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REVISTA DO PROFESSOR, 26 jan./mar. 2003(73):Porto Alegre, 19 26-30, Africanidades brasileiras Esclarecendo significados e definindo procedimentos pedagógicos • PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA Membro do Conselho Nacional de Educação. Doutora em Educação. Professora do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP. E-mail: petronilha@power.ufscar.br A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. Possivelmente, alguns pensem: Realmente, é ver- dade o que vem de ser dito, pois todos nós come- mos feijoada, cantamos e dançamos samba e al- guns freqüentamos academia de capoeira. E isto, sem dúvidas, é influência africana. De fato o é, mas há que completar o pensamento, vislumbrando os múltiplos significados que impregnam cada uma destas manifestações. Feijoada, samba, capoeira re- sultaram de criações dos africanos que vieram es- cravizados para o Brasil e de seus descendentes e representam formas encontradas para sobreviver, para expressar um jeito de construir a vida, de senti- la, de vivê-la. Assim, uma receita de feijoada, de vatapá ou de qualquer outro prato contém mais do que a combinação de ingredientes: é o retrato de busca de soluções para manutenção da vida física, de lembrança dos sabores da terra de origem. A ca- poeira , hoje um jogo que promove o equilíbrio do corpo e do espírito pelo seu cultivo, nasceu como instrumento de combate, de defesa. Africanidades brasileiras, pois, ultrapassam o dado ou o evento material, como um prato de sarapatel, uma apresentação de rap. Elas se consti- tuem nos processos que geraram tais dados e even- tos, hoje incorporados pela sociedade brasileira. Elas se constituem também dos valores que motiva- ram tais processos e deles resultaram. Então, estu- dar Africanidades Brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos descendentes de africanos que, ao participar da construção da na- ção brasileira, vão deixando nos outros grupos étni- cos com que convivem suas influências, e, ao mes- mo tempo, recebem e incorporam as daqueles. Com que finalidades estudar Africanidades Brasileiras? Muitas são as finalidades por que devemos in- cluir Africanidades Brasileiras no currículo esco- lar. Por exemplo: • ensinar e aprender como os descendentes de africa- nos vêm , nos mais de quinhentos anos de Brasil, cons- truindo suas vidas e suas histórias, no interior do seu grupo étnico e no convívio com outros grupos; • conhecer e aprender a respeitar as expressões cul- turais negras que compõem a história e a vida de nosso país, mas, no entanto, são pouco valorizadas; • compreender e respeitar diferentes modos de ser, viver, conviver e pensar; • discutir as relações étnicas, no Brasil, e analisar a perversidade da assim designada democracia racial; • refazer concepções relativas à população negra, forjadas com base em preconceitos. Propondo encaminhamentos Schenetzier dá-nos importantes indicações. A aprendizagem, diz ela, consiste em reorganização Em Porto Alegre/RS, comunidade negra participa de missa afro, na Igreja Nossa Senhora das Dores, construída por escravos Fo to s Ve ra R eg in a Tr iu np ho Sem título-4 06/07/2006, 17:2626 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer REVISTA DO PROFESSOR, jan./mar. 2003 27 (73):Porto Alegre, 19 26-30, Africanidades brasileiras Esclarecendo significados e definindo procedimentos pedagógicos Em Porto Alegre/RS, comunidade negra participa de missa afro, na Igreja Nossa Senhora das Dores, construída por escravos e desenvolvimento das concepções dos alunos; im- plica, pois, mudança conceitual. Embora referin- do-se a conhecimentos prévios em Química, a afir- mativa da autora também diz respeito à aprendiza- gem em todas as outras áreas do conhecimento. Cal- cule-se o valor desse entendimento quando são tra- tados conteúdos pouco valorizados pela sociedade, quando, ao ensiná-los, pretende-se apagar precon- ceitos, corrigir idéias, atitudes