Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A PEQUENA PRODUÇÃO CAMPONESA SOB O MODO CAPITALISTA DE PRODUÇÃO Everson de Oliveira Santos1 Cirlene Jeane Santos e Santos2 PALAVRAS-CHAVE: Pequena produção. Agroindústria. Tecnologias. Assentamentos rurais. 1 – APRESENTAÇÃO Este trabalho intitulado de “A pequena produção camponesa sob o Modo Capitalista de Produção”, aborda um estudo bibliográfico relacionado à pequena produção camponesa, enfatizando assim, as transformações que ela vem sofrendo mediante o desenvolvimento do capitalismo, tal como a industrialização do campo, as tecnologias, enfim, em termos gerais enfatiza os limites e desafios da unidade de produção camponesa. Inicialmente o trabalho faz uma breve abordagem sobre como se deu o surgimento do campesinato, começando pela “descoberta” do território brasileiro até a formação propriamente dita do campesinato. Um dos grandes aspectos lúdicos desse trabalho consiste no fato de frisar a questão da industrialização do campo, através dos complexos agroindustriais, destacando seus impactos na pequena produção, bem como sua transformação. E mais, frisar os limites da unidade de produção camponesa no que diz respeito ao acesso às tecnologias que vem na esteira do desenvolvimento do capitalismo – vale ressaltar que essas transformações são econômicas, sociais, políticas e culturais. O artigo também traz um enfoque na espacialização dos Projetos de Assentamentos em Alagoas, mais especificamente é dada uma ênfase no Assentamento Dourada localizado no município de Viçosa, nesse assentamento foram identificadas de forma criteriosa a sua organização interna, sua reprodução, a ação do Estado tanto para a criação do assentamento como também sua participação na manutenção e permanência do assentamento, além de trazer um breve arcabouço histórico do assentamento. 1 Graduando em Geografia Licenciatura pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL 2 Prof(a). Ms. do curso de Geografia na Universidade Federal de Alagoas - UFAL 2 – DA DESCOBERTA PORTUGUESA À FORMAÇÃO DO CAMPESINATO NO BRASIL Antes de começar a enfatizar a pequena produção camponesa no Brasil, é necessário fazer uma breve abordagem sobre a formação propriamente dita do campesinato no Brasil, começando assim pelo seu descobrimento. Em meados do século XVI o território brasileiro testemunha o seu “descobrimento” e a sua ocupação, realizado por estrangeiros vindos de Portugal (vale ressaltar que outros países, após o “descobrimento” das terras brasileiras, também vieram se apropriar das terras anteriormente citadas). Foram várias as motivações que possibilitaram e estimularam esse descobrimento, Manuel Correia de Andrade, em seu livro “Questão do território no Brasil”, frisa que “os portugueses lançaram-se na rota marítima, em vista de sua excepcional situação geográfica – situado na porção mais ocidental da Europa – do desenvolvimento da ciência náutica estimulado pela dinastia de Avis que conquistara o poder com o apoio da burguesia comercial, do afluxo de especialistas nas ciências de navegação, e de capitais, vindos de várias partes da Europa, sobretudo da Itália, que foram aplicados no grande empreendimento”. E mais, Andrade ressalta a importância da influência da Revolução comercial nesse processo: Com a revolução Comercial, a Europa estava sequiosa tanto de produtos tropicais como de minerais que estimulavam o movimento comercial, a formação de capitais, a expansão da utilização da força de trabalho e, conseqüentemente, o desenvolvimento urbano e dos transportes. (ANDRADE, pp. 29) Durante as primeiras décadas do século XVI os portugueses demoraram em efetivar sua ocupação no território brasileiro o que provocou um clima de disputa com França, Inglaterra e Holanda. Respondendo a esse risco a que Portugal estava correndo, os próprios portugueses iniciaram o povoamento do território através das Capitanias Hereditárias, para fins de exploração e escravidão dos indígenas que ainda ocupavam boa parte das terras.3 A partir da quarta década, ainda no século XVI “os colonizadores dividiram o território brasileiro