Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PEDAGOGIA 1 período CADERNO DIDÁTICO III MELHORES Pedagogia Universidade Estadual de Montes Claros - Campus Montes Claros UNIVERSIDADES 2008 Abril EDITORA Guia Estudante do 1º PERÍODO LÍNGUA PORTUGUESA AUTORES Érica Karine Ramos Queiroz Doutora em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, especialista em Educação e graduada em Letras pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. Atualmente é coordenadora de Pesquisa do ISEMOC-CRECIH/SOEBRAS e professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Nely Rachel Veloso Lauton Especialista em Redação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas, graduada em Língua e Literatura Francesa pela Associação de Cultura Franco-brasileira e graduada em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Pollyanne Bicalho Ribeiro Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas, mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos, graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e graduada em Direito pelo Centro Universitário Fumec. Atualmente é consultora da Consultoria Técnica Educacional e professora da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e da Faculdade da Cidade de Santa Luzia. Sandra Ramos de Oliveira Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Português pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Atualmente é professora da Unimontes e professora do Instituto Superior de Educação - Isemoc. Waneuza Soares Eulálio Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Materna pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas – Funorte, especialista em Alfabetização pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e graduada em Letras - Português/Inglês pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. Atualmente é professora da Unimontes e tutora a distância da Universidade Aberta do Brasil – UAB. É revisora da Revista Fronteiras do Sertão do Departamento de História. SUMÁRIO DA DISCIPLINA Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Unidade I: Linguagem, língua, fala e gramática . . . . . . . . . . . . . . 16 1.1 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 1.2 Conceitos básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.3 Funções da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Unidade II: Leitura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.1 Caracterização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.2 Processos de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.3 Fatores intervenientes no “ato de ler” . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Unidade III: Texto e textualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.1 O que é texto? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.2 Fatores de textualidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 3.3 Produção de texto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.4 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . . . . . . 67 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 1.4 Variações lingüísticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.5 Níveis de linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 1.6 Linguagem oral e linguagem escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 1.7 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.4 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.5 Vídeos sugeridos para debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 APRESENTAÇÃO 374 Prezado acadêmico, A disciplina “Língua Portuguesa” integra a grade curricular do 1º período do Curso de Licenciatura em Pedagogia, com 45 horas-aula. É sobre essa disciplina que vamos falar, inicialmente, pois é necessário que você compreenda a importância do conteúdo a ser estudado para tomar sua participação prazerosa e eficaz. O Michaelis: moderno dicionário da Língua Portuguesa registra os sinônimos “sustentáculo”, “base”, “alicerce” para o substantivo “fundamento”. Ora, estudar, então, “Língua Portuguesa” significa rever noções básicas de nossa língua materna, discutir e resgatar algumas regras, conceitos e definições que a sustentam. Além disso, o conhecimento da base de uma língua, de seu alicerce torna seu usuário mais competente, mais criativo no trato com as palavras; mais seguro e questionador no desempenho de suas atividades cotidianas e no convívio com seus pares. Compreender os fundamentos da língua – e não apenas conhecê- los – possibilita ao falante o desenvolvimento de diferentes habilidades, como: reconhecer informações, elaborar hipóteses, inferir, relacionar conceitos e fatos, desenvolver reflexões mais abrangentes, argumentar e defender idéias e, principalmente, possibilita-lhe ser um autor/leitor mais completo e consciente do uso das palavras. Na disciplina “Língua Portuguesa”, vamos ajudá-lo a compreender o funcionamento da Língua Portuguesa nos seguintes aspectos: 1. leitura: caracterização, processos, modos de leitura e fatores intervenientes no “ato de ler”; 2. concepções de língua, linguagem, fala, gramática e variedades lingüísticas; 3. o processo de comunicação; 4. funções da linguagem; 5. texto e fatores de textualidade; 6. tipos e gêneros textuais; e 7. produção textual. 375 Nossa intenção é ressaltar que o estudo da língua/linguagem é extremamente importante, pois é por meio da linguagem que interagimos com os outros, informando ou sendo informados, esclarecendo ou justificando nossas opiniões, modificando o ponto de vista de nossos interlocutores ou sendo modificados pelo ponto de vista deles. É pela linguagem que expressamos nossas certezas, nossas angústias, alegrias, tristezas, nossos conhecimentos e opiniões. É a linguagem que nos distingue e nos faz capazes de ver a vida com novos olhares, principalmente nesta nossa época de globalização, de quebra de tabus e preconceitos e de, sobretudo, estabelecimento de novos valores. O avanço tecnológico deste milênio reflete uma renovada estrutura social em que várias linguagens – verbais, não verbais – se entrecruzam, se misturam, se completam e se modificam sem cessar. Assim sendo, o conhecimento sobre o funcionamento da língua não deve ser algo mecânico e passivo. Pelo contrário, deve-se cruzar esse conhecimento com as várias possibilidades de linguagens do mundo atual: cinema, fotografia, pintura, charges, quadrinhos, informática, música etc., percebendo suas intenções comunicativas, contrastes e afinidades, desvelando os “entreditos”, as mensagens e ideologias subjacentes, enfim, estabelecendo todas as possíveis interlocuções. Pretendemos, pois, que você alcance os seguintes objetivos: 1. refletir sobre os fundamentos da Língua Portuguesa, percebendo-os como processo dinâmico de interação social, isto é, como forma de realizar ações, de agir e atuar sobre o outro por meio da linguagem; 2. melhorar a gramática de uso, substituindo incorreções e inadequações por normas da língua padrão; 3. elaborar textos adequados ao interlocutore à situação comunicativa; e 4. ser leitor crítico e reflexivo. Neste primeiro período, nossa disciplina apresenta as seguintes unidades Unidade I 1. Linguagem, língua, fala e gramática 1.1. Conceitos básicos 1.2. Processos comunicativos 1.3. Funções da linguagem 1.4. Variações Lingüísticas 1.5. Níveis de fala 1.6. Linguagem oral e linguagem escrita Apresentação UAB/Unimontes 376 Unidade II 1. Leitura 1.1. Caracterização 1.2. Processos de leitura 1.3. Fatores intervenientes no “ato de ler” Unidade III 1. Texto e Textualidade 1.1. O que é texto 1.2. Fatores de textualidade 1.3. Produção de texto Tipologia e Gêneros Textuais Esperamos de você uma participação ativa, engajada e proveitosa para desenvolver suas potencialidades e realizar, com o devido mérito, seus estudos de graduação que lhe permitirão vencer barreiras intelectuais, profissionais e sociais. De nossa parte, desejamos-lhe sucesso e estamos juntos neste desafio, torcendo por você e a seu dispor. Seja bem-vindo aos estudos da “Língua Portuguesa”. Um abraço, Os autores Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período A B G GLOSSÁRIO PARA REFLETIRDICAS C F E ATIVIDADES 377 1UNIDADE 1LINGUAGEM, LÍNGUA, FALA E GRAMÁTICA 1.1 APRESENTAÇÃO Esta é a primeira unidade da disciplina Fundamentos da Língua Portuguesa e esperamos que você a inicie com muita vontade de ampliar os seus conhecimentos sobre a língua portuguesa. Então, vamos lá! O principal objetivo aqui, é que você reflita sobre a importância da linguagem para a comunicação humana e conheça os principais elementos que constituem o processo comunicativo. Ao ler o texto, temos a certeza de que você aprenderá os conceitos fundamentais de linguagem, língua, fala e de gramática, percebendo a relevância destes aspectos lingüísticos para que o processo comunicativo aconteça de maneira eficiente. Nesta unidade vamos estudar também as funções da linguagem que nos permitirão compreender como o emissor e o receptor se relacionam linguisticamente através de um canal que permite a interpretação de uma mensagem. Outro assunto de extrema relevância nesta unidade é a variação lingüística. Há muito tempo, na escola só se atribuía à língua as características de “certo” ou de “errado”. Hoje, porém com o conhecimento das diversas formas de se falar, já se considera também o diferente, ou seja, há usos da língua que são errados (aqueles que não estão de acordo com a organização que a língua nos possibilita) mas há também usos que, apesar de não estarem de acordo com essa organização, são apenas diferentes, não constituem erro. Bem, de acordo com o que propomos aqui, esta primeira unidade abordará os conceitos básicos de Linguagem, Língua, Fala e Gramática e terá as seguintes subunidades: 1.1 linguagem, língua, fala, gramática:conceitos básicos; 1.2 processos comunicativos; 1.3 funções da linguagem; 1.4 variação lingüística; 1.4.1 níveis de fala; 1.5 linguagem oral e linguagem escrita. É importante que você tenha sempre à mão um bom dicionário e que não se esqueça de que as atividades sugeridas, os glossários que complementam o texto e os pontos de reflexão apresentados são essenciais para que você compreenda satisfatoriamente o texto. Mãos à obra! Vamos começar a leitura. 