindo-se à imagem 
do presente técnico-científico-informacional e transformando-se na área com maior expansão da 
agricultura científica e do agronegócio. 
A Região Concentrada é a mais mecanizada para a produção agropecuária moderna e aquela 
onde o meio técnico-científico-informacional se dá como contigüidade (Santos, 1993). Expandida 
com maior dinamismo e complexidade, possui a maior composição técnica e orgânica do espaço 
agrícola, constituída com o conjunto técnico inerente ao novo ciclo de expansão capitalista. É 
também na Região Concentrada que se encontra o maior número de empresas agropecuárias e 
agroindustriais hegemônicas do setor. 
No entanto, nem mesmo a Região Concentrada se apresenta homogênea. O Estado de São 
Paulo é o núcleo do padrão agrário moderno (Muller, 1989). Mas também neste Estado a 
reestruturação produtiva da agropecuária não se processa de forma homogênea, tanto que 
algumas áreas são mais intensamente beneficiadas pelas inovações. É o caso da região de 
Ribeirão Preto, a nordeste do Estado, um dos principais exemplos do Brasil agrícola 
moderno (Elias, 1996, 1997, 2003a), na qual se formaram os CAIs da cana-de-açúcar e da 
laranja. 
Em difusão do agronegócio e da reorganização do espaço agrícola, após a Região Concentrada, 
vem a Centro-Oeste. Considerando a divisão territorial do trabalho agropecuário resultantedo 
processo de reestruturação produtiva do setor, podemos distinguir, ainda, outras duas regiões: a 
Amazônia, que compõe a fronteira agrícola, incorporada mais recentemente e de forma parcial à 
modernização, e a região Nordeste, que permaneceu como a área mais resistente às 
transformações no conjunto de sua agropecuária. Entretanto, se o meio técnico-científico-
informacional se dá como contigüidade nos espaços agrícolas da Região Concentrada e em parte 
do Centro-Oeste, ele aparece como manchas e pontos nestas outras regiões. 
Alguns autores (Delgado,1985; Sorj, 1980; Graziano da Silva, 1982), quando analisam as 
transformações da agropecuária brasileira, apresentam a região Nordeste como um subsetor 
arcaico da agropecuária no país, baseada numa estrutura fundiária extremamente concentrada, 
na grande propriedade e na pequena exploração; no uso extensivo da terra e da mão-de-obra; na 
baixa capitalização, tanto por trabalhador quanto por unidade de área, com a predominância de 
não-assalariados e semi-assalariados, sujeitos a várias formas de dependência, com alta 
utilização por unidade de produto e baixo grau de integração técnica com os setores industriais 
componentes dos complexos agroindustriais. 
Gostaríamos de destacar, no entanto, que tais estudos foram realizados antes das novas 
dinâmicas socioeconômicas em processo e não puderam, portanto, considerá-las para 
análise. Não são poucos os autores segundo os quais, hoje, não existe apenas um Nordeste, 
mas vários, com profundas diferenciações entre si, como já mostraram, entre outros, Gilberto 
Freire, Djacir de Meneses (1995), Manuel Correia de Andrade (1980), Mário Lacerda de Melo 
(1978) e, mais recentemente, Tânia Bacelar de Araújo (1997, 1999, 2000). Com o processo de 
reestruturação econômica e territorial das últimas décadas reforça-se a realidade dialética, 
denotando-se alguns subespaços dinâmicos, conforme esta última autora. 
Se até a década de 1980, o conjunto da agropecuária nordestina permaneceu quase inalterado, a 
partir de então, se vislumbra a ocupação de novas fronteiras pelo agronegócio globalizado, 
tomando alguns lugares específicos dessa região, que passam a receber vultosos investimentos 
de algumas importantes empresas do setor, difundindo-se a agricultura científica e o agronegócio. 
Nesse contexto, o semi-árido, notadamente alguns de seus vales úmidos, assim como os 
cerrados nordestinos, que até então compunham o exército de lugares de reserva (Santos, 1993) 
para o agronegócio, tornam-se atrativos e são incorporados aos circuitos produtivos globalizados 
de empresas nacionais e multinacionais hegemônicas do setor. Isto significa que tais áreas 
assumem novos papéis na divisão internacional do trabalho agrícola. 
Consoante temos defendido (Elias, 2001, 2002ab, 2003b), hoje existe no Nordeste, assim como 
de resto em todo o país, uma dicotomia entre uma agricultura tradicional e uma agricultura 
científica, apresentando-se esta em algumas partes bem delimitadas do território nordestino, 
constituindo verdadeiros pontos luminosos (Santos, 2000) em pleno semi-árido, especialmente 
em alguns de seus vales úmidos (submédio São Francisco e baixo curso dos rios Açu e 
Jaguaribe), assim como nos seus cerrados, particularmente no oeste da Bahia, no sul do 
Maranhão e no sul do Piauí. 