forjadas com base nas destruidoras ideologias do racismo, do branquea- mento. Schenetzier, citando Andersen, pondera que ensinar implica, entre outras coisas, busca de es- tratégias úteis para proceder à mudança con- ceitual. Para tanto, os professores deveriam: • buscar conhecer as concepções prévias de seus alu- nos a respeito do estudado, ouvindo-os falar sobre elas; Atabaque marca oritmode música litúrgica • ajudar os alunos a compreender que ninguém cons- trói sozinho as concepções a respeito de fatos, fenô- menos, pessoas; que as concepções resultam do que ouvimos outras pessoas dizerem, resultam também de nossas observações e estudos; • lançar desafios para que seus alunos ampliem e/ou reformulem suas concepções prévias, incentivando-os a pesquisar, debater, trocar idéias, argumentando com idéias e dados; • incentivar a observação da vida cotidiana, observa- ções no contexto da sala de aula, a elaboração de con- clusões, a comparação entre concepções construídas tanto a partir do senso comum como a partir do estudo sistemático. Em se tratando de Africanidades Brasileiras, é preciso acrescentar que: • de acordo com Silva, deveriam combater os pró- prios preconceitos, os gestos de discriminação tão fortemente enraizados na personalidade dos bra- Sem título-4 06/07/2006, 17:2627 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer REVISTA DO PROFESSOR, 28 jan./mar. 2003(73):Porto Alegre, 19 26-30, sileiros, desejando sinceramente superar sua igno- rância relativamente à história e à cultura dos brasi- leiros descendentes de africanos; • organizar seus planos de trabalho, as atividades para seus alunos, tendo presente o ensinamento de Lopes de que na cultura de origem africana só tem total- mente sentido o que for aprendido pela ação, isto é, se, no ato de aprender, o aprendiz executar tarefas que o levem a pôr a mão na massa, sempre infor- mado e apoiado pelos mais experientes. Dizendo de outra maneira, aprender-se realmente o que se vive e muito pouco sobre o que se ouve falar. Africanidades Brasileiras: uma nova área de conhecimento? Não necessariamente. Estudos já realizados apontam para uma área interdisciplinar, melhor di- zendo, todas as áreas do conhecimento a compõem, desde que abordadas sem perder a perspectiva da cultura e da história dos povos africanos ou deles descendentes. As Africanidades Brasileiras, no que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem, conduzem a uma pedagogia anti-racista, cujos princípios são: - respeito, entendido não como mera tolerância, mas como diálogo em que seres humanos diferentes mi- ram-se uns aos outros, sem sentimentos de superio- ridade ou de inferioridade; - reconstrução do discurso pedagógico, no senti- do de que a escola venha a participar do processo de resistência dos grupos e classes postos à margem, bem como contribuir para a afirmação da sua identi- dade e da sua cidadania; - estudo da recriação das diferentes raízes da cul- tura brasileira, que nos encontros e desencontros de umas com as outras se fizeram e hoje não são mais gêge, nagô, bantu, portuguesa, japonesa, italia- na, alemã, mas brasileira de origem africana, euro- péia, asiática. As Africanidades Brasileiras abrangem diferen- tes aspectos, não precisam, por isso, constituir-se numa única área, pois podem estar presentes em conteúdos e metodologias, nas diferentes áreas de conhecimentoconstitutivas do currículo escolar. Vejamos alguns exemplos. Ø Música e dança Do ponto de vista das Africanidades Brasileiras, não tem cabimento a musicalização de crianças, adolescen- tes e adultos que não inclua os ritmos de origem afri- cana. E, do mesmo ponto de vista, não bastará ouvir textos musicais e reconhecer instrumentos típicos. Será preciso ouvir e fazer tentativas de tirar som e ritmo de instrumentos típicos: caixa de fósforo, pandeiro, agogô, chocalho, atabaque, berimbau,etc.,com o auxílio de quem sabe fazê-lo. E não basta saber tocar instrumen- tos, é importante saber de que são feitos, como