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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS CONTRATOS Marcelo Timbó Nilo 2 Índice Capítulo I -‐ Teoria Geral dos Contratos 1. Introdução. .............................................................................................................................. 7 2. Noções gerais sobre as obrigações. ................................................................................. 8 3. Situando o Contrato dentro da Teoria do Fato Jurídico. ....................................... 11 4. Conceito de Contrato. ........................................................................................................ 12 5. Função Social do Contrato. .............................................................................................. 14 6. O Código de Defesa do Consumidor e o Contrato. ................................................... 16 7. Requisitos ou Condições de Validade do Contrato. ................................................ 18 8. Forma e Prova do contrato. ............................................................................................ 20 9. Princípios do Direito Contratual. ................................................................................. 21 9.1. Princípio da Autonomia Privada. .......................................................................................................... 23 9.2. Princípio da Função Social dos contratos. ........................................................................................ 25 9.3. Princípio da Força Obrigatória do Contrato (pacta sunt servanda). ..................................... 27 9.4. Princípio da Boa-‐fé Objetiva. .................................................................................................................. 28 9.4.1. Boa-‐fé Objetiva antes, durante e depois do contrato. .......................................................... 29 9.4.2. Desdobramentos da Boa-‐fé Objetiva. .......................................................................................... 31 9.5. Princípio da Relatividade dos Efeitos Contratuais. ....................................................................... 34 10. Classificação dos Contratos. ........................................................................................... 35 10.1. Quanto aos direitos e deveres das partes envolvidas. .............................................................. 36 10.2. Quanto ao sacrifício patrimonial das partes. ................................................................................ 38 10.3. Quanto ao momento de aperfeiçoamento do contrato. ........................................................... 38 10.4. Quanto aos riscos que envolvem a prestação. ............................................................................. 39 10.5. Quanto à previsão legal. ......................................................................................................................... 40 10.6. Quanto à negociação do conteúdo pelas partes. ......................................................................... 40 10.7. Quanto à presença de solenidades ou formalidades. ................................................................ 41 10.8. Quanto à independência contratual. ................................................................................................ 42 10.9. Quanto ao momento de cumprimento. ........................................................................................... 42 10.10. Quanto à pessoalidade. ....................................................................................................................... 43 10.11. Quanto à definitividade do negócio. .............................................................................................. 43 11. Formação dos Contratos. ................................................................................................. 43 11.1. Puntuação ou Negociações Preliminares. ...................................................................................... 44 11.2. Proposta, Policitação ou Oblação. ...................................................................................................... 46 11.3. Lugar do contrato. .................................................................................................................................... 49 12. Estipulação em favor de terceiro. ................................................................................. 49 3 13. Promessa de fato de terceiro. ........................................................................................ 50 14. Vícios Redibitórios. ........................................................................................................... 51 15. Evicção. .................................................................................................................................. 55 15.1. Conceito da Evicção. ................................................................................................................................ 56 15.2. Elementos da Evicção. ............................................................................................................................ 57 15.3. Partes da Evicção. ..................................................................................................................................... 57 15.4. Considerações importantes sobre a Evicção. ............................................................................... 58 16. Contrato aleatório. ............................................................................................................. 61 17. Contrato Preliminar. ......................................................................................................... 63 18. Contrato com pessoa a declarar. ................................................................................... 66 19. Extinção do Contrato. ........................................................................................................ 67 19.1. Modalidades de extinção contratual. ............................................................................................... 68 19.2. Extinção por causas anteriores à celebração do contrato. ..................................................... 