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Seminário sobre o artigo “Mau aluno, boa aluna: como as professoras avaliam meninos e meninas.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA/NOTURNO
Seminário sobre o artigo “Mau aluno, boa aluna: como as professoras avaliam
meninos e meninas.
Trabalho apresentado na disciplina de Escola, Cultura e Sociedade VIII.
Sob orientação de: Eliane Godinho
Alunas: Karen Correa
 Laís Morales
 Lilian Freitas
 Maiana Nunes
PELOTAS, JULHO DE 2016
Karen Correa
Laís Morales
Lilian Freitas
Maiana Nunes
Seminário sobre o artigo “Mau aluno, boa aluna: como as professoras avaliam
meninos e meninas.
Trabalho acadêmico apresentado na disciplina de Escola, Cultura e Sociedade VIII, do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFPel, sob orientação da Profª. Eliane Godinho, como requisito parcial para a aprovação na referida disciplina.
Pelotas, Julho, 2016
MAU ALUNO, BOA ALUNA?
COMO AS PROFESSORAS AVALIAM
MENINOS E MENINAS.
						MARÍLIA PINTO DE CARVALHO
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um resumo do seminário apresentado na Disciplina de Escola, Cultura e Sociedade VIII, que tinha como foco trabalhar o artigo de Marília de Carvalho, este como enfoque na questão dos processos que têm conduzido um maior número de meninos do que de meninas a obter notas baixas ou conceitos negativos, a ser indicados para atividades de recuperação, considerando que tal fato pode – ou não – estar relacionado à sua efetiva aprendizagem e a eventuais dificuldades diante do conhecimento. 
DESENVOLVIMENTO/REFLEXÕES
As estatísticas nacionais, embora precárias no que se refere à desagregação por sexo, não deixam dúvidas quanto à diferença de desempenho escolar entre meninos e meninas em todo o ensino fundamental e médio. Pode- se tomar os dados sobre evasão e repetência ou as informações sobre defasagem entre série cursada e idade da criança: qualquer dessas cifras indica que os meninos teriam maiores dificuldades escolares. 
A autora analisa, a partir de uma pesquisa realizada numa escola Pública de São Paulo, como professoras avaliam as crianças. E tem como foco “os processos que têm conduzido um maior número de meninos do que de meninas a obter notas baixas ou conceitos negativos, a ser indicados para atividades de recuperação” considerando que tal fato “pode – ou não – estar relacionado à sua efetiva aprendizagem e a eventuais dificuldades diante do conhecimento”. 
As políticas educacionais visam à melhoria do fluxo no sistema de ensino, afirmando que estas conduziram à menor reprovação e a um maior tempo de permanência das crianças na escola sem, contudo, refletir uma melhoria real no acesso ao conhecimento, à “democratização do saber”. Refere-se à maneira como tais políticas configuram um cotidiano de trabalho docente, podendo compor fortes pressões para reduzir drasticamente as reprovações e para o encaminhamento de crianças a atividades de recuperação; isso em meio a emaranhado desigualdades sociais que se expressam na escola – de gênero, de raça, de classe, entre profissionais (inclusive suas condições de trabalho) e crianças atendidas; focaliza, neste artigo, as dificuldades quanto aos critérios de avaliação adotados para atribuir notas ou conceitos aos alunos e alunas.
Do ponto de vista das relações de gênero – em suas complexas inter-relações com as desigualdades de classe e raça – parece que múltiplas dimensões da vida escolar e da infância articulam-se na produção desse quadro de maiores índices de fracasso escolar entre pessoas do sexo masculino: as relações de crianças ou jovens entre si, suas culturas e formas de sociabilidade, permeadas por diferenças e desigualdades de gênero; as interações entre professores, professoras, alunos e alunas, marcadas pela presença majoritária de mulheres no magistério, particularmente no início da escolarização; as expectativas e formas de educação diferenciadas estabelecidas pelas famílias para seus filhos e filhas; e, finalmente, as opiniões dos professores e professoras sobre as relações de gênero em geral e seus critérios de avaliação de alunos e alunas (CARVALHO, PÁG. 555).
Carvalho realizou entrevistas com duas professoras e a orientadora educacional que atuam em 4ªs séries do ensino fundamental, observações em salas de aula regulares, em suas atividades de recuperação, reuniões pedagógicas ao longo do ano de 2000, e nos conselhos de classe realizados no segundo semestre desse ano. Os alunos e alunas que participaram da recuperação também foram entrevistados e participaram de uma atividade gravada. 