378 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período 1.2 CONCEITOS BÁSICOS O interesse pela linguagem é antigo e remonta ao séc. IV, a.C. quando os hindus estudaram sua língua com o objetivo de evitar que os textos sagrados, reunidos no Veda, sofressem modificações ao serem falados. Atualmente, a lingüística moderna define a linguagem como manifestação de algo mais específico: a língua. A linguagem pertence ao domínio individual e social, porque é propriedade inata ao ser humano e é social, porque só existe em sociedade. Sendo assim, a linguagem é compreendida como expressão do pensamento e veículo de comunicação social e pode referir-se à linguagem dos animais, à música, dança, pintura, mímica etc., assinalando que cada uma dessas linguagens tem suas especificidades de manifestação. O lingüista Ferdinand de Saussure, considerado o pai da lingüística moderna, separa a linguagem em Língua e Fala. A língua, para Saussure, é “um sistema de signos” – um conjunto de unidades que se relacionam dentro de um todo e é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. A fala é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se pelos atos de fonação necessários à produção dessas combinações. Analisando o conceito de Saussure concluímos que: a língua é ampla, coletiva e está à disposição de todos os falantes da comunidade. A língua obedece a padrões criados pela própria comunidade, logo, um falante não pode modificá-la. Ela serve a toda a comunidade e não a um membro isolado. É a parte social da linguagem. A fala, ao contrário, é individual, representa o uso particular que se faz da língua. O falante tem a liberdade de buscar na língua os recursos que ela oferece e combinar esses recursos, conforme suas necessidades e intenções. E é por isso que a fala é individual e tem caráter dinâmico e a língua é coletiva e tem caráter mais fixo. A lingüística tem como objeto de estudo a linguagem verbal em uso, ou seja, para o lingüista interessa descrever e explicar os fatos de linguagem sem estabelecer juízo de valor do uso. A perspectiva de estudo da gramática tradicional é contrária à do lingüista, pois a gramática tem como finalidade ditar normas e prescrever os fatos de linguagem. A gramática não reconhece a diferença entre fala e escrita e considera a escrita como modelo de correção para a língua falada. A posição da gramática é normativa ao dizer o que é a língua e como deve ser, isto é, a gramática dita regras para o uso considerado correto da língua. Como falantes de uma língua, sabemos que a língua escrita não é modelo para a língua falada, pois a diferença entre essas duas Línguas naturais (Inglês, Português, Russo, Italiano, Chinês etc.) são sistemas de signos lingüísticos. Os signos lingüísticos são os elementos de significação (significante e significado) nos quais se baseiam as línguas. Para você entender melhor os conceitos de significante e significado, acompanhe esta exemplificação: O significante é o suporte para a idéia, é a seqüência de sons que se combinam nas palavras: flor, fleur, fiori, flower, kukka (em Português, Francês, Italiano, Inglês e Finlandês, respectivamente) e, significado é a idéia, o conteúdo. Observe que, em todas as línguas do exemplo, o significado é o mesmo: “flor”, parte da planta. Hindu: natural ou habitante da Índia. Veda: conjunto de textos sagrados da tradição religiosa e filosófica da Índia. a.C: antes de Cristo. C A B F E G GLOSSÁRIO C A B F E G GLOSSÁRIO 379 Língua Portuguesa UAB/Unimontes modalidades da linguagem se deve à sua organização e ao uso social. Para o lingüista não há uso melhor ou pior, rico ou pobre, visto que seu objetivo é descrever e não prescrever. De acordo com a lingüística, as línguas naturais são simplesmente diferentes e, desde que atendam às necessidades de comunicação entre seus falantes, já estão exercendo sua função: COMUNICAR. Os estudos sobre as línguas concluem que todas elas possuem um sistema de comunicação estruturado, complexo emuito desenvolvido. Outros estudos sobre a linguagem a consideram também como atividade, como ação que tem objetivo socialmente definido: o de estabelecer vínculos e compromissos anteriormente inexistentes. A linguagem é responsável pela interação entre os indivíduos, estabelecendo pactos interindividuais e exigindo respostas em forma de reações e comportamentos dos falantes. Estudar, então, a língua é buscar detectar os compromissos que se criam através da fala (ato individual) e buscar preencher as condições exigidas por uma situação de comunicação. Processos Comunicativos 1.2.1 Importância da comunicação humana Como você sabe, na sociedade em que vivemos é de fundamental importância que saibamos comunicar de maneira clara e eficiente. Comunicação, pensamento e a própria vida são fatores que se complementam e até se misturam, já que estamos a todo tempo nos comunicando, ora através da fala, ora da escrita, de um gesto, de expressões faciais, sorrisos, da leitura de um texto, de um documento, de revistas e jornais etc. É preciso ter em mente que só através de uma comunicação clara, segura e objetiva podemos nos aprofundar nos níveis de conhecimento pessoal, tecnológico e social. A comunicação é o centro de todas as atividades humanas. Com certeza nada acontece sem que haja prévia comunicação. Comunicar bem não é só transmitir ou receber bem uma informação. COMUNICACÃO é uma troca de CONHECIMENTOS E DE ENTENDIMENTO e ninguém entende ninguém sem considerar além das palavras, sem considerar também as emoções, o contexto e a situação em que se tenta trocar Fonte: Folha de São Paulo – 05 de setembro de 2008. P. E 11 Figura 1: A língua se concretiza pela fala. O homem é um “animal político”. Assim afirma Aristóteles na sua obra Política, distinguindo o homem (único dotado de linguagem) dos outros animais (que possuem voz). Com a voz (“phone”), os animais exprimem dor e prazer; mas, com a palavra (“logos”), o homem exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Ser um “animal político” significa, pois, compartilhar valores com outros indivíduos, o que torna possível a vida social, cívica e política dos homens. Exerça sua cidadania através, também, do uso da linguagem. PARA REFLETIR 380 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período conhecimentos, idéias ou qualquer outra mensagem, seja ela verbal (que utiliza palavras) ou não-verbal (que se dá através de gestos, cores, imagens etc.). Para comunicar-se, o homem utiliza a linguagem que é o conjunto de símbolos significativos (léxico) somado a métodos também significativos de combiná-los (sintaxe). Esses símbolos são diferentes de um idioma para outro e foram escolhidos por acaso, variando de acordo com cada cultura. O homem inventou a linguagem para exprimir seus sentimentos, suas intenções e vontades, fazendo com que as pessoas interajam e convivam em sociedade. O que é comunicar? Se você pensar um pouco, vai perceber que COMUNICAR é estabelecer uma relação com alguma coisa ou alguém, transmitindo sinais através de um código que pode ser convencionado (linguagem humana) ou natural (sinais fisiológicos: dor, febre etc.). A comunicação deve acontecer de maneira lógica, clara e coerente, pois ela é a base das relações entre os homens que, a partir e através dela, se tornam agentes, influenciam o meio em que vivem e afetam as pessoas que estão à sua volta, o seu ambiente físico e a si mesmos, produzindo reações. Para que uma mensagem seja transmitida com sucesso, é preciso que o falante esteja atento a fatores, como habilidade comunicativa, atitude, nível de conhecimento do ouvinte e as posições ocupadas dentro do sistema sócio-cultural. Assim, ele deverá produzir uma mensagem adequada ao contexto, ao grupo social do receptor e ao momento em que ocorre a comunicação. Para uma mensagem que chame a atenção do receptor, o falante deverá utilizar signos que sejam do seu conhecimento e também do conhecimento do receptor que ficará interessado na informação. 