Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Prova: Direito Empresarial II – 01/10 1. Sociedade limitada A sociedade limitada representa, com certeza, o tipo societário mais utilizado na praxe comercial brasileira, correspondendo a aproximadamente mais de 90% dos registros de sociedade no Brasil. A grande presença de sociedades limitadas no meio empresarial se deve basicamente ao fato de ela ostentar duas características específicas que a tornam um tipo societário bastante atrativo para os pequenos e médios empreendimentos: a contratualidade e a limitação de responsabilidade dos sócios. 1.1. Legislação aplicável Comparando-se a sociedade limitada com os demais tipos societários conhecidos, pode-se afirmar que se trata do “filho caçula” do direito societário, cujo nascimento se deve ao atendimento dos anseios dos pequenos e médios empreendedores, os quais reclamavam a existência de um tipo societário que permitisse a limitação de responsabilidade dos sócios, mas não possuísse um modelo legal rígido, complexo e burocrático como o das sociedades anônimas. Ao contrário do que ocorreu com os demais tipos societários, portanto, que surgiram em decorrência da evolução de sociedades construídas no período do surgimento do direito comercial, a sociedade limitada foi criada pelo legislador com uma finalidade muito clara: permitir que pequenos e médios empreendedores gozassem da prerrogativa de limitação de responsabilidade sem, para tanto, ter que constituir uma sociedade anônima. Com efeito, por muito tempo os pequenos e médios empreendimentos não possuíram um modelo societário que reunisse as duas características apontadas no tópico antecedente: contratualidade e limitação de responsabilidade. A flexibilidade decorrente da contratualidade era restrita às sociedades de pessoas, enquanto a limitação de responsabilidade era restrita às sociedades anônimas. Era preciso, pois, criar um novo modelo societário, que aliasse a contratualidade das sociedades de pessoas com a limitação de responsabilidade das sociedades anônimas. Foi na Alemanha, no final dos anos 1800, após a guerra franco-prussiana, que isso ocorreu. No Brasil, a sociedade limitada surgiu com a edição do Decreto 3.708/1919, a chamada Lei das Limitadas, que cuidava da sociedade por quotas de responsabilidade, como era chamada, como um tipo híbrido, que conjugava características típicas das sociedades institucionais de capital (a sociedade anônima) com características específicas das sociedades contratuais de pessoas. Esse modelo adotado pelo legislador brasileiro mereceu muitas críticas da doutrina da época, que tratava a limitada ora como uma sociedade de pessoas, ora como uma sociedade de capital. A própria lei, por exemplo, às vezes invocava preceitos inerentes às sociedades contratuais personalistas, e outras vezes se reportava a dispositivos da legislação relativa às sociedades anônimas. Atualmente, a sociedade limitada é um modelo societário empresarial típico, regulado por um capítulo próprio do Código Civil (arts. 1.052 a 1.087), que finalmente conferiu um novo perfil a essa sociedade, começando por lhe atribuir nova nomenclatura: de sociedade por quotas de responsabilidade limitada passou a ser apenas sociedade limitada. 2. Contrato social Segundo o art. 1.054 do Código Civil, o contrato social da sociedade limitada “mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o caso, a firma social”. Por sua vez, o art. 997 do Código Civil, que já analisamos com detalhes quando estudamos a sociedade simples pura, estabelece que “a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV – a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais”. Perceba-se que o art. 1.054 do Código, ao fazer referência ao art. 997, dispõe que ele se aplica à sociedade limitada “no que couber”. Assim, o legislador deixou claro que nem todas as matérias relacionadas no art. 997 precisam constar do contrato social de uma sociedade limitada. É o caso, por exemplo, do inciso V, que menciona “as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços”. É que, conforme será destacado adiante, na sociedade limitada não se admite o chamado sócio de indústria, que contribui apenas com a sua força de trabalho (art. 1.055, § 2.°, do Código Civil). Já vimos também que esse rol de indicações que deve conter o contrato social, previsto no art. 997 do Código, não é exaustivo, aplicando-se também outras exigências contidas na legislação pertinente para fins de registro. 