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Brasil Império: As minúcias do período regencial André Souza¹ José Luiz Mariano Logo após a abdicação de D. Pedro I em 7 de Abril de 1831, os políticos brasileiros herdaram uma vacância no trono imperial e uma série de crises instaladas para administrar. Tais fatos subsequentes, onde uma explosão de revoltas que se decorreram, fizera a maioria dos historiadores que trabalhavam esse período tivessem uma impressão de que ele essencialmente fosse marcado pela anarquia e pela formação de movimentos de guerra. O período Regencial teve um grande espaço na historiografia, porém é importante desfazer a visão de anarquismo no Brasil nesse período, que foi construída ao longo do tempo, inserindo esse contexto dentro de uma ótica de formação do estado nacional. É importante entender o contexto de disputas políticas que foram criadas entre os diferentes grupos políticos que compunham o cenário imperial. Esses grupos que se dispunham nas distribuições de forças nesse período, apresentavam projetos políticos distintos, se propondo dentro de um contexto onde as ações e debates eram à base de um período de experiências, gestando nesse âmbito o que se pode chamar de “laboratório de projetos para a nação brasileira."1 Tais disputas eram um exemplo claro da existência de projetos políticos diferentes. Dentro de uma configuração, onde todas essas facções políticas estavam encaixadas num campo político, as disputas pelo poder, estavam marcadas pela formação de arena política imperial. O grupo dos exaltados reivindicavam profundas reformas políticas e sociais no Brasil, com um modelo de república federativa, abolição gradual da escravidão e cidadania civil e política para todos os livres, a composição social de seus adeptos, eram em sua grande maioria de profissionais liberais. Os exaltados são segundo Marcello Basile: “os adeptos de radical liberalismo de feições jacobinistas”2. O grupo dos moderados reivindicava uma redução do poder do imperador, maiores atribuições para a câmara e uma maior autonomia para o judiciário, a composição social de seus adeptos abarcava não só profissionais liberais mais também proprietários de terras. Por fim, temos os caramurus, grupo político com feições conservadoras, que pleiteavam a manutenção da monarquia constitucional centralizada, a 1 BASILE, Marcello “O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840)”, in Keila Grinberg e Ricardo Salles, O Brasil Imperial, volume II: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 57. 2 Ibidem, p .61. 2 composição social deste grupo era em grande maioria de descendentes portugueses, funcionários públicos e proprietários de terras. É importante entender que esses grupos políticos, nesse período, não se apresentavam como partidos políticos, definidos por um programa partidário, porém adquiriam qualidades de grupos políticos que se articulavam no cenário imperial.3 As regências não representavam a centralização do poder, a intenção era de dar andamento ao progresso das reformas de cunho liberal que tiveram início no período do Primeiro reinado. O desejo era que o Brasil tivesse instituições mais modernas, extinguindo os aparelhos que representavam o Antigo Regime. Cria-se uma reforma do poder judiciário, a intenção era diminuir o aparelho de repressão do estado (exército e polícia) remodelando essas instituições. A ideia é que, se devem reestruturar os aparelhos de repressão do estado. Nesse sentido, dois pontos são essenciais no processo de abordagem desse período, os juízes de paz e a Guarda nacional. Na reforma no sistema judiciário, o juiz de paz se configura como uma figura importante dentro do exercício de poder nas províncias. Estudar como atuavam os juízes de paz é de fundamental importância para se entender as dinâmicas eleitorais. Eles se constituem como peça fundamental na reforma brasileira, sua função representava a célula mais básica do judiciário, atuando nos problemas locais, com a mesma função de polícia. A principal atribuição dos juízes de paz, no que diz respeito a valor político, era fazer as listas de votantes e presidir a mesa eleitoral, ou seja, ele tinha uma importância fundamental nas eleições e principalmente nas disputas no âmbito provincial. Influenciar o juiz de paz era uma das intenções dos grupos políticos locais, as disputas internas se intensificam, onde as facções provinciais lutavam pelo poder, regionalizando as disputas alimentas por essas reformas liberais. Outro aspecto importante no remodelamento dos aparelhos repressivos de estado foi à criação da Guarda nacional, constituía-se como uma milícia cidadã. A Guarda Nacional representava o poder de um grande proprietário de terras local, as tropas tinham os custos logísticos mantidos por esse dono de terras e atuavam em ações de combate a integridade nacional. Dentro de uma concepção moderna e liberal, as guardas nacionais substituíam as Ordenanças do Antigo Regime colonial. Elas constituíam a integridade e a manutenção da unidade interna do estado brasileiro. Também podemos destacar a formação do Código de Processo Criminal em 1832, que permitiu a ampliação dos poderes judiciários, a criação de um júri para julgar processos, o direito ao habeas corpus, e a criação do cargo de juiz 3 CARVALHO, José Murilo de. “A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro das sombras: política imperial”. Rio de janeiro. UFRJ,1996. p.204. 