em capitanias hereditárias e estimularam os donatários a iniciar o povoamento em cada um dos seus lotes”. (ANDRADE, pp. 30) 3 Que eram quinze capitanias. Cada donatário cedia parte de “suas” terras para o chamado sesmeiro, era o regime de sesmarias, onde esse sesmeiro cultivava a porção de terra que lhe foi confiada, não obtendo assim, a posse da terra. Mas vale salientar que esse regime de sesmarias muito contribuiu para a concentração fundiária de terras brasileiras e que, por sua vez, atualmente ainda ocorre no país. Como o Brasil pertencia à ordem de Cristo, ao criar as capitanias hereditárias o rei de Portugal estabeleceu nos forais dos donatários que eles poderiam reservar para si apenas uma determinada porção de terras, devendo doar a pessoas de religião cristã, e com capacidade financeira, outras porções em regime de sesmarias. O sesmeiro tinha a posse da terra mais não o domínio, pagando um dízimo à ordem de Cristo. Os primeiros donatários distribuíram sesmarias com alguns dos seus companheiros de aventuras que conquistaram terras aos indígenas [...]. (ANDRADE, pp. 54) A doação de terras em sesmarias, embora estas não desse o domínio mas tão-somente a posse ao seu titular, provocou o processo de sua ocupação e apropriação, sob a égide da grande propriedade, e definiu um processo de dominação do latifúndio que ainda hoje ocorre no país. Ruy Cirne Lima também destaca a relação intrínseca que tem as concessões de terras em regime de sesmarias com os latifúndios. As concessões de sesmarias, na maioria dos casos, restringiam-se, portanto, aos candidatos a latifúndios, que, afeitos ao poder, ou ávidos de domínios territoriais, jamais, no entanto, poderiam apoderar-se materialmente das terras que desejavam para si. (LIMA, pp. 42) E mais, “ao lado do processo legal de apropriação de terra pela doação de sesmarias, ocorria também a apropriação por pessoas de menores recursos e prestígio, que se instalavam em áreas menos acessíveis, implantando roças e currais – eram os chamados posseiros. (ANDRADE, pp. 55) Enfim, para finalizar essa discussão, a abolição das sesmarias em 1822 não inibiu que a posse servisse como um novo veículo para o latifúndio, ou seja, a concentração de terras. A formação do campesinato no Brasil recebeu várias contribuições em diferentes ângulos. Segundo Manuel Correia de Andrade “em uma sociedade patriarcal dos períodos colonial e imperial, já se encontrava um germe do campesinato girando em torno da classe senhorial e se sobrepondo aos escravos”. (ANDRADE, pp. 68) Andrade destaca que Ainda no século XVI, Fernão Cardim, ao descrever a região açucareira de Pernambuco, salientava a existência, à sombra dos canaviais, de numerosas e diversificadas culturas feitas por homens livres em terras alheias ou em pequenas porções de terra próprias [...] Eram numerosos os portugueses que chegavam ao Brasil sem dispor de recursos de crédito ou de prestígio para montar engenhos, passando a viver de pequenas atividades agrícolas em áreas mais distantes dos engenhos [...]. (ANDRADE, pp. 69) Estes agricultores citados acima seriam o germe do campesinato na região Nordeste do Brasil. Mas, vale que paralelo a estes agricultores havia os chamados moradores; estes tinham mo compromisso de prestarem dias de trabalho por semana, isto de serviços, ao mesmo tempo em que exploravam com a ajuda da família (mão-de-obra familiar) a porção de terrasonde produziam alimentos. Percebe-se que já existiam grandes proprietários de terras que comandavam as terras de pequenos camponeses. Como se sabe, existiram expedições de caça aos indígenas que penetravam para o interior do território brasileiro, daí então, com os índios afastados das terras que ocupavam, vários moradores se direcionaram a esses espaços e desenvolveram práticas agrícolas, como também a criação de animais e a confecção de artesanatos. Outra influência para a formação do campesinato no Brasil vem de atividades agrícolas que foram desenvolvidas no decorrer do período colonial por escravos. No Quilombo de Palmares, o maior deles, autores que na época o visitaram, admitem