2.1. Necessidade de contrato escrito O contrato social da sociedade limitada deve ser escrito porque os sócios deverão levá-lo a registro no órgão competente. Caso a sociedade limitada seja empresária, o contrato social deve ser registrado na Junta Comercial; caso a sociedade limitada seja simples (isto é, não tenha por objeto o exercício de empresa) o contrato social deve ser registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. É o que prevê o art. 1.150 do Código Civil: “o empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária”. 2.2. Qualificação dos sócios e da sociedade O contrato social da sociedade limitada também deve mencionar, de acordo com o inciso I do art. 997 do Código Civil, “nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas”. Após a qualificação dos sócios, deve o contrato social qualificar a própria sociedade limitada, mencionando “denominação, objeto, sede e prazo da sociedade” (art. 997, inciso II, do Código Civil). Por fim, a definição da sede e do prazo da sociedade também é algo importante. A sede definirá a Junta Comercial ou o Cartório onde será feito o registro do contrato social, enquanto o prazo definirá o período de duração da sociedade, lembrando-se apenas de que em regra as sociedades são constituídas por prazo indeterminado. 2.3. Capital social O contrato social da sociedade limitada deve necessariamente mencionar, segundo o art. 997, inciso III, do Código Civil, é o “capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária”. O capital social, conforme já mencionamos, corresponde ao montante de contribuições dos sócios para a sociedade, a fim de que ela possa cumprir seu objeto social. O capital social deve ser sempre expresso em moeda corrente nacional, e pode compreenderdinheiro ou bens suscetíveis de avaliação pecuniária (bens móveis, imóveis ou semoventes; materiais ou imateriais). No que se refere ao aumento do capital social, dispõe o art. 1.081 do Código Civil que, “ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato”. Os sócios têm direito de preferência para participar desse aumento, nos termos do § 1° da regra em questão: “até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares”. Essa preferência pode ser cedida, desde que obedecida a regra do art. 1.057 do Código. É o que diz o § 2°: “à cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art. 1.057”. Já o § 3°, por sua vez, estabelece que “decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato”. No que se refere à redução do capital social, quem cuida da matéria é o art. 1.082 do Código Civil, segundo o qual “pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I – depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II – se excessivo em relação ao objeto da sociedade”. 2.4. Subscrição e integralização das quotas Definido o capital social da sociedade, deve o contrato social mencionar “a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la” (art. 997, inciso IV, do Código Civil). Na sociedade limitada, “o capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio” (art. 1.055 do Código Civil). Vê-se, pois, que o ordenamento jurídico brasileiro acolheu o sistema da pluralidade de quotas, mas não na sua concepção pura, de inspiração francesa, segundo o qual o capital social é dividido em diversas partes iguais. No Brasil, conforme se percebe da leitura do art. 1.055, o capital social pode ser dividido em partes iguais ou desiguais, ou seja, o nosso ordenamento jurídico se afastou de outras tendências do direito comparado: (I) ao não estipular um valor predeterminado para as quotas, mínimo ou máximo; (II) ao não consagrar a exigência de integralização inicial de um certo percentual do capital social total; (III) ao não fixar qualquer prazo para a sua efetiva integralização; e (IV) ao não exigir um capital mínimo para a constituição da sociedade. Cada sócio deve subscrever uma parte do capital, ficando, consequentemente, responsável pela sua respectiva integralização. Portanto, todos os sócios têm o dever de subscrição e integralização de quotas, isto é, todos os sócios têm o dever de adquirir quotas da sociedade e de pagar por essas respectivas quotas, contribuindo para a formação do capital social, ainda que essa contribuição seja ínfima. Efetivar a contribuição prometida no tempo e na forma previstos no contrato social é o principal dever de qualquer sócio. A contribuição do sócio, ou seja, o modo de integralizar suas quotas, pode ser feita de diversas formas: com bens – móveis ou imóveis, materiais ou imateriais –, dinheiro, entre outras. Na sociedade limitada, porém, não se admite a contribuição em serviços, conforme previsão expressa do art. 1.055, § 2°, do Código Civil: “é vedada a contribuição que consista em prestação de serviços”. Por fim, o regramento da sociedade limitada também se preocupou em disciplinar especificamente a situação do sócio remisso, que é o sócio que está em mora quanto à integralização de suas quotas, nos termos do art. 1.004 do Código Civil. De acordo com o art. 1.058 do Código, “não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas”. Vê-se, pois, que além da possibilidade de requerer indenização pelo dano emergente da mora ou de reduzir a quota ao montante já integralizado (art. 1004, parágrafo único, do Código Civil), os demais sócios podem excluir o sócio remisso, devolvendo o montante que ele eventualmente já tenha contribuído para o capital social, já deduzido do que ele eventualmente deva à sociedade. Entende-se que o quórum exigido para a exclusão do sócio remisso, bem como para a redução do valor de sua quota ao montante já integralizado, é de maioria absoluta. 