Nas últimas duas décadas, estes espaços agrícolas do Nordeste vêm sendo afetados pela 
intensificação das relações de produção tipicamente capitalistas. Isso significa que as 
transformações da agropecuária se dão de forma seletiva, e atingem intensamente algumas 
áreas, as quais se especializam em determinadas culturas, corroborando para o avanço do 
capitalismo no campo. 
Ainda nos anos 1980, o submédio do rio São Francisco foi o primeiro a viver esse processo de 
difusão da agricultura científica e do agronegócio e hoje possui importante região produtora de 
frutas, voltadas especialmente para a exportação, notadamente seu trecho polarizado pelos 
municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Da mesma forma, o oeste da Bahia, polarizado pelo 
município de Barreiras, foi a primeira área do Nordeste a se associar aos processos de difusão da 
produção intensiva de soja. Nestas áreas são visíveis as reestruturações da produção, do 
território, com inúmeras conseqüências sobre os elementos sociais e técnicos da estrutura 
agrária. 
Em meados da mesma década, a produção intensiva de frutas tropicais passou a ocupar o baixo 
curso do rio Açu, no Rio Grande do Norte, polarizada pelo município de Açu. Praticamente no 
mesmo período, a produção intensiva de frutas tropicais ocupa o baixo curso do rio Jaguaribe, no 
Ceará, região polarizada pelo município de Limoeiro do Norte. No final da década de 1980 e início 
dos anos 1990, o agronegócio globalizado passou a ocupar outras áreas do exército de lugares 
de reserva no Nordeste. Destacaríamos o sul dos Estados do Maranhão e do Piauí, que sofre 
uma ocupação intensiva pela produção de grãos, especialmente a soja. Todas estas áreas 
passam, desde então, por importantes transformações socioespaciais. 
A difusão da agricultura científica e do agronegócio pelas diferentes regiões do Brasil, com a 
territorialização do capital no espaço agrícola brasileiro, inclusive de destacadas multinacionais, 
passa a dominar parte significativa da produção, da comercialização, da difusão de um pacote 
tecnológico e, em alguns casos, do próprio “financiamento” da produção, como no caso da soja, 
uma vez que as mais poderosas esmagadoras (Bunge e Cargill) adiantam o pagamento da 
compra da colheita na época do plantio. 
Entre os resultados destes processos, ocorre o acirramento da dialética na organização do 
espaço agrícola brasileiro. Formam-se vários diferentes arranjos territoriais produtivos, a culminar 
num espaço agrícola extremamente fragmentado. A fragmentação dos espaços agrícolas 
aumenta a diferenciação na lógica de sua organização, na qual denota-se a seletividade de 
distribuição das políticas públicas e dos sistemas de objetos. Desse modo, reforçam-se as 
diferenças, cada vez mais complexas e devastadoras. Isto significa que os lugares escolhidos 
para receber investimentos transformam-se em pontos de modernização da economia e do 
território enquanto todo o restante fica à margem desse processo. Intensifica-se, portanto, a 
existência de grandes diferenciações do espaço agrícola, que apresenta distintas densidades 
técnicas e normativas. 
Grosso modo, há duas lógicas principais na organização do espaço agrícola brasileiro: uma 
conservadora, que ainda funciona fortemente alicerçada nas especificidades das condições 
naturais e dos ciclos biológicos das plantas e dos animais; e outra modernizadora, que articula a 
escala local com a internacional, organizando o espaço a partir de imposições de caráter 
ideológico e de mercado. A nosso ver, é possível, a partir das novas dinâmicas hegemônicas 
difundidas por vários lugares até então de reserva para o agronegócio, detalhar alguns dos 
elementos para análise deste espaço agrícola fragmentado. Tal fragmentação é muito mais 
devastadora do que as preexistentes, em virtude de acirrarem a refuncionalização do espaço 
agrícola brasileiro como um todo, e se difundirem especializações territoriais produtivas, 
denotando-se inúmeras seletividades, seja da organização da produção, seja da dinâmica do 
próprio espaço agrícola, a resultar numa nova divisão territorial do trabalho agropecuário. 
Devemos, porém, ressaltar a existência de vários circuitos produtivos associados à economia 
agrícola, assim como inúmeras superposições particulares de divisões territoriais do trabalho. 