3 municipal. Esse código penal representava a ampliação dos poderes populares. Os debates políticos da época giravam entorno do embate entre o poder do legislativo e a figura do executivo, o que deixava claro as posições de centralização do poder na figura do monarca, e uma oposição a esse projeto que se fixava na reivindicação a descentralização desse poder, dando uma maior autonomia para as províncias, o que ia de acordo com a maioria das elites provinciais. Uma das temáticas mais trabalhadas, diz respeito aos grupos políticos e seus espaços de ação. O reflexo significante se apresenta como campo essencial de estudo do período regencial. Nesse momento, aparece a possibilidade de construção de redes e espaços de sociabilidade, as festividades aparecem como instrumento de ação política popular, elas tiveram um importante papel na mobilização das várias camadas sociais e na formação de valores da nação brasileira. As propostas políticas reproduzidas nos periódicos que circulavam no período regencial contribuíram para a construção de uma opinião pública, dispondo os diferentes projetos e levando o embate para esfera social.4 Todo estudo, buscava entender como espaço público, se torna uma arena de luta dos diversos grupos políticos e camadas sociais. Tais escaramuças eram alimentadas na vida social da corte, os periódicos e panfletos que circulavam na sociedade, transpassavam a barreira do conhecimento da língua escrita, pois eram lidos em voz alta para todos, uma vez que a mensagem política atingia também aqueles que não sabiam ler. As charges eram um instrumento ilustrativo que atingia, a todas as camadas da sociedade. Os jornais foram muito importantes na construção de uma cultura política da sociedade brasileira. É importante lembrar o papel das associações no crescimento da pressão aos movimentos políticos e a configuração de poder no período regencial, pois tais associações tinham reivindicações específicas. As associações representavam um novo caráter, que tinham um viés público e organizado. Esses espaços públicos foram utilizados pelas três facções políticas como instrumento de divulgação de suas ideiasdando um caráter de afirmação sobre os rivais. No que diz respeito à reforma constitucional, a diversas posições políticas criaram um momento de bastante entrevero político, em 1831, um projeto enviado pelo parlamentar Miranda Ribeiro, propunha a monarquia federativa, o fim do poder moderador e a criação das assembleias provinciais, apesar do projeto passar pela câmara dos deputados, onde os moderados tinham a maioria, ele foi vetado pelo senado, onde a maioria era caramuru, mais 4 BASILE, Marcello “O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840)”, in Keila Grinberg e Ricardo Salles, O Brasil Imperial, volume II: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 65-67. 4 uma vez os políticos desejosos por um autogoverno provincial, acabaram frustrados. O que restou às tentativas de “liberdade” de autogoverno das províncias foi com o Ato Adicional em 1834, que se apresenta como uma alternativa a proposta de monarquia federativa, colocando uma Regência Una, com Diogo Feijó no comando e aceitando da proposta da criação das assembleias provinciais, entretanto, há um veto a autonomia municipal. Ondas de revoltas, tais como a Cabanagem e a Farroupilha, fizeram com que a oposição das reformas ganhasse força. A justificativa era de um modelo descentralizado de cunho liberal tinha dado margem para as reivindicações das populações e acirrado as disputas provinciais, gerando um estado de anarquia e desordem no país. A queda de Diogo Feijó em 1837 e recente crise instalada nas províncias geraram dúvidas sobre a atuação das assembleias provinciais. A finalidade de toda essa configuração foi a volta aos debates parlamentares na Câmara dos deputados, a busca era interpretar e rever o Ato Adicional de 1834, o resultado acarretou na lei de Interpretação do Ato Adicional em 1840. A decorrência dessas revisões das reformas liberais foi; diminuição da autonomia provincial, reforma no Código de Processo criminal onde tivemos mudanças importantes; hierarquia policial e judiciária sob o comando do ministério da justiça e a atribuições dos juízes de paz foram esvaziadas. Posteriormente tivemos o reestabelecimento do Conselho de Estado, ou seja, os liberais estavam perdendo os avanços por eles conquistados na constituição. A Lei de Interpretação do Ato Adicional trouxe novas derrotas para o movimento político liberal, as medidas tomadas interferiam diretamente nos cargos políticos da província. As assembleias provinciais só poderiam interferir nos cargos criados por elas mesmas, uma criação de um aparato de fortalecimento da administração centralizada, onde a nomeação do cargo de presidente da província provinha diretamente do poder imperial. O fortalecimento do poder judiciário na figura do