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1 REFLEXÕES ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA FLEXÍVEL Suzane Ribeiro Milhomem UniFimes – suzane@fimes.edu.br Lucia Helena Moreira de Medeiros Oliveira UFU – luciahelena.ufu@gmail.com 1. INTRODUÇÃO Este trabalho parte de um estudo maior desenvolvido sob forma de dissertação de mestrado1 e tem como objetivo analisar as possibilidades e limitações acerca do trabalho docente nas escolas em ciclos e sua relação com a formação de professores. A hipótese do estudo é que o modelo de ciclos, mesmo sendo em parte reflexo do modelo econômico hegemônico, contraditoriamente, pode representar uma possibilidade da escola pública se desenvolver em uma perspectiva progressista, representando assim, um espaço de resistência. Contudo, para que isso seja possível, existe uma multiplicidade de fatores que podem interferir na ação pedagógica dos educadores como, por exemplo, o nível de consciência acerca da realidade, o processo formativo vivenciado pelo professor e as condições de trabalho e de existência. Nesse sentido, a lógica de formação docente que se relaciona com a garantia e promoção dessas condições supracitadas carregam uma intencionalidade que implicam na materialização desses aspectos, podendo comprometer o trabalho docente. Assim, a partir de uma pesquisa desenvolvida com 20 (vinte) professores de educação física da rede municipal de educação de Goiânia que atuam em escolas de tempo integral e em ciclos, investigamos como a formação, preconizada por um conjunto de políticas educacionais, impacta no trabalho docente e, portanto, como a formação de professores têm influenciado, aproximado ou distanciado os professores dessa consciência e ação crítica acerca da realidade necessária para a escola pública com qualidade. 1 Trabalho em nível mestrado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí, sob orientação da professora Dra. Lucia Helena Moreira de Medeiros Oliveira, intitulado “Ciclos de escolarização: relação entre formação e prática docente dos professores de educação física”, ano de 2016. 2 Tanto as políticas de formação de professores quanto as políticas que dão abertura para a implantação das escolas em ciclos no Brasil, decorrem de um mesmo período histórico, acometido pelo processo de reestruturação capitalista de ordem neoliberal, intensificada no período dos anos de 1990. Nesse momento histórico, o surgimento da escola mais flexível era propícia para remediar problemas de caráter social e econômico materializados na escola sob forma do fracasso escolar principalmente pelas altas taxas de evasão e repetência. Além disso, acompanhava as exigências do novo perfil de homem necessário para o modelo econômico capitalista em desenvolvimento. Assim, apesar das críticas acerca do aprofundamento do fracasso escolar e da retirada da retenção que permearam a implantação e efetivação das escolas em ciclos, esse modelo escolar tem encontrado apoio nas políticas de Estado, dado que acompanham e se apresentam como uma necessidade para a continuidade de reprodução da lógica desse modelo. É necessário destacar que, embora nos referimos às políticas e à formação como elementos condicionantes do trabalho docente, não são um mesmo fenômeno. Esses dois elementos se relacionam, mas ao mesmo tempo se diferem, diante da complexidade de intenções dos sujeitos que as constituem e as executam. As políticas se configuram enquanto documentos oficiais e carregam princípios, valores e conceitos a serem inseridos no processo formativo. Do mesmo modo, esses documentos, legitimam a presença ou necessidade de determinado item enquanto fundamental para sua consolidação, determinando características básicas de um processo formativo em grande escala. Já o processo formativo em si, dentro das instituições formais regimentadas por essas políticas, se constitui fundamentado, primeiramente, nesses documentos oficiais, no entanto, sendo possível agregar os valores, conceitos e concepções dos sujeitos que a desenvolvem. Nesta relação entre política e formação, ainda existe um fator crucial, a dimensão não ideológica, mas estrutural, que regulamenta as condições materiais de concretização do processo. Assim, elementos como financiamento, estrutura física e pedagógica, materiais didáticos, assistência ao sujeito em formação, são também previsto por essas políticas e, a forma como se executa também interfere no resultado final da formação dos indivíduos. Portanto, partimos da relação entre políticas educacionais e processo formativo para destacar de que modo a formação apresentada pelos sujeitos indica a influência 3 dessas políticas no intuito de analisar esses reflexos no trabalho docente. Desse modo, apesar da formação de cada professor apresentar uma trajetória particular, representa, ao mesmo tempo, um todo já que agrega aspectos da formação docente em sentido geral. Com isso, neste artigo iremos, inicialmente, refletir sobre a formação de professores desenvolvida no contexto sócio político dos anos de 1990 aos dias atuais evidenciando os conceitos e concepções que se relacionam com o tema estudado. Em segundo momento, apresentaremos alguns princípios e características acerca do trabalho docente nas escolas em ciclos. Por fim, vamos apresentar os dados da pesquisa destacando os conflitos e contradições surgidos a partir dos diálogos com os professores, analisados a partir de autores críticos da educação. 