Com a pesquisa, procurou “perceber o que as professoras consideravam fundamental avaliar e como o faziam; em que medida suas opiniões sobre masculinidade e feminilidade interferiam nesses julgamentos e o que era mais valorizado no comportamento tanto de meninos quanto de meninas”.
“Nem sempre o que apreendemos foram preconceitos ou estereótipos explícitos, mas sutis interpenetrações entre opiniões estereotipadas e julgamentos profissionais bem fundamentados, cujos efeitos se ampliavam na medida da falta de critérios de avaliação objetivos e coletivamente explicitados pela equipe escolar (CARVALHO, PÁG 556)”.
E trata-se de uma escola com condições de funcionamento particularmente adequadas: a maioria é contratada por 40hs semanais sendo, no máximo, 20h em sala e as demais em reuniões pedagógicas, preparação de aulas e aperfeiçoamento; há uma equipe pedagógica (duas orientadoras educacionais e uma coordenadora pedagógica), diretor e vice-diretor, equipe técnico-administrativa, serviço de apoio operacional, secretaria e espaço físico que podem ser considerados adequados à demanda. As turmas são compostas por 30 alunos, mesclando crianças provenientes de setores populares, médios e médios intelectualizados, abrangendo um grupo bastante heterogêneo em termos socioeconômicos, étnico-raciais e culturais, particularmente se comparada à homogeneidade que em geral se encontra tanto nas escolas públicas de periferia, quanto nas escolas particulares de elite, numa cidade como São Paulo.
A escola adotou o sistema de conceitos ao invés de notas, assim organizados: OS (Plenamente satisfatório), S (satisfatório) e NS (não satisfatório) com dois ciclos no ensino fundamental (1ª. a 4ª. séries e 5ª. a 8ª. séries). Existe um sistema de recuperação paralela ao longo de todo o ano, chamado de “oficinas de reforço”, que são oferecidas pela própria professora de classe nas primeiras séries ou da matéria, nas séries finais. No caso das séries iniciais, que estudamos, essas oficinas ocorriam pela manhã, uma vez por semana, com duração de duas horas e meia. Célia e Laís atendiam a grupos diferentes de alunos das duas classes de quarta série, conforme tivessem dificuldades em português ou matemática (ou em ambas as disciplinas). De acordo com elas, eram as professoras que indicavam os alunos para o reforço. Alguns permaneciam durante todo o ano, enquanto outros, que apresentavam dificuldades pontuais, eram atendidos por períodos variáveis e depois dispensados. Elas indicavam tanto alunos classificados com conceito “NS”, quantos alunos que obtinham “S”, mas “estavam cambaleando”, na expressão de Célia.
Com relação à reprovação ao final do ano, Laís mostrou-se particularmente insatisfeita, indicando a dificuldade em avaliar os alunos sem avaliar simultaneamente a própria escola. Ambas as professoras afirmavam avaliar os alunos a partir de uma multiplicidade de instrumentos (trabalhos individuais sem consulta, do tipo “prova”, trabalhos em grupo feitos em classe e em casa, participação nas aulas, lições de casa etc.); e diziam que procuravam levar em conta tanto o desempenho propriamente dito, quanto o que chamavam de “compromisso do aluno” ou “relação da criança com o cotidiano da escola”.
De modo que a questão do chamado fracasso escolar têm frequentemente, oscilado entre os dois polos apontados pelas professoras: a culpabilização das famílias e a busca de causas intraescolares. A autora traz os números de sua pesquisa em que “11% de todas asmeninas da quarta série foram indicadas em algum momento para as oficinas, enquanto o mesmo ocorreu com 36% dos meninos”. Assim questiona como explicar essa diferença e procura ir mais fundo nos critérios de avaliação das professoras e em suas ideias sobre as relações de gênero. 
“É uma excelente aluna, mas...”
 Professores afirmam desconhecer qualquer diferença de desempenho escolar entre meninos e meninas. A partir de alguns estudos se salientou a surpresa das professoras quando questionadas sobre critério de avaliação e gênero (Silva et all, 1999). Cármen Silva e colaboradores, por exemplo, descrevem a reação dos professores e professoras que entrevistaram em Pelotas como sendo de “bastante surpresa e, logo após, de dúvida” reação parecida com dos professores franceses. 