69 19.3. Extinçãopor causas posteriores à celebração do contrato. ................................................... 70 19.3.1. Resilição. ............................................................................................................................................... 71 19.3.2. Resolução. ............................................................................................................................................ 72 19.3.3. Resolução por onerosidade excessiva. .................................................................................... 74 20. Introdução. ........................................................................................................................... 78 21. Da Compra e Venda. .......................................................................................................... 80 21.1. Noções Gerais. ............................................................................................................................................ 80 21.2. Conceito e Natureza Jurídica. .............................................................................................................. 82 21.3. Características da compra e venda. .................................................................................................. 84 21.4. Elementos essenciais da compra e venda. ..................................................................................... 86 21.4.1. Consentimento das partes. ........................................................................................................... 86 21.4.2. Coisa (objeto da compra e venda) ............................................................................................. 88 21.4.3. Preço. ...................................................................................................................................................... 89 21.4.4. O preço e o contrato de adesão. .................................................................................................. 91 21.5. Efeitos da compra e venda. ................................................................................................................... 93 21.6. Limitações à autonomia privada na compra e venda. .............................................................. 95 21.6.1. Venda de ascendente à descendente. ....................................................................................... 95 21.6.2. Venda de bens sob administração. ............................................................................................ 98 21.6.3. Venda entre cônjuges. .................................................................................................................. 100 21.6.4. Venda de coisa indivisível em condomínio. ....................................................................... 100 21.7. Regras especiais da compra e venda (vendas especiais). .................................................... 102 21.7.1. Venda por amostra, por protótipos ou por modelos. ..................................................... 102 21.7.2. Vendas ad mensuram e ad corpus. .......................................................................................... 103 21.7.3. Vendas de coisas conjuntas. ...................................................................................................... 105 21.8. Cláusulas especiais à compra e venda. ......................................................................................... 105 21.8.1. Cláusula de retrovenda. .............................................................................................................. 106 21.8.2. Venda a contento ou sujeita à prova. .................................................................................... 108 21.8.3. Cláusula de preempção ou preferência. ............................................................................... 110 21.8.4. Cláusula de venda com reserva de domínio. ...................................................................... 112 21.8.5. Cláusula de venda sobre documentos. ................................................................................. 115 4 22. Da Troca ou Permuta. ..................................................................................................... 116 23. Do Contrato Estimatório ou Venda em Consignação. .......................................... 118 24. Doação. ................................................................................................................................ 120 24.1. Noções conceituais. ............................................................................................................................... 121 24.2. Elementos da Doação. .......................................................................................................................... 123 24.3. Espécies de doação. .............................................................................................................................. 126 24.3.1. Doação contemplativa ou meritória. ..................................................................................... 126 24.3.2. Doação remuneratória. ............................................................................................................... 127 24.3.3. Doação com encargo ou onerosa. ........................................................................................... 127 24.3.4. Doação a nascituro. ....................................................................................................................... 128 24.3.5. Doação de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges. .......................... 129 24.3.6. Doação sob forma de subvenção periódica. ....................................................................... 131 24.3.7. Doação em contemplação de casamento futuro. .............................................................. 131 24.3.8. Doação com cláusula de reversão. .......................................................................................... 132 24.3.9. Doação universal. ........................................................................................................................... 