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Aplicação da oxigenação com membrana extracorpórea

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Aplicação da oxigenação com membrana extracorpórea (ECMO) na insuficiência respiratória aguda
	Introdução
Apesar da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) ser uma condição grave, com mortalidade que ainda hoje oscila entre 40% e 50%, apenas uma pequena fração de pacientes morre por hipoxemia (aproximadamente 15%). Entretanto, nessas formas mais graves, a SDRA impõe grandes dificuldades para ventilação e oxigenação, com necessidade de medidas chamadas de “resgate”, tais como manobras de recrutamento com pressões elevas, ventilação em posição prona e uso de óxido nítrico inalatório. Alguns pacientes mantêm-se hipoxêmicos a despeito dessas tentativas e a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) torna-se praticamente a única alternativa.
Nos últimos anos, alguns fatos vêm tornando a ECMO uma opção um pouco mais factível para o tratamento da SDRA. Houve grande avanço nos equipamentos necessários para o procedimento; um estudo prospectivo conduzido na Inglaterra mostrou impacto sobre a mortalidade de pacientes com formas muito graves de SDRA; e durante a epidemia de influenza em 2009, em vários centros, pacientes com hipoxemia refratária a outros tratamentos foram conduzidos com sucesso com ECMO. Mesmo com este avanço em sua utilização, a ECMO continua sendo uma terapia complexa e cara, que idealmente deve ser conduzida em centros de referência, os quais, ao receberem pacientes de outras unidades, tornam-se mais eficientes nesta modalidade terapêutica.
Em setembro de 2014, o American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine publicou um documento de uma rede internacional sobre ECMO, a ECMONet, que tem como objetivo orientar os profissionais envolvidos (médicos, coordenadores de hospitais e unidades de tratamento intensivo, gestores públicos e privados de saúde) na organização de um programa de ECMO, facilitando sua implementação de forma eficaz e segura. No mesmo número da revista, foi publicado um artigo de revisão abordando os principais aspectos práticos da ECMO. Neste boletim, discutiremos os pontos mais relevantes do documento da ECMONet e do artigo de revisão.
Definições
A ECMO é uma forma de suporte de vida extracorpóreo que tem como objetivo primário promover a oxigenação sanguínea. Conforme a abordagem anatômica, a ECMO pode ser:
ECMO veno-arterial: o sangue é drenado a partir de uma cânula localizada na veia femoral ou jugular interna e, após ser bombeado através de uma membrana para oxigenação e eliminação de gás carbônico, é devolvido para o sistema arterial, através de uma cânula localizada na artéria subclávia ou na femoral.
ECMO veno-venosa: o sangue também é drenado a partir da veia femoral ou jugular interna, mas, após ser bombeado através de uma membrana para oxigenação e eliminação de gás carbônico, ele é retornado ao sistema venoso por cânula localizada na veia jugular ou femoral. Um cateter único de duplo-lúmen pode ser usado para a drenagem e o retorno do sangue.
A tabela 1 ilustra as principais diferenças entre as formas VA e VV da ECMO.
	Tabela 1. Principais diferenças nos efeitos respiratórios e hemodinâmicos entre as formas VA e VV da ECMO
	 