Ao contrário dos professores já referidos anteriormente, nas escolas em que foi investigado esse tema ouviu-se quase sempre uma concordância quanto às diferenças de comportamento e desempenho entre meninos e meninas, porém quando se tratava das diferenças socioeconômicas prevalecia o silêncio enquanto 50% dos alunos de primeira a quarta séries vinham de famílias com renda familiar superior a dez salários mínimos, entre os alunos em recuperação esse índice caía para 28,2%. 
Adiante no texto a autora relata situações que expressam, por parte das professoras entrevistadas, vulnerabilidade sobrepostas, mesmo que isto não tenha sido “dito” por elas. Era nítida a diferença de percepção entre as duas professoras quanto ao desempenho de meninos e meninas: Laís respondeu que “o número de meninos é maior e vai se acentuando [de uma série
para outra]”; já “... Célia não mencionou o sexo como característica marcante dos alunos indicados para atividades de recuperação, tendia a mencionar mais meninas que meninos como exemplo de bons alunos” mesmo tendo sido solicitado assim, no masculino, passou a responder no feminino. 
A imagem de “bom aluno” estaria associada às meninas brancas - e orientais - talvez com certo perfil de feminilidade. Segundo Carvalho de acordo com as falas dessas professoras, o “bom aluno” seria “quem participa; quem consegue ter um elo legal com o grupo, quem se envolve com a escola” (Laís). E muitas alunas são descritas como boas alunas, mas sem essas características, o que ofuscaria suas qualidades: “Marieta é uma excelente aluna, mas ela raramente questiona, ela é muito certinha, sabe aquela criança certinha, muito CDF, até demais?...”.
A autora ressalta que assim quem efetivamente se encaixava no perfil de “excelente aluno”, participativo, crítico e ao mesmo tempo cumpridor das tarefas, rápido na aprendizagem e organizado, era um pequeno número de meninas “questionadoras” e, especialmente, um grupo significativo de meninos, quase todos vistos como brancos ou brancas pelas professoras. Sobre um desses meninos, Célia disse: “Aquela criança compenetrada, equilibrada, todo certinho, mas de um jeito legal” (ênfase minha). Assim, enquanto os meninos bons alunos eram descritos como “bem humorado”, “uma liderança positiva”, “engraçado”, “curioso”, “danado fora da sala de aula”, muitas meninas eram apontadas como boas alunas, apesar de serem caladas, obedientes, não questionadoras.
Marília traz estudos que apontam situações semelhantes no sul do Brasil, na Inglaterra e na Austrália, no Brasil as meninas são percebidas como responsáveis, organizadas, estudiosas, caprichosas, atentas, “mas menos inteligentes” e os meninos como agitados, malandros, dispersivos, indisciplinados, mas inteligentes; há uma discrepância na avaliação dos docentes diante de meninos e meninas, cujos comportamentos são lidos como equivalentes: enquanto o desempenho das meninas é atribuído ao seu esforço, o desempenho inferior dos garotos é percebido como não realização de um potencial brilhante devido ao seu comportamento ativo, lúdico; professores e professoras frequentemente preferem ensinar aos meninos, que são considerados mais interessantes e
mais inteligentes. 
Apesar de elogiaram as meninas por sua responsabilidade e compromisso, preferem os garotos, estando dispostos há gastarem mais tempo com eles, por considerá-los mais estimulantes, mais vivos na discussão, e mais originais, com opinião própria. 
“Fru-fru, babadinho e flores no caderno”
Situada na ponta oposta de Marieta e Alice, em termos de desempenho acadêmico, Ana única menina com conceito NS desde o início do ano e que acaba reprovando - de feminilidade dócil e estereotipada, de cadernos im-pe-cá-veis, raramente falta, o material todo cheio de fru-fru... mas com muita dificuldade.
Carvalho relata, “vivenciando intensamente uma feminilidade assentada na obediência às normas, na organização e na submissão, essas meninas falhavam, do ponto de vista das professoras, por não terem criatividade, voz própria, autonomia, e, portanto, participarem pouco, não serem questionadoras, não terem papel de liderança no grupo. Nesse caso, uma forte adesão a um padrão de feminilidade diferente daquele evocado pelas professoras em suas avaliações parece comprometer o sucesso escolar dessas meninas”. 