2.5. Administração da sociedade Vale também para a sociedade limitada a afirmação de que ela não pode ser administrada por pessoa jurídica, em razão de o art. 997, inciso VI, do Código Civil fazer uso da expressão pessoas naturais para se referir aos administradores. Também não podem administrar a sociedade as pessoas mencionadas no art. 1.011, § 1°, do Código: “não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação”. Também é válida para a sociedade limitada a observação de que a atividade do administrador é personalíssima, não podendo outrem exercer suas funções. Nesse sentido, de acordo com o que dispõe o Código Civil em seu art. 1.060, a sociedade limitada “é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado”, às quais cabe, privativamente, o uso da firma ou da denominação social, ou seja, a possibilidade de atuar em nome da sociedade, exercendo direitos e assumindo obrigações (art. 1.064). O máximo que se permite, frise-se, é a delegação de certas atividades a mandatários, nos termos do art. 1.018 do Código: “ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar”. 2.6. Responsabilidades dos administradores Outro ponto interessante da norma do art. 997, inciso VI, do Código Civil é a determinação de que o contrato social, além de designar os administradores, estabeleça seus poderes e atribuições. No entanto, caso o contrato social silencie a esse respeito, não haverá maiores problemas, porque há regras do próprio Código que suprem essa eventual omissão contratual. Caso o contrato social da sociedade limitada silencie acerca dos poderes e atribuições dos seus administradores, entende-se que estes podem praticar todos e quaisquer atos pertinentes à gestão da sociedade, salvo oneração ou alienação de bens imóveis, o que só poderão fazer se tais atos constituírem o próprio objeto da sociedade. É o que dispõe o art. 1.015 do Código Civil: “no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir”. Assim, nada dispondo o contrato social, reconhece-se aos administradores poder geral de administração. 2.7. Distribuição dos resultados Já dissemos, mais de uma vez, que é característica de qualquersociedade o exercício de atividade econômica, o escopo lucrativo e a partilha dos resultados entre os seus membros. No caso de sociedade limitada empresária, essas características são ainda mais marcantes. Assim, da mesma forma que todos os sócios devem contribuir para a formação do capital social, é também requisito especial de validade do contrato a garantia de que todos os sócios participem dos resultados sociais, cabendo aos sócios disciplinar a matéria no ato constitutivo (art. 997, inciso VII, do Código Civil). É bom lembrar que, não obstante o fim social de uma sociedade limitada empresária seja a obtenção de lucros em decorrência do exercício de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, é possível que ela sofra prejuízos também. Por conseguinte, os sócios da sociedade devem dividir não apenas os lucros, mas também as perdas eventualmente sofridas. É vedada, portanto, a chamada “cláusula leonina”, a qual, se existente, será considerada nula de pleno direito, conforme estabelecido no art. 1.008 do Código Civil: “é nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas”. Conforme já mencionamos, a expressão “cláusula leonina”, hoje largamente utilizada para fazer referência às cláusulas abusivas, nasceu no direito societário, por inspiração de uma conhecida fábula do italiano Fedro, na qual o leão, após formar sociedade com outros animais para caçar, usava da força para desfrutar sozinho do produto da caça. Repetindo o que também já afirmamos no estudo da sociedade simples pura, perceba-se que o legislador não estabeleceu regras, a priori, acerca de como deve ser feita a distribuição dos lucros da sociedade, cabendo aos sócios, pois, prever a forma de participação de cada um no contrato social. Podem estabelecer, por exemplo, a distribuição preferencial de lucros a um sócio. Podem também distribuir entre os sócios apenas uma parte dos lucros, destinando a parte restante a investimentos sociais. O que os sócios não podem, apenas, é excluir algum membro de participação nos lucros ou nas perdas da sociedade. 