Enquanto cada produção agropecuária ou agroindustrial estabelece um conjunto específico de 
circuitos espaciais de produção de diferentes naturezas e magnitudes, formam-se diferentes 
arranjos territoriais produtivos, os quais se sobrepõem, muitas vezes. Entreos agentes sociais ou 
econômicos associados à agropecuária que promovem circuitos produtivos com características 
específicas e produzem diferentes arranjos territoriais, poderíamos citar pelo menos quatro 
principais. 
Um primeiro associa-se à agricultura familiar, à agricultura camponesa, não integrada ao 
agronegócio, que vive da agricultura de subsistência ou da produção simples de mercadorias e 
que, apesar da difusão do capitalismo no campo, continua a se reproduzir, conforme já provaram 
alguns estudos, como os de Oliveira (1997) e Martins (1990). Um segundo grupo seria o 
composto pela pequena produção integrada ao agronegócio, o qual, a despeito de suas 
especificidades, pode ser observado em vários segmentos do agronegócio, como na produção de 
frutas nos vales úmidos da região Nordeste (Petrolina/Juazeiro - PE/Ba, baixo Açu - RN e baixo 
Jaguaribe – CE), na avicultura no Sul e Centro-Oeste, no fumo no Sul etc. 
Os médios e grandes empresários agrícolas, integrados ou não à agroindústria, comporiam um 
terceiro grupo. Entre os empresários integrados, o caso da soja nos cerrados e o da laranja no 
Estado de São Paulo são exemplos notórios. Nestas duas situações, o principal elo de 
dependência entre empresários e agroindústria dá-se pelo adiantamento de capital promovido 
pelas agroindústrias por ocasião da compra antecipada da colheita. Ou seja, as agroindústrias 
adiantam o capital da aquisição da matéria-prima em fases do ciclo produtivo anteriores à 
colheita. Assim, funcionam, por vezes, como substitutas das instituições financeiras no 
fornecimento de capital de custeio. Com a compra antecipada da produção, praticamente tornam 
os empresários agrícolas, aos quais chamam de “clientes”, seus fornecedores exclusivos. 
Em face de determinados sistemas agroindustriais, parece-nos que este tipo de relação entre 
produtores agrícolas e agroindústria tem contribuído para a acumulação de capital também entre 
os primeiros. Neste particular, o setor de suco concentrado de laranja mostra-se um caso 
exemplar. Por ocasião do início da atividade no Brasil, em meados da década de 1960, quando 
se deu a instalação da primeira agroindústria de suco concentrado de laranja de grande porte 
(Citrosuco), na região de Ribeirão Preto (SP), era recorrente o uso de tal forma de negociação da 
compra e pagamento da produção por ocasião da florada dos pomares. 
Embora o sistema agroindustrial associado à citricultura passe por uma reestruturação desde 
meados da década de 1990, e já apresente como resultado um processo de concentração, 
tornando inviável a permanência de vários pequenos e médios citricultores neste ramo do 
agronegócio, o processo de adiantamento de capital por ocasião da estimativa da safra 
efetivamente possibilitou a muitos pequenos agricultores se transformarem em empresários 
agrícolas. Estes são signos, entre tantas outras coisas, da formação de uma classe média 
agrícola, cuja residência passa a ser a cidade local próxima ao espaço agrícola no qual realiza 
sua atividade produtiva, na grande parte das vezes em cidades que estamos classificando 
de cidades do agronegócio. 
Um quarto segmento seria formado pelas grandes holdings que dominam parte significativa dos 
segmentos da cadeia produtiva de determinados sistemas agroindustriais, do plantio ao 
processamento agroindustrial, como ocorre no sistema agroindustrial sucroalcooleiro, entre os 
mais concentrados no Brasil. A difusão da estrutura monopolista e oligopolista de mercado 
propiciou tanto a centralização de capitais como a acumulação de capitais de magnitude superior. 
Entre os fatores preponderantes para o processo de concentração verificado no sistema 
agroindustrial sucroalcooleiro encontra-se a existência de vultosas quantias de crédito, 
especialmente na década de 1970, que ganhou novos contornos com a promulgação do 
Proálcool, em 1975. Esta acumulação ampliada de capital proporcionou a concentração da 
riqueza nas mãos de empresas capitalistas que cresceram significativamente, e possibilitaram a 
produção em larga escala, associada ao circuito superior da economia. Desse modo, tornaram 
mais complexos os circuitos espaciais de produção e os círculos de cooperação das atividades 
econômicas por elas desenvolvidas. 
O domínio das duas principais holginds associadas ao setor sucroalcooleiro estende-se da posse 
da terra para a produção de matéria-prima até a fabricação do maquinário para sua 
transformação industrial. Conforme observado, as horizontalidades e verticalidades construídas a 
partir das demandas do principal grupo do setor, localizado na região de Ribeirão Preto (SP), 
foram capazes de promover a urbanização e o crescimento urbano de algumas cidades da 
região, como Sertãozinho. 