que os escravos desenvolviam roças para suprir a alimentação da população aí concentrada, de forma semelhante ao que ocorria na África [...] (ANDRADE, pp. 70) Aponta Andrade que “o campesinato ganharia maior importância depois da imigração de agricultores para o Brasil, organizada pelo Governo português [...] medida que foi seguida pelo Governo imperial, após a independência, visando estimular a ocupação do espaço, com a criação de colônias de pequenos proprietários [...]” (ANDRADE, pp. 71) 2.1 – O CAMPONÊS E O MODO CAPITALISTA DE PRODUÇÃO Nesse primeiro momento o campesinato se caracterizava, primordialmente, pelo relativo isolamento em que vivia. Com o desenvolvimento do capitalismo “a necessidade do dinheiro aumentar e com isso mais o camponês envolveu-se com a produção para o mercado. Transforma-se agora num produtor individual (familiar) de mercadorias”. (OLIVEIRA, 2007). São várias as facetas que vão caracterizar o impacto que o Modo de Produção Capitalista vai causar, agora, na pequena produção camponesa, nos tópicos seguintes veremos alguns das principais transformações que a agricultura a nível familiar vem sofrendo. Como a pequena produção camponesa estava voltada para o mercado e havia uma aceleração da transformação dos produtos produzidos pelos camponeses em mercadoria, a sustentação a esse novo processo, ou seja, de venda direta do produtor aos consumidores vai se tornando bastante difícil e até mesmo impossível, pois, como já foi ressaltado, à distância e a duração das viagens de onde eles produziam para onde eles teriam que vender era enorme e de difícil acesso. Surge então a figura do atravessador que, segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira “passa a figurar entre o produtor e o consumidor. Assim, o produtor perdia o contato com os consumidores e perdia também a visão do próprio mercado”. (OLIVEIRA, 2007, pp. 18) 3 – A PEQUENA PRODUÇÃO CAMPONESA Não há como falar de pequena produção camponesa sem falar também das grandes propriedades. José Graziano Silva, em seu livro “A modernização dolorosa”, define e caracteriza a pequena produção como” pequenas áreas com baixas rendas, onde a família do produtor direto constitui a unidade básica de produção e consumo, e onde sua reprodução se realiza sob precárias condições. A pequena produção é responsável em nosso país pela grande parcela da produção de alimentos básicos e também das matérias- primas de transformação industrial”. (SILVA, 1982) O mesmo autor define também as grandes propriedades enfatizando que elas “estão mais voltadas às atividades extrativas (vegetal e/ou florestal) e à pecuária bovina, sendo bastante reduzida a sua contribuição na produção de alimentos e da maior parte das matérias-primas, com exceção da cana-de-açúcar. Esta pode ser considerada uma cultura típica de grandes unidades [...] (SILVA, 1982) Enfim, toda essa abordagem feita anteriormente foi necessário para que se pudesse ter uma pequena noção (evidente que não é só isso) do que é a pequena produção e grande propriedade, mas o nosso enfoque é a primeira. O que caracteriza primordialmente a estrutura agrária brasileira é o fato de ela haver grande concentração de terras ou propriedades, logo, no outro lado da história há um número bastante grande de pequenas unidades que disputam pequenas porções de terras, terras essas que possuem características que mal possibilitam esses pequenos produtores e sua família extrair dela o estritamente necessário ao seu sustento. Como já deu para perceber, pequena produção camponesa “obtém” uma pequena porção de terra, onde nela produz alimentos voltados principalmente ao sustento da unidade familiar; no Brasil essa pequena produção é responsável pela maior contribuição na produção de alimentos, porém, essa possibilidade positiva não tem sido atrativa ao capital. Um dos grandes desafios da pequena produção camponês, através do desenvolvimento do Modo Capitalista de Produção, é a chamada “modernização conservadora” que, induzida ou amparada pelo Estado faz com que o cabeça da unidade familiar tenha que se assalariar temporariamente