2. O CONTEXTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL A formação de professores no Brasil tem adquirido características que acompanham as mudanças do mundo atual, em nível global, orientada pelas reformas e ajustes dos diversos âmbitos sociais ao processo de reestruturação do capital de ordem neoliberal. Em geral, o processo formativo docente apresenta enquanto características uma ruptura entre o âmbito legal e a realidade vivida pelos professores em que se priorizam os processos formativos aligeirados, a prevalência da formação pelas competências em destituição do conhecimento científico mais elaborado, desresponsabilização por parte do Estado e o agravamento da precarização das condições de trabalho que inviabilizam ou desqualificam a formação inicial e continuada. A partir de estudos de autores apresentados neste tópico, pretendemos evidenciar os elementos que perpassam pela formação de professores para estabelecer uma conexão com o trabalho docente na escola em ciclos. No intuito de contextualizar o cenário em que o processo formativo se constitui, Frigotto e Ciavatta (2003) destacam que existem profundas mudanças ocorrendo nas ultimas décadas do século XX e início do século XXI que abarcam o setor econômico, político, ideológico, cultural e teórico, organizadas de modo a garantir os mecanismos do mercado e avanço do capitalismo. Os protagonistas destas reformas seriam os organismos internacionais e regionais vinculados aos mecanismos de mercado e representantes 4 encarregados, em última instância, de garantir a rentabilidade do sistema capital, das grandes corporações, das empresas transnacionais e das nações poderosas onde aquelas têm suas bases e matrizes (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, p. 96). Segundo Silva (2003), após a Segunda Guerra Mundial as instituições financeiras internacionais se encarregam de desenvolver ações que promovessem o desenvolvimento dos países imersos na dívida externa por meio de projetos vinculados aos seus interesses em troca de empréstimos que acentuam a subordinação desses países acarretandona “execução de políticas sociais insuficientes, compensatórias, fragmentadas e focalizadas que aprofundam as desigualdades” (p. 291). É desse modo que acompanhamos uma série de acordos internacionais visando a escolarização e formação ajustadas a esses novos princípios preconizadas por documentos internacionais e, posteriormente, nacionais. Em certa medida, essas mudanças se organizam para ajustar toda a sociedade em prol dos interesses do capital, inclusive na esfera educativa, onde se preconiza um novo perfil de trabalhador. Desse modo, no campo educacional, tratam-se de reformas que se desenvolveram a partir da década de 1990, orientadas pelo pensamento neoliberal, que visam o reajuste estrutural para adequar o sistema educacional às novas formas de relações de trabalho, de relação entre o público e o privado e do papel do Estado. Essas mudanças interferem no tratamento dos recursos públicos do país definido pelo “enxugamento dos recursos públicos para a educação e para as políticas sociais” (FREITAS, 2012, p. 91). Assim, desde os documentos de nível internacional, quanto os documentos nacionais que orientam as novas concepções e princípios do processo formativo se difundem elementos como flexibilização, aliança, inovação e valorização do indivíduo pautadas pelos interesses desses organismos internacionais. Em suma, esses princípios foram inseridos visando aumentar as atribuições do professor e da escola no compromisso com a formação desses sujeitos desonerando o Estado dessa responsabilidade. A partir da leitura de algumas políticas e diretrizes elaboradas e implementadas a partir da década de 1990, em confronto com o estudo de teóricos que abordam esse tema, foi possível a constatação dúbia da característica desses arquivos: a) diante do cenário de ditadura militar, seguido pela abertura democrática, muitos educadores sentiram-se contemplados pelos documentos, devido o teor humanista apresentado, 5 utilizando-os como ponto de partida para novas propostas educacionais, incluindo os ciclos escolares; b) esses documentos foram organizados subsidiados por instituições financeiras internacionais e, portanto, apesar de apresentarem novas concepções de cunho progressista, o modo como se concretizam amplificam a perspectiva neoliberal de educação. Assim, enquanto a luta no campo dos movimentos sociais clamava por democracia, direitos humanos e sociais, o sistema capitalista se utilizou desse protesto para inserir políticas que, camufladas pelos mesmos termos, visava, na verdade, adaptar a estrutura educacional em nível global aos seus interesses. As políticas educacionais que se desenvolvem em seguida carregam um teor progressista, mas, efetivamente, representam os ajustes necessários para o modelo capitalista de pensamento neoliberal. De acordo com Frigotto e Ciavatta (2003), as reformas iniciadas no período do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) se configuram pela desregulamentação, descentralização e autonomia e privatização, em que qualquer ação ou política estava subordinada ao pensamento neoliberal gerido pelos organismos internacionais. Todas convergem no sentido de que se trata de um governo que conduziu as diferentes políticas de forma associada e subordinada aos organismos internacionais, gestores da mundialização do capital e dentro da ortodoxia da cartilha do credo neoliberal, cujo núcleo central é a idéia do livre mercado e da irreversibilidade de suas leis. Do ponto de vista econômico e social a síntese a que se chega é de que foi um período de mediocridade e de retrocesso [...] (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, p. 103). Para Oliveira (2009), a ideia de todos em prol da educação canalizou as energias dos educadores para a resolução de problemáticas mais imediatas do cotidiano escolar o que contribuiu com certa desmobilização das organizações dos profissionais da educação que passaram a concentrar