132 24.3.10. Doação inoficiosa. ....................................................................................................................... 133 24.3.11. Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice. ................................................................ 134 24.3.12. Doação conjuntiva. .....................................................................................................................136 24.3.13. Doação à entidade futura. ........................................................................................................ 136 24.4. Regras especiais da doação. .............................................................................................................. 137 24.5. Revogação da doação. .......................................................................................................................... 138 25. Da Locação de Coisas no Código Civil. ....................................................................... 140 26. Do Empréstimo. ................................................................................................................ 146 26.1. Do Comodato. .......................................................................................................................................... 147 26.2. Do Mútuo. .................................................................................................................................................. 152 27. Da prestação de serviço. ................................................................................................ 157 28. Da Empreitada. ................................................................................................................. 166 29. Do Depósito. ....................................................................................................................... 173 29.1. Regras especiais do depósito voluntário ou convencional. ................................................. 175 29.2. Regras especiais do depósito necessário. ................................................................................... 179 29.3. Do depositário infiel. ............................................................................................................................ 180 30. Do Mandato. ....................................................................................................................... 183 30.1. Considerações iniciais. ........................................................................................................................ 183 30.2. Conceito. .................................................................................................................................................... 184 30.3. Diferenciação entre mandato, representação e procuração. .............................................. 187 30.4. Características. ....................................................................................................................................... 192 30.5. Mandato e contratos afins. ................................................................................................................ 193 30.6. Regras gerais do mandato. ................................................................................................................ 194 30.7. Obrigações do mandatário. ............................................................................................................... 196 30.8. Obrigações do mandante. ................................................................................................................... 198 30.9. Do substabelecimento. ........................................................................................................................ 200 30.10. Da extinção do mandato. ................................................................................................................. 202 5 31. Da Comissão. ...................................................................................................................... 206 31.1. Conceito. .................................................................................................................................................... 207 31.2. Características. ....................................................................................................................................... 208 31.3. Figuras contratuais correlatas. ........................................................................................................ 209 31.4. Espécies de comissão. .......................................................................................................................... 210 31.5. Relação de emprego e comissão. .................................................................................................... 211 31.6. Regras gerais da comissão. ................................................................................................................ 212 32. Da Agência e Distribuição. ............................................................................................ 214 32.1. Conceito. .................................................................................................................................................... 214 32.2. Características. ....................................................................................................................................... 216 32.3. Contratos correlatos. ............................................................................................................................ 217 32.4. Regras gerais da agência e distribuição. ...................................................................................... 219 33. Da Corretagem. ................................................................................................................. 224 33.1. Conceito. .................................................................................................................................................... 224 33.2. Características. ....................................................................................................................................... 226 33.3. Categorias de corretores. ................................................................................................................... 