Aborda estudo (Walkeerdine 1995) em que se reflete sobre “carência” de autonomia e independência intelectual, frequentemente percebida em pessoas pertencentes a grupos oprimidos e se pergunta por que pensar
que trabalhar duro e seguir regras são coisas tão ruins? E um “estado da arte” da produção britânica sobre gênero e educação em que se encontram evidências de que os meninos se adaptariam mais aos métodos tradicionais, nos quais devem decorar fatos e regras abstratos e sem ambiguidade, obtendo respostas rápidas; enquanto as meninas se sairiam melhor em tarefas com questões abertas, processuais, relacionadas a situações realistas e que requerem (...) pensar por si mesmos.
“Outras facetas” 
Uma das alunas tida como silenciosa relata à pesquisadora, em encontro com um grupo de alunos, sobre atividades que assume no trabalho doméstico e briga no recreio e suas dificuldades escolares. A autora argumenta que parece que a submissão e o silêncio de Ana tinham endereço certo – as professoras e a família – mas não eram absolutos, pois podiam ser rompidos em espaços de maior liberdade como o recreio e diante de seus pares, indicando a possibilidade de aprendizagem escolar. “Isso, entretanto, implicaria em alterações na maneira como Ana parecia expressar sua feminilidade e nos padrões das professoras sobre o comportamento adequado às “boas alunas”, questões que pareciam totalmente opacas para adultos da escola.”. 
“Corpo de mulher, sombra verde e minissaia”
As professoras atribuíam a caída de rendimento escolar das meninas ao fato destas estarem na fase das descobertas sentimentais, fase da paquera, porém estas meninas justificavam que procuravam uma forma de conciliar as novas preocupações e as suas tarefas escolares, mas essa adesão a padrões de feminilidade mais explícitos ou acentuados era avaliado de forma negativa diante do desempenho escolar das alunas. 
Barrie Thorne etnógrafa norte- americana, descreve situações muito parecidas com as do nosso País relatadas neste texto, ela fala que meninas com o desenvolvimento físico quase completos são tratadas pelos educadores como corrompidas, desviantes e viciosas, ela também destaca que nossa cultura tem dificuldades de lidar com a sexualidade infantil e com as diferenças individuais nos ritmos de desenvolvimentos, as professoras valorizam uma feminilidade que rejeite a afirmação exacerbada da diferença de gênero, uma mulher mais independente que submissa e mais assertiva que sensual.
“Diferentes apatias”
Alguns alunos foram encaminhados para o reforço, pois eram alunos apáticos, a professora explicou que a apatia feminina era decorrente do excesso de submissão e obediência, enquanto que a masculina era por desleixo, descompromisso e desinteresse.
Um dos elementos de avaliação eram os cadernos, e estes simbolizavam de forma intensa as diferenças de gênero era uma verdadeira materialização de uma simbologia de masculinidade e feminilidade, a própriaprofessora Laís confessa que se sentia seduzida pela forma feminina de organizar os cadernos, que ela mesma classificava como cadernos cor-de-rosa, mas ela policiasse perguntando o que ela queria daquele caderno como professora, uma determinada organização que desse para ler e que o caderno estivesse completo. A professora em questão reconhece que ela faz uma associação entre a feminilidade e o capricho dos cadernos. Entre os meninos havia um preconceito em relação a caprichar nos cadernos, a professora afirma que o bom aluno é aquele que se impõe, mas também produz cadernos organizados e caprichados. Cadernos femininos apresentam limpeza, organização, cores, capricho e enfeites e os masculinos tem desleixo, desorganização e sujeira. Portanto o bom desempenho esta relacionado às características tidas como femininas.
“Um difícil equilíbrio”
Os meninos tinham bastantes dificuldades entre ser percebidos como másculos e ao mesmo tempo como bons alunos. A professora Laís exemplifica estas características com o seu aluno Frederico que era um aluno agitado, irreverente, indisciplinado, mas que ao mesmo tempo mantinha um caderno primoroso, talvez Frederico e outros poucos colegas sejam meninos que aprenderam como desempenhar uma versão bem sucedida da masculinidade dentro da sala de aula. André um dos alunos do reforço traz como exemplo de comportamento dos “bons alunos” de sua classe, falando que “eles zoam, mas eles prestam atenção e conseguem fazer”.