1.2.3 O processo de Comunicação Processo de comunicação é o fenômeno que ocorre quando o Elementos da Comunicação emissor (a pessoa que fala, o codificador) emite uma mensagem (informação ou sinal) ao receptor (a pessoa que ouve ou decodificador), através de um canal (instrumento ou meio). O receptor interpretará a mensagem e, a partir daí, dará a resposta que demonstrará se as informações foram captadas (feedback), completando o processo de comunicação. Para ampliar seus conhecimentos sobre esse assunto, assista ao videodocumentário “Um buraco branco no tempo”, uma produção de Peter Russel, com base em uma obra romântica. Duração: 27 minutos. Veja sinopse do videodocumentário no fim deste caderno. Léxico: conjunto de vocábulos que formam uma língua (vocabulário). Sintaxe: estudo da combinação lógica das palavras em uma frase. C A B F E G GLOSSÁRIO PARA REFLETIR 381 Língua Portuguesa UAB/Unimontes No processo comunicativo são utilizados os elementos presentes no esquema anterior (código, mensagem, referente, emissor, receptor e canal). Conheça cada um deles: CÓDIGO: pode ser definido como qualquer conjunto de símbolos usados na transmissão e recepção de uma mensagem de maneira a ter significação para alguém, como as palavras de um idioma (língua); MENSAGEM: expressão de idéias (conteúdo transmitido por um emissor) através de uma forma determinada (tratamento) pelo emprego de um código; REFERENTE: é o contexto em que estão insertos o emissor e o receptor. É também o conjunto de atitudes e reações dos sujeitos envolvidos no processo de comunicação; EMISSOR ou EMITENTE: quem transmite uma idéia, emite; quem transforma a mensagem em código (uma pessoa, uma empresa, uma emissora de televisão, estação de rádio etc.); RECEPTOR, RECEBEDOR ou DESTINATÁRIO: pessoa que recebe, decodifica a mensagem (um indivíduo ou um grupo); e CANAL: é o meio através do qual fazemos uma mensagem chegar a outra pessoa, uma espécie de "veículo da mensagem", como as ondas sonoras, na linguagem oral (fala), ou um bilhete, na linguagem escrita, por exemplo. É muito importante escolher o canal capaz de transmitir sua mensagem com maior qualidade e há elementos que podem impedir a Leia outros textos sobre comunicação e reflita sobre a importância deste aspecto para a vida humana. Pense no estreito laço que liga a comunicação à cultura e anote suas conclusões. MENSAGEM EMISSOR RECEPTOR CANAL CÓDIGO Realidade Referente (contexto) Preste muita atenção aos comerciais transmitidos pelo rádio e pela televisão e verifique se eles atendem às condições apresentadas no texto que você acabou de ler (Chamam a atenção do receptor? Usam uma linguagem adequada? Estão de acordo com o canal onde são veiculados? Levam em consideração o momento e a situação em que o receptor está inserto?) PARA REFLETIR ATIVIDADES eficiência comunicativa como: o RUÍDO: que é uma interferência indesejada na transmissão de uma mensagem (na fala pode ser um barulho e na escrita, um rabisco ou uma letra ilegível, por exemplo); a AMBIGÜIDADE, refere-se à desorganização da mensagem (período fragmentado, ordem inversa, inadequação vocabular etc.); e a REDUNDÂNCIA, que consiste na repetição desnecessária de palavras ou termos. Ao decodificar uma mensagem, você a está percebendocomo um estímulo. Ao codificar uma nova mensagem, você está dando uma resposta ao estímulo, mostrando como ele foi percebido e interpretado por você. A comunicação compreende, na maioria das vezes, uma ação e uma reação, pois a ação do emissor afeta a reação do receptor e a reação do receptor afeta a subseqüente reação do emissor, tornando o processo circular. Às vezes, quando são utilizados dois canais simultâneos, a qualidade da mensagem aumenta (ver e ouvir, por exemplo, é melhor do que só ver ou só ouvir), mas se o falante não souber utilizar bem esses canais, ele pode prejudicar o sucesso da sua comunicação. Se um conferencista apresenta um trabalho usando um data-show, por exemplo, e não consegue combinar sua fala com as transparências apresentadas, ele pode tornar mais difícil a compreensão do conteúdo pelos expectadores). Sempre que comunicamos algo, pensamos no nosso receptor, em quem queremos atingir com o que dizemos, assim, tanto o emissor cria expectativas sobre o receptor quanto o receptor em relação ao emissor. Quando duas pessoas interagem, põem-se no lugar uma da outra, procurando perceber o mundo como a outra o percebe, tentando predizer a resposta da outra e esse processo possibilita o ideal da comunicação que é a interação humana. 1.3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM Agora que você já trabalhou os Processos Comunicativos e já conhece as noções da Teoria da Comunicação, vamos fazer algumas considerações sobre as Funções da Linguagem. 382 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Em síntese: Em uma sala de aula (referente), se o professor (emissor) expõe oralmente (canal) um assunto (mensagem), e o aluno (receptor) ouve com atenção, ele consegue dar resposta (feedback) ao ser questionado. Mas, quando há barulho, por exemplo, conversa paralela (ruído), a compreensão fica comprometida. O Filme “Nell”, do Diretor Michael Apted, é muito interessante para você analisar o importante papel desempenhado pela linguagem na comunicação humana. Nell é o nome da jovem que é encontrada em uma casa na floresta, onde vivia com sua mãe eremita. O médico que a encontra, após a morte da mãe, constata que ela se expressa em um dialeto próprio, evidenciando que até aquele momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocência e a pureza da moça, ele tenta ajudá-la a se integrar na sociedade. Assista ao filme e tente relacioná-lo aos conceitos estudados sobre “Processos Comunicativos” e “Funções da Linguagem”. DICAS 383 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Leia a seguinte tira humorística: A tira exemplifica uma situação de comunicação. Numa situação de comunicação há, pelo menos, duas pessoas interagindo por meio da linguagem: quem fala (locutor ou emissor) e aquele com quem se fala (interlocutor ou receptor). Tradicionalmente, o processo de comunicação verbal está baseado em seis elementos: o emissor, o receptor, a mensagem, o código, o canal e o referente. Tomando a tira como exemplo, vamos rever esses elementos: O emissor (locutor, remetente) é Helga, a esposa de Hagar; O receptor (interlocutor, destinatário) é Hagar; A mensagem é representada pelas falas de Helga; trata-se de um alerta para que o marido se comporte bem e beba com moderação; O código é a língua portuguesa (linguagem verbal) usada por Helga e Hagar. O canal (contato) é o som produzido pelo código (língua oral); e O referente (contexto) é a situação ou contexto em que Helga e Hagar estão e é também o assunto da mensagem, isto é, o conjunto de atitudes e reações do emissor e do receptor. Repare que o casal está em uma reunião social e como Helga conhece bem o marido, mesmo estando de costas para ele, ela o alerta para que “tenha modos” e não se exceda com a bebida. A cada um desses seis elementos corresponde uma função da linguagem. De acordo com a Teoria da Comunicação, toda mensagem tem uma finalidade, uma intenção predominante que orienta sua produção. A mensagem pode ter a finalidade de informar, persuadir, provocar humor, emocionar etc. A partir dessas finalidades é que classificamos a função da linguagem predominante nos textos. Essas funções são: expressiva, conativa, referencial, fática, metalingüística e poética. 1.3.1 Funções expressiva (ou emotiva) Fonte: HOJE EM DIA, 7/9/2008 Figura 2: tira humorísticaPara reforçar seu conhecimento sobre as funções da linguagem, acesse: www.portrasdasletras. com.br O estudo das funções da linguagem é muito importante para percebermos diferenças e semelhanças entre os vários tipos de mensagem. Analisar como essas funções se organizam nos textos alheios, permite-nos perceber as finalidades que orientam a elaboração desses textos. Aplicando o conhecimento de funções da linguagem nos textos que produzimos, poderemos planejar o que escrevemos e fortalecer a eficácia e a expressividade das mensagens. DICAS PARA REFLETIR 384 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período A função expressiva ou emotiva está centrada no emissor (remetente ou locutor) e expressa sua atitude, sua emoção, seu estado de espírito em relação ao que fala. Exemplificando Observe que o poema está centrado na expressão dos sentimentos, emoções e estado de alma do “eu-lírico”. É um texto subjetivo, pessoal. Nele aparecem pronomes de primeira pessoa: “Eu não tinha”... “minha face”? São comuns também na função emotiva a presença de interjeições e pontuação marcada por exclamações e reticências. 