na cidade (vale ressaltar que esse fenômeno não só é induzido pela modernização da agricultura, pois existem vários outros fatores, tais como, a desapropriação da sua terra). Na unidade de produção familiar o consumo alimentar é o prioritário, e mais, “é significativo destacar que neste tipo de organização social a figura do chefe-de-família é fundamental e decisiva na organização do processo produtivo”. (ARAÚJO, 1986) Outro fator extremamente importante e que caracteriza bem a unidade familiar ou pequena produção familiar, é frisado por Eduardo Jordão de Araújo, onde ele destaca que, Uma das principais características imputadas à pequena produção familiar é a autonomia. Este traço revelar-se-ia pela conhecida auto- suficiência da unidade econômica camponesa. Esta capacidade de auto abastecer-se foi muitas vezes insuficientemente interpretada, dando origem a conceitos tais como o de economia autárquica. Este tipo de economia é definido como aquela que provê e satisfaz plenamente todas as necessidades de consumo do grupo doméstico. (ARAÚJO, 1986, pp. 27) 3.1 – TECNOLOGIAS E PEQUENA PRODUÇÃO São várias as inovações que o desenvolvimento do Modo Capitalista de Produção traz para a agricultura, dentre elas, será destacado nesse subtópico a questão da tecnologia. O roçado familiar tem se constituído historicamente, no que diz respeito às técnicas de plantio, através da clássica prática de rotação de terras, ou seja, o pousio; nesse sistema a unidade familiar camponesa não dispunha de produtos químicos (fertilizantes) para tornar a terra fértil e os instrumentos de trabalho utilizados eram bastante simples. À medida em que as terras boas, virgens e restauradas foram se tornando escassas para a pequena produção, em razão da expansão do latifúndio, grilagem e recentemente pela especulação imobiliária, os produtores foram paulatinamente forçados a abandonar a prática de rotação de terras. (ARAÚJO, 1986, pp. 29) À medida que o capitalismo traz inovações tecnológicas, tais como fertilizantes, insumos, tratores para arar a terra, com o objetivo de acelerar e intensificar a produção, melhorá-la, faz-se necessário também o pequeno produtor adotar e incorporar essas inovações tecnológicas à sua produção, pois isso traz a possibilidade de todas as porções de terras serem cultiváveis. Mas, nesse processo o que vai falar mais alto é a condição financeira desse produtor, que na maioria das vezes é paupérrima e que lhe impede que haja uma conservação ou retificação do solo. [...] os produtores, por desconhecer ou por falta de recursos financeiros, não incorporaram ao processo produtivo técnicas de conservação e/ou recuperação de solos. Esta situação impõe aos produtores o problema da redução progressiva da produtividade dos solos e, em alguns casos, a perda total da fertilidade. (ARAÚJO, 1986, pp. 29)[...] a não adoção de uma tecnologia apropriada de produção é em grande parte responsável pelo desmantelamento da economia familiar a nível micro. (ARAÚJO, 1986, pp.29) Para Eduardo Araújo, “o capital tem sempre em vista o crescimento da produtividade do trabalho [...] tem por natureza um interesse especial pela tecnologia e ele estará sempre em busca daquela que lhe traga uma maior valorização, um maior lucro médio e maiores possibilidades de se reproduzir”. (ARAÚJO, 1986, pp. 30) Nessas últimas duas décadas a agricultura brasileira vem passando por um processo de modernização, ou seja, praticamente consiste na substituição do trabalho humano por modernas máquinas, ou, utilizando as palavras de Eduardo Araújo, “este processo tem sido caracterizado por uma crescente tecnificação do processo de produção e uma massiva substituição dos insumos tradicionais por insumos industriais”. (ARAÚJO, 1986) Além dessas transformações tecnológicas que o capitalismo está trazendo para o campo (especificamente a pequena produção camponesa, já que é o enfoque do nosso trabalho) e da pequena produção camponesa está na maioria das vezes negligenciada dessa inovação, essa transformações não são homogêneas no território brasileiro, ficando assim algumas regiões