seus esforços para resolução de problemas do seu local de trabalho não mais se relacionando com a educação em um sentido mais amplo. Tais mudanças contribuem para o desmantelamento dos regimes organizativos dos profissionais da educação, com base em maior autonomia de caráter corporativo-profissional, e sua substituição por regimes de empresa: o estabelecimento de missões e objetivos que cada escola por si deve atingir. Esse processo faz com que a escola vá se distanciando do contexto social e político mais amplo no qual está inserida, restringindo-se a uma visão do entorno mais imediato – o local –, o que aos poucos contribui para o enfraquecimento da noção 6 de educação como bem público e universal. [...] põe em prática novas formas de controle e vigilância, de autoverificação, muitas vezes com base na cobrança dos resultados que foram prometidos por meio da fixação de objetivos e metas pelos próprios envolvidos (Ibid., p. 202). A partir dos anos 2000 com o início do Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (Lula), existe uma nova lógica de formação, no entanto ainda sem contemplar as reais necessidades dos professores. Podemos destacar como características desse governo, a intensificação do controle e regulação do trabalho docente a partir dos mecanismos de avaliação nacional que responsabilizam os professores e a escola pelo fracasso do aluno. Segundo Freitas (2012), as políticas atuais ainda não abarcam especificamente os debates desenvolvidos pelo movimento dos educadores e, portanto, os aspectos fundamentais para a garantia a formação e trabalho docente com qualidade, que perpassam pelo “caráter da escola em seus vínculos com a vida social e o trabalho” (p. 95). As políticas desenvolvidas atualmente, se ocuparam de criar o arcabouço legal da formação de professores, incorporando em parte as exigências dos movimentos dos professores, mas, na realidade, continuam a reprodução da lógica neoliberal. Um exemplo, seria a criação dos institutos federais e a ampliação das licenciaturas pelo via à distância que, segundo Freitas (2012) “são iniciativas atuais que, na contramão das reivindicações históricas dos educadores, vão conformando a formação de professores em certa linha de continuidade com as políticas neoliberais dos anos de 1990, agora com nova feição e sem os fortes e persistentes movimentos de resistência que marcaram a luta dos educadores contra as reformas do período” (p. 98). Portanto, é possível apontar que existe uma continuidade no projeto educacional do governo anterior, inclusive no desenvolvimento de políticas que priorizassem a inclusão social no lugar do direito universal à educação, mas pode-se identificar também uma ambivalência nas políticas do governo Lula, em especial no seu segundo mandato. O diferencial ocorreu ao se desenvolver programas “estabelecendo parcerias com os municípios e com as escolas diretamente, muitas vezes sem a mediação dos estados, consolidando assim um novo modelo de gestão de políticas públicas e sociais” (OLIVEIRA, 2009, p. 197). No âmbito da formação de professores, essas contradições são evidenciadas pelos mecanismos de avaliação que condicionam o trabalho do professor ao rendimento 7 do aluno, além da criação de funções na escola que possibilitam a contratação de profissionais sem formação adequada gerando o processo de flexibilização e desprofissionalização do magistério (FREITAS, 2012). Por outro lado há uma expansão das oportunidades de formação inicial e continuada para os professores, em vários formatos e modalidades e, o mais importante, criam se, nesse período políticas que, de certo modo, representam um arcabouço legal para garantia de melhorias nascondições de trabalho e de formação do professor como, por exemplo, a aprovação do Piso Salarial Nacional (Lei nº 11.738/08) e a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica instituída pelo decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Esta última se apresenta com a finalidade de organizar a formação inicial e continuada dos docentes que atuam na educação básica pública do país. No momento atual, a crise política brasileira acena para a valorização da instituição privada em relação ao ensino público, gratuito e de qualidade, a partir dos cortes no investimento em educação, indica o agravamento das condições de trabalho mediante a retirada dos direitos trabalhistas e o fortalecimento da lógica de mercadorização da educação2. Por fim, podemos destacar as mudanças no campo do conhecimento em que a formação se orienta pela lógica pragmática da formação de competências fundamentada pelo [...] abandono do pensamento crítico vinculado a projetos societários firmados na perspectiva da autonomia e, ao mesmo tempo, num relacionamento soberano entre povos, culturas e nações. Reafirmam- se, pela via do pragmatismo, das visões positivistas e neopositivisas, e neo-racionalistas e do pós-modernismo, uma visão fragmentária da realidade e uma afirmação patológica da competição e do individualismo. A crise do pensamento comprometido com mudanças profundas na atual (des)ordem mundial é, também, a crise do pensamento utópico e da acuidade da teoria social (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, p. 96-97). 2 Não iremos adentrar ao cenário político atual devido a instabilidade e crise em que se encontra. Podemos apontar apenas que os processos instituídos até o momento revelam posturas antidemocráticas, apoiada pela elite e mídia brasileira. Miguel (2017) caracteriza o governo atual, ocupado pelo Presidente Michel Temer após o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, enquanto um governo que vem “implantando mudanças drásticas em direitos acordados há décadas, sem diálogo com a sociedade e sem legitimidade popular, foi um sintoma mais acentuado da crise. A conivência da maioria da elite política com a permanência de um governo escancaradamente corrupto é o passo final”. Informação disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/15/ha-salvacao-para-democracia-no- brasil/>. 