1.3.2 Função Conativa (apelativa) A função conativa é aquela que está centrada no destinatário. Também chamada apelativa, essa função estimula o receptor a tomar uma atitude, tentando persuadi-lo, tentando influenciar seu comportamento. Observe a presença da função conativa neste folheto: Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, Assim calmo, assim triste, assim magro, Nem estes olhos tão vazios, Nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, Tão paradas e frias e mortas; Eu não tinha este coração Que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, Tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face? (Cecília Meireles) 385 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Você observou que a intenção principal é estimular o receptor a utilizar um serviço diferenciado de lavagem de carro. Para isso, o texto da propaganda emprega verbo no imperativo “Aguarde!”, que faz um apelo direto ao destinatário. Além disso, a mensagem tenta sensibilizá-lo quanto à questão do uso racional da água. Isso sinaliza que, se o receptor for uma pessoa com consciência social, ele buscará o serviço oferecido. 1.3.3 Função referencial (denotativa) Classificamos de referencial a função que tem por objetivo transmitir informações. Ela é também chamada denotativa, está centrada no contexto. A mensagem apresenta linguagem clara, direta, procurando traduzir a realidade objetivamente. O anúncio a seguir, com conteúdo e s s e n c i a l m e n t e i n f o r m a t i v o , exemplifica a função referencial. A o l e r o anúncio, você percebe c l a r a m e n t e s e u objetivo: informar aos leitores do Jornal Hoje em Dia o que significa e de que se encarrega a Associação Mineira de Figura 3: Volante distribuído a visitantes e consumidores do Montes Claros Shopping Center Figura 4: Hoje em Dia (7-9-2008) 386 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Rádioe Televisão, AMIRT. A linguagem aponta para um significado único, não dando margem à dupla interpretação. A função referencial aparece em seus livros de estudos, livros técnicos e científicos, bulas de remédios, manuais de instruções etc. 1.3.4. Função Fática A função fática encontra-se centrada no contato (canal) e nela predomina o cuidado de estabelecer ou de manter a comunicação, isto é, manter o contato entre o emissor e o receptor. Nas conversas telefônicas, o tradicional “alô”, os cumprimentos habituais são maneiras de iniciar o contato com o recebedor. As frases- feitas, os clichês de abertura de diálogos: “Olá, como vai?”, “Oi, tudo bem?”, têm também a finalidade de estabelecer contato. A função fática está representada por palavras, frases, ou expressões que denotam a necessidade ou o desejo de iniciar, manter ou cortar a comunicação. Exemplificando: A função fática está bastante evidente nos quadrinhos. Observe o emprego de frases-feitas: “Romeu, há quanto tempo!”, “O que tem feito?” Essas frases não têm necessariamente um conteúdo informativo preciso, apenas pretendem criar condições para uma interação verbal. Outras expressões comuns à função fática também aparecem nas falas dos quadrinhos: E aí... Hem... Ih... Isso! Na verdade, nesse reencontro casual, os amigos nada disseram, apenas mantiveram um contato superficial. In: ABAURRE et alli – Português. Língua e Literatura. São Paulo: Moderna, 2003 Figura 5: 387 Língua Portuguesa UAB/Unimontes 1.3.5 Função metalingüística 1.3.6 Função poética A função metalingüística está centrada no próprio código, isto é, centrada na língua. O emissor usa a língua (código) para dar alguma explicação, fazer ressalvas, apresentar uma definição, um conceito etc. No fragmento a seguir, intitulado “Bisbilhotice”, de Luís Fernando Veríssimo, o autor define, primeiramente, a palavra “bisbilhotar” para, depois, introduzir o tema propriamente dito: discussão sobre o uso de grampos em telefones de magistrados e políticos brasileiros. Observe a função metalingüística no 1º parágrafo do artigo. Os dicionários são obras de caráter metalingüístico, neles usa-se a língua (código lingüístico) para definir a própria língua. A função poética enfatiza a mensagem. Se, ao ler um texto, você perceber que o objetivo da mensagem é mostrar um trabalho de elaboração da linguagem, então, você está diante da função poética. Anúncios publicitários (e políticos) recorrem freqüentemente à função poética da linguagem. Neles é comum um trabalho com o signo Bisbilhotice “Bisbilhotar” vem, se não me falha o etimológico, do italiano “bisbigliare”, que não é bisbilhotar no nosso sentido, mas quase o seu oposto. Os sinônimos de “bisbigliare” no meu dicionário italiano são “mormorare”, “sussurrare”, “dire sottovoce”. Ou seja, o que se faz para evitar a bisbilhotice dos outros. Um bisbilhoteiro brasileiro e um “bisbigliatore” italiano, conforme o dicionário, não teriam diálogo, um tentando desesperadamente ouvir o que o outro murmura ou sussurra. O que aproximaria os dois seria o fato de que é tão difícil encontrar um italiano falando baixo quanto um brasileiro. O sottovoce não pegou em nenhum dos dois povos. E o que sempre agrava as crises brasileiras – como essa dos grampos, ou da bisbilhotice banalizada e oficializada – é que ninguém, do presidente ao gari, passando por ministros e comentaristas, se segura na hora de dizer bobagens. Se ao menos as dissessem sottovoce, o dano seria menor. (...) Veríssimo. HOJE EM DIA. 7/9/2008. P. 8 - PLURAL 388 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período lingüístico (rimas, jogo de palavras, neologismos, aliterações, assonâncias) com o objetivo de provocar algum efeito de sentido no receptor. A função poética não abrange somente a poesia, embora, na poesia, a função poética seja predominante e, em outras formas de expressão lingüística, ela seja acessória. Veja os exemplos de função poética nos textos abaixo: Nos versos de Drummond, o trabalho com a linguagem (criação das rimas: amada/nada; medida/vida) produz efeito melódico. No texto de propaganda, percebe-se o jogo de palavras entre “dourados” e “cromados” para referir-se ao material empregado no produto anunciado (moto) e remeter à idéia de liberdade propiciada pela moto, ícone dos anos dourados. Houve, portanto um trabalho intencional de linguagem. 1.4 VARIAÇÕES LINGÜÍSTICAS Aliteração: repetição da mesma consoante no interior de um ou mais versos. “Quem com ferro fere, com ferro será ferido.” (provérbio) Assonância: repetição da mesma vogal no interior de um ou mais versos. Nos versos abaixo, há assonância das vogais a e o nasais. “E bamboleando em ronda dançam bandos tontos e bambos de pirilampos”. (Versos de Guilherme de Almeida) “O meu tempo e o teu, amada, Transcendem qualquer medida. Além do amor, não há nada, Amar é o sumo da vida. (In: ANDRADE, Carlos Drummond de. Amar se aprende amando. São Paulo: Record, 1990) (REVISTA VEJA, 5/12/2007. p. 120) Figura 6 C A B F E G GLOSSÁRIO 389 Língua Portuguesa UAB/Unimontes “Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na flor da idade; se uma matrona autoritária ou uma ama delicada; se um mercador errante ou um lavrador de pequeno campo fértil, [...]. (Horácio, Arte Poética) Após o estudo dos conceitos de língua, linguagem, fala, gramática e das funções da linguagem, será mais fácil e proveitoso trabalhar com as variações lingüísticas, pois são conteúdos intimamente relacionados. A língua é um valioso instrumento de ação social e seu uso, conforme seja adequado ou não, pode facilitar ou comprometer nosso relacionamento com as demais pessoas. Além disso, o uso individual da língua apresenta valores que vão além de nossa intenção de transmitir informações, idéias e pontos de vista. A escolha que fazemos das palavras, certas expressões que empregamos, nossas preferências por determinadas construções frasais têm o poder de revelar, de “denunciar” quem realmente somos, quais são nossas crenças, em que região do país nascemos, que nível social e de estudos possuímos, qual é nossa profissão, dentre muitos outros aspectos. Isso ocorre porque a língua é um sistema dinâmico, extremamente flexível, que se modela com naturalidade a diversos fatores que envolvem o falante, como religião, classe social, região geográfica, sexo, idade e a própria evolução histórica da língua e, ainda, o grau de formalidade/informalidade do contexto em que se dá a situação de fala ou Marcos Bagno é professor de lingüística da Universidade de Brasília (UnB), é um pesquisador que se dedica a criticar a idéia. Senso-comum, de que o brasileiro fala e escreve mal o próprio idioma. Essa visão atinge principalmente as camadas pobres da sociedade, por estarem distanciadas do padrão ensinado na escola. O preconceito lingüístico, porém, revela um outro preconceito: o social. “A língua, a maneira de falar, é apenas uma desculpa que as outras pessoas usam para discriminar, para excluir”, afirma Bagno. Mineiro de Cataguases, ele é autor de vários livros que desfazem mitos em torno do português falado e escrito no Brasil, como A Língua de Eulália (1997), Preconceito lingüístico – o que é, como