“Diferentes bagunças”
As masculinidades e suas características pareciam mais opacas e ainda menos questionadas na escola que as feminilidades. As falas das professoras não relacionavam a agressividade e indisciplina, que nossa cultura associa á masculinidade, como as dificuldades escolares dos meninos, ao contrário do que faziam ao comentar as meninas com problemas de aprendizagem, realçando nelas características marcadas por traços de feminilidade (submissão ou erotização). Além disso, Laís e Célia pareciam num, primeiro olhar, distinguir comportamentos disruptivos e aproveitamento escolar.
Durante as entrevistas e a observação no conselho de classe, elas diferenciaram com bastante ênfase os alunos que tinham conceito NS (apáticos) dos alunos indisciplinados, afirmavam que os problemas de agressividade e indisciplina eram da classe toda. Os problemas agressão física e verbal entre colegas, principalmente surgiram sempre no recreio e nas aulas ministrada por outros professores, com quem as classes não teriam um vínculo estabelecido, nem uma relação clara de autoridade e respeito aos limites. Na percepção de Célia e Laís, se sentiam a ausência de limites muito bem delimitados e sempre relembrados, todos os alunos das quartas séries acabavam se envolvendo em confusão.
Por outro lado, para elas, a indisciplina também não seria maracá exclusiva das crianças do sexo masculino, não estaria diretamente relacionado às características de gênero: também temos nomes de meninas, com esse mesmo comportamento, menos vezes, mas acontece (Laís). Elas enfatizam, tanto nas entrevistas como nos conselhos de classe, a existência de meninas agressivas, brigonas e indisciplinadas.
As meninas que apresentavam comportamentos tidos como não femininas eram mesmo postas em destaque, com um misto de orgulho e vergonha, elogio e recriminação. Célia, por exemplo, comentou que, diferentemente de quando era jovem, via meninas jogando futebol e de igual para com os garotos. A julgar por essas falas, nem a indisciplina nem a agressividade expressa em brigas entre pares seriam marcadas pelas relações de gênero. Ao contrário estariam igualmente distribuídos entre meninas e meninos.
Uma pesquisa norte-americana, por exemplo, mostrou que naquele País os meninos são muito mais frequentemente indicados para as classes especiais, onde se colocam aqueles que teriam problemas psicológicos de aprendizagem ou emocionais. Os dados indicam que tanto mais subjetivo é o diagnóstico de certo problema (distúrbios emocionais, por exemplo), maior é a presença masculina. Assim em lugar de identificar os problemas de aprendizagem, o pessoal escolar poderia estar classificando incorretamente problemas de conduta isto são as meninas, caladas, obedientes e bem comportadas seriam mais facilmente ignoradas, enquanto os meninos, rebeldes e incômodos, seriam prováveis candidatos á educação especial, ou, no caso brasileiro, ás classes de aceleração e atividade de reforço.
Alguns de nossos alunos da quarta série talvez estivessem dando os passos iniciais numa trajetória desse tipo. Não apenas eles possivelmente traziam de casa, referenciais de masculinidade diferentes dos valorizados pelas professoras ao avaliarem os alunos, um padrão mais assentado na força, na agressividade e na heterossexualidade, com diferenças de gênero mais acentuadas, de forma paralela a alguns padrões de feminilidade percebidos pelas professoras nas meninas. Além disso, a própria escola, ao empurrá-los para o fracasso acadêmico, poderia estar contribuindo para que eles assumissem essas formas de masculinidade como única via de realização de algum poder e autonomia, já que a masculinidade está organizada, em escala macro, em torno da posse do poder social.
Por outro lado, as observações em classe confirmaram a presença de meninas conversando, saindo da classe, trocando bilhetes, fazendo algumas bagunças, mas sempre mais discretas e de menor duração temporal que as desordens dos meninos. Nara Bernardes já observava esse tipo de situação em sua tese de doutorado, mostrando mais a conversas e a ações discretas, pouco percebidas pelas professoras, enquanto os garotos se moviam mais, falavam alto e enfrentavam mais abertamente os adultos, sendo, portanto, mais frequentemente percebidos como indisciplinados.