8 Diante dos elementos apresentados, podemos considerar que o cenário geral aponta para uma desestruturação teórico científica na formação dos professores, desmobilização e desorganização política e falta de perspectivas vinculadas a um projeto de sociedade mais justa sustentada pela ideologia do pensamento pós-moderno. 3. TRABALHO DOCENTE E AS ESPECIFICIDADES DA ESCOLA EM CICLOS Diante desses novos conceitos que cercavam a escola pública, novas práticas passam a ser construídas de modo que as mudanças no mundo do trabalho traçam novas relações educativas. Essas modificações sociopolíticas desencadeadas pela reestruturação do sistema capitalista dos anos de 1990 consubstanciado ao projeto de consolidação do pensamento neoliberal acarreta desdobramentos no Brasil que inclui uma abertura mais efetiva para a flexibilização de modelos escolares legitimada por documentos nacionais e internacionais orientadores para essas reformas educacionais. O estabelecimento do pensamento neoliberal demanda para o setor educacional novas responsabilidades com a educação do cidadão e amplia sua função diante das mazelas sociais e seus reflexos na escola. Essas mudanças visavam ajustar o sistema educacional aos interesses neoliberais ao tempo que propunha uma alternativa para um dos grandes problemas da educação pública, o fracasso escolar. De acordo com Barretto e Mitrulis (2001), os elevados índices de reprovação no Brasil ampliavam os gastos com educação de modo que “estudos realizados pela Unesco mostravam, à época, que 30% de reprovações acarretavam um acréscimo de 43% no orçamento dos sistemas de ensino” (p. 104). As consequências econômicas do fracasso escolar dado pelo alto índice de repetência e evasão impulsiona a adoção de medidas de ordem política e econômica com consequências de ordem pedagógica, dentre elas, a organização da escola em forma de ciclos. Embora esse sistema escolar não tenha sido aderido de forma homogênea e padronizada, existem dois aspectos que são fundamentais para sua constituição "a idade biológica como referência para organizar os alunos e a inexistência da repetência em todos os estágios/etapas, ou em alguns" (NEDBAJLUK, 2006, p. 249). Assim, em contraposição ao modelo seriado, que impunha a reprovação anualmente mediante a avaliação de conteúdo, a proposta de ciclos modifica o processo avaliativo no intuito de garantir o fluxo curricular e a permanência do aluno na escola 9 de acordo com sua faixa etária. Nesse sentido, “os resultados [do desempenho escolar], se negativos, seriam punidos não mais pela reprovação na escola e sim pelo mercado de trabalho. À população seria dada a 'chance' de aprender mediante a garantia de ensino” (NEDBAJLUK, 2006, p. 252 – grifos do autor, acréscimo nosso). Partindo desses dois elementos, pode-se indicar que tanto a forma de organizar a escola, as diretrizes para o trabalho docente e a reformulação do processo avaliativo foram, em parte, desencadeados pela necessidade econômica de superar o fracasso escolar associado ao modelo seriado e, em parte, pelas políticas e documentos internacionais e nacionais que demandam uma nova forma de se pensar a educação. Em contrapartida, algumas propostas de ciclos em desenvolvimento no Brasil, partiram da própria luta dos educadores em busca de educação de qualidade e assumiram a transição para a escola em ciclos enquanto uma possibilidade de ressignificar os processos educativos. De acordo com Mainardes (2009), essa concepção de ciclos, denominado ciclos de formação, parte de aspectos antropológicos e socioculturais visando o desenvolvimento humano voltado para a totalidade da formação humana com maior nível de complexidade. O intuito foi de substituir certas especificidades do seriado, incorporando novas formas de trabalhar o currículo, novas relações de ensino e aprendizagem e do processo avaliativo em prol da valorização da educação. Ao retomar conceitos centrais das propostas de ciclos no Brasil que foram indicadas em documentos oficiais de reformas educacionais fica fácil estabelecer uma relação entre a individualidade, diferença, inclusão, a flexibilização dos tempos e espaços escolares em diferentes propostas em andamento no país e as transformações que ocorreram no modelo capitalista. O próprio pensamento neoliberal e pós-moderno se torna visível na constituição das transformações educacionais em particular as posições acerca do respeito ao diferente, a valorização do cotidiano do aluno no currículo escolar, os múltiplos espaços de formação para múltiplas habilidades, tudo isso transmutado e infiltrado no processo de redemocratização do país (MILHOMEM, 2016, p. 65). Diante dessa lógica, cabe à escola se apresentar mais acolhedora, compreendendo as dificuldades do aluno no sentido de ajuda-lo a avançar. Assim, tudo precisa ser modificado. Em certa medida, a adesão dessas novas condutas convergem com a inserção do sistema de ciclos como, por exemplo, pela necessidade de romper com as posturas do modelo seriado de ensino padronizado, com centralidade no 10 conteúdo e processo avaliativo excludente e classificatório. Os problemas sociais são levados para dentro da escola como incentivo para unificara sociedade, todos em prol da educação. A satisfação das necessidades de aprendizagem do aluno se fundamenta por uma pedagogia individualizada do processo educacional. É importante que se respeite sua individualidade, sua cultura de origem, suas