Outros agentes cuja produção resultam em circuitos produtivos agrícolas significativos para a 
reorganização do espaço agrícola e urbano no Brasil poderiam ainda ser lembrados. Mas, ante a 
complexidade e as especificidades dos diferentes sistemas agroindustriais atuantes no país, a 
nosso ver o importante é destacar que, a partir da dialética na organização dos espaços agrícolas 
incorporados à produção agropecuária intensiva e utilizando para análise a categoria dos circuitos 
espaciais da produção proposta por Santos (1986b, 1988), é possível vislumbrar vários circuitos 
produtivos associados à economia agrícola, a compor diferentes arranjos territoriais produtivos, 
cada qual com sua especificidade no tocante às relações de produção, às formas de 
armazenamento e transporte, às relações com o mercado etc. 
Entre estes arranjos territoriais produtivos, alguns compõem pontos das redes de fluxos rápidos, 
que conectam as áreas com a qual interagem diretamente com os centros de poder em nível 
mundial, ou seja, a escala local está articulada com a internacional. Desse modo, organiza-se o 
território a partir de imposições de caráter ideológico e de mercado. Estes comporiam o circuito 
superior da economia agrícola brasileira, os pontos luminosos do espaço agrícola brasileiro, no 
tocante à agricultura científica. Além disso, enfatizamos, o circuito superior da economia agrícola 
só se realiza em uníssono com as cidades, próximas e distantes, e incrementa a economia 
urbana e a urbanização, resultando num tipo específico de cidade que estamos classificando 
de cidade do agronegócio. 
Pela diversidade dos sistemas agroindustriais existentes no Brasil, na nossa opinião, 
compreender os fixos e os fluxos, os sistemas de objetos e os sistemas de ação das principais 
empresas territorializadas nos pontos luminosos do espaço agrícola brasileiro principalmente as 
associadas ao circuito superior da economia, e, ao mesmo tempo, compreender seus circuitos 
espaciais de produção e seus círculos de cooperação é um exercício de análise. Tal exercício 
poderá nos permitir a síntese das estratégias de ação dos grandes conglomerados e das 
empresas agrícolas em geral que atuam no agronegócio, assim como do território resultante 
destes processos, ou seja, das novas especializações produtivas inerentes ao agronegócio, que 
culminam nos diferentes arranjos territoriais produtivos. 
Conforme acreditamos, o estudo da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, que 
culmina com a racionalização do espaço agrícola, com a expansão do meio técnico-científico-
informacional no campo, nos ajuda a revelar tanto inúmeras redefinições regionais ocorridas no 
Brasil nas últimas décadas, como parte da dinâmica, formação e crescimento de várias das 
cidades locais e algumas das cidades médias hoje existentes no país, especialmente no Brasil 
agrícola com áreas urbanas (Santos, 1993), as quais estamos aqui denominando de cidades do 
agronegócio. 
 
As Cidades do Agronegócio 
No Brasil, a territorialização do capital e a oligopolização do espaço agrícola têm promovido 
profundos impactos socioespaciais, quer no campo quer nascidades. Isto explica em parte a 
reestruturação do território e a organização de um novo sistema urbano, muito mais complexo, 
resultado da difusão da agricultura científica e do agronegócio globalizados, que têm poder de 
impor especializações produtivas ao território. 
É possível identificar várias áreas nas quais a urbanização se deve diretamente à consecução do 
agronegócio globalizado. Como é notório, a modernização e expansão destas atividades 
promovem o processo de urbanização e de crescimento das áreas urbanas, cujos vínculos 
principais se devem às inter-relações cada vez maiores entre campo e cidade. Estas se 
desenvolvem atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes e dependem, em 
graus diversos, dessas atividades, cuja produção e consumo se dão de forma globalizada. 
Representam um papel fundamental para a expansão da urbanização e para o crescimento de 
cidades intermediárias e locais, fortalecendo-as, seja em termos demográficos ou econômicos. 
Os elementos estruturantes destas novas relações são encontrados na expansão das novas 
relações de trabalho agropecuário, promovendo o êxodo rural (migração ascendente) e 
a migração descendente (Santos, 1993) de profissionais especializados no agronegócio; na 
difusão do consumo produtivo agrícola (Santos, 1988; Elias, 2003ab). Ao mesmo tempo, 
dinamizam o terciário e, conseqüentemente, a economia urbana, e evidenciam que é na cidade 
que se realiza a regulação, a gestão e a normatização das transformações verificadas nos pontos 
luminosos do espaço agrícola. A racionalização deste espaço imposta pela difusão do 
agronegócio e da agricultura científica deriva do modelo de produção e consumo agropecuário 
estandardizado de alimentos. 