“Uma gramática da avaliação”
Para as crianças ouvidas, o que caracterizava um bom aluno era antes seu comportamento que suas notas. Ele faz todas as lições, não responde para a professora a faz tudo que ela quer. Pois nas falas das professoras, alunos que fazem tudo o que a professora quer não seriam avaliados como excelentes e havia uma relação muito tênue entre atitudes e desempenho acadêmico. Segundo Philippe Perrenoud seria útil lançar mão aqui do conceito de hábitus, como formulado por Bourdieu: uma gramática das práticas em nosso caso, práticas avaliativas. No complexo processo que é a relação pedagógica, a racionalidade seria apenas ilusória, sendo inevitável uma erupção de valores de subjetividade, afetividade e um certo grau de dependência diante de interesse e preconceitos. O professor enfrentaria as diferentes situações de seu cotidiano profissional, entre elas a avaliação dos alunos. A partir do conjunto de esquemas mais ou menos consciente de que dispõe esquemas de ação, mas também de percepção, de avaliação, de pensamento. Nesse repertório de valores, as ideias e os símbolos socialmente construídos de masculinidade e feminilidade estariam presentes, tanto outras hierarquias ligadas á estrutura sócio- econômica, e raças étnicas, entre outras. 
Ao trabalharmos este artigo começamos a nos indagar sobre aspectos que nos fazem refletir sobre o que acontece na sala de aula, de modo a compreender que a socialização dos meninos e das meninas a partir de princípios opostos faz com que eles tenham atitudes distintas no ambiente escolar. Desde a cor das roupas com que as crianças são vestidas, os tipos de brinquedos a que tem acesso, e mesmo o modo como interagimos e o que estimulamos as crianças a fazer correspondem ao que consideramos adequado conforme o gênero. Os meninos, desde muito cedo aprendem como os seus pares a manifestar algum tipo de recusa à autoridade dos pais, dos meninos mais velhos e também do professor.
Ainda que isso cause certo incômodo, de um modo geral, os professores já esperam que isso aconteça e consideram esse tipo de atitude relativamente normal para os meninos. Apesar disso, os problemas de disciplina que esse tipo de postura acarreta e a fama de bagunceiros se soma a um rendimento mais baixo do quepoderiam ter. Ao contrário, as meninas tendem a ter um rendimento melhor além de serem consideradas alunas mais obedientes, comprometidas com a aula, dispostas a ajudar os colegas e cooperar com as atividades propostas, porém as que não discordam de nada, estão sempre de forma passiva dentro da sala de aula. 
Notamos assim que os professores nem sempre reconhecem esse descompasso e em geral acreditam que propiciam uma formação baseada da “neutralidade” e na recusa das diferenças entre os sexos, comparando a descrição que as professoras de ensino fundamental fazem dos bons alunos e daqueles que são excelentes, o rendimento conforme o gênero demonstra algumas nuances. Então, muitas vezes, a maior parte das alunas é considerada boa, apesar de lhe faltarem alguns requisitos como a iniciativa, a participação crítica e a posição questionadora. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na verdade percebe-se que, ao apresentarem em entrevistas seus critérios de avaliação, ambas as professoras haviam afirmado considerar tanto a aprendizagem quanto o que chamavam de "compromisso da criança com o cotidiano da escola", e era através da avaliação desse compromisso que eram considerados elementos ligados às atitudes e comportamentos de forma tão decisiva quanto o desempenho mais estritamente acadêmico. Avaliar esses comportamentos, porém, era uma tarefa extremamente subjetiva, mesmo numa escola razoavelmente estruturada e com espaços coletivos de discussão como aquela. Para fazê-lo, as professoras tinham que lançar mão de repertórios e referenciais pessoais, apenas relativamente conscientes, sem perceber integralmente seu caráter arbitrário, sem escolhê-los e controlá-los inteiramente. 
Nesse repertório de valores, as ideias e os símbolos socialmente construídos de masculinidade e feminilidade estariam presentes, tanto quanto outras hierarquias ligadas à estrutura socioeconômica, às raças ou etnias etc. Assim mais do que em qualquer outro momento, o pensamento a cerca dos processos de avaliação dos alunos no sistema escolar brasileiro requer hoje refletir sobre as relações sociais de gênero, masculinidades e feminilidades que informam nossas concepções de bom aluno, aprendizagem, disciplina, infância, ao lado de outras hierarquias mais ou menos consagradas nessa reflexão, como as de classe social e etnia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, M. Mau aluno, boa aluna?Como as professoras avaliam meninos e meninas. Rev. Estud. Fem. [online]. 2001, vol.9, n.2, pp.554-574.

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