dificuldades e que se valorize outras formas de expressar a inteligência, extrapolando a dimensão de desenvolvimento cognitivo na escola. O modelo de ciclos propõe justamente que essas práticas sejam diluídas e substituídas pelo foco na individualidade do aluno, flexibilizando o processo para respeitar seu tempo de aprendizado. Assim, o processo avaliativo também precisa ser modificado, dado que a retenção é apontada como prejudicial à sua trajetória, o importante é garantir a permanência do aluno na escola. Em relação às alianças, e atuação do sealém de propiciar uma abertura ao setor privado para investimento na educação, transfere responsabilidade do Estado com a educação para toda a sociedade. Todos passam a ser responsabilizados pelo fracasso do aluno. “Cabem ao professor e à escola o uso da criatividade e a competência de inovar, utilizando metodologias que permitam ao aluno participar ativamente de sua própria aprendizagem” (MILHOMEM, p. 69, 2016). No modelo seriado, o aluno que não conseguisse acompanhar o conteúdo curricular era reprovado ou acabava desistindo da escola. Com a proposta de ciclos, esse mesmo aluno, por conta da ausência da repetência, permanece na escola e os problemas que anteriormente o fazia fracassar persistem e avançam na sua trajetória escolar. Portanto, o professor e a escola são diretamente instigados a procurar soluções para as dificuldades apresentadas. Nesse contexto, o professor é aquele que deve assumir para si a responsabilidade do sucesso do aluno, criando e inovando, desempenhando funções que excedem o trabalho com o conhecimento escolar. A profissão docente assume as características de devotamento e de acompanhante do aluno. O conhecimento e ato pedagógico do professor são substituídos pela noção de competências, onde o docente precisa se preparar para lidar com a diversidade, com os desafios cotidianos, com a resolução de conflitos, secundarizando o trabalho com o conhecimento científico escolar. 4. METODOLOGIA 11 Este estudo tem como pano de fundo metodológico o processo de investigação e de análise baseado na pesquisa qualitativa, orientada segundo a concepção histórico social e objetiva compreender os reflexos da formação do trabalho docente diante das novas demandas educativas e a prática pedagógica dos professores de Educação Física na escola. Nessa perspectiva de pesquisa, [...] todo fenômeno deve ser entendido como parte de um processo histórico maior. No caso da educação, suas transformações estão relacionadas com as transformações culturais e sociais. [...] As visões não-críticas dispensam ou ignoram a relação da educação com a sociedade e buscam sua explicação no interior do próprio fenômeno escolar” (GAMBOA, 2007, p. 115–116). O enfoque da investigação está no estudo da relação entre a formação inicial e as dificuldades, deficiências ou capacidades adquiridas que se manifestam na prática dos professores nas escolas organizadas em ciclos. O ponto de partida foram diagnósticos empíricos que objetivaram buscar a realidade, pelo olhar dos professores de Educação Física que atuam no modelo de ciclos em escolas de tempo integral, tendo, como referência, a sua capacidade docente. A identificação das problemáticas geradas no campo a ser investigado se constituiu em elemento fundamental da pesquisa dentro da perspectiva dialética na qual se buscou relacionar formação e prática docente na escola, segundo a concepção da totalidade histórico-social. Esse movimento de ida e volta está fundamentado pela necessidade crítica de superar as primeiras impressões da realidade enquanto aparência do fenômeno para se aproximar, da melhor forma possível, da sua natureza essencial. Participaram dos diálogos 20 professores de educação física que atuam em escolas em ciclos, que conversaram a respeito da sua trajetória de formação e de trabalho. Trechos dos diálogos apresentados terão a identificação dos professores com numeração de 01 a 20. A síntese de parte da pesquisa será apresentada no item a seguir. 5. RESULTADOS A partir do diálogo com os professores de educação física foi possível captar elementos importantes acerca do trabalho docente na escola em ciclos. 12 5.1 O bom professor Questionamos a respeito do papel e perfil do professor, objetivando elencar as qualidades que um bom professor deveria ter a partir do olhar dos próprios professores de educação física. Diante dos posicionamentos manifestados, os professores se dividiram entre as seguintes concepções: um grupo que entende que ser um bom professor é ter paciência, dedicação e disposição, e, carinhosamente, educar o aluno; em segundo, aqueles que acreditam que o bom professor se destaca pela sua capacidade técnica, intelectiva e criativa para formar os alunos; e um terceiro aquele grupo que caminha para uma dimensão mais política, no sentido de se estabelecer um compromisso com a escola, com o conhecimento e com a educação pública. A partir desses três posicionamentos, podemos analisar que existem aqueles professores que de certo modo se aproximam das concepções preconizadas pelas políticas de formação difundidas a partir dos anos de 1990. Não no intuito de desvalorizar a dimensão humanizadora da educação, mas é necessário refletir que o posicionamento mais afetivo em relação ao aluno, não exime o professor do seu papel de socializador do conhecimento científico. Conforme aponta David (2012, p. 204), Educar é humanizar, e estudar representa um esforço muito grande, requer tempo, disciplina, hábito de leitura, elaboração mais sistematizada e envolvimento com a cultura. Por isso, por se tratar de estudantes pobres e sem tempo para os estudos, tais manifestações se mostraram até certo ponto compreensível, pois o amor e a tolerância dos