Este resulta na formação de redes de produção agropecuária globalizadas que associam: 
empresas agropecuárias, fornecedores de insumos químicos e implementos mecânicos, 
laboratórios de pesquisa biotecnológica, prestadores de serviços, agroindústrias, empresas de 
distribuição comercial, empresas de pesquisa agropecuária, empresas de marketing, cadeias de 
supermercados, empresas de fast food etc. Como resultado temos a intensificação da divisão do 
trabalho, das trocas intersetoriais, da especialização da produção e a formação de diferentes 
arranjos territoriais produtivos agrícolas, assim como na reestruturação das cidades nas suas 
adjacências, a mostrar o aprofundamento da territorialização do capital no campo e da 
monopolização do espaço agrícola. 
Conforme defendemos, é possível identificar no Brasil agrícola moderno (Elias, 1996,1997, 
2003ab, 2005ab, 2006) vários municípios cuja urbanização se deve diretamente à consecução e 
expansão do agronegócio, e formam-se cidades cuja função principal claramente se associa às 
demandas produtivas dos setores relacionados à modernização da agricultura. Como observado, 
nestas cidades se realiza a materialização das condições gerais de reprodução do capital do 
agronegócio. 
No período técnico-científico-informacional, as cidades do agronegócio se multiplicam no país e 
passam a desempenhar muitas novas funções. Transformam-se, então, em lugares de todas as 
formas de cooperação erigidas pelo agronegócio globalizado, e resultam em muitas novas 
territorialidades. Se a cidade é a materialização das condições gerais de reprodução do capital 
(Carlos, 2004), a cidade do agronegócio é aquela cujas funções de atendimento às demandas do 
agronegócio globalizado são hegemônicas sobre as demais funções. 
Segundo Santos (1994), a adição de produtos químicos, a utilização da biotecnologia, o uso 
intensivo de máquinas agrícolas, entre outros, além de mudar a composição técnica e orgânica 
da terra, fizeram expandir no campo o meio técnico-científico-informacional, o que explica em 
parte a interiorização da urbanização, pois afora o fenômeno da fábrica moderna dispersa dá-se 
também o fenômeno da fazenda moderna dispersa(Santos, 1993). 
Associados à consecução do agronegócio globalizado, originaram-se intensos movimentos de 
êxodo rural, fator determinante para a compreensão do processo de urbanização acelerada e 
caótica em curso no Brasil nos últimos quarenta anos. Este processo acarretou profunda crise 
urbana hoje extensiva a brasileiros de todas as partes do país, fazendo eclodir, desde a década 
de 1980, inúmeros movimentos sociais, tanto no campo como na cidade. Destes, destacamos o 
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) como o movimento social mais importante 
e organizado de toda a história do país [2] . 
Paralelamente à difusão da agricultura científica e do agronegócio, processou-se um crescimento 
de áreas urbanizadas também no campo, notadamente nas áreas que se modernizam, 
porquanto, entre outras coisas, a gestão da agropecuária moderna necessita da sociabilidade e 
dos espaços urbanos. Tal fato colabora para o Brasil chegar ao século XXI com uma 
generalização do fenômeno da urbanização da sociedade e do território. Os antigos esquemas 
utilizados para classificar a sua rede urbana, as divisões regionais, as regiões metropolitanas, até 
hoje empregados pelos institutos oficiais de pesquisa do país, estão, em parte, já bastante 
ultrapassados. Requerem, portanto, urgente revisão, capaz de dar conta da complexidade e da 
dinâmica da realidade atual. 
Ao lado da metropolização, principal característica da urbanização brasileira nas décadas de 
1960 e 1970, Milton Santos (1993) adverte para o fato de, o Brasil ter passado por 
verdadeira revolução urbana, a partir da década de 1980, com a expansão do fenômeno 
da involução metropolitana, quando crescem também as cidades médias e locais. Daí 
concordarmos com sua afirmação de ser impossível continuar simplesmente dividindo o Brasil 
entre urbano e rural. Para ele, uma divisão entre um Brasil urbano com áreas agrícolas e 
um Brasil agrícola com áreas urbanas refletiria melhor a realidade contemporânea do país. 