227 33.4. Regras da corretagem. ......................................................................................................................... 228 34. Do Transporte. .................................................................................................................. 231 34.1. Conceito. .................................................................................................................................................... 232 34.2. Características. ....................................................................................................................................... 233 34.3. Regras gerais do transporte. ............................................................................................................. 233 34.4. Do transporte de pessoas. .................................................................................................................. 235 34.5.Do transporte de coisas. ..................................................................................................................... 240 35. Do Seguro. ........................................................................................................................... 244 35.1. Noções preliminares. ........................................................................................................................... 244 35.2. Conceito. .................................................................................................................................................... 245 35.3. Regras gerais. .......................................................................................................................................... 248 35.4. Do seguro de dano. ................................................................................................................................ 255 35.5. Do seguro de pessoa. ............................................................................................................................ 262 36. Da Fiança. ............................................................................................................................ 268 36.1. Noções preliminares e conceito. ..................................................................................................... 268 36.2. Espécies, objeto e regras da fiança. ............................................................................................... 270 36.3. Extinção da fiança. ................................................................................................................................. 272 37. Da Edição. ........................................................................................................................... 273 37.1. Noções preliminares. ........................................................................................................................... 273 37.2. Características, regras gerais e extinção do contrato de edição. ...................................... 276 Referências Bibliográficas. ................................................................................................... 284 6 NOTA DO AUTOR Este texto é uma ferramenta introdutória para aquele que deseja uma abordagem objetiva do tema Contratos, com linguagem simples, sem abrir mão da indispensável qualidade doutrinária. A idéia é proporcionar uma visão geral capaz de nortear, de modo conciso, a iniciação do acadêmico na disciplina, abordando as questões mais relevantes e recorrentes nos meios jurídicos. Desde já, quero deixar meu profundo agradecimento aos professores que me influenciaram diretamente na paixão pelo estudo deste tema, em especial, aos professores Araken de Assis, Carlos Roberto Gonçalves, Cristiano Chaves de Farias, Flávio Tartuce, José de Oliveira Ascensão, Maria Helena Diniz, Milton Tavares, Nelson Rosenvald, Orlando Gomes, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho e Silvio Rodrigues. Para aprofundamento do tema, a leitura dos mencionados autores é indispensável. Obrigado, mestres! Salvador, janeiro de 2017. Marcelo Timbó Nilo. 7 Capítulo I. Teoria Geral dos Contratos. 1. Introdução. O presente estudo do tema Contratos será dividido em duas partes. Seguindo o método adotado na maioria dos ordenamentos e no Código Civil vigente, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a primeira parte do trabalho será dedicada ao estudo da Teoria Geral dos Contratos e a segunda parte aos Contratos em Espécie. Da leitura do próprio Código Civil, podemos observar que o tema Contratos está inserido dentro do Livro Do Direito das Obrigações, comprovando que o Contrato é, sem sombra de dúvidas, uma espécie de obrigação, a mais comum e mais relevante de todas. Bom lembrar que há ainda outras espécies de atos obrigacionais tratados no nosso Código Civil, tais como os atos unilaterais de vontade, os títulos de crédito, as obrigações por atos ilícitos, dentre outras. 8 Por ser a espécie mais comum de obrigação, faz-‐se necessário, ainda que de forma brevíssima, uma revisão dos conceitos básicos do Direito das Obrigações, instrumentalizando o leitor para a leitura da presente obra. 2. Noções gerais sobre as obrigações. Para Carlos Roberto Gonçalves, a obrigação exprime a relação jurídica pela qual uma pessoa (devedor) está adstrita a uma determinada prestação para outra (credor), que tem direito de exigi-‐la, obrigando a primeira a satisfazê-‐la1. A obrigação, na sua perspectiva estática (plano estático), na ótica dos doutrinadores tradicionais2, que remonta a definição clássica do direito romano3, é formada por um devedor, um credor, unidos por um vínculo jurídico, prevendo uma prestação econômica. Obrigação é, portanto, uma relação intersubjetiva de crédito. Em outras palavras, pode-‐se dizer que a obrigação é a relação jurídica transitória entre um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (credor), denominados pela doutrina de elementos subjetivos da obrigação. Tais elementos subjetivos da relação obrigacional ligam-‐se por um elemento objetivo ou material, denominado de prestação, que pode se apresentar na forma de prestação de dar, fazer ou não fazer. Por sua vez, inserido ou subtendido dentro da prestação, que unesujeito ativo e sujeito passivo, está o vínculo jurídico ou elemento virtual (ideal, imaterial, espiritual) das obrigações, regulamentado pelo ordenamento jurídico. 