professores são elementos importantes de sociabilização com os futuros colegas de caminhada. Caso essas duas posições não sejam as mais adequadas, na pior das hipóteses estamos lidando com alunos apáticos, acomodados e sem muita motivação para enfrentar os estudos universitários. Por mais que o autor refira-se a formação do ensino superior, o professor deve ter em mente que o conhecimento para as classes menos privilegiadas é um forte instrumento de luta social. Por isso, centralizar os processos educativos em práticas amorosas e religiosas no intuito de amenizar as mazelas vivenciadas por esses estudantes deixando em segundo plano a organização e socialização do conhecimento pode reforçar a exclusão social. Desse modo, chama-se atenção para os professores que assumem uma postura mais politizada, conforme retrata-se a seguir: 13 Um bom professor é aquele que tem compromisso com a escola, com os alunos e que se preocupa com eles. Preocupa-se ali em formar um cidadão, um cidadão pensante, um cidadão que não procure reproduzir o que está acontecendo na sociedade atual (Diálogo – Professor 10, 2015). Nesse sentido, a escola deixa de cumprir um papel meramente assistencialista e se afirma enquanto um espaço de contradições sociais que deve assumir um lado na correlação de forças. No entanto, mesmo aqueles que assumem essa postura mais crítica, ao questionarmos os professores acerca da participação política, constatamos que os professores investigados não estão envolvidos politicamente em grupos organizados que discutem e atuamem prol de seus interesses. Apenas um professor se considerou envolvido com uma organização política, ao anunciar o vínculo com o Conselho Regional de Educação Física (CREF), participando das reuniões e discussões promovidas. Aqueles que disseram participar ocasionalmente incluem os que se manifestam individualmente nos espaços, os que colaboram nos movimentos de greve e ainda os que informaram participar de um movimento da igreja que, pelo teor da conversa, pareceu ser mais a frequência na igreja do que um movimento paralelo. No mais, a maioria afirma não se envolver com nenhuma forma de grupo, debate ou organização política, sindical entre outras. 5.2 A formação inicial e continuada Um dos motivos que podem levar os professores a assumir uma postura mais crítica em relação à educação na escola pública provavelmente se relacione com a trajetória formativa. Na tentativa de buscar compreender os impactos da formação no trabalho docente, partimos da trajetória formativa dos professores identificando os locais de realizaram sua formação básica, superior e continuada. Questionamos aos professores em que esferas realizaram seu processo formativo e obtemos os seguintes dados: Gráfico 1 – Trajetória de formação dos professores 14 FONTE: MILHOMEM, 2016, p. 123. No que diz respeito à formação dos professores é possível observar que o acesso às diferentes esferas educacionais se modificam de acordo com o nível de escolaridade cursado apontando formas diferenciadas de acesso pelos mesmos sujeitos. Na educação básica e na graduação prevalece o acesso ao ensino público, enquanto o acesso ao ensino privado representam apenas 15% na educação básica e 10% na graduação. No entanto, na pós-graduação esse número se modifica. Se na formação inicial 90% dos professores se formaram na educação pública, na pós-graduação esse quantitativo se reduz para somente 15%. É importante destacar que estamos considerando apenas a distinção entre ensino público e privado, sem contar com os índices da educação mista que incluem a trajetória de professores que estudaram em ambas esferas educacionais. É possível que essa redução do acesso gratuito no processo formativo do professor tenha reduzido da graduação para a pós-graduação devido as políticas de formação de professores. Por mais que se destaque a necessidade de formação continuada não observamos a expansão e garantia de acesso à formação do mesmo modo que se possibilita as graduações em licenciatura. Aparentemente, o Estado preocupa-se apenas em garantir a formação mínima para inserir esses profissionais no campo de trabalho, mas não se preocupa em garantir a qualidade da sua formação. Essa continuidade de formação fica reduzida a cursos oferecidos pela secretaria de educação que abordam temas relacionados ao cotidiano do professor. Ah, assim, eu sempre participo. Sempre quando tem, a rede aqui propõe, eu participo. Quando eu entrei, eu ia nos seminários da UFG, da faculdade de Educação, aí a gente vai relaxando, não vai dando 0% 20% 40% 60% 80% 100% 120% Educação Básica Graduação Pós-graduação Não soube dizer Não fizeram Mista Particular Pública 15 tempo, sempre bate com o horário de trabalho e, assim, a gente não tem essa flexibilidade de sair da escola (Diálogo, Professor 16, 2015). Outro elemento refere-se à formação pela lógica das competências que valoriza a formação pela experiência do cotidiano escolar sem a necessidade de estabelecer relações com o conhecimento científico. O esvaziamento de conhecimento dos cursos oferecidos pelas secretarias reforçado pelas necessidades cotidianas dos professores fortalece a busca de soluções na própria prática docente, sem se levar em consideração a necessidade de um estudo mais sistemático. Acompanhando a própria lógica das políticas em desenvolvimento busca-se direcionar a responsabilidade ao professor. Ou seja, é colocado como necessidade a continuidade dos processos formativos, mas não se garantem as condições básicas para que o isso se efetive. A formação permanente necessário ao educador é reduzida à melhoria das competências de resolução de problemas cotidianos. Apesar dos sujeitos investigados neste estudo terem concentrado sua formação