menosprezadas, valendo aqui salientar que essa participação tímida no processo de transformações tecnológicas de algumas regiões não está relacionada ao fato de não aceitar, e sim as condições econômicas, políticas, sociais dessa região, se referindo principalmente à pequena unidade camponesa. No caso do Nordeste brasileiro, as transformações tecnológicas forma ainda menos presentes. (ARAÚJO, 1986, pp. 30 e 31) Um dos grandes impactos que essa modernização tecnológica provocou na pequena produção do camponês foi o fato de haver ocorrido a redução da produção de alimentos, mais que isso, foi a “perda” da principal característica dessa unidade de produção e a facilidade de haver a reconcentração de terras. Tanto a pequena produção como a grande produção estabelecem relações com o capitalismo, porém a segunda se dá muito melhor que a primeira. [...] a tecnologia adotada na modernização da agricultura veio atender ao desenvolvimento do capitalismo, criando novas formas de dependência entre o capital e a pequena produção, bem como reestimulando e recriando antigas formas de relação de trabalho quando foi mais conveniente. (ARAÚJO, 1986, pp. 32) No que diz respeito à relação existente entre o capital e a pequena produção, vale destacar aqui, antes de terminar essa discussão, que a escolha de um padrão ou opção tecnológico está intrinsecamente relacionada à condição econômica desse pequeno produtor. 3.2 – AGROINDÚSTRIA E PEQUENA PRODUÇÃO Outra transformação que o desenvolvimento do Modo Capitalista de Produção também trouxe para o campo foi a agroindústria. Segundo Davis & Goldberg a agroindústria é definida como a “soma de todas as operações envolvidas no processamento e distribuição dos insumos agropecuários, as operações de produção na fazenda; e o armazenamento, processamento e a distribuição dos produtos agrícolas e seus derivados”. (DAVIS & GOLDBERG, 1957 apud SILVA, 1990) Logo, segundo Bernad Sorj e John Wilkinson, “esta expansão da produção nos países centrais teve na agroindústria de insumos e maquinaria agrícola seu carro-chefe. Esta tinha como tripé fundamental a indústria de tratores e maquinarias agrícolas, a indústria química (fertilizantes e pesticidas) e a produção de sementes e matrizes animais em centros avançados de pesquisa genética”. (SORJ & WILKINSON, 1980, pp. 165) No caso do Brasil só foi possível a geração de um complexo agroindustrial moderno quando ocorreu a implantação de indústrias de automóvel e indústrias siderúrgicas. Este processo de geração da agroindústria “surge no bojo de um processo industrializador liderado pela empresa internacional [...]” (SORJ & WILKINSON, 1980, pp. 166) Dentro dos países periféricos, o Brasil, é possivelmente, hoje, o país com o parque agroindustrial mais avançado e diversificado, sendo desenvolvido particularmente a partir do fim da década de sessenta sob a proteção e promoção do Estado autoritário. (SORJ & WILKINSON, 1980, pp. 166) A pequena produção camponesa, diante dessas transformações luta para se manter, como os autores citados anteriormente nomenclatura, “economicamente viável”, mas infelizmente a produção familiar tem que “aceitar” as determinações do sistema agroindustrial, e isso faz com que haja modificações nas “bases de seu funcionamento”, na sua especificidade histórica e cultural, etc. O produtor familiar, quando integrado a agroindústria se vê impossibilitado de optar entre o autoconsumo (característica que lhe é peculiar) e o mercado, pois esse poder de escolha não lhe é conferido. A base econômica da unidade familiar, com a agroindústria, passa a depender da tecnologia para os seus processos produtivos serem mais intensificados (vale frisar que essa dependência é determinada pela sua capacidade econômica de obter essa tecnologia). No caso do produtor familiar integrado ao complexo agroindustrial, a possibilidade de escolher entre autoconsumo e a mercantilização da sua produção não mais existe, na medida em que a base de seus processos produtivos e as condições de sua futura reprodução se encontram totalmente monetarizadas. (SORJ & WILKINSON, 1980, pp. 