1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 38. 2 Por todos: GOMES, Orlando. Direito das Obrigações. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 15. 3 “Obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei, secundum nostrae civitatis jura” ou obrigação é o vínculo jurídico que nos adstringe necessariamente a alguém, para solver alguma coisa, em consonância com o direito civil. 9 Identifica-‐se, assim, os três elementos básicos das obrigações: sujeitos, prestação e vínculo jurídico. Também podemos observar dentro desta visão, clássica, o caráter transitório das obrigações, ou seja, é relação que não tende à perpetuidade. Outra característica marcante das obrigações é o fato delas gerarem um vínculo jurídico endógeno, ou seja, apenas entre as partes, diferentemente dos vínculos exógenos, erga omnes, voltado para todas as pessoas, como ocorre nos direitos reais4, que tendem à perpetuidade. Podemos dizer também que a obrigação está representada por um vínculo jurídico endógeno com exigibilidade patrimonial, portanto, relação intersubjetiva de crédito, marcada por uma característica fundamental: o não cumprimento das prestações autoriza a constrição patrimonial do devedor. Com base no fato de que a obrigação é impulsionada para o adimplemento, é que se desenvolveu o posicionamento mais moderno sobre as obrigações, a chamada perspectiva dinâmica das obrigações, que influenciou o nosso Código Civil de 2002. Assim, somando-‐se aos três elementos da perspectiva estática, há mais um elemento essencial: o adimplemento. É o adimplemento que dinamiza a relação, que é sua força motriz, sob o olhar dinâmico. Assim, o elemento que era deduzido da etapa final na ótica estática, passou a ser a primeira etapa, a mola propulsora das obrigações, que é a vontade de adimplir, ou o viés dinâmico-‐moderno das obrigações. Tal conceito contemporâneo de obrigação é abordado, dentre outros, por Álvaro Villaça Azevedo5, para quem a obrigação é uma relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para a satisfação de seu interesse. Seguindo a doutrina alemã, podemos identificar também dois pilares inseridos no elemento imaterial obrigacional: o débito6 e a responsabilidade7. 4 O direito real é aquele que afeta direta e imediatamente à coisa ao passo que o direito obrigacional é direito em face de determinada pessoa, atingindo indireta e eventualmente um bem. 5 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 8ª ed. – São Paulo: RT, 2000, p. 31. 6 Sinônimos de débito no direito comparado: shuld, debitum. 7 Sinônimos de responsabilidade no direito comparado: haftung, obligatio. 10 Diz-‐se, doutrinariamente, que a obrigação se apresentará em sua chamada forma primária quando existir, dentro da obrigação, ao mesmo tempo, o débito (schuld) e a responsabilidade civil patrimonial (haftung). O débito (shuld) surge com a assunção da obrigação, a ser voluntariamente cumprida. Caso não seja cumprida de forma voluntária, surge a responsabilidade (haftung), ou seja, a possibilidade de ter o patrimônio constrangido para pagar a dívida, que regra geral recai sobre o mesmo sujeito que assumiu o débito8. Mas a obrigação também pode ser assumida na forma de responsabilidade secundária, ou seja: a) responsabilidade civil sem débito9, como no caso do fiador, da seguradora ou do sócio da empresa, em que o débito foi assumido por outra pessoa; ou b) débito sem responsabilidade 10 , quando não houver a possibilidade de constranger o patrimônio da pessoa, mesmo diante da existência de um débito, como no caso da doação em cumprimento de obrigação natural (art. 564, III, CC), das dívidas de jogo (art. 814, CC) ou da dívida prescrita (art. 882, CC), que, uma vez pagas, não podem ser revogadas, recobradas ou repetidas. Destaque-‐se que o art. 391, CC, afirma que, pelo adimplemento, todos os bens do devedor responderão pela dívida. Em verdade, há certo exagero no texto legal, pois sabemos que nem todos os bens do devedor responderão pelo adimplemento dos seusdébitos, ou seja, nem todos os bens do devedor são penhoráveis. Como exemplos, podemos mencionar todos os bens listados no art. 833 do novo CPC (bens impenhoráveis) ou ainda o caso do homestead (bem de família legal, insculpido na Lei n. 8.009/90)11. Oportuno mencionar ainda que a responsabilidade civil pode ser: a) Contratual (art. 402, CC), onde deve ser provada a existência de um negócio jurídico e noticiada a existência de um inadimplemento, pelo qual será pedido o dano emergente e/ou lucro cessante (perdas e danos), ou: b) Aquiliana ou Extracontratual (arts. 186, 187 e 927, CC), também ensejando o pedido de indenização, onde o interessado deve 8 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil; 10 ed. rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. 9 Haftung sem shuld, ou obligatio sem debitum. 10 Shuld sem haftung, debitum sem obligatio. 11 Sobre o tema, vale observar o teor da Súmula 364, STJ: “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. 11 comprovar a existência de um ato ilícito ou lícito que exceda os limites aceitáveis (abuso de direito), não havendo a necessidade de comprovação da existência de um negócio jurídico prévio. 3. Situando o Contrato dentro da Teoria do Fato Jurídico. De acordo com a Teoria do Fato Jurídico, pode-‐se afirmar que os contratos são espécies de atos jurídicos, ou seja, fatos jurídicos (acontecimentos relevantes para o Direito) gerados pela vontade humana consciente, que produzem efeitos jurídicos validados pelo ordenamento. São, portanto, espécies de atos lícitos. Quando os atos jurídicos produzem efeitos previamente determinados na lei estamos diante do chamado Ato Jurídico em Sentido Estrito, veículo de expressão dos direitos potestativos12, onde as partes não podem escolher os efeitos jurídicos, aceitando as consequências impostas pelo ordenamento. Nestes atos não há vontade negocial, aplicando-‐se, apenas no que couber13, as disposições relativas aos negócios jurídicos. Como exemplo de Ato Jurídico em Sentido Estrito podemos mencionar o achado de um tesouro (art. 1.264, CC/02), onde aquele que acha casualmente a coisa preciosa deve dividi-‐la com o proprietário do imóvel, em partes iguais. O