2.8. Responsabilidade dos sócios Segundo dispõe o art. 1.052 do Código Civil, “na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Analisemos a norma com mais detalhes. Em regra, os sócios não devem responder, com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas da sociedade. Esta, por ser pessoa jurídica a quem o ordenamento jurídico confere existência própria, possui, em consequência, responsabilidade patrimonial própria. Trata-se do chamado princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, ao qual já nos referimos, previsto no art. 1.024 do Código Civil: “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. Diante do que dispõe o artigo acima transcrito, pode- se afirmar, inicialmente, que a responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade é sempre subsidiária. Em situações normais, portanto, somente em caso de insolvência da sociedade é que o sócio poderá, eventualmente, ter seus bens pessoais executados por dívidas sociais. Enquanto, todavia, a sociedade possuir bens, o sócio não poderá ser executado pessoalmente, em virtude do benefício de ordem que lhe confere a norma do art. 1.024 do Código. 2.9. Alteração do contrato social O contrato social da sociedade limitada, assim como da sociedade simples pura, não é imutável, podendo ser alterado conforme a vontade dos sócios. Mas, conforme já mencionamos, alterações no contrato social não são fáceis de serem realizadas, já que o Código Civil exigiu quorum bastante expressivo para tanto. Na sociedade simples pura, vimos que a alteração do contrato social, muitas vezes, dependerá de aprovação unânime. (art. 999 do Código Civil). Na sociedade limitada, por outro lado, a modificação do contrato social exige quórum de 3/4 do capital social, conforme previsão do art. 1.076, inciso I, do Código Civil. Não se deve esquecer, ademais, que qualquer alteração do contrato social da sociedade limitada deve ser averbada no local onde foi feito o registro originário da sociedade, ou seja, Junta Comercial, em se tratando de sociedade limitada empresária, ou Cartório, em se tratando de sociedade limitada simples (art. 999, parágrafo único: “qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente”). 2.10. Deliberações sociais Em regra, as decisões mais corriqueiras, as decisões menores da sociedade limitada são tomadas unipessoalmente por aqueles que têm poderes para administrar a sociedade, ou seja, pelo(s) administrador(es). No entanto, aquelas decisões mais complexas – como, por exemplo, a relativa à alteração do contrato social ou a referente à fusão com outra sociedade – exigem uma deliberação colegiada. No seu art. 1.071, o Código Civil previu, em rol meramente exemplificativo, que dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: I – a aprovação das contas da administração; II – a designação dos administradores, quando feita em ato separado; III – a destituição dos administradores; IV – o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; V – a modificação do contrato social; VI – a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; VII – a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas; VIII – o pedido de concordata. O órgão específico responsável pela tomada das deliberações sociais é a assembleia dos sócios. Todavia, o Código Civil trouxe, nessa matéria, uma interessante regra: nas sociedades limitadas menores, de até 10 sócios, o Código previu que o regime de assembleia pode ser substituído pelo de reunião de sócios. Com efeito, segundo o art. 1.072 do Código “as deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato”. Já nas sociedades limitadas maiores, com mais de dez sócios, o regime assemblear é imposto pela lei: “a deliberação em assembleia será obrigatória se o número dos sócios for superior a dez” (art. 1.072, § 1°). A grande diferença entre a assembleia e a reunião está no procedimento. Aquela segue rito mais solene, com o próprio Código ditando suas regras procedimentais. Esta, por sua vez, tem rito mais simplificado, cabendo aos sócios, no contrato social, estabelecer os detalhes de seu procedimento. Tanto a reunião quanto a assembleia, entretanto, podem ser dispensadas e substituídas por um documento escrito, desde que todos os sócios estejam de acordo, ou seja, desde que a decisão seja unânime (art. 1.072, § 3°). Destaque-se ainda que as deliberações sociais, desde que tomadas em conformidade com a lei e o contrato social, “vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes” (art. 1.072, § 5°). Por outro lado, estabelece