são feitos e, sempre que possível, aprender a construir, pelo menos, alguns deles. Mais ainda, as músicas de origem africana são feitas para serem ouvidas e dançadas. Por- tanto, ensinar música afro, na perspectiva das Africanidades, implica ouvir, produzir ritmos, construir instrumentos, dançar, conhecer a origem dos ritmos e dos instrumentos, as recriações que eles têm sofrido através dos tempos e os lugares por onde têm passado e se enraizado. Ø Matemática Ao desenvolver conteúdos de Matemática, se o professor estiver atento às Africanidades Brasilei- ras, poderá valer-se, certamente, de obras, ainda ra- ras entre nós, que mostram construções matemáti- cas africanas de diferentes culturas. Com isso, os alunos irão aprendendo diferentes caminhos trilha- dos pela humanidade, através de povos de diferentes culturas, para a construção dos conhecimentos que vêm acumulando. Ø Psicologia Esta área de conhecimento trata de importantes descobertas científicas a respeito do comportamento Criança negra reafirma sua identidade e cidadania Sem título-4 06/07/2006, 17:2828 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer REVISTA DO PROFESSOR, jan./mar. 2003 29 (73):Porto Alegre, 19 26-30, das pessoas, das maneiras como elas se relacionam entre si. No Brasil, assim como em outros países de fortes raízes africanas, em qualquer nível de en- sino, torna-se inadmissível desconhecer as obras de Franz Fanon, pelo menos Pele Negra,Máscaras Brancas(...) que analisa e discute as dificuldades en- frentadas por descendentes de africanos para terem sua identidade respeitada, enquanto tias, num mun- do colonizado por europeus. No nosso caso especí- fico, não há como desconhecer a obra de Neuza San- tos Souza, Tornar-se negro. Ø Sociologia Fonte-chave para estudos que tenham preocupa- ção com as Africanidades Brasileiras é certamente a obra de Clovis Moura, salientando-se Sociologia do Negro Brasileiro, em que aborda a sociedade bra- sileira, a partir de estudos sobre a problemática que envolve o povo negro. Ø Educação Física Na medida em que esta área de conhecimento, ao dedicar-se ao estudo do corpo, incluir dança, seria incompreensível, no Brasil, deixar de haver sessões de danças de raízes africanas. E, na área de jogos, de se jogar capoeira. Ø História A História do Brasil, enquanto construção de uma nação, inclui todos os povos que a constituem. Assim, ignorar a história dos povos indígenas, do povo negro é estudar de forma incompleta a histó- ria brasileira. Por exemplo, o professor que traba- lha na perspectiva das Africanidades Brasileiras não omitirá, ao tratar da fundação de Laguna, em Santa Catarina, que, conforme registra Cláudio Moreira Bento em O Negro, a expedição que lá se instalou em 1648 era formada, em 70%, por homens ne- gros escravizados. Ao referir a fundação da Colô- nia de Sacramento, não esquecerá de fazer saber que, além dos escravos, a tropa fundadora contava com soldados negros. Se a história ensinada na escola souber contem- plar, também, a vida vivida no dia-a-dia, pelos gru- pos menosprezados pela sociedade, então estaremos ensinando-aprendendo a história brasileira integral- mente realizada. Conforme o entendimento de Gi- gante, a valorização da história dos grupos popula- res, registrando o que em suas memórias está guar- dado de suas experiências, é tarefa que pode ser rea- lizada por professores e alunos, a partir da comuni- dade em que a escola está inserida. Desta forma, pondera o autor, todos os que constroem o Brasil estarão presentes nos conteúdos escolares. Ø Literatura e Língua Portuguesa Poderá envolver pessoas da comunidade que têm o gosto de colaborar com a escola. As histórias colhidas pelos alunos são transformadas em tex- tos que poderão ser reunidos num livro e, desta forma, serem divulgados entre outras classes e tam- bém na comunidade. Os professores, juntamente com os alunos, de- cidem o que perguntar, que histórias pedir para as pessoas da comunidade negra contar: histórias de