efeito jurídico de ter que dividir o achado ao meio está na lei, ou seja, o descobridor não pode determinar de modo diverso. Outros exemplos de Ato Jurídico 12 O Direito Potestativo é um tipo especial de direito subjetivo. Estes direitos são aqueles que atribuem ao titular a possibilidade de produzir efeitos jurídicos em determinadas situações mediante um ato próprio de vontade, inclusive atingindo a terceiros interessados nessa situação, que não poderão se opor. Mediante uma declaração de vontade, o titular tem o poder de modificar ou extinguir uma relação jurídica, sendo que os outros sujeitos da relação jurídica (passiva) não têm uma situação de obrigação, mas sim de sujeição, onde são submetidos a admitir os efeitos produzidos em decorrência da exclusiva manifestação de vontade do titular do direito potestativo. Pode-‐se mencionar como exemplos de direitos potestativos a revogação do mandato, a qualquer tempo, pelo mandante; o poder do empregador de despedir o empregado e deste de pedir desligamento do emprego; a prerrogativa do sócio de retirar-‐se da sociedade; o direito da pessoa casada se divorciar etc. Já que seu exercício depende tão somente do próprio titular, o direito potestativo não pode sofrer lesão (não admite violação). Oportuno ressaltar ainda que, se a norma trouxer a previsão de algum prazo para o seu exercício, o seu não-‐exercício importará em decadência. Se não houver tal prazo, o direito potestativo não se extinguirá pelo decurso do tempo, podendo ser exercido a qualquer momento. 13 Art. 185, CC/02. 12 em Sentido Estrito: reconhecimento de paternidade, a aquisição da propriedade de res nullius etc. Existem Atos Jurídicos, entretanto, em que as partes podem escolher os efeitos jurídicos, atos que derivam de uma vontade negocial. São os chamados negócios jurídicos, onde há pleno exercício da autonomia privada das partes. As normas gerais sobre os negócios jurídicos estão no Código Civil, entre os arts. 104 e 184. Os exemplos clássicos de negócios jurídicos são o Testamento e o Contrato,sendo este último a espécie mais usual de negócio jurídico. 4. Conceito de Contrato. Onde há sociedade haverá contrato. É a mais importante e mais comum fonte de obrigação. Celebramos contratos a todo instante. Se você está lendo estas páginas na biblioteca de sua faculdade já deve ter realizado alguns contratos no presente dia. Se mora distante de sua escola e não possui carro próprio, já negociou uma condução até o seu campus universitário, firmando um contrato de transporte de pessoas, no momento em que visualizou a proposta de trajeto no letreiro da frente do ônibus e demonstrou seu consentimento, sua vontade de contratar, com um simples gesto, levantando o braço. Talvez também já tenha degustado um cafezinho na cantina, realizando outro contrato, agora de compra e venda. Esta obra, que ora me honra com a sua leitura, deve ter sido disponibilizada através de outro pacto, um comodato, ou uma cessão, gratuita ou onerosa, em impressão física ou pela internet, ou ainda uma compra e venda, caso esteja materializado em um livro. Enfim, realizamos e estamos executando contratos a todo instante. Desde que começamos a viver em sociedade tem sido assim e assim será provavelmente por toda existência humana, pois relacionar-‐se em vida passa, necessariamente, pela realização incessante de pactos. Como espécie de negócio jurídico, o contrato depende, para sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico 13 bilateral ou plurilateral. Sempre, pois, que o negócio jurídico resultar de mútuo consenso, do encontro de duas vontades, estaremos diante de um contrato14. O contrato não se restringe apenas ao Direito das Obrigações, mas se estende a outros ramos do direito, como, por exemplo, o contrato especial de casamento, estudado no Direito de Família, ou os Contratos Administrativos, estudado pelo Direito Administrativo. Sob a ótica dos planos de análise do negócio jurídico, o contrato pode ser definido como a manifestação de vontade (ato jurídico), emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico, pretendidos pelo agente15. Especificamente sob o prisma do plano de validade, dentro da Escada Ponteana, ou Pontiana, como preferem Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald16, o contrato, como negócio jurídico que é, deve surgir de uma vontade manifestada livremente e de boa-‐fé, atendendo ainda aos outros requisitos do art. 104, CC: ser celebrado por agente capaz, ter objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Sob um ponto de vista clássico, o contrato pode ser conceituado como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial17. Este conceito tradicional é encontrado no art. 1.321 do Código Civil Italiano: “il contrato è l’accordo di due ou più parti per costituire, regolare ou estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimoniale”18. Entretanto, sob um viés mais atual, devemos permear esta visão clássica do contrato com o princípio constitucional da solidariedade social (art. 3º, I, CF/88). Isto é resultado do fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil ou do Direito 14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3 – contratos e atos unilaterais -‐ 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 22. 15 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: contratos, tomo I: teoria geral. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17. 16 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos – teoria geral e contratos em espécie. V. 4 – 5ª ed. -‐ São Paulo: Atlas, 2015, p. 39. 17 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Contratos. Atualizador: Regis Fichtner. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 7. 18 Tradução livre: o contrato é o acordo de duas partes ou mais, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. 14 Civil Constitucional, ou melhor ainda, da leitura dos contratos através das lentes dos princípios fundamentais. Atualmente, além do dever de servir ao objetivo fundamental da solidariedade social, os contratos podem versar, não somente sobre aspectos patrimoniais, mas também sobre os aspectos existenciais, relativos aos direitos da personalidade. Em resumo, o Professor Paulo Nalin propõe, ao lado de outros juristas, um conceito pós-‐moderno, afirmando que “o contrato constituia relação jurídica subjetiva, nucleada pela solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais”19. 