inicial em instituições públicas de ensino, Freitas (2012) destaca que, em geral os cursos de licenciatura das últimas décadas desenvolveram-se “principalmente em faculdades privadas, instituições sem compromisso com a pesquisa e a produção de conhecimentos na área da educação” (p. 100) e complementa afirmando que a criação dos cursos a distância e expansão através da fixação de polós em cidades do interior geraram uma “condição desigual aos processos de formação inicial dos professores com impactos nas condições subjetivas e objetivas do trabalho docente” (idem). Isso pode indicar que a universidade pública, gratuita e de qualidade ainda é um espaço que possibilita uma formação mais ampliada e, portanto, o local a ser defendido. Em relação à formação continuada, os dados apontaram o seguinte panorama dos professores pesquisados: 10 professores possuem duas pós-graduações em nível de especialização, sete possuem uma, e os três restantes não fizeram este tipo de qualificação. Os dados nacionais indicam que 55% dos professores possuem pós- graduação em nível de especialização e 36% não fizeram ou não completaram, apenas 2% possuem mestrado e 0%, doutorado (QEdu, 2016). Dentre essas pós- graduações, 15% realizaram em instituições públicas, 35% em particulares, 25% abarcam aqueles que fizeram mais de uma, sendo uma em cada tipo de instituição (mistas), 15% não fizeram e ainda temos 10% que não se recordaram o local da formação. É possível supor que esses 10% se refiram às instituições privadas, 16 principalmente as que oferecem cursos na modalidade EAD, o que ampliaria o quantitativo de 35% para 45% sobre o número de professores que tiveram sua formação continuada realizada em locais particulares. Esses dados podem revelar certa fragilidade por parte inclusive do poder público em relação às garantias de acesso à formação continuada, já que os professores revelam dificuldades como tempo, o que os leva a optar por cursos que se adaptam à sua rotina de trabalho. Nesse sentido, predominam as necessidades imediatas do campo de trabalho relacionadas com as metas em nível internacional de avanço a partir de parâmetros e dados estatísticas sem considerar os reais processos aos quais os professores são submetidos nos processos formativos. Em síntese, secundariza-se a formação de capacidades intelectuais e científicas para aprofundar os conhecimentos desses trabalhadores quanto à prática docente. 5.3 Conhecimentos a respeito dos ciclos e da escola pública Tendo em mente que a maior parte dos professores concluiu sua graduação em ensino público, questionamos aos professores se eles tiveram ao longo da sua formação debates ou disciplinas que abordassem a escola pública e a escola em ciclos. Para o primeiro item, utilizamos como ponto de partida para reflexão, o trecho a seguir: Quase não tinha. Era assim, até meio discriminado, na minha época, dar aula em escola pública... A gente sempre falava que não, se alguém quer ganhar dinheiro, se quer ser alguém na vida, que pense em montar uma academia, ou fazer um curso melhor pra ser um técnico. Era isso na época lá (Diálogo – Professor 12, 2015). De acordo com David (2012) a escola pública deve ser objeto de estudo e reflexão na formação para que se garanta uma intervenção qualitativa por parte dos professores, já que é lócus privilegiado deformação e de reflexão acerca da realidade do trabalho docente. Quanto ao estudo sobre a escola em ciclos, a maior parte dos professores informa que não tiveram nenhuma discussão nas disciplinas, destacando apenas uma professora que informou ter acesso: Eu só tive a discussão do modelo de ciclos porque um professor meu era professor da rede. Então eu acho que sabendo da quantidade de gente que ia prestar o concurso na época que eu fiz, antes, a gente até 17 leu um livro sobre ciclos e ele sempre discutia. Tanto é que ele é um defensor dos ciclos, foi meu orientador e tudo mais (Diálogo, Professor 16, 2015). Para apresentar algumas reflexões acerca desses relatos se faz necessário, primeiramente, destacar o período de formação desses professores. Em relação às datas de conclusão da graduação, temos o seguinte quadro um professor se formou nos anos de 1970, quatro nos reportamos às datas e períodos de conclusão da graduação, identificamos que um professor formou-se na década de 1970, quatro concluíram o curso nos anos 1980, cinco, na década de 1990 e 10 terminaram a graduação após os anos 2000. Podemos apontar em relação a esses relatos a indicação de que se pensar essas novas demandas pedagógicas para o conjunto de docentes que atua nas escolas é algo muito recente. Mesmo que a partir dos anos de 1990 haja uma orientação de reformulação curricular no sentido de se considerar novas formas de compreender e agir na escola. Embora a escola em ciclos não seja o modelo hegemônico de ensino no Brasil, a Universidade enquanto espaço de produção de conhecimento precisa se aproximar e refletir das transições ocorridas no âmbito da formação e do trabalho docente, não a ponto de aderir a todas as inovações que surgem, mas também não deixar práticas e concepções tradicionais serem cristalizadas no ensino, deixando aquém a formação de professores. Compreendemos que o professor, deve estar em constante processo de formação, não no intuito de se adequar às mudanças que surgem, mas de serem capazes de analisar, refletir e intervir de forma crítica da realidade do seu campo de atuação. Além disso, ao se questionar se a secretaria oferece espaços formativos que debatem a escola em ciclos: No começo foi bastante, mas agora não tem feito muita atualização nessa área não de ciclo. Mas todos os dias na escola nós discutimos questões ligadas aos ciclos, questões específicas. De