ministério da justiça e as demais alterações nas reformas tinham como medida manter a ordem e a integridade da nação brasileira, se dispondo agora um novo tipo de debate, uma reconfiguração dos movimentos políticos do Brasil pautaram a discussão central, aqueles que defendiam uma centralização contra aqueles que lutavam por uma autonomia provincial e um poder descentralizado. A reconfiguração das forças políticas e as mudanças no quadro político da nação brasileira ocorreram durante a fim das regências. A desilusão com as reformas liberais foi uma das justificativas para que as forças se reorganizassem em dois movimentos, o regresso e o progresso. O regresso que visava reestabelecer a ordem político-institucional anterior às reformas liberais, e o movimento denominado progresso defendiam a defesa da autonomia 5 provincial e a prevalência do legislativo sobre executivo.5 A composição desses dois movimentos era bastante peculiar, os regressistas eram compostos por uma parte dos moderados e os caramurus, já os progressistas eram compostos por uma parte dos membros dos moderados e os exaltados. O movimento dos moderados havia de divido entre regresso e progresso, aumentando ainda mais as disputas políticas no congresso. A questão da territorialidade brasileira foi levantada na historiografia como algo que foi construído, é importante compreender e ver esse período como parte de seus próprios acontecimentos, tendo como foco, as tensões criadas por esses embates dentro das províncias e de como isso foi importante para formação de um panorama político que se articularia por todo o Segundo Reinado. Tais importâncias dessas mobilizações políticas são vistas posteriormente, o regresso e progresso são os movimentos que vão dar base aos partidos, liberal e conservador, no período seguinte do Império brasileiro. Esses debates nos mostram assim, que o período das regências não só era marcado por guerras e anarquia, mais sim por debates e discurso ideias, todas elas seriam abarcadas dentro de uma construção de um projeto de nação. As revoltas mostravam o descontentamento das elites locais com o poder central, as tensões sociais fortemente visíveis dentro nação recém independente do Brasil, provocaram esforços dentro de um conjunto de opositores as reformas, que mantinha um discurso de manutenção da ordem. O estado brasileiro foi feito desses embates políticos, entre aqueles que defendiam o poder moderador como um instrumento centralizador e os que pleiteavam uma maior descentralização. A herança regencial marca um momento muito importante na formação do estado nacional brasileiro, passando essencialmente pelo espaço público, o que Marcello Basile chama de “guerras de opinião” tendo em meta o debate acerca da construção do projeto nação. Essas guerras de opinião representam um avanço considerável para a época, pois abrangia questões não só questões políticas mais no âmbito social, onde as pessoas exerciam informalmente a sua cidadania, um processo construído “de baixo para cima”, onde as camadas populares participavam ativamente. A necessidade que as forças regressistas tinham de acabar com os conflitos e o quadro político desfavorável para os progressistas deu a tônica do início do Segundo Reinado, também provocou e contestou a ideia de reforma no executivo, proposta pelos grupos progressistas, o projeto centralizado que concentrava o poder na figura do Imperador, como sendo o projeto vencedor dessa disputa. 5 BASILE, Marcello “O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840)”, in Keila Grinberg e Ricardo Salles, O Brasil Imperial, volume II: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 90-94. 6 O legado deixado pelo período regencial, nos leva a pensar na divulgação desses blocos políticos nas camadas populares, como também, parte integrante da formação dos novos quadros políticos. Todos esses aspectos abordados, fazem parte da construção e da consolidação do Estado imperial, como por consequente, fazem parte da ideia de estruturação dos campos políticos opostos e como eles chegaram a formar essas arenas informais de debate político. A importância do quadro político regencial se diz respeito a formação de uma base, que recompôs a elite política brasileira, definindo mecanismos reguladores de conflitos e sendo reforçado, posteriormente, por um sistema rotativo de poder no gabinete imperial no Segundo Reinado. No momento em que dezenas de movimentos de protesto e revoltas eclodiram em todo o território do império, o objetivo foi mostrar uma perspectiva diferente da construção historiográfica, acerca do período regencial, que tinha em mente esse período como anárquico e de um país desagregado e revoltoso. Fugir de um estereótipo generalizante e entender que o período regencial faz parte de um processo ondeo projeto de nação brasileira estava sendo discutido, vendo as particularidades e especificidades dos eventos e os agentes que deles faziam parte, é compreender a importância desse momento na história do Brasil. ¹ Este e o seguinte nome são os de graduandos em História da Universidade Federal de Pernambuco.
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