5. Função Social do Contrato. O nosso ordenamento, a partir da Carta Magna de 1988 e do Código Civil de 2002, se afastou das concepções puramente individualistas, baseadas na autonomia da vontade, que norteavam o Código Beviláqua, de 1916, para seguir o entendimento contemporâneo pautado na sua função social, baseado na autonomia privada, que nada mais é do que a autonomia da vontade limitada pelo interesse social. Contratos que atendem à sua função social20 são aqueles que, além do interesse das partes envolvidas, também albergam outros interesses sociais, tais como: ü O respeito ao meio ambiente; ü O respeito à dignidade humana; ü O respeito à boa-‐fé objetiva; ü O respeito ao valor social do trabalho. Em resumo, os Contratos, e todos os demais institutos do Direito Civil como um todo, devem sobrepor os interesses da sociedade sobre os interesses 19 NALIN, Paulo Roberto. Do contrato: conceito pós-‐moderno. 1ª ed. 5ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 255. 20 Art. 421, CC/02. 15 individuais, marca da transição dos Estados Liberais para os Estados Sociais, sem que isso implique, necessariamente, na anulação da pessoa humana, justificando-‐se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais21. É importante lembrar que o princípio da Função Social foi elevado modernamente à categoria de cláusula geral, servindo como norma que vincula todo o ordenamento e consequentemente todo o Direito Civil22. As partes podem celebrar seus contratos com ampla liberdade, desde que observadas as exigências de ordem pública, como é o caso das cláusulas gerais. Com nos ensina o professor Nelson Nery Junior, “sendo a norma de ordem pública, o juiz pode (deve) aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio. Com isso, ainda que, por exemplo, o autor de ação de revisão de um contrato não haja pedido na petição inicial algo relativo à determinada cláusula geral, o juiz pode, de ofício, modificar a cláusula de percentual de juros, caso entenda que deve assim agir para adequar o contrato à sua função social. Assim agindo, autorizado pela cláusula geral expressamente prevista na lei, o juiz poderá ajustar o contrato e dar-‐lhe a sua própria noção de equilíbrio, sem ser tachado de arbitrário”23. Continuando seu raciocínio, leciona o ilustre professor fluminense: “o contrato estará conformado à sua Função Social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (CF, art. 3º, I) e da justiça social (CF, art. 170, caput), da livre-‐iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (CF, 1º, III), não se ferirem valores ambientais (CDC, art. 51, XIV) etc. Haverá desatendimento da Função Social, quando: a) a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato; b) quando houver vantagem exagerada para uma das partes; c) quando quebrar-‐se a base objetiva ou subjetiva do contrato etc”24. Então, a regra geral é que o Juiz pode (deve), ex officio, aplicar as Cláusulas Gerais, dentre elas a Função Social, decretando a nulidade do contrato 21 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos – teoria geral e contratos em espécie – 5ª ed. -‐ São Paulo: Atlas, 2015, p. 36 22 Ver art. 2.035, parágrafo único e art. 421, ambos do CC/02. 23 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil – Apontamentos gerais. In: O novo Código Civil: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. Coord. De Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho, São Paulo: LTr, 2003, p. 416-‐417. 24 Ibidem, p. 427. 16 como um todo, ou de apenas algumas de suas cláusulas, quando contrariarem sua Função Social, por fraude à lei imperativa (art. 166, VI, CC/02), pois a norma do art. 421 é de ordem pública (art. 2.035, parágrafo único, CC/02). A regra geral é de que, uma vez contrariando sua Função Social, o contrato deve ser considerado como nulo. Excepcionalmente, a nulidade não poderá ser declarada de ofício, como nos contratos bancários: Súmula 381, STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, deofício, da abusividade das cláusulas”. Mas isto é exceção. Entretanto, o juiz deve optar por convalidar o contrato, quando o vício não é tão grave a ponto de fulminá-‐lo de nulidade, contrariando normas de ordem pública, mas apenas tornar o acordo anulável25, confirmando o negócio entre as partes, quando o pacto apenas contrariar normas de ordem privada, sendo atingido pelos vícios do negócio jurídico. Neste caso, o negócio será apenas ajustado, adequado, reequilibrado, determinando-‐se, por exemplo, a indenização da parte que se prejudicou com o vício. Atente para o fato de que a anulabilidade, diferentemente da nulidade, não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia ex officio; só os interessados podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade da prestação26. 6. O Código de Defesa do Consumidor e o Contrato. A defesa do consumidor está prevista na nossa Constituição Federal em seu art. 5º, XXXII, materializada no plano infraconstitucional através da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. Esta lei trouxe inovações ao nosso ordenamento, inaugurando uma série de medidas protetivas ao consumidor, parte menos favorecida nas relações de consumo. Ora, se uma parte é menos favorecida, para reequilibrar a relação jurídica é preciso dar-‐lhe vantagens, a fim de atingir uma desejada igualdade material. 25 Arts. 171 e 172, CC/02. 26 Art. 177, CC/02. 