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SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 1 20 OFICINAS DE CRIATIVIDADE: ELEMENTOS PARA A EXPLICITAÇAO DE PROPOSTAS TEÓRICO-PRÁTICAS Maria Luisa Sandoval Schmidt Vera Helena Ostronoff As oficinas de criatividade caracterizam-se como espaços de elaboração da experiência pessoal e coletiva através do uso de recursos expressivos, tais como movimento corporal e atividades de expressão plástica e de linguagem. Tendo em vista esta definição inicial, uma das tarefas do oficineiro consiste na clarificação de propostas teórico-práticas capazes de criar as condições propícias à elaboração e à transmissão da experiência dos grupos junto aos quais atua. É imprescindível explicitar o lugar e o papel dos oficineiros, a natureza e a qualidade de suas intervenções, a adequação de tempo e espaço, a escolha e as propriedades dos materiais disponíveis, a configuração dos grupos de participantes e a interação de uma tal proposta com diferentes contextos institucionais. Esta explicitação dá consistência à facilitação dos processos criativos e criadores nos grupos. Estes processos criativos, por sua vez, resultam na produção de objetos nos quais se aloja tanto a experiência pessoal de cada participante quanto a coletiva. Estes produtos -pinturas, coreografias, esculturas, instalações, fotos -constituem-se como recolhedores da experiência intragrupos e, ao mesmo tempo, servem de forma significativa à sua transmissão para outros grupos sociais, através de exposições, apresentações e publicações. Este artigo tem como objetivo expor as idéias desenvolvidas pelo Grupo de Oficinas de Criatividade do Serviço de Aconselhamento Psicológico, a partir do trabalho com grupos de alunos de graduação de psicologia, profissionais de saúde, clientes do SAP e alunos do Projeto Universidade Aberta à Terceira Idade, tomando como eixo os aspectos anteriormente levantados. 335 o papel do oficineiro e a natureza de sua intervenção Diferentemente de outras propostas de oficinas nas quais o papel do oficineiro é ensinar habilidades específicas e, portanto, mais direcionado, nas oficinas de criatividade, tal como praticadas pela equipe do SAI: a função do oficineiro é a de facilitador, para quem o fundamento de sua atuação reside na atitude centrada na relação com o outro: o grupo e as pessoas que deles participam. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 2 Colocando-se não como especialista, o facilitador é alguém que se oferece de maneira atenta, autêntica e respeitosa à con-vivência com o outro para que este possa, em liberdade, experienciar-se e compartilhar essa experiência (ROGERS,1977a; 1989). Ser facilitador é estar com, estar junto a, acompanhar. Como facilitador, o oficineiro vai acompanhando o processo criativo de pessoas que têm, no contato com os recursos expressivos no espaço/tempo das oficinas, a oportunidade de tomada de consciência e ampliação de seu potencial através de canais não-racionais e não-verbais de expressão, tão pouco experienciados hoje em dia, e acredita que essa experiência é, em si, enriquecedora e profunda. Nesse eixo realiza-se sua prática. Cabe ao oficineiro o planejamento das oficinas: a constituição de cada grupo; a escolha do tema adequado às necessidades específicas dos grupos; a determinação dos recursos – corporais, gráficos, literários ou outros – que melhor atendam à exploração do tema e dos materiais; e, finalmente, a divulgação. Está, porém, aberto a avaliar, passo a passo, a dinâmica do grupo e as experiências pessoais dos participantes, podendo fazer um replanejamento no decorrer do processo. Assim, essa organização pede flexibilidade e serve, sobretudo, como referência, como um solo organizador sobre o qual possa se construir o trabalho. Durante a realização de cada oficina propõe e coordena as atividades, cuidadosamente atento aos movimentos e possibilidades grupais e individuais, indo, dessa forma, ao encontro destes movimentos. Intervém sim, porém, apenas na medida em que sua intervenção facilita a explicitação dos modos de criar de cada um. Seu olhar para os produtos não é psicologicamente interpretativo, mas compreensivo: a partir do significado que cada pessoa atribui a seu produto, ajuda na percepção das dimensões de seu fazer criativo, suas formas de se dar e de ser facilitado. O tempo e o espaço No processo criativo, o tempo e o espaço podem ser radicalmente subjetivados, pois tanto a cronologia do chamado tempo objetivo, quanto os contornos materiais de um determinado espaço são usados e transformados por este processo em direções quase sempre imprevisíveis. As imagens de um tempo que flui, estanca, voa, escoa ou de um espaço que se expande, se fragmenta, se integra dão uma pálida 336 idéia dos estados de espírito ou humores que, durante a criação, abrem as dimensões espaço,temporais em infinitas possibilidades. Por esta razão, as disposições espaço' temporais podem ser consideradas, pelo oficineiro, como uma espécie de matéria,prima que será metabolizada pelos participantes de uma oficina de criatividade. Isto significa dizer que a reflexão em torno do tempo e do espaço em que e no qual acontecem as oficinas não é meramente subsidiária ao planejamento ou proposição de um trabalho, mas aspecto cuja consideração mostra,.se fundamental para a obtenção de condições favoráveis ao processo criativo. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 3 É possível afirmar, a partir da prática continuada na condução de oficinas, que duas horas têm se mostrado um tempo adequado para a duração de uma sessão grupal. É também possível afirmar que a existência de uma sala ampla, confortável e ventilada é desejável. Porém, estas constatações não funcionam como regras e nem sequer parecem se apresentar como condições necessárias e suficientes para a promoção de um tempo e um espaço que sirvam como referência e suporte para o trabalho de criação. O que, então, seria prioritário no manejo do tempo e do espaço nas oficinas de criatividade? Em primeiro lugar, e como base para o trabalho com diferentes grupos, impõe-se a noção de que compete aos propositores de uma oficina prover, de início, um tempo e um espaço, em alguma medida estruturados, que possam ser usados como um ponto estável e confiável para a aventura criativa que, justamente, como foi dito antes, implica, muitas vezes, operações "demolidoras" do sentido de tempo e espaço "objetivos" ou, se quisermos, rotineiramente compartilhados. Entende,se, portanto, que cabe ao oficineiro definir, a priori, um tempo e um espaço para os trabalhos que julgue adequados para a proposta que tem em mente. Disto deriva que nem as duas horas como duração padrão, nem a sala isolada com boas condições climáticas devem ser tomadas como regras fixas, mas, sim, a necessidade de estruturar um tempo e um espaço. No que diz respeito ao tempo, sua estruturação inclui, também, a previsão de divisões que permitam contemplar um momento de aquecimento, um período para a realização do trabalho propriamente dito e, finalmente, um para o fechamento.A estruturação que se refere à definição de uma duração, tanto da oficina completa, quanto de cada etapa, embora necessária, não dispensa a consideração de outros dois elementos que, no limite, tendem a flexibilizá-la e modulá-la. São eles a observação e a interação com o tempo ou tempos subjetivos do grupo. A possibilidade de se realizarem oficinas numa única sessão ou num conjunto de sessões também suscita a reflexão sobre a influência destas alternativas na definição do tema e do material a ser trabalhado, bem como sobre a conveniência de cuida, dos diferenciados quanto ao acompanhamento do processo e seu fechamento. 337 O espaço como referência estável, por sua vez, não depende, necessariamente ou apenas, da existência de um lugar fixo onde as oficinas aconteçam com regularidade, mas sim dos modos de apropriação dos espaços disponíveis e mais adequados para cada proposta. No entanto, convém considerar que a instalação de um ateliê aberto, no contexto de uma instituição, permite formas de apropriação do espaço, por parte da clientela, que, muitas vezes, ganham autonomia com relação ao planejamento dos facilitadores. Isto quer dizer que um espaço fixo e aberto à clientela cria oportunidades de formação de coletivos que se reúnem para criar e partilhar suas experiências criativas independentemente da ação direta e coordenadora do oficineiro. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 4 Recursos e materiais Planejar as atividades que serão propostas e os materiais a serem utilizados é, em si, uma prática que pode propiciar ao oficineiro a descoberta e a ampliação de sua própria criatividade. Independentemente das qualidades intrínsecas de cada material, os modos de combinação entre eles e sua utilização em diferentes temas e grupos são muito variados: dependem da imaginação e da sensibilidade, do grau de intimidade com suas propriedades e do interesse em pesquisar novos materiais ou novas formas de uso para os já conhecidos. Faz-se, a seguir, a apresentação de alguns materiais e recursos que têm sido usados, suas qualidades e possibilidades de utilização. (1) 1. Recursos corporais Nas oficinas, o corpo deixa de ser o /OCUS do gesto automatizado e dos movimentos rotineiros e inconscientes. Ao contrário, as atividades corporais favorecem a sensibilização, conscientização e expressão de modo que a pessoa redes cubra e amplie o contato com seu corpo enquanto lugar de sensações de relaxamento e tensão, prazer e desprazer, experiencie gestos, ritmos e movimentos novos ou perceba os já usuais, dando-lhes sentido, o que não só enriquece, mas, sobretudo, traz um sentimento de inteireza e consistência, permitindo modos criativos de abertura para o corpo. Alongamento e várias formas de relaxamento têm sido propostos como preparação para outra atividade; expressão corporal e dança vêm sendo usadas tanto como aquecimento para a expressão plástica, quanto como atividades em si mesmas. 1 (nota de rodapé) A elaboração sobre a natureza e propriedades dos recursos e matérias que se faz a seguir recebeu a qualificada colaboração das psicólogas lramaia Pascale Quinrino e Mima Dib Minelli. 2. Sensibilização sensorial (Re)conhecer as qualidades de uma laranja, de olhos fechados, através do tato, olfato e paladar é um exemplo de sensibilização sensorial. Esse recurso possibilita a abertura de canais de conhecimento do mundo pouco experimentados, criativamente, numa sociedade eminentemente visual. 3. Música Por suas qualidades estéticas e infinitas combinações sonoras, rítmicas e de movimento, a música é uma linguagem que atinge as pessoas sensorial e afetivamente. Ela suscita climas emocionais, diminui a ansiedade, facilita o relaxamento e a expressão livre de julgamentos racionais, solta os movimentos corporais, conduz o gesto e possibilita a fantasia e a imaginação criadoras. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 5 A música – da étnica ao jazz, da erudita ao new age – é usada para acompanhar as atividades corporais e pláticas, favorecendo a expressão de ritmo, movimento, fantasia e emoção. 4. Recursos plásticos Essencialmente, o uso de recursos plásticos tem como objetivo a concretização material da experiência pessoal. Transformando-a num produto palpável e visível, possibilita que a pessoa a exteriorize e expresse criativamente, de modo a, mais facilmente, apropriar-se dela, não permanecendo na solidão inerente aos processos de contato interior, ao mesmo tempo em que facilita o compartilhar com o grupo, criando condições para a pertença social. No processo de criação e expressão, tais recursos