172) 3.2.1 – IMPACTOS DA AGROINDÚTRIA NA UNIDADE DE PRODUÇÃO FAMILIAR São vários os impactos que os complexos agroindustriais provocam na pequena produção. Aqui faremos uma breve exposição de alguns dos principais problemas. Com a industrialização do campo “não somente o conhecimento é substituído ao produtor, como seu ritmo de trabalho passa a ser determinado pelas prescrições técnicas da agroindústria” (SORJ & WILKINSON, 1980, pp. 173 e 174). Uma vez integrada à agroindústria, não há como haver um retorno ao seu antigo estágio de autoconsumo. Outro fator consiste no fato de como conseqüência do processo de industrialização da agricultura, o trabalho assalariado temporário se converte na forma mais importante de trabalho rural no Brasil, dentre outros aspectos. 4 – ESPACIALIZAÇÃO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO DOURADA O estado de Alagoas, segundo o INCRA através da Superintendência Regional de Alagoas, quando realizou em janeiro de 2009 o processo de Georeferenciamento dos projetos de assentamento identificou um total de 155 assentamentos distribuídos no território alagoano (porém com certa concentração de assentamentos em algumas áreas). Este tópico com enfatizará com especificidade o Assentamento Dourada localizado no município de Viçosa.4 Ariovaldo Umbelino de Oliveira frisa que “a propriedade e a concentração da terra no capitalismo cosntituem-se em mecanismos de produção do capital” (OLIVEIRA, 2007, pp. 66). No caso de Alagoas, a nível geral, o que faz com que haja a produção do capital é a cana-de-açúcar, pois grande parte da economia do estado fira em torno dessa monocultura. Alagoas é um dos estados brasileiros com mais concentração de terras, e no caso alagoano, é um vasto latifúndio nas mãos de poucas famílias, estas geralmente são constituídas por usineiros. “Alagoas tem 102 municípios. Destes, 54 plantam cana pra produção de açúcar e etanol. São mais de 410 mil hectares de terra com esse monocultivo. Isto representa 64% da área agriculturável do estado”. (CARLOS LIMA, 2009) 4 Há outro assentamento no município, chamado de Quinta de Serra, mas o presente artigo se delimita apenas ao assentamento Dourada. Mas, no que diz respeito à questãoagrária no estado, focalizaremos a fundação dos Projetos de Assentamentos, começando a falar um pouco sobre o que é Reforma Agrária. Oliveira define Reforma Agrária como: A reforma agrária constitui-se, portanto, em um conjunto de ações governamentais realizadas pelos países capitalistas visando modificar a estrutura fundiária de uma região ou de um país todo. Ela é feita através de mudanças na distribuição da propriedade ou posse da terra e dar renda com vista a assegurar melhoras nos ganhos sociais, políticos, culturais, técnicos, econômicos (crescimento da produção agrícola) e de reordenação do território. (OLIVEIRA, 2007, pp. 68) Na verdade, no caso brasileiro a reforma agrária está mais para um mecanismo do Estado para conter os movimentos sociais, do que para combater o latifúndio, mais especificamente com a criação de Projetos de Assentamentos, que depois de algum tempo não receberá mais o apoio do Estado para a reprodução da pequena produção. A intervenção do Estado, através dos projetos de assentamento, se desenvolve de forma distinta, tanto com relação ao período de tempo em que são realizados, como em função dos distintos mecanismos de implantação de sua política agrária. (GERMANI, 1998, pp. 08) Quando os trabalhadores rurais se inserem em um Assentamento, tendo assim acesso a terra, eles têm que enfrentar um novo desafio: garantir sua permanência, reprodução e condições propícias e dignas de vida, pois “a seleção das áreas para instalação de projetos de assentamento é um ponto de uma importância para a determinação dos resultados futuros em qualquer modalidade”. (GERMANI, 1998, pp. 10) No dia 20 de Junho de 1997 o INCRA fundou o Assentamento Dourada no município de Viçosa – Alagoas, nomeada como “Agrovila Senador Teotônio Vilela (o menestrel)”. Antes da instalação do assentamento, na Fazenda Dourada (como é conhecida hoje) estava instalada a