se faz (1999), Português ou Brasileiro? (2002) e A norma oculta (2003). www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/linguistica.htm Figura 7: Marcos Bagno 390 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período escrita. Nosso contato diário com outrosfalantes em ambientes diversos – rua, clube, escola, trabalho, restaurante etc. – confirma que não há uniformidade no uso da língua. As pessoas se expressam de maneiras diferentes e isso é perfeitamente natural no interior de uma mesma língua, como é o caso da Língua Portuguesa. Essas diferenças podem se manifestar em relação ao vocabulário, à pronúncia, à morfologia e à sintaxe. Elas aparecem fortemente ligadas ao falante e são justificadas por motivos culturais, sociais, históricos, religiosos, geográficos e outros. A essas diferenças no uso da língua dá-se o nome de Variações ou Variantes Lingüísticas. Antes de prosseguirmos no estudo das Variações Lingüísticas, é bom que se esclareça que não há uma “variedade” melhor ou pior, certa ou errada, elegante ou feia, de prestígio ou sem prestígio. Essas diferenças lingüísticas são como um distintivo dos indivíduos e grupos sociais e, por isso, elas são constituintes de sua identidade. Ora, eleger uma variedade lingüística como melhor significa desprezar as outras. Ao agirmos assim, expressamos um juízo de valor (nesse caso, inaceitável) e prejulgamos os falantes, usando essas diferenças lingüísticas naturais como pretexto para a discriminação social dos indivíduos. Portanto, todas as Variações Lingüísticas são perfeitamente adequadas à realidade do grupo social e do contexto em que surgiram, desde que permitam a interação verbal entre os indivíduos, isto é, desde que permitam aos indivíduos expressarem suas necessidades comunicativas e cognitivas. 1.4.1 Tipos de variações lingüísticas As variações lingüísticas ocorrem devido a fatores geográficos (diatópicos), sócio-culturais (diastráticos), históricos ou de época (diacrônicos) e contextuais (diafásicos). 1.4.1.1 Variação geográfica A variante lingüística mais evidente no Brasil é a geográfica. Essa variante se caracteriza, principalmente, pelo acento lingüístico (altura, timbre, intensidade do som), isto é, pela maneira de pronunciar as palavras. Os habitantes de cada região apresentam “melodias” frasais diferentes, desenvolvem formas de realização lingüística que lhes são próprias e os distinguem dos falantes de outras regiões. Ao conjunto de características comuns da pronúncia de cada região denomina-se “sotaque”: sotaque mineiro, sotaque goiano, sotaque nordestino etc. ou “dialeto” regional: dialeto mineiro, dialeto nordestino 391 Língua Portuguesa UAB/Unimontes etc. Alguns aspectos fonéticos regionais bastante conhecidos dos brasileiros são, por exemplo, a pronúncia do “s” chiado do carioca; a abertura das vogais pelos nordestinos; a entoação particular dos gaúchos e o “r” bem marcado no interior de São Paulo. Exemplificando: A letra da música “Cuitelinho”, composta por Paulo Vanzolini, mostra uma variação regional, própria do espaço geográfico rural de alguns estados brasileiros. Nela, há também a influência da variação sócio-cultural, percebida no emprego de: “bera” por “beira”, “navaia” por “navalha”, “oio” por “olhos” (aspectos fonológicos) e “os oio se enche d'água por “os olhos se enchem d'água; “As garça dá...” por “As garças dão...” (aspecto morfológico). Observe, ainda, que o compositor “brinca” com as rimas para efeito melódico. A variação geográfica ocorre também no vocabulário, em Os romances “O tempo e o Vento (de Érico Verissimo) e “Vidas Secas” (de Graciliano Ramos), por exemplo, são obras em que você encontra vocabulário típico da região geográfica em que o enredo se situa. Morfologia: Estudo do signo lingüístico reduzido à sua expressão mais simples (morfema) e a combinação entre esses morfemas formando unidades maiores como a palavra e o sintagma. Cuitelinho: Diminutivo de cuitelo. Nome popular dos beija-flores. Cuitelinho Cheguei na bera do porto Onde as onda se espaia. As garça dá meia volta, Senta na bera da praia. E o cuitelinho não gosta Que o botão de rosa caia. Quando eu vim de minha terra, Despedi da parentaia. Eu entrei no Mato Grosso, Dei em terras paraguaia. Lá tinha revolução, Enfrentei fortes bataia. A tua saudade corta Como o aço de navaia. O coração fica aflito, Bate uma, a outra faia. E os oio se enche d'água Que até a vista se atrapaia. (In: Marcos Bagno. A língua de Eulália São Paulo: Contexto, 1997. p. 45-6.) Figura 8: Cuitelinho DICAS C A B F E G GLOSSÁRIO 392 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período algumas estruturas frasais e nas designações diferentes para o mesmo significado, que uma palavra pode adquirir de uma região para outra. Assim é que usamos “mandioca”, “aipim” ou “macaxeira”; “pernilongo” ou “mosquito”, dependendo de nossa região de origem. Em Montes Claros, Minas Gerais, por exemplo, o objeto escolar onde se guardam lápis, borracha e canetas chama-se “estojo”, no Paraná é “penal” (de pena + al) estojo para guardar penas, lápis etc. Embora a palavra “penal” conste do dicionário como um regionalismo de Minas Gerais, ela não é usada entre os mineiros. E as variações geográficas se concretizam nas expressões típicas dos nordestinos: “OXENTE, BICHINHO (indicando admiração); VISSE? (ouviste), CABRA MACHO DA MULESTA (indivíduo corajoso, valentão); no “BAH, TCHÊ” dos gaúchos ou no uso freqüente do diminutivo pelos mineiros: “COITADINHO, TADINHO” (coitado) ou mesmo na redução desses diminutivos: “TADIN” (coitadinho), “BONZIN” (bonzinho) etc. Exemplificando: Abaixo, apresentamos-lhe um texto de Luís Fernando Veríssimo, escritor gaúcho, como exemplo de variação geográfica. Observe o emprego de palavras e expressões peculiares aos falantes gaúchos nos diálogos encenados pelo analista e seu paciente. 1.4.1.2 Variação sócio-cultural Apócrifo: não autêntico, falso, suposto Bombacha: calças largas, apertadas acima dos tornozelos por meio de botões; vestimenta típica do gaúcho campeiro. Pelego: Pele de carneiro com a lã. Abancar: tomar assento à banca ou à mesa. Marca: cada um dos passos ou evoluções de uma dança. Charlar: tagarelar, falar à toa. Pereba: pequena ferida, sarna. O Analista de Bagé Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar. Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão. — Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho. — O senhor quer que eu deite logo no divã? — Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro. — Certo, certo. Eu... C A B F E G GLOSSÁRIO As condições sociais influenciam decisivamente o modo de falar dos indivíduos. A idade, a experiência de vida do falante, seu grau de maturidade condicionam sua atuação lingüística. A variação sócio-cultural corresponde, principalmente, a diferenças que se percebem na fonologia (“muié” por “mulher”, “lâmpida” por “lâmpada”, “frecha” por “flecha”, “isquentá” por “esquentar”) e na morfologia (“nós vamu”, por “nós vamos, “as pessoa” por “as pessoas”). Exemplificando: Nos quadrinhos, para opor, humoristicamente,“céu” e “inferno”, o autor se vale da linguagem popular, com bastante criatividade. As variedades faladas pelos indivíduos de classe social menos 393 Língua Portuguesa UAB/Unimontes — Aceita um mate? — Um quê? Ah, não. Obrigado. — Pos desembucha. — Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano? — Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope. — Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe — Outro. — Outro? — Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque. — E o senhor acha... — Eu acho uma pôca vergonha. — Mas... — Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê! Texto extraído do livro "O gigolô das palavras", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág. 78 O filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”, de Carla Camurati, (1995) representa uma ótima oportunidade de se verificar as diferenças entre o modo de falar de portugueses e brasileiros. www.portalimpacto.com.br Figura 9: Quadrinhos Usou-se (pre)conceitos para salientar que, de acordo com a sociolingüística, todas as variações se correspondem, todas são adequadas às mais diferentes situações sociais de que participamos. Seja qual for a variante usada, ela possibilita que os membros de uma sociedade estabeleçam relações comunicativas, afetivas e humanas. DICAS PARA REFLETIR 394 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período favorecida são denominadas populares, enquanto as variedades cultas associam-se às classes de maior prestígio e servem de referência para a norma escrita. Existe, no Brasil, uma tendência à discriminação da variante popular, geralmente fundamentada nos (pre)conceitos de que seus falantes não dominam a norma padrão, usam seus próprios recursos para se comunicarem, cometem “erros” que viciam e empobrecem a língua Outros fatores responsáveis pelas variantes sócio-culturais são: a idade do falante, a classe social a que pertence, a