o art. 1.080 do Código que “as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram”. Assim, para evitar ser responsabilizado futuramente, o sócio dissidente deve sempre requerer a consignação em ata do seu voto contrárioà deliberação tomada. A convocação da assembleia ou da reunião, conforme o caso, cabe ao administrador, mas também pode ser feita, segundo o disposto no art. 1.073 do Código Civil: “I – por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; II – pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069”. O quorum de instalação da assembleia está previsto no art. 1.074 do Código Civil, segundo o qual “a assembleia dos sócios instala-se com a presença, em primeira convocação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda, com qualquer número”. O quorum de deliberação, por sua vez, está previsto no art. 1.076 do Código: “ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1° do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: I – pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071; II – pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071; III – pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada”. O Código ainda previu expressamente que “o sócio pode ser representado na assembleia por outro sócio, ou por advogado, mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados, devendo o instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata” (art. 1.074, § 1°), mas que “nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente” (art. 1.074, § 2°). Toda assembleia, conforme disposto no art. 1.075 do Código Civil, “será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presentes”, e “dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da assembleia, ata assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bastem à validade das deliberações, mas sem prejuízo dos que queiram assiná-la” (art. 1.075, § 1°). Além disso, previu o Código ainda que, realizada a assembleia, “cópia da ata autenticada pelos administradores, ou pela mesa, será, nos vinte dias subsequentes à reunião, apresentada ao Registro Público de Empresas Mercantis para arquivamento e averbação” (art. 1.075, § 2°). Pode ser também que algum sócio queira guardar consigo cópia autenticada da ata, devendo a ele ser entregue uma (art. 1.075, § 3°). Ademais, da mesma forma que ocorre nas sociedades anônimas, exigiu o Código Civil a realização de uma assembleia anual para tratar de assuntos previamente estabelecidos na própria lei. Com efeito, dispõe o art. 1.078 do Código que “a assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à [sic] ao término do exercício social, com o objetivo de: I – tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; II – designar administradores, quando for o caso; III– tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia”. Ainda seguindo os princípios da lei do anonimato, o Código também tratou do chamado direito de retirada ou direito de recesso, estabelecendo em seu art. 1.077 que “quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031”. Sendo assim, o exercício do direito de retirada está restrito aos casos de: (I) alteração do ato constitutivo, (II) fusão, e (III) incorporação. Por fim, o Código também se preocupou em regular a responsabilidade dos sócios pelas decisões tomadas em assembleia. Nesse sentido, determina o art. 1.079, § 3°, que “a aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal”; e o art. 1.078, § 4.°, prevê que “extingue-se em dois anos o direito de anular a aprovação a que se refere o parágrafo antecedente”. 2.11. Conselho fiscal Ponto interessante e também inovador do Código Civil acerca das sociedades limitadas foi o relativo à possibilidade de ditas sociedades instituírem conselho fiscal. Com efeito, dispõe o art. 1.066 que, “sem prejuízo dos poderes da assembleia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembleia anual de que trata o art. 1.078”. Trata-se, é bom destacar, de mera faculdade, a qual só tem sido exercida pelas sociedades limitadas maiores. Em sociedades limitadas pequenas, com poucos sócios, a existência de conselho fiscal é totalmente desnecessária e, ademais, representaria um custo adicional que, com certeza, tornaria inviável a sua manutenção e funcionamento regular. O conselho fiscal da sociedade limitada deve ser órgão heterogêneo, razão pela qual o Código Civil assegurou aos sócios minoritários que representem pelo menos um quinto do capital social, em seu art. 1.066, § 2°, “o direito de eleger, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e o respectivo suplente”. Além do mais, para que o conselho exerça suas atribuições de maneira imparcial, dispôs o Código, em seu art. 1.066, § 1°, que “não podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados no § 1° do art. 