Usina Brasileira que, após ter ido à falência, os proprietários das terras arrendaram-nas para 54 rendeiros.5 Para resolver o problema, segundo o ex-tesoureiro do centro comunitário do assentamento, o ex-prefeito Flavius Flaubert Pimentel Torres levou a proposta para o INCRA em Brasília-DF, onde no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi 5 Essa antiga usina é conhecida hoje como Engenho Velho determinado a divisão das terras em lotes da fazenda. Nota-se que o estabelecimento desse assentamento não foi derivado de uma escolha propriamente dita do INCRA, pois ele só fez aprovar a fundação do Projeto de Assentamento e dividir os lotes para os camponeses. 4.1 – CARACTERÍSTICAS ATUAIS DO ASSENTAMENTO DOURADA O assentamento é constituído tanto por uma agrovila com também por casas nos próprios lotes. No caso desta pesquisa, ela está focada na agrovila. FIG. 1 - VISTA DA AGROVILA DO ASSENTAMENTO DOURADA Foi verificado que há no assentamento uma “Casa de farinha” (ver figura 2 abaixo), onde todos os pequenos produtores plantam mandioca e depois de retirada da terra são destinadas a esse espaço para a produção da farinha, depois são vendidas na própria feira livre de Viçosa pelos produtores ou são vendidos a outros feirantes que não participaram do processo de produção. É como se funcionasse como uma cooperativa. Mas, vale salientar que, segundo os moradores do assentamento no início ela funcionava freqüentemente, depois mal é aberta para a produção de farinha, isso se deve ao fato dos pequenos produtores não se unirem mais para esse tipo de atividade – o que antes simbolizava uma associação de pequenos produtores, hoje simboliza um individualismo, e isso é um dos fatores que tem provocado, muitas vezes, o fracasso de assentamentos. FIG. 2 – CASA DE FARINHA [...] estabelece-se que a unidade familiar passa a ser a unidade de produção e, ao invés de se considerar o projeto de forma unitária, ele é fracionado em sua totalidade, desconsiderando-se a unidade do projeto. (GERMANI, 1998, pp. 15) Dentre os produtos agrícolas verificou-se a plantação de milho, feijão, inhame, macaxeira, mandioca, bananeiras, batata-doce, etc. Esses produtos são comercializados na própria feira livre de Viçosa, que por sua vez, é a maior em relação às outras das cidades adjacentes, e isso reflete um aspecto positivo para o Assentamento Dourada. Essa comercialização ocorre de duas formas distintas: o próprio produtor vende na feira ou o produtor vende a um feirante que não participou das etapas do processo produtivo do produto agrícola. No aspecto da saúde e educação evidenciou-se que, muito tem melhorado, pois há instalação de um posto de saúde (Posto de Saúde Caminho da Roça) e uma Agente de Saúde do PSF especialmente para o assentamento – no que diz refere à água potável, há uma caixa enorme que armazena água vinda de poços artesianos da cidade para da assistência aos assentados; até os que moram nos próprios lotes recebem água portável em suas casas. Há uma escola e uma creche no assentamento. Os filhos dos camponeses que estão mais “avançados” em termos de séries escolares são contemplados com um ônibus da prefeitura de Viçosa, todos os dias para irem à cidade. Vale ressaltar que o assentamento não é tão distante da zona urbana. FIG. 3 – POSTO DE SAÚDE CAMINHO DA ROÇA FIG. 4 – CRECHE E ESCOLA Na própria agrovila há a presença de vendas dentro do próprio assentamento para atender as necessidades básicas dos próprios assentados, evitando que os moradores tenham que ir À cidade para comprar produtos necessários básicos para seu dia-a-dia, tais como: higiênicos, alimentos (só os básicos). No momento da visita ao assentamento havia a construção de um mercadinho por um microempresário da cidade.6 É extremamente importante destacar que a agrovila não só é constituída por camponeses, como também por pessoas que nunca trabalharam em uma terra, e isso faz com que o assentamento perca, em se tratando dos assentados, uma de suas especificidades. [...] a definição de um modelo de produção agrícola para o projeto, a definição de cultivos rentáveis e