	VA-ECMO
	VV-ECMO
	Fluxo
	Não pulsátil, sem recirculação
	Pulsátil, com recirculação*
	Suporte hemodinâmico
	Fornece suporte parcial
	Nenhum
	Efeitos sobre VE
	Reduz pré-carga, aumenta pós-carga
	Nenhum
	Efeitos sobre VD
	Reduz pré e pós-carga
	Nenhum
	Efeitos pulmonares
	Melhora as trocas gasosas, reduz o fluxo sanguíneo pulmonar
	Melhora as trocas gasosas, sem alterar o fluxo sanguíneo pulmonar
* - O sangue oxigenado se mistura com o venoso e então atravessa os pulmões. A depender do comprometimento pulmonar, o nível de oxigenação alcançado pode ser limitado.
Tanto a forma veno-arterial quanto a veno-venosa podem ser empregados em um sistema de fluxo mais baixo através de um dispositivo que apenas remove o gás carbônico, sem fazer oxigenação, constituindo o ECCO2R (do inglês,extracorporeal CO2 removal).
Indicações
A principal indicação de ECMO nas situações de insuficiência respiratória aguda são as formas graves de SDRA, tanto como terapia de resgate para pacientes que se mantêm hipoxêmicos a despeito das estratégias ventilatórias adotadas, quanto para aqueles que, para manter níveis aceitáveis de trocas gasosas, necessitam de parâmetros ventilatórios sabidamente lesivos, sobretudo altas pressões no sistema respiratório. Nestes pacientes, a ECMO pode ser implementada e permitir o ajustes de parâmetros teoricamente seguros de ventilação mecânica, tais como frequência respiratória entre 6 e 10 respirações por minuto, pressão de platô entre 20 e 25 cmH2O, volume corrente abaixo de 6 ml/kg e PEEP entre 10 e 15 cmH2O. Na epidemia de H1N1 de 2009, a ECMO foi empregada com sucesso em vários centros da Austrália, Nova Zelândia e Europa, para a condução de pacientes com formas graves de SDRA pelo vírus.
A remoção de gás carbônico (ECCO2R) tem surgido como terapia adjuvante à ventilação mecânica, eventualmente até mesmo substituindo-a. A possibilidade de utilização de cânulas de menor calibre e fluxos menores (pode-se inclusive prescindir da bomba propulsora no circuito artério-venoso) torna o processo mais simples e com menor potencial de complicações. Séries de casos já foram publicadas em que a ECCO2R já foi utilizada na SDRA, para permitir a ventilação com menores volumes correntes, e na exacerbação da DPOC, permitindo o manejo da hipercapnia e da acidose respiratória sem necessidade de intubação.
A ECMO-VA pode ser empregada como suporte cardíaco, podendo ser indicada para pacientes que não conseguem ser desmamados após cirurgia de revascularização, infarto agudo do miocárdio, cardiomiopatia, miocardite ou miocardiopatia pós-parto. Nestes casos ela pode ser uma “ponte” para o transplante cardíaco. Em alguns centros isolados ela já foi usada como “ponte” para o transplante pulmonar, às vezes evitando a ventilação mecânica, a qual piora o prognóstico pós-transplante.
Contra-indicações e complicações
Não há contra-indicação absoluta para ECMO, sobretudo em função da gravidade em que geralmente o paciente se encontra, muitas vezes com falência de outras alternativas terapêuticas. Na tomada de decisão, o elevado risco de sangramento deve ser considerado como fator limitante. Pacientes com co-morbidades limitadoras da vida ou com falência de múltiplos órgãos também não são bons candidatos, pelo baixo potencial de recuperação. A experiência da equipe também deve ser considerada, devendo limitar as indicações quando ela não é grande o suficiente.
As principais complicações são:
Hemorrágicas: local da cânula (23%), sítios cirúrgicos (20%), hemólise (7%), gastrointestinais (4%), coagulação intravascular disseminada (4%).
Neurológicas: infarto (4%) ou hemorragia (2%) em sistema nervoso central.
Pulmonares: hemorragia (3%), pneumotórax (2%).
Infecciosas: cateter (14%).
Músculo-esqueléticas e extremidades: isquemia (1%), síndrome compartimental (<1%), fasciotomia (<1%), amputação (<1%).
Criação de centro de referência
A ECMO é uma modalidade terapêutica complexa, com elevado índice de complicações, indicada para um grupo restrito de pacientes com formas graves de algumas condições de insuficiência respiratória. Exceto em situações específicas, como foi a epidemia de H1N1 em 2009, as indicações para ECMO perfazem um número pequeno de pacientes, estimado por alguns autores em 5 a 10 casos por 1 milhão de habitantes por ano. Ao mesmo tempo, com base na experiência já existente em neonatologia e pediatria, sabe-se que os resultados da ECMO variam conforme o centro conduza entre 20 a 25, entre 10 e 20 ou menos de 10 casos por ano. Sendo assim, o documento ECMONet sugere que os centros sejam regionalizados no intuito de atenderem uma determinada população. Embora não haja consenso sobre o tamanho da população a ser coberta por um centro de referência, os autores partem de um número inicial de 2 a 3 milhões de habitantes, estimando a condução com ECMO de pelo menos 12casos de insuficiência respiratória aguda por ano, aos quais se somariam casos de pediatria, neonatologia e cardiologia. A interação entre as diferentes equipes que conduzem pacientes em ECMO é fundamental para otimizar o treinamento e manutenção da qualidade, visto que as oportunidades de treinamento são limitadas.
Estrutura necessária para um centro de ECMO
Um centro de referência para ECMO deve ser instalado necessariamente em um hospital terciário, em UTI que já esteja bem estruturada para condução de pacientes com necessidade de suporte ventilatório e circulatório. Em relação à equipe, todos os envolvidos devem ter recebido treinamento específico em ECMO, além da experiência na condução de pacientes graves. Esta equipe deve ser, dentro do possível, auto-suficiente. Um médico capaz de conduzir a ECMO em todo seu processo deve estar disponível (pelo menos acessível por telefone) por 24 horas. A equipe deve dispor de medico com experiência em Doppler vascular e ecocardiograma com Doppler para inserção, manutenção e monitoramento das cânulas, quando necessário. Idealmente, a relação enfermeiro-paciente deve ser de 1:1.
Os equipamentos necessários para implementação e manutenção da ECMO com segurança são:
Cânulas, membranas, clampeadores e propulsor do fluxo (“roller”): devem estar disponíveis com “back-up”, pela possível necessidade de troca.
Sistema de bateria com autonomia de pelo menos 45 minutos.
Sistema de iluminação para realização de eventuais procedimentos cirúrgicos.
Material cirúrgico para eventuais procedimentos de revisão ou tratamento de complicações hemorrágicas ou isquêmicas.
Sistema de aquecimento da ECMO.
Ecocardiograma e Doppler vascular.
Sistema de transporte hospitalar adequado, idealmente com possibilidade de manutenção da ECMO durante o mesmo.
Além da equipe e dos equipamentos diretamente relacionados à ECMO, serviços auxiliares devem estar disponíveis, tanto para atender eventuais complicações do procedimento, quanto para dar o suporte a outras demandas, frequentes nestes pacientes graves. Entre estes serviços, destacam-se:
Equipe cirúrgica de emergência, capaz de estar pronta dentro de um intervalo de 30 minutos:
Cirurgia cardiovascular
Cirurgia abdominal
Endoscopia intervencionista
Equipe clínica
Cardiologia, com possibilidade de realização de ecocardiograma transtorácico e transesofágico.
Anestesia, pneumologia, neurologia, nefrologia.
Radiologia intervencionista, com possibilidade de embolização vascular.
Laboratório:
Gasometria arterial, hematologia, coagulação, bioquímica, microbiologia.
Banco de sangue
Leitura recomendada
Combes A et al. Position paper for the organization of extracorporeal membrane oxygenation programs for acute respiratory failure in adult patients. Am J Respir Crit Care Med 2014190:488-496.
Ventetuolo CE, Muratore CS. Extracorporeal life support in critically ill adults. Am J Respir Crit Care Med 2014190:497-508.

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