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau”. Os membros do conselho fiscal receberão remuneração fixada na assembleia que os eleger (art. 1.068 do Código Civil), e o art. 1.069 dispõe, em rol exemplificativo, sobre suas atribuições: “I – examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; II – lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos exames referidos no inciso I deste artigo; III – exarar no mesmo livro e apresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico; IV – denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; V – convocar a assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes; VI – praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos a que se refere este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da liquidação”. Destaque-se que as atribuições acima descritas competem exclusivamente ao conselho fiscal da sociedade limitada, não podendo ser conferidas a qualquer outro órgão da sociedade, conforme disposição do art. 1.070 do Código Civil: “as atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus membros obedeceà regra que define a dos administradores (art. 1.016)”. Finalmente, registre-se que em alguns casos o bom exercício de suas atribuições exigirá dos membros do conselho fiscal conhecimentos técnicos ou contábeis que eles não possuem. Nessas situações, “o conselho fiscal poderá escolher para assisti-lo no exame dos livros, dos balanços e das contas, contabilista legalmente habilitado, mediante remuneração aprovada pela assembleia dos sócios” (art. 1.070, parágrafo único). 2.12. Exclusão extrajudicial de sócio minoritário por justa causa Nas sociedades contratuais, conforme já estudamos, é imprescindível, para a manutenção do vínculo societário, a existência da chamada affectio societatis. Ausente esta, não há outro caminho a não ser a dissolução da sociedade. Ocorre que, muitas vezes, a ausência de affectio societatis pode estar restrita a determinado sócio, podendo a sociedade, portanto, continuar a existir sem ele. É mais salutar, nesses casos, excluir um sócio com quem os demais não querem mais manter relação social do que acabar com a própria relação societária. Essa é a solução mais condizente com o princípio da preservação da empresa, tão caro à doutrina contemporânea do direito empresarial. Trata-se, é verdade, de medida excepcional, que o regramento anterior ao Código Civil condicionava, obrigatoriamente, à apreciação judicial. Atualmente, todavia, faculta-se à maioria dos sócios a exclusão extrajudicial de determinado sócio faltoso, o que traduz importantíssima inovação trazida pelo Código em seu art. 1.085, segundo o qual “ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa”. 3. Sociedade anônima Além da sociedade limitada, a qual, como visto, é o tipo societário mais utilizado na prática comercial brasileira, o outro tipo societário utilizado é a sociedade anônima, que possui origem muito mais remota e configura espécie societária bastante atrativa para os grandes empreendimentos. 3.1. Características Dentre as principais características da sociedade anônima, podemos destacar quatro: a) sua natureza capitalista; b) sua essência empresarial; c) sua identificação exclusiva por denominação; d) a responsabilidade limitada dos seus sócios. 3.2. Natureza capitalista da S/A A sociedade anônima é a sociedade de capital por excelência. Quando do estudo da sociedade limitada, viu-se que ela poderia assumir feição personalista ou capitalista, a depender do que dispusesse o contrato social. A sociedade anônima, por sua vez, tem como característica intrínseca a sua feição eminentemente capitalista, ou seja, nela a entrada de estranhos ao quadro social independe da anuência dos demais sócios. Pode-se dizer, em suma, que na S/A a participação societária – chamada de ação, conforme veremos adiante – é livremente negociável e pode ser penhorada para a garantia de dívidas pessoais de seus titulares. 3.2. Essência empresarial da S/A Outra característica importante relacionada às sociedades anônimas, também já apontada anteriormente, é a sua essência empresarial. De fato, dispõe o Código Civil, em seu art. 982, parágrafo único, que as sociedades por ações, cuja principal espécie é justamente a sociedade anônima, é considerada uma sociedade empresária independentemente do seu objeto social. Portanto, ainda que uma determinada S/A não explore atividade econômica de forma organizada ela será empresária e se submeterá, pois, às regras do regime jurídico empresarial. Daí a sua essência empresarial. 