adaptados às condições existentes, Às limitações em termos de recursos naturais, de recursos tecnológicos e financeiros se convertem em aspectos da maior importância para a trajetória e o resultado dos assentamentos. (GERMANI, 1998, pp. 19) No caso do Assentamento Dourada, segundo o ex-tesoureiro do Centro Comunitário Flaubert Torres, o INCRA tinha disponibilizado um trato para os pequenos produtores, mas depois e um bom tempo esse recursos tecnológico extremamente importante veio a quebrar, e o Estado nunca se preocupou em concertá-lo, e os camponeses não têm recursos financeiros propícios ao concerto da máquina. Não só basta ao Estado ceder à posse das terras, é necessário dá apoio e suporte financeiro/crédito para que a organização espacial interna dos projetos possa se manter, isso no que diz respeito à compra de insumos, sementes, pesticidas, etc. Só desta maneira a verdadeira essência histórica do camponês será mantida, ou seja, ter a sua porção de terra para trabalhar tendo o direito de acesso às 6 Esse microempresário nunca morou no assentamento e nunca foi um camponês. inovações tecnológicas, por exemplo, para sua melhor posição no mercado deixando assim de ser explorado de forma exorbitante pelo capital. 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Pudemos ver uma abordagem histórica breve e didática da formação do campesinato, isso desde a polêmica “descoberta” do território brasileiro até a formação propriamente dita do campesinato, enfatizando assim, as várias contribuiçõesvindas de diferentes ângulos para a formação desse grupo social. Este trabalho muito contribuiu para um estudo na perspectiva do conhecimento da organização interna dos assentamentos (é óbvio que cada assentamento possui sua particularidade). Nesse estudo vimos os aspectos econômicos, sociais, políticos, e ideológicos dos assentamentos, bem como a “participação” do Estado na fundação e manutenção do Assentamento Dourada, frisando também os desafios e os limites dos assentados. Nessa outra parte do trabalho, vale salientar que as informações são muito poucas devido ao tempo de duração da pesquisa, pois um conhecimento mais apurado da organização espacial e interna dos projetos de assentamentos é adquirido com muito campo. E por fim, esse trabalho muito contribui para que alunos da disciplina de Geografia Agrária pudessem ter contato com uma das realidades a que o pequeno produtor está submetido por causa do desenvolvimento do Modo Capitalista de Produção. 6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVA, José Graziano. A questão agrária no Brasil. In. SILVA, José Graziano. A modernização dolorosa. Rio de Janeiro. Zahar, 1982. SORJ, Bernardo; WILKINSON, John. Processos sociais e formas de produção na agricultura brasileira. In. SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Sociedade e Política no Brasil Pós-64. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. SILVA, José Graziano da. Complexos Agroindustriais e outros complexos. In. SILVA, José Graziano da. Nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas (SP): UNICAMP, 1996. ARAUJO, Eduardo Jordão. Pequena produção e tecnologia socialmente apropriada. In. Cadernos do CEAS, v 0, n 113, 1988. GERMANI, Guiomar Inez. A geografia (e) (da) reforma agrária. Trabalho apresentado no Encontro de Técnicos e Dirigentes de Cooperativas e Associações do MST, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Direção Estadual da Bahia, em Salvador [BA], 11.01.98. MEDEIROS, Leonildes; LEITE, Sérgio. Perspectivas para a análise das relações entre assentamentos rurais e região. In. TEIXEIRA, F. C.; COSTA, L. F>; SANTOS, R. N. (Orgs.). Mundo rural e política. Rio de Janeiro: Campus, 1998. ANDRADE, M. C. Questão do território no Brasil. Ed. Hucitec. LIMA, R. C. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Ed. UFG. OLIVEIRA, A. U. Modo Capitalista de Produção, agricultura e Reforma Agrária. 1ª edição. Ed. Labur. São Paulo, 2007. Jornal da CPT. Alagoas tem maior índice de trabalho escravo no NE. Tópico: trabalho escravo. Alagoas, 2009. 7 – ANEXO (próxima lauda)
Compartilhar