Uma das conseqüências da reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil é o processo 
acelerado de urbanização e crescimento urbano, promovidos, entre outros, pelas novas relações 
entre o campo e a cidade, desencadeadas pelas novas necessidades do consumo produtivo, o 
qual cresce mais rapidamente do que o consumo consumptivo. Isto denota o que Santos (1988b, 
1992, 1993, 1994, 1996, 2000) chamou de cidade do campo, conceito que utilizamos por cerca de 
uma década (Elias, 1996, 1997, 2003ab, 2005ab), embora atualmente prefiramos substituí-lo pelo 
de cidade do agronegócio (Elias, 2006). 
Sem dúvida, o impacto de todas essas transformações técnicas, econômicas e sociais na 
dinâmica populacional e na estrutura demográfica foi intenso. Concomitantemente a uma 
verdadeira revolução tecnológica da produção agropecuária e agroindustrial, às transformações 
nas relações de trabalho, ocorreu uma revolução demográfica e urbana, marcada por grande 
crescimento populacional, particularmente urbano. Dessa forma, o Brasil tem apresentado 
acelerado processo de urbanização e notável crescimento urbano. 
Como observado, uma das características do processo de modernização das atividades 
agropecuárias no Brasil é o desenvolvimento de uma gama muito extensa de novas relações 
entre o campo e as cidades. Isto se deve à crescente integração dessas atividades ao circuito da 
economia urbana. 
Tal situação se dá tanto pelo fato de seus produtos serem cada vez mais entregues aos 
mercados urbanos para serem processados e consumidos como, principalmente, porque a 
agropecuária moderna tem o poder de impor especializações territoriais cada vez mais profundas. 
As demandas das produções agrícolas e agroindustriais intensivas têm o poder de adaptar as 
cidades próximas às suas principais demandas, convertendo-as no seu laboratório, em virtude de 
fornecerem a grande maioria dos aportes técnicos, financeiros, jurídicos, de mão-de-obra e de 
todos os demais produtos e serviçosnecessários à sua realização. Quanto mais modernas se 
tornam essas atividades, mais urbana se torna a sua regulação. 
A cada renovação das forças produtivas agrícolas e agroindustriais, a cada renovação dos 
sistemas técnicos agrícolas e dos sistemas de ação que lhe dão suporte, as cidades das áreas 
adjacentes aos espaços agrícolas de produção intensiva se tornam responsáveis pelas 
demandas crescentes de uma série de novos produtos e serviços, das sementes transgênicas à 
mão-de-obra especializada. Isto faz crescer a urbanização, o tamanho e o número das cidades do 
agronegócio. 
As casas de comércio de implementos agrícolas, sementes, grãos, fertilizantes; os escritórios de 
marketing, de consultoria contábil; os centros de pesquisa biotecnológica; as empresas de 
assistência técnica, de transportes; os serviços do especialista em engenharia genética, 
veterinária, administração, meteorologia, agronomia, economia, administração pública, entre 
tantas outras coisas, difundem-se por todas as partes do Brasil agrícola moderno (Elias, 1996, 
1997, 2003ab). 
Com isso, a modernização agropecuária não apenas ampliou e reorganizou a produção material, 
agrícola e industrial, como foi determinante para a expansão quantitativa e qualitativa da 
produção não-material, aumentando a terciarização das economias próximas às áreas de 
realização do agronegócio, especialmente os ramos associados ao circuito superior da economia. 
O resultado é uma grande metamorfose e crescimento da economia urbana das cidades próximas 
das produções agropecuárias modernas, paralelamente ao desenvolvimento de um novo patamar 
das relações entre cidade e campo, vislumbrável nos diferentes circuitos espaciais de produção e 
círculos de cooperação estabelecidos entre esses dois espaços. O crescimento da produção não-
material se deve ainda ao crescimento populacional e à revolução do consumo, esta última 
erigida sob os auspícios do consumo de massa, que impõe numerosas necessidades 
aparentemente naturais associadas à existência individual e das famílias. 
Nas condições brasileiras, existem vários exemplos segundo os quais os lugares que mais 
rapidamente respondem aos apelos de uma produção científica estão entre os que mais fizeram 
surgir inúmeras atividades não classificáveis entre as mais tradicionais atividades econômicas, 
particularmente do terciário. Nessas áreas, para melhor entender a urbanização, temos de nos 
preocupar com a existência das novas atividades comerciais e de serviços, nem sempre 
disponíveis em forma de estatísticas, mas fundamentais para o reconhecimento da realidade 
contemporânea. 
Os anos 1970 foram de radicais transformações para inúmeras atividades terciárias, com a 
instalação de muitos novos fixos e, conseqüentemente, a constituição de muitos novos fluxos, de 
matéria e de informação, seja intra-urbanos, interurbanos ou entre a cidade e o campo. A 
intensificação e a especialização da produção aumentam as trocas, da mesma forma que as 
possibilidades de fluxos. Isto promove maior integração do território nacional. 