17 Deste modo, o CDC trouxe uma série de normas de ordem pública protetivas ao consumidor, representando uma evolução do sistema privatista até então vigente, Código Civil de 1916, diploma que regulava a prestação de serviços zelando, especialmente, pela autonomia da vontade das partes27. Assim, a partir da entrada em vigor do CDC, em 1991, as relações contratuais de consumo, ou a venda de produtos e serviços em que estejam presentes os elementos da relação de consumo28, passaram a ser tratadas pela norma especial, o CDC, sendo que o Código Civil de 2002 em vigor reforçou esta especialidade, ao estabelecer, em seu art. 593, que somente cuidará da prestação de serviço que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, como o CDC. Mas atenção. Excepcionalmente, o próprio Código Civil pode prever uma inversão da regra geral de que prestação de serviço em relações de consumo é matéria regulada pela lei especial. De fato, o Código Civil em si é norma geral, mas está repleto de normas gerais e especiais. Por exemplo: em se tratando do fornecimento de serviço de transportes, o CDC será aplicado apenas subsidiariamente, ou seja, desde que não contrarie o que está disposto no Código Civil29. As regras que devem prevalecer, neste caso, são as do Código Civil. Outro exemplo: a lei de Locação de Imóveis Urbanos, Lei n. 8.245/1991, é legislação especial, devendo o Código Civil ser aplicado apenas subsidiariamente, quando a relação jurídica for de locação de imóvel urbano. Entretanto, se o contrato de locação de imóvel urbano for por adesão, devem prevalecer as normas do Código Civil que tratam do tema, pois normas especialíssimas30. Ainda em relação aos contratos, o Código de Defesa do Consumidor inovou em nosso ordenamento trazendo uma série de princípios protetivos para o consumidor, que foram reafirmados pelo Código Civil atual. Sobre o tema, devemos observar as seguintes súmulas importantes: Ø Súmula 321, STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. 27 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3 – contratos e atos unilaterais -‐ 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 30. 28 Ver arts. 2º e 3º, CDC. 29 Art. 732, CC. 30 Arts. 423 e 424, CC. 18 Ø Súmula 297, STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Mas lembre que, apesar do CDC trazer normas de ordem pública, que são aplicáveis aos negócios bancários por força da Súmula 297, quanto à possibilidade de conhecer da abusividade das cláusulas de ofício, ao arrepio da maioria esmagadora da doutrina, o STJ entende que estas só poderão ser conhecidas mediante provocação da parte interessada31. Posicionamento incoerente, data máxima vênia, mas é o entendimento atual do STJ. 7. Requisitos ou Condições de Validade do Contrato.Os requisitos essenciais ou condições de validade de todo negócio jurídico estão previstos genericamente no art. 104 do Código Civil. A melhor doutrina divide-‐os em requisitos subjetivos, que dizem respeito aos sujeitos envolvidos, e objetivos, que dizem respeito ao objeto contratado32. Os requisitos subjetivos são: Ø Capacidade genérica (art. 104, I, CC) – Se o negócio for realizado por absolutamente incapaz (art. 3º, CC), sem a devida representação, o acordo será nulo (art. 166, I, c/c art. 1.747, I, CC). Se realizado por relativamente incapaz (aqueles constantes do rol do art. 4º, CC), sem a devida assistência, o acordo será anulável (art. 171, I, c/c art. 1.747, I, CC). Ø Legitimidade (Capacidade Específica) – Em alguns casos, mesmo uma pessoa com capacidade civil plena precisará de uma capacidade especial, um plus na capacidade, para a prática de determinado ato. É o que ocorre, por exemplo, com a 31 Súmula 381, STJ. 32 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3 – contratos e atos unilaterais -‐ 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 34-‐40 19 necessidade de outorga uxória para alienar bem imóvel do casal (art. 1.647, CC), como também no caso da venda de imóvel de ascendente para descendente, em que o alienante precisa do consentimento expresso dos outros descendentes e do cônjuge (art. 496, CC). Tais anuências são requisitos de legitimidade para a prática dos respectivos atos. Ø Consentimento – Este requisito não é próprio de todos os negócios jurídicos, mas fundamental em se tratando de contratos. É que as partes precisam estar de acordo, expressando um consentimento recíproco na prática do certame contratual. Devem estar em consenso quanto ao objeto do contrato, quanto às suas cláusulas e quanto à sua natureza. Este consentimento deve ser livre, espontâneo e de boa-‐fé. Caso contrário, estará viciado por um dos vícios do consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores). Já os requisitos objetivos são (art. 104, II, CC): Ø Licitude do Objeto – O objeto de um contrato é sempre uma prestação de dar, fazer ou não fazer (objeto imediato) que não podem atentar contra a lei, a moral ou os bons costumes. Ø Possibilidade Jurídica ou Física do Objeto – O objeto impossível fisicamente é aquele impossível de ser realizado pelo homem, como, por exemplo, a obrigação de tocar em Marte sem tirar os pés da Terra. Já o objeto juridicamente impossível é aquele que o próprio ordenamento já proíbe que tal bem seja objeto de contrato, como, por exemplo, o pacto sucessório (pacta corvina), negócio sobre a herança de pessoa ainda viva (art. 426, CC). Ø Determinação do Objeto – Há de ser um objeto determinado ou, pelo menos, determinável. Admite-‐se a venda de coisa incerta, por exemplo, indicando-‐se ao menos o gênero e a quantidade (art. 243 a 249, CC). 20 Importante saber que o contrato que não observar um destes requisitos objetivos é considerado nulo (art. 166, II, CC). 8. Forma e Prova do contrato. A regra geral, em se tratando de negócios jurídicos, é a liberdade da forma, consagrada no art. 107, CC: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei a exigir expressamente”. Mas, como a própria lei prevê, existem alguns casos em que o negócio jurídico, para ser considerado como válido, necessita obedecer uma forma prescrita na lei. São os chamados negócios ad solemnitatem. São exemplos de negócios ad solemnitatem, dentre outros: Ø Contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente (art. 108, CC); Ø O testamento em que a lei impõe a forma específica (pública, cerrada ou particular, art. 1.862, CC); Ø A sublocação e o empréstimo do prédio locado dependem do consentimento, por escrito, do locador (art. 13, da Lei do Inquilinato – Lei nº 8.245/91). Ainda quanto à liberdade da forma, a regra geral é de que a manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita. Só não poderá ser tácita, devendo ser portanto necessariamente expressa, quanto a lei assim determinar (art. 111, CC). Vejamos um exemplo: art. 539, CC – doação pura, onde o silêncio importa a aceitação. Entretanto, se a doação for com encargo, o consentimento deverá ser expresso. Os negócios que necessitam de uma forma escrita para serem realizados e provados são chamados pela doutrina de ad probationem. O art. 401,
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