3.3. Responsabilidade limitada dos acionistas Por fim, a última das quatro importantes características da S/A que merece destaque é a responsabilidade limitada de seus sócios, os acionistas. Cada sócio responde apenas pela sua parte no capital social, não assumindo, senão em situações excepcionalíssimas – como a desconsideração da personalidade jurídica ou a imputação direta de responsabilidade pela prática de atos ilícitos –, qualquer responsabilidade pelas dívidas da sociedade. Pode-se dizer até que a responsabilidade limitada dos acionistas de uma S/A é ainda “mais limitada” do que a responsabilidade limitada dos quotistas de uma sociedade limitada. Afinal, vimos que estes, além de responderem pela respectiva integralização das quotas que subscreveram, são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social, conforme dispõe o art. 1.052 do Código Civil. Os acionistas, por sua vez, respondem tão somente pela integralização de suas ações, não havendo, para eles, a previsão de responsabilidade solidária quanto à integralização de todo o capital social. Com efeito, dispõe o art. 1° da LSA que “a companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas”. 3.4. Classificação das sociedades Segundo o art. 4.° da LSA, “a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários”. Melhor dizendo, a S/A será aberta quando tiver autorização para negociar seus valores mobiliários no mercado de capitais, e fechada quando não tiver autorização para tanto. Essa autorização para abertura do capital, com a possibilidade de negociação dos valores mobiliários no mercado de capitais, é concedida pela Comissão de Valores Mobiliários, autarquia federal ligada ao Ministério da Fazenda que atua, junto ao Banco Central, no controle e fiscalização das operações realizadas no mercado de capitais. O papel da CVM é de suma importância, dispondo a LSA, em seu art. 4.°, §§ 1.° e 2.°, que “somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários”, e que “nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários”. 3.5. Mercado de capitais O mercado de capitais – ou mercado de valores mobiliários – é o “local” onde se efetuam as diversas operações envolvendo os valores mobiliários emitidos pelas companhias abertas. Como a sociedade anônima é, conforme destacamos acima, uma sociedade de capital por excelência, suas ações – que, conforme veremos adiante, são o principal valor mobiliário emitido pelas companhias – são livremente negociáveis. Assim, em razão da constante negociação das ações e dos demais valores mobiliários que as companhias emitem, formou-se ao longo dos anos um verdadeiro mercado no qual essas operações de compra e venda são desenvolvidas. 3.6. Mercado de balcão O Mercado de Balcão, por sua vez, compreende toda e qualquer operação do mercado de capitais realizada fora da bolsa de valores. Quem atua no mercado de balcão, portanto, são as sociedades corretoras e instituições financeiras autorizadas pela CVM. 3.7. Capital social De acordo com o art. 5.° da LSA, “o estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional”. Complementando a regra do caput, o seu parágrafo único determina que “a expressão monetária do valor do capital socialrealizado será corrigida anualmente (artigo 167)”, o que será feito, conforme veremos adiante, na assembleia-geral ordinária realizada todo ano após o término do exercício social, nos termos do art. 132 da LSA. Quando o art. 7° da LSA se refere, pois, ao fato de que as contribuições podem ser feitas com dinheiro ou bens avaliáveis em dinheiro (bens móveis, imóveis, créditos etc.), está se referindo à integralização (ou realização) do capital social. 3.8. Debêntures Segundo o art. 52 da LSA, “a companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado”. Assim, embora o dispositivo em questão não traga uma definição específica para as debêntures, pode-se afirmar que debênture é uma espécie de valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas que conferem ao seu titular um direito de crédito certo contra a companhia, nos termos do que dispuser a sua escritura de emissão ou o seu certificado. Destaque-se ainda que, segundo a legislação processual, a debênture é considerada título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. A doutrina tradicional costuma afirmar que as debêntures representam, grosso modo, um contrato de mútuo/empréstimo que a companhia faz com os investidores adquirentes. Assim, diz-se que aquele que subscreve a debênture está emprestando à sociedade anônima o valor investido na sua subscrição, e esta, a partir do momento em que emite a debênture para o investidor que a subscreveu, assume o dever de pagar posteriormente a este o valor respectivo, na forma prescrita no seu certificado ou na escritura de emissão, conforme o caso.
Compartilhar