raça, a religião, a profissão. Variações lingüísticas referentes ao sexo também ocorrem no Português. É mais comum às mulheres, por exemplo, o uso de diminutivos: “comidinha”, “nenenzinho”, “belezinha” e mais freqüente que os homens usem aumentativos: “amigão”, “Fernandão”, “partidão” (referindo-se a uma boa partida de futebol). Além desses exemplos, algumas palavras e expressões de nossa língua se destinam exclusivamente ao uso pelas mulheres (“obrigada”, “grata”, “eu mesma”, “eu própria”) e outras, apenas ao uso do sexo masculino (“obrigado”, “grato”, “eu mesmo”, “eu próprio”). No Brasil, a variação sócio-cultural é bastante evidente. Quanto mais cultura o cidadão tiver, mais bem estruturadas serão suas frases, mais rico seu vocabulário, ao contrário do falar das pessoas com pouco ou nenhum estudo. Um enfermeiro ou um técnico em enfermagem, por exemplo, dominam um vocabulário específico de sua área e são capazes de sustentar um diálogo eficiente com os demais profissionais com quem convivem. A profissão condiciona o falante ao uso de expressões típicas de sua área de atuação. Profissionais da área médica, por exemplo, têm gírias específicas com as quais interagem, mesmo à vista do paciente leigo no assunto, sem que este compreenda de que trata. Do vocabulário específico dos profissionais se formam as gírias, que facilitam a comunicação entre eles e os caracterizam. As gírias ligadas a profissões ou determinados grupos sociais (estudantes, capoeiristas, internautas) são denominadas “jargão”. A idade é outro fator que influencia as diferenças sócio-culturais Vários fatores como a profissão, a idade, o sexo, a religião, dentre outros e o convívio no meio social determinam as escolhas e os hábitos lingüísticos das pessoas. Você se importa com a impressão que causa nos outros, quando usa uma linguagem inadequada ao contexto? São alguns exemplos de jargões médicos “Evoluir o paciente” (fazer anotações, descrições no prontuário); “CT de crânio” (tomografia computadorizada); “Bexigoma” (repleção ou distensão vesical. A gíria inexiste no dicionário) Gírias populares: bafafá: confusão; patavina: nada; araque: sem valor, mentira; arco da velha: muito antigo; etc. Advogados usam “peticionar”; eu, sua professora de Português, uso “pedir” ou “solicitar”, porque, na minha profissão,“ não entro com uma ação perante o juiz. PARA REFLETIR 395 Língua Portuguesa UAB/Unimontes de adolescentes e idosos. Os jovens são, comumente, mais abertos a inovações lingüísticas advindas do avanço tecnológico, enquanto os idosos se mostram mais reservados a isso, são mais conservadores das estruturas e usos já internalizados. Todos os fatores mencionados comprovam que o uso da língua está subordinado ao nível social e cultural das pessoas. Nossa fala é o produto de tudo aquilo que nos fez chegar ao que somos hoje: o convívio com nossa família, com os amigos, os livros que lemos, os filmes a que assistimos, a religião que praticamos, nossas crenças e valores, enfim, é nossa experiência de vida que determina nossas escolhas e essas escolhas nos dão identidade. 1.4.1.3 Variação histórica Incluem-se, também, no âmbito das variações lingüísticas, aquelas denominadas históricas ou de época. São variações que ocorrem por um processo natural de desenvolvimento e enriquecimento das línguas, ocasionado pelo avanço social, político, tecnológico, científico e cultural das sociedades. Assim é que algumas palavras “envelhecem”, entram em desuso, passam a figurar apenas nos dicionários, porque aquilo que elas designavam também deixou de ser usado ou foi substituído por algo mais eficiente. É o caso, por exemplo, da palavra “escarradeira”. Se ela já foi utensílio de destaque na sala de visitas das famílias patriarcais (literalmente significando “cuspideira”, “vaso em que se escarra”), hoje essa palavra é inteiramente desconhecida das gerações mais jovens. Motivo? Desapareceram a casa grande e a senzala, logo, o hábito de se cuspir em vaso também desapareceu e, com ele, a palavra que o acompanhava. Algumas palavras e expressões, às vezes, mudam seu significado e outras mais antigas, ainda em uso, alteram sua grafia para acompanharem a evolução social. Essa mesma evolução social é responsável, em contrapartida, por um incontável número de palavras e expressões novas que invadem nosso cotidiano, cada vez mais repleto de tecnologias. As palavras em desuso são chamadas “arcaísmos” e as de criação recente são denominadas “neologismos”. Muitos escritores brasileiros desfrutam de sua liberdade de uso da língua para criar neologismos singulares que notabilizam seu estilo e enriquecem nossa literatura. Guimarães Rosa se destaca nesse trabalho. Observe um fragmento de seu estilo literário em que ele apresenta alguns neologismos. Os textos que analisaremos a seguir ilustram a variação histórica. Para aprofundar seus conhecimentos sobre a variação sócio-cultural, sugerimos que você faça a leitura do livro: A Língua de Eulália – novela sociolingüística, de Marcos Bagno, editora Contexto, São Paulo. O enredo leva o leitor a um passeio prazeroso pela Sociolingüística – ciência ainda nova – e lhe permite uma compreensão mais ampla do papel das variantes sócio-culturais. DICAS 396 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Observe que as palavras “collyrio” e “Brazil” figuram nos dias atuais com a mesma acepção, mas com grafia diferente. À época da veiculação dotexto I (em 1934), ele era conhecido como “reclame” (vindo do francês “réclame”), termo que também “envelheceu”. Atualmente, esse gênero textual é conhecido como: comercial, anúncio, propaganda (texto de propaganda). É importante ressaltar, ainda, que o espaço rural ou urbano é também responsável por determinadas características da língua. A região rural, por sua localização mais afastada dos centros urbanos, tende a manter uma certa regularidade no uso da língua e é menos afeita a novidades lingüísticas. A região urbana, ao contrário, tende a ser mais flexível a essas novidades, à criação de nomes para designarem novas técnicas, aparelhos, remédios, doenças, veículos etc. e as incorpora com maior facilidade. Assim sendo, pode-se concluir que os falares urbanos são mais dinâmicos, pois refletem a velocidade das mudanças, os apelos e as exigências das grandes cidades. 1.4.1.4 Variações contextuais “Do demo? Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfalam no nome dele – dizem só: o Que-Diga. [...] Doideira. A fantasiação. E o respeito de dar a ele assim esses nomes de rebuço, é que é mesmo que ele forme forma, com as presenças.” (Do livro “Grande Sertão: Veredas”. João Guimarães Rosa. p. 26). Figura 10: Redame (1934) e Embalagem atual do colírio (2008) www.farmaciaviverbememcasa.com.br 397 Língua Portuguesa UAB/Unimontes Como o próprio termo indica, variações contextuais são decorrentes do contexto, ou seja, da situação de comunicação. Elas nascem do comportamento lingüístico do indivíduo. Ora, por experiência pessoal, sabemos que há ambientes e situações que permitem o uso de uma linguagem bastante informal (um diálogo afetivo com uma criança), outros que requerem um nível mais formal de linguagem (apresentar um tema em um congresso científico). Um falante não utiliza a mesma variante em todas suas atividades lingüísticas. No ambiente familiar, por exemplo, em que as pessoas não estão preocupadas com uma comunicação dentro da norma padrão, o falante usará uma linguagem mais descontraída; no ambiente de trabalho, certamente utilizará uma linguagem mais técnica, específica de sua profissão; em algum evento social de caráter cerimonioso utilizará uma linguagem mais formal, diferentemente do que faria se estivesse assistindo a uma partida de futebol de seu time. Assim, o falante pode se permitir escolher a linguagem mais adequada à situação comunicativa e, mesmo sendo extremamente escolarizado e culto, nada o impede de usar uma gíria num bate-papo com amigos. Exemplificando: O texto em quadrinhos que apresentamos para exemplificação encena exatamente o que se acabou de afirmar no parágrafo acima. O quadrinista Angeli simula uma situação de poder exercida através da linguagem. O político (detentor do poder) usa uma linguagem formal, cerimoniosa e “postiça” para coagir o depoente (pessoa mais simples: roupas informais; frases curtas afirmativas, denotando respeito). O humor decorre da passagem inesperada da linguagem formal para a informal. Quando o político se sentiu ameaçado, deixou de lado a l inguagem artif icial e passou a exercer sua “autoridade” com uma linguagem informal e mesmo agressiva. Isso reforça, pois, a idéia de que a situação ou contexto em que se dá a comunicação condiciona o comportamento lingüístico do falante. Observe: 1 . 5 N Í V E I S D E LINGUAGEM Fonte: In: Platão e Fiorin. Lições de texto: leitura e redação. SP: Ática. 