brincadeiras, de trabalho, de festejos, de celebra- ções religiosas, da vida na escola, etc. Apresentamos, a seguir, exemplos de algumas his- tórias colhidas por professores e alunos em dife- rentes situações, junto a representantes de comuni- dades negras. Essas histórias constituem relatos originais. A linguagem individual foi mantida, o que dá aos rela- tos a autenticidade histórica dos fatos acontecidos com os ancestrais dos depoentes. Pessoas idosas são a memória da comunidade negra Sem título-4 06/07/2006, 17:2829 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer REVISTA DO PROFESSOR, 30 jan./mar. 2003(73):Porto Alegre, 19 26-30, BIBLIOGRAFIA FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Porto: Paisagem, s. d. GIGANTE, H. História, memória e cotidiano nas primeiras séries do pri- meiro grau. Dissertação. (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, 1993. GERBES, Paulus. Vivendo a Matemática – desenhos da África. São Paulo: Scipione, 1993. LOPES, H. T. 500 anos de cultura e evangelização brancas do ponto de vista das religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro, 1990. (Texto datilografado). MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. PALMARES DO SUL. Secretaria Municipal de Educação. Escola Municipal de 1o Grau Incompleto Cândido Osório da Rosa. Histórias do Limoeiro. Palmares do Sul, 1986. SCHENETZIER, R. P. Do ensino como transmissor para um ensino como mudança conceitual nos alunos: um processo (e um desafio) para a formação de professores de Química. Cadernos ANPED, n. 6, p. 55-89, out. 1994. SILVA, P. B. G. e. Africanidades: como valorizar as raízes afro nas propos- tas pedagógicas. Revista do Professor, Porto Alegre, v. 11, n. 44, p. 29-30, out./dez. 1995. SOUZA, N. S. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1983. As tochas de fogo Dona Tereza Azevedo Oliveira O mato do Limoeiro, quando eu era criança, eu me lembro que era um mato muito fechado. Não era esse matinho que tem aí, aberto como fizeram agora. Isso foi no tempo do Dirceu Rosa, aquela fazenda na frente do mato do Limoeiro era dele. Foi dele, depois passou a ser do governador. O Limoeiro era um mato fechadíssimo, tinha muita figueira.. Eu, quando era criança, cheguei a enxergar lá, quando anoitecia, umas línguas de fogo. A gente não ligava, mas tinha medo, mas não ligava muito. A minha mãe cozinhava para o pessoal daquela granja, tinha uma pensão. Ficava lá naqueles cantos da Reforma. Daí, um dia de noite, a gente foi levar comida para um homem que cuidava das máquinas, o motor d’água, que estava puxando água. Enquanto o homem jantava, a gente brincava, eu e meu irmão mais velho... E lá do mato do Limoeiro saíam, das figueiras, aquelas tochas de fogo... Passava uma pra lá, passava outra pra cá. Nós olhávamos e não tínhamos medo. De repente, quando nós agarramos o prato do homem para vir embora... saiu do mato uma luzinha deste tamanhozinho, e veio na nossa direção. O meu irmão me agarrou pela mão e corria... corria... A gente voava, não corria. E aquela luzinha sempre atrás da gente. Hojeem dia, não existe mais nada daquilo ali. Agora, quando eu era criança cansei de ver as tochas de fogo ali, andando por cima das árvores. Ela (a tocha) se formava amarela, verde, azul e não era uma só. As pessoas mais velhas, a minha avó, a minha mãe sempre contavam que aquilo ali, no tempo da escravidão, naquele lugar, degolavam os escravos e enterravam debaixo daquela figueira. Para cuidar do dinheiro dos fazendeiros, que ficava ali enterrado. Naquele tempo não existia banco, não é... Como o negro era sacrificado! Degolavam, botavam debaixo daquela árvore e aquele espírito ficava ali para cuidar. Para ninguém mexer naquele ouro, naquele dinheiro. Observação: A depoente tinha fi lhos na escola e sempre colaborou com as professoras e os alunos. Na sua história, ela se refere à fazenda da Reforma, onde se tentou uma experiência de reforma agrária, no início dos anos 60. Palmares do Sul/RS. O quicumbi