maneira tal que hoje talvez o curso, se você for para um curso talvez você não teria tanto proveito de chegar na sua escola, discutir a realidade e resolver os seus problemas ali. Muitas vezes os cursos estão muito longe da realidade (Diálogo – Professor 1, 2015). O trecho acima pode revelar a intencionalidade prática dos processos formativos oferecidos pela administração pública, com foco para o ajuste dos professores às 18 mudanças necessária para o andamento do modelo escolar implantado, sem se considerar os reais conhecimentos necessários para o professores lidar com que m ciclos, mas que se esvai à medida que ele se consolida enquanto sistema municipal de educação, revela. CONSIDERAÇÕES GERAIS Em relação ao trabalho na escola flexível, podemos constatar a partir dos dados acima que, apesar de uma série de documentos organizados e implementados nas instituições formais de ensino e de trabalho docente, não podemos dizer que essas políticas determinam o campo da formação e do trabalho em sua totalidade. Partindo de uma compreensão dialética, as transformações ocorridas, mesmo que tenho camuflado o ideário neoliberal, ao possibilitar o debate mais humanizador da educação, da valorização do conhecimento cultural, abriu possibilidades para assumir uma postura mais crítica diante do trabalho docente. Afinal, conforme observamos no trabalho, a institucionalização dessas posturas foi legitimada em alguns documentos oficiais, e isso já pode ser considerado um avanço. Ao fim, o que temos que ter em mente é que a escola é um espaço de conflito e não esta dissociada da sociedade, desse modo, mudar apenas a escola ou o trabalho individual não é suficiente para superar as dificuldades, desigualdades e exclusão vivenciadas no campo educacional. É fundamental que se assuma posturas mais críticas e coletivas em direção à mudanças mais profundas em nível de toda a estrutura social. O foco dessas reformas se centralizam na permanência do aluno na escola, modificando a estrutura, conceitos e concepções que se aproximam cada vez do novo modelo de escola, o sistema de ciclos. No entanto, enquanto uma análise histórico social, é preciso considerar a categoria da contradição apresentada na transição do modelo seriado para os ciclos. Essa nova proposta de organização escolar, apresenta elementos importantes para uma educação progressista diante do modelo anterior, contudo, o modo que as políticas se desenvolveram e deram condições para a materialização da proposta de ciclos, inviabilizou, em certa medida, a sua execução enquanto uma proposta educacional mais abrangente, dando continuidade ao fracasso escolar. 19 De certo modo, por mais que esses documentos e políticas educacionais tenham, de alguma forma, proporcionado abertura para uma visão mais humana de educação, com novas possibilidades de construir o trabalho educativo, existe no fundo uma desconstrução da escola, a partir do esvaziamento do conhecimento científico na formação do aluno e do próprio professor. O fracasso escolar muda de forma, mas continua a existir, já que não é consequência de um sistema escolar apenas. Mesmo as escolas que não aderem oficialmente com a modalidade ciclada, aos poucos vão se conformando às características inicialmente apresentadas como básicas para se constituir a escola em ciclos. O abandono às caraterísticas do modelo seriado ocorre de modo gradual e superficial, resultando em uma escola com práticas educativas compensatórias e pragmáticas, intensificando as desigualdades. Por fim, a ausência de participação social contribui com a deformação política e, uma vez associada ao restrito mundo das instituições religiosas, pode se fortalecer na efetivação de práticas conservadoras, e interferir no papel social da escola pública laica e democrática. A formação da consciência política dos professores se torna elemento crucial para a leitura e atuação sobre a realidade, no sentido de revelar e agir sobre as relações de poder e exploração neste modelo social capitalista. REFERÊNCIAS BARRETO, Elba Siqueira de Sá; MITRULIS, Eleny. Trajetória e desafios dos ciclos escolares no país. Estudos Avançados. n°15 (42), 2001. DAVID, Nivaldo Antônio Nogueira. A formação de professores na universidade: reflexões acerca da cultura, juventude e trabalho docente. 2012. 308 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012. FREITAS, Helena Costa Lopes de. Formação inicial e continuada: a prioridade ainda postergada. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga (Orgs.). Trabalho na Educação Básica: a condição docente em sete estados brasileiros. Belo Horizonte, MG: Editora Fino Traço, 2012. FRIGOTTO; Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Educação básica no brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003. 20 GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007. MAINARDES, Jefferson. Escola em ciclos: fundamentos e debates. São Paulo: Cortez, 2009. MILHOMEM, Suzane Ribeiro. Ciclos de escolarização: relaçãoentre formação e prática docente dos professores de educação física. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-graduação em Educação, Jataí, 2016. NEDBAJLUK, Lidia. Formação por ciclos. Educar, Curitiba, n. 28, p. 247-261. Editora UFPR, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n28/a16n28>. Acesso em: 23 de janeiro de 2013. OLIVEIRA, Dalila Andrade. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e permanências. RBPAE – v.25, n.2, p. 197-209, mai./ago. 2009. SILVA, Maria Abadia da. Do projeto político do banco mundial ao projeto político pedagógico da escola pública brasileira. Caderno Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 283-301, dezembro, 2003.
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