2004 Figura 11: Texto em quadrinhos 398 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Ate aqui, insistimos no fato de que não falamos sempre do mesmo jeito, de que podemos nos valer de diversas variantes lingüísticas, conforme a circunstância em que se dá a comunicação. Dessas poss ibi l idades de uso da l íngua surgem, conseqüentemente, diferentes tipos de linguagem, cada qual com suas especificidades. Essas variações de uso da língua por um mesmo falante recebem o nome de registros ou níveis de linguagem. Estudiosos da sociolingüística consideram que são três os níveis de linguagem: nível culto, familiar e popular. 1.5.1 Nível culto (formal) Correspondente à linguagem cuidada, com observância às normas da língua padrão, utilizado por falantes altamente escolarizados – intelectuais, diplomatas, cientistas, literatos. Empregado, principalmente, na forma escrita e em situações de maior formalidade. O vocabulário é amplo, apurado, preciso, as construções mais elaboradas. Exemplificando: O texto a seguir é parte da resposta de um profissional a alguém que pôs em dúvida a seriedade de seu trabalho. Apesar de ser um desabafo – desabafos geralmente são emocionais – o articulista mantém o tom da gravidade do assunto e usa a linguagem formal cujo vocabulário é objetivo, amplo e as estruturas frasais mais complexas. 1.5.1.1 Nível familiar (comum) Fala quem pode “[...] Todo o relato descrito pela senhora reclamante pode ser verificado diretamente e com precisão na central de regulação. Todas as ligações telefônicas e transmissões do Samu são gravadas: podem-se verificar os horários, que tipo de informação o solicitante passou, se houve um segundo telefonema, que tipo de ambulância compareceu, o momento exato de sua chegada, o que foi falado no rádio etc. A acusação de omissão de socorro (artigo 135 do Código Penal, 'deixar de prestar assistência...') feita pela reclamante é séria e deveria ser oficialmente protocolada por ela. Apesar disso, ela se contradiz ao relatar que o paciente em questão chegou a ser atendido. A reclamante desconhece que a ambulância enviada ao local é aquela que estiver mais próxima e disponível. Todas as unidades básicas (USB) dispõem de 399 Língua Portuguesa UAB/Unimontes desfibrilador automático, equipamento essencial ao atendimento da parada cardiorrespiratória ocorrida nesse caso. [...] A 'burocracia' citada por ela é extremamente simples (basta se identificar endereço da ocorrência, situação da vítima e seguir orientações do médico), mas deve ser explanada com o mínimo de clareza e educação pelo solicitante, sem agressões verbais à equipe do Samu, o que infelizmente ocorre freqüentemente. Desconhece que todo este sistema organizado e hierarquizado é pioneiro no Brasil. O seu modelo e os protocolos seguidos por ele são adaptados de países como a França e Estados Unidos. Esta estrutura possibilita que uma sala de emergência seja montada na Savassi ou em Ribeirão das Neves, na rua ou em domicílio, em casa ou no 10º andar, dentro da favela ou na estrada e dentro do carro. [...]” (Jornal Estado de Minas, 4 de setembro/2008. P. 2 Caderno Cultura. Texto fragmentado). Representa a linguagem que foge às formalidades e aos requintes gramaticais. Pode servir tanto à utilização oral como à escrita. Caracteriza-se por construções gramaticais mais simples, incluindo frases freqüentemente curtas e coordenadas, repetições. É um registro intermediário das categorias culta e popular. Caracteriza, geralmente, o falante medianamente escolarizado. Exemplificando: Por onde passam, os brasileiros deixam marcas – para as boas e más línguas. Na Inglaterra não deve ser diferente. Acredito até que, logo, logo, em vez do chá das cinco, a realeza vai é entrar no ritmo do pandeiro e do tamborim. (Estado de Minas, 5 de setembro/2008. P. 36 – Texto fragmentado). 1.5.1.2 Nível popular Esse registro constitui uma variante informal de menor prestígio, se comparado ao registro familiar. Representa um ato de falamais descontraído, espontâneo, concreto e subjetivo. Distancia-se das normas gramaticais, o vocabulário é restrito, aparecem redundâncias e gírias. Caracteriza o falante com baixo ou nenhum grau de escolaridade. Nessa modalidade popular, aparece também o registro vulgar em que se empregam termos chulos e obscenos. Aproveite as oportunidades de situações de fala em seu dia-a-dia para verificar a riqueza de contrastes que cada situação oferece. Faça um registro de palavras, ou expressões, “estranhas” a seus ouvidos, termos regionais, gírias, jargões profissionais e tudo que você julgar interessante do ponto de vista lingüístico. Escreva, após, um texto empregando essas palavras de modo bem criativo. ATIVIDADES 400 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período Exemplificando: “Eu acho que a gente tem de colocar no poder quem ajuda a gente. Coloco meus filhos e os vizinhos pra ajudar também. Não tô passando fome por causa do benefício que ele me dá”, considera ela, que também afirma nunca ter visto rosto do ministro. (Caderno Distrito Federal, HOJE EM DIA, p. 7, fragmento, 24 agosto 2008). As discussões sobre as variações lingüísticas que fizemos até aqui confirmam que diversos fatores envolvem o processo de comunicação, condicionando as escolhas lingüísticas do falante. É essa mobilidade da língua que permite a seu usuário realizar com eficiência seus atos de fala e escrita. Portanto, prezado aluno, você que inicia seus estudos das línguas e linguagens, lembre-se de que o conhecimento das variações lingüísticas é, também, um conhecimento cientificamente fundamentado nas relações humanas. Compreender, realmente, as variações lingüísticas, fato concreto em nosso Português, possibilitará que você seja um falante mais cuidadoso, mais humano, capaz de compreender seu semelhante e ser compreendido, exercitando sua consciência crítica e cidadã. Assim sendo, ao usar a língua, ajustando-a às especificidades da situação de comunicação, você demonstrará bom-senso, maturidade intelectual e capacidade crítica nos processos de leitura e de produção de textos. 1.6 LINGUAGEM ORAL E LINGUAGEM ESCRITA Nesta subunidade, vamos conversar sobre a distinção entre linguagem oral e linguagem escrita. Temos alguns esclarecimentos a fazer, pois, geralmente, as pessoas não distinguem bem essas duas modalidades principais da língua portuguesa. Já apresentamos, no item 1.5., os níveis de linguagem e vamos recorrer a eles, aqui, para início de conversa. As modalidades oral e escrita do Português não apresentam as formas, os recursos expressivos ou a gramaticalidade idênticas. Independente da utilização de um mesmo nível de linguagem para a comunicação oral ou escrita, cada comunicação apresentará suas especificidades, suas características peculiares. Então, vamos lá! Há, realmente, diferenças marcantes entre fala e escrita, pois cada modalidade está diretamente relacionada a um contexto sociocultural, a um propósito definido, a particularidades lingüísticas do falante. 1.6.1 Linguagem oral Preste atenção a situações de interlocução entre as pessoas nos ambientes que você freqüenta. Você é capaz de caracterizar um falante desconhecido pela linguagem que ele usa? Habitue-se a fazer essa análise e você verá como é enriquecedor (e também interessante) perceber o outro pelo uso da língua. ATIVIDADES 401 Língua Portuguesa UAB/Unimontes A linguagem oral é espontânea, livre e informal. Essas características se justificam porque, na comunicação oral, há o contato direto dos interlocutores e pode-se contar também com recursos extralingüísticos: gestos, expressões faciais e corporais, postura etc. Também, estando em um mesmo ambiente, os falantes podem recorrer a objetos desse ambiente para facilitar a comunicação de suas idéias, de informações ou emoções. É por isso que se diz que a linguagem oral é mais criativa. Ela não se prende inteiramente às regras gramaticais, seu vocabulário é mais reduzido e constantemente renovado. Exemplificando : 1.6.2 Linguagem escrita A linguagem escrita é mais elaborada, cuidada, é presa às regras da gramática e ao padrão considerado culto. Apresenta vocabulário apurado e preciso. É importante ressaltar que, na comunicação escrita, locutor e interlocutor estão a distância, o contato ente eles é indireto. Assim, a linguagem escrita é mais conservadora em sua constituição, é mais refletida, exige maior esforço de elaboração por parte do falante, que deve “cumprir”, eficientemente, suas intenções comunicativas com um interlocutor “ausente”. Apesar de apresentarem essas diferenciações básicas, tanto a linguagem oral como a escrita apresenta níveis ou registros. Lembra-se de que já estudamos os níveis ou registros de fala? Então, situações formais, Não há oposição irredutível entre a linguagem falada e a escrita, mas “uma interação, que admite graus diversos de influência da língua falada na língua escrita.” (in A Língua Portuguesa e a unidade do Brasil, de Barbosa Lima Sobrinho, editora José Olympio). Contraponto Animador de auditório Surfando em índices de aprovação sempre acima dos 70% em Pernambuco, Lula se soltou durante a inauguração de um campus da Universidade Federal Vale