Dona Tereza Lopes de Oliveira O que é o quicumbi? É o Ensaio. Nós fizemos uma vez aqui em casa para pagar a promessa que o falecido pai do Maneca tinha feito. Foi em 74, não, em 75. Neste Ensaio, dançam só os homens e cantam cantos de reza. Eles têm um canto. Um mestre comanda a turma com instrumentos: pente, um reco-reco, uma taquareira, um tamborzinho. Eles passam a noite cantando aquelas orações do Divino Espírito Santo. Eles não dançam uns com os outros, eles dançam sozinhos. É só gente morena. Este Ensaio vem do povo negro mesmo, do africano. De onde gerou, nós não sabemos. De primeiro, usavam muito por aqui, isto de promessas. Faziam promessas e davam uma festa, comida, bebida, tudo por conta do dono do Ensaio, aquele que fazia a promessa. As mulheres só olhavam e faziam as comidas. Vinha muita gente olhar, os convidados. Só dançava aquele grupo, essa dança é reza, não é divertimento. Eles vinham cantando, dançando, tocando. Por aqui, ninguém mais sabe nada disso. Nós falamos com o pessoal lá da Casca, para vir aqui em casa. Veio muita gente, um Ensaio sempre junta muita gente.Depois da reza, vem o baile. Pena que a gente não seguiu o costume. O Ensaio vem do povo africano. Observação: Dona Tereza Lopes de Oliveira, juntamente com seu marido Maneca Boeira Oliveira, falava para seus filhos sobre o quicumbi. Palmares do Sul/RS. DEPOIMENTOS História do nosso povo através da família Benedito Samuel Barbosa Meus Avós – Minha avó era negra, meu avô era mestiço. Ele foi para a guerra do Paraguai. Lutou 2 anos, foi com 15 e voltou com 17. Ele dizia que no fim da guerra tinham sobrado muitos negros vivos. Mas nem todos voltaram, só ele e mais alguns. Os que voltaram nunca mais ouviram falar dos outros. Parentes mais Velhos – Na época dos meus avós, de acordo com o que eles contavam, os parentes não se separavam. O pai era responsável por todos enquanto vivesse. Os filhos, os netos moravam com ele, ou perto da sua casa. Até mesmo os irmãos mais novos eram comandados pelos mais velhos. Numa fazenda, por exemplo, todos moravam juntos, muitas vezes na mesma casa. Os filhos casavam com vizinhos, com primos e continuavam todos ali. Tradições – Na religião, a família sempre acreditou na força e na energia dos antepassados. Uma parte da família foi e é católica, a outra, espírita, mas para louvar o Senhor todos sempre estiveram juntos. A família sempre participou das festas em louvor do padroeiro do lugar onde vivia e vive, seja uma fazenda, bairro, cidade. As rezas foram e são consideradas importantes, com muito canto e louvação. No tempo dos avós, principalmente, usavam muito benzedu- ras para fazer curas. Benziam com brasa, alho, palma benta, água. Trabalho – Meus avós e seus filhos trabalharam no café. Naquela época, para os estrangeiros, o café valia como ouro. A maior parte da nossa família era de colono, vivia nas fazendas, nas colônias. Cada homem tinha como tarefa 4.000 pés de café para tratar. Este trabalho era de sol a sol todos os dias, incluindo domingo. Só não trabalhavam nos dias santos. Tudo debaixo de ordem do feitor. Não tinha farmácia nem médico por perto. Salário – O ganho, na época de meus avós, era pela produção, após a colheita, que ia de maio a novembro. O café era colhido e colocado no armazém, depois ia para Santos onde era embarcado nos navios. Os trabalhadores só recebiam depois que o governo pagasse os fazendeiros, o que acontecia após a colheita. Mas, quando o preço do café não agradava os fazendeiros, o café era jogado no mar ou queimado. Então os colonos não recebiam os seus salários. Isto começou a ser assim por volta de 1930. Antes não era assim: antes da colheita o patrão dava um dinheiro para as despesas com comida, até chegar a colheita. As festas, os casamentos, os batizados se realizavam no final do ano, época em que recebiam o dinheiro da produção. Sem título-4 06/07/2006, 17:2830 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
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