Com a fluidez possível graças à construção dos modernos sistemas de engenharia dos 
transportes e das comunicações, intensificam-se as trocas de toda natureza, com grandes 
impactos na vida social e no território, reformulando o sistema urbano antigo. A expansão dos 
complexos agroindustriais não apenas repercutiu na estrutura técnica das suas respectivas 
atividades econômicas como causou profundos impactos nas relações de trabalho, transformando 
o conjunto de normas e padrões que regulavam tais relações. Como resultado, ocorre uma nova 
divisão social e territorial do trabalho, com grandes impactos na estrutura demográfica e do 
emprego, que culminam com acelerado processo de urbanização. 
O aprofundamento da divisão social e territorial do trabalho agrícola, possível a partir das 
condições de instantaneidade e de simultaneidade (Santos, 1996, 2000), verificadas com a 
revolução tecnológica, induziu à transformação das relações entre as cidades, e aumentou as 
diferenças entre elas, as quais se tornam cada vez mais distintas umas das outras, a despeito de 
existirem inúmeras características similares, decorrentes do processo uníssono que as rege. 
Em virtude de se organizarem para atender às demandas das atividades econômicas, o resultado 
é uma total remodelação do território e a organização de um novo sistema urbano, hoje muito 
mais complexo do que há trinta anos, com uma veloz e incessante substituição do meio natural e 
do meio técnico pelo meio técnico-científico-informacional. Cada vez que o território brasileiro é 
reelaborado para atender à produção dos complexos agroindustriais, novos fixos artificiais se 
sobrepõem à natureza, e, desse modo, amplia-se a complexidade dos seus sistemas técnicos. 
Diante disto, o território torna-se cada vez mais rígido, mais rugoso, promovendo umaurbanização 
corporativa (Santos,1993; Elias, 1996), ou seja, empreendida sob o comando dos interesses das 
grandes firmas. Dessa forma o conhecimento do processo de expansão do meio técnico-
científico-informacional no campo parece ser, a partir da análise do fenômeno espacial, uma das 
vias de reconhecimento da sociedade e do território brasileiros atuais. 
Nas áreas mais modernas do Brasil agrícola (Santos,1993) é intenso o desenvolvimento de áreas 
urbanas cujos nexos essenciais se devem às inter-relações cada vez maiores criadas no contexto 
da globalização da produção e do consumo de produtos agrícolas e agroindustriais. A 
modernização da atividade agrícola e agroindustrial, em especial, redefine o consumo do campo, 
que deixou de ser apenas consumptivo para se tornar cada vez mais produtivo, e criou demandas 
até então inexistentes, ampliando o processo de urbanização. 
As cidades do agronegócio do Brasil agrícola moderno (Elias, 1996, 1997, 2003ab) têm-se 
desenvolvido atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes e dependem, em 
graus diversos, dessas atividades, cuja produção e consumo se dão, em grande parte, de forma 
globalizada. No período técnico-científico-informacional as cidades se multiplicaram no país e 
passaram a desempenhar muitas novas funções, transformando-se em lugares de todas as 
formas de cooperação erigidas pela produção agrícola e industrial, associadas aos complexos 
agroindustriais. 
Não é apenas a cidade que tem força para receber e emitir numerosos e variados fluxos. Hoje, 
muitas das atividades realizadas no campo são não necessariamente agrícolas, mas industriais, 
visto que uma parte considerável das agroindústrias se localiza no campo, junto à produção de 
suas matérias-primas. Essas agroindústrias têm o poder de criar muitas novas relações, próximas 
e distantes, cujos circuitos espaciais da produção e círculos de cooperação (Santos, 1986, 
1988) buscam nexos distantes. Conseqüentemente, criam uma gama de novas relações sobre o 
território, transformam radicalmente as tradicionais relações campo-cidade, e fazem com que 
esses dois espaços passem a emitir e a receber larga quantidade de fluxos de matéria e de 
informação. O resultado é uma total reorganização do território brasileiro, urbano e agrícola, onde 
se destaca a expansão do meio técnico-científico-informacional não só nas cidades, mas também 
no campo. 
Tudo isso fez da urbanização um fenômeno bastante complexo, dada a multiplicidade de 
variáveis que nela passam a interferir, como, por exemplo, a modernização agropecuária 
associada ao setor industrial, com a conseqüente especialização dessas produções; o 
crescimento da produção não-material, seja associada ao consumo produtivo ou ao consumo 
consumptivo; o aumento da quantidade e da qualidade de trabalho intelectual; o intenso processo 
de êxodo rural; a existência do agrícola não-rural; a migração descendente etc. Tudo isso torna 
inviável considerar apenas as antigas relações cidade-campo, poisaté mesmo o urbano é 
diferente do que era trinta anos atrás. Quanto mais se aprofunda a divisão do trabalho agrícola, 
mais intenso e complexo se torna o processo de urbanização. 