do São Francisco, ontem, em Petrolina. O presidente criticou a “elite” que se forma “no exterior” e vai à praia de Boa Viagem. Ao lado de uma aluna de psicologia, perguntou: Você tem namorado, Janaína? Diante da negativa da moça, emendou: Já que você não tem namorado, eu vou lhe dar um beijo mais carinhoso... E, sem medo de ser feliz, tascou um beijo na bochecha da universitária, para delírio da platéia. FOLHA DE S. PAULO, sexta-feira, 5 de setembro de 2008. p.A4 “... a língua escrita, ou melhor, a linguagem literária se nutre da linguagem falada, sob pena de se tornar língua morta, como sucedeu com o latim...” (Lima Sobrinho) O que você infere sobre a língua falada, a partir dessa afirmativa? Escreva suas conclusões. PARA REFLETIR ATIVIDADES 402 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período seja falando ou escrevendo, exigem maiores cuidados de pronúncia e de escrita. Em situações informais, a expressão lingüística se adapta também ao grau de formalidade ou informalidade (em família, no trabalho, na igreja, na escola) e as preocupações com a correção gramatical tornam-se menos rigorosas. Imagine, por exemplo, se você falaria com seus amigos durante um churrasco na casa de um deles, do mesmo modo como falaria a acionistas de uma empresa durante uma reunião de negócios. É claro que não! O mesmo ocorre com a comunicação escrita: uma mensagem pessoal e afetiva para um amigo apresentará traços informais, subjetivos; para o diretor de uma empresa terá, sem dúvida, uma linguagem mais elaborada, mais neutra e objetiva. Exemplificando: Para que você possa analisar melhor as características entre fala (linguagem oral) e escrita (linguagem escrita), apresentamos-lhe o seguinte quadro comparativo: Finalmente, é bom relembrar que só há interação quando o falante ajusta sua linguagem ao destinatário. Nosso português é uma língua riquíssima e oferece múltiplas possibilidades de recursos e usos. Cabe, pois, ao falante a escolha adequada desses recursos para garantir uma comunicação eficiente. No entanto, mesmo que você saiba que não se pode estigmatizar o ato de fala do indivíduo socialmente desfavorecido, nossa sociedade valoriza o domínio da língua escrita, pois ela é fundamentalpara a compreensão da informação tecnológica e científica, para a promoção do indivíduo e para a transformação social. Afra Balazina da reportagem local O sistema de monitoramento independente do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) aponta queda na taxa de desmatamento da floresta amazônica em 2008, em comparação com o pe-ríodo anterior. A avaliação ocorre poucos dias após o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostrar aumento do desflorestamento na região. . FOLHA DE S. PAULO, sexta-feira, 5 de setembro de 2008 p. A16 compreensão da informação tecnológica e científica, para a promoção do indivíduo e para a transformação social. 403 LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA 1. SITUAÇÃO / CONTEXTO 2. CARACTERÍSTICAS Locutor e interlocutor frente a frente ISSO POSSIBILITA: perceber de imediato as reações do interlocutor redirecionar a mensagem a partir das reações do interlocutor reformulação simultânea da mensagem, tanto pelo locutor como pelo interlocutor. Locutor e interlocutor a distância ISSO IMPOSSIBILITA: perceber de imediato as reações do leitor redirecionar a mensagem a partir das reações do leitor reformulação da mensagem, pois sua produção foi anterior Vocabulário espontâneo, res - trito, repetições de palavras. Emprego de gírias, neologismos. Liberdade na colocação dos pronomes (Me empreste o lápis). Frases incompletas, com implícitos e subentendidos. Emprego de formas contraídas (cê, pra) e omissão de palavras no interior das frases. Maior freqüência de ora ções curtas e orações coordena-das. Ausência de pronomes relati - vos (onde, cujo). Presença de clichês, cha -vões, frases feitas, provérbios. Subjetividade, emotividade (interjeições, diminutivos, aumentativos). Vocabulário formal, amplo, mais apurado. Emprego de termos técnicos Rigor na colocação pronominal (Empreste -me o lápis) Frases completas, com clareza das idéias. Frases construídas com rigor gramatical, sem omissões e ambigüidades. Uso de orações coordenadas e subordinadas, mais elabo - radas. Emprego maior de pronomes relativos. Uso de frases criativas e expressivas. Neutralidade, objetividade. Quadro 1 Língua Portuguesa UAB/Unimontes 404 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período ANTUNES, I. Aula de português: encontros e interação. São Paulo: Parábola, 2004. BENTES, A. C. & MUSSALIN, Fernanda.(orgs). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. FIORIN, José Luís. Teorias do discurso e ensino da leitura e da redação. In: Gragoatá. n.1 (2. sem. 1996). Niterói: EDUFF, 1996. PETTER, Margarida. Linguagem, língua e lingüística. In: FIORIN, José Luiz (org). Introdução à lingüística. São Paulo: Contexto, 2005. REFERÊNCIAS 405 Língua Portuguesa UAB/Unimontes 2UNIDADE 2LEITURA APRESENTAÇÃO “Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitar as estrelas, entrar no corpo de animais, fluir com a seiva das plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de existir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas, ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando, ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder, passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dos números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho... Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!” LEITURA “Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitar as estrelas, entrar no corpo de animais, fluir com a seiva das plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de existir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas, ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando, ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder, passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dos números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho... Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!” Como já dizia Rubem Alves, Esperamos que nesta unidade, você possa compreender a importância da leitura em nossa vida cotidiana e apreenda as maravilhas de se inserir neste mundo tão rico. Avante!!! Nas subunidades: 2.2 Caracterização 2.3 Processos de leitura 2.4 Fatores intervenientes no “ato de ler”, procuramos mostrar que LER significa DECODIFICAR, INTERPRETAR, CONHECER e, para que o processo de leitura se dê satisfatoriamente, é necessário que o leitor interaja com o texto, buscando retirar informações que lhe possibilitem construir seu significado através das estratégias de leitura. Iniciemos então essa nova jornada. Boa leitura! Como já dizia Rubem Alves, Esperamos que, nesta unidade, você possa compreender a importância da leitura em nossa vida cotidiana e apreenda as maravilhas de se inserir neste mundo tão rico. Avante!!! 406 Pedagogia Caderno Didático III - 1º Período 2.1 CARACTERIZAÇÃO 2.2 PROCESSOS DE LEITURA O ato de ler caracteriza-se pelo processo de construir significados a partir de um texto. Esse processo se torna possível por causa da interação entre os elementos textuais e os conhecimentos do leitor. Quanto maior essa interação, maiores as possibilidades de sucesso na leitura. Um texto é uma unidade básica de comunicação que possui vários sentidos (é polissêmico), permitindo assim que cada leitor possa ter uma interpretação de acordo com o seu conhecimento de mundo. É claro que essa interpretação será limitada pelos aspectos formais que o compõem, como o vocabulário, a combinação das palavras na frase e a escolha dos tempos verbais que não permitirão que o leitor fuja dos limites do texto. Não é qualquer sentido que pode ser dado a qualquer texto. Há um limite a ser respeitado. Pretendemos nesta subunidade ressaltar a importância do conhecimento prévio para o processo de leitura. Acreditamos que o presente estudo possa contribuir para a prática educativa à medida que visa propor questões para um melhor aperfeiçoamento da habilidade de leitura em esferas formativas. Todo e qualquer processo de aprendizagem envolve troca de conhecimentos e, portanto, interação. Ocorre que ter ou não ter conhecimento prévio. A palavra “ler” advém do Latim “Legere” e significa ler, colher. Ler significa colher conhecimentos, sendo que quanto mais eficiente for a leitura do indivíduo, maior será sua capacidade de adquirir conhecimento sobre o meio que o cerca e relacionar-se com esse meio de maneira significativa. Nesse sentido, o ato de ler não pode ser entendido como a ação de juntar palavras, como um processo mecânico de decodificação. A prática de leitura vai, além disso, trata-se da associação de idéias, da produção de sentidos, o que, por sua vez, requer, impreterivelmente, uma dinâmica interacional para que de fato ela ocorra. Conforme Kleiman (2004), o conhecimento prévio é elemento indispensável para a compreensão de todo
Compartilhar