Em todo o Brasil agrícola com áreas urbanas é possível a existência de cidades facilmente 
identificáveis como cidades do agronegócio: Rio Verde (GO); Sorriso, Primavera do Leste e 
Rondonópolis (MT); Sertãozinho, Matão e Bebedouro (SP); Petrolina (PE); Limoeiro do Norte 
(CE); Balsas (MA); Uruçuí (PI); Barreiras e Luís Eduardo Magalhães (BA), entre outras. Em todas 
é visível a desestruturação da formação socioespacial anterior e a promoção de novas dinâmicas 
territoriais, políticas, sociais e culturais. 
Considerações finais 
No início de um novo milênio, vive-se uma quebra dos principais paradigmas da relação homem-
natureza e reforçam-se os questionamentos sobre a viabilidade do modelo de agricultura adotado 
no Brasil com o advento da globalização. Nenhum outro modelo promoveu tanta pobreza, 
desigualdades e degradação ambiental em tão pouco tempo; nenhum provocou uma crise de 
tantas magnitudes, no campo e nas cidades, a evidenciar a associação entre crescimento 
econômico e deterioração da situação social e ambiental, com o agravamento das contradições. 
As transformações da produção agropecuária e do espaço agrícola brasileiros se processaram de 
forma socialmente e espacialmente seletivas, ao preço de pesados custos sociais e que só 
vingou pelo amplo amparo do Estado, o qual manteve intocável algumas estruturas sociais, 
territoriais e políticas incompatíveis com os fundamentos do crescimento econômico voltado para 
a eqüidade social e territorial, acentuando as históricas desigualdades sociais e territoriais 
brasileiras. 
Com o acirramento da economia globalizada e a reestruturação do sistema produtivo, há uma 
eclosão de movimentos sociais, e criam-se novas solidariedades orgânicas (Santos, 1988, 2000), 
em contraposição aos instrumentos de administração internacional da agropecuária científica 
globalizada. No Brasil, neste sentido, o MST é, indiscutivelmente, a maior referência. 
Na efervescência dos movimentos em prol de uma sociedade mais justa e das discussões sobre 
a implementação de novos modelos gerenciais para a condução da economia brasileira, 
disseminam-se as discussões sobre um modelo alternativo de produção agropecuária. 
Destacaríamos, entre os já amplamente estudados impactos exercidos pelo modelo tecnológico 
adotado na agropecuária sobre o meio ambiente, a erosão genética, que deverá intensificar-se 
com a disputa das multinacionais pela oligopolização da produção e distribuição das sementes 
para a agricultura. 
Para incorporar os excluídos do modelo de modernização em curso, urge o exercício de uma 
política de desenvolvimento agrícola baseada em interesses endógenos, pautados pela 
viabilidade econômica, pela sustentabilidade ecológica, pela qualidade estética e pela igualdade 
social. Além disso, a ideologia do consumo e o neoliberalismo, que impedem a convivência 
realmente solidária, devem ser substituídos pelas noções básicas de eqüidade social e de 
cidadania, só absorvidas mediante mudanças estruturais culturais e sociais, cada vez mais 
indispensáveis à sustentabilidade do desenvolvimento. Caso contrário, todos os programas e 
projetos não passarão de retórica e terão um caráter paliativo, no intuito de arrefecer o 
descontentamento popular. 
A expansão da agricultura científica e do agronegócio, a artificialização da agropecuária, a 
expansão de algumas poucas culturas, a substituição de matas nativas por culturas comerciais, a 
difusão do uso dos transgênicos etc., estão entre os vetores que têm afetado profundamente o 
território brasileiro, com acentuada diminuição de variedades vegetais e animais, com profundos 
impactos nos seus ecossistemas. Resta-nos, diante das questões supracitadas, aprofundar os 
caminhos para construir os elos da sustentabilidade na agropecuária brasileira, em busca de uma 
outra globalização. 
 
Notas 
[1] Não entraremos na celeuma que a utilização do conceito suscita para o caso da agropecuária. Aqui este é entendido como o 
processo que promove transformações nos elementos técnicos e sociais da estrutura agrária. 
 
[2] Sobre este assunto podem ser vistos trabalhos de vários geógrafos, particularmente os de Bernardo Mançano Fernandes. 
 
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Ficha bibliográfica: 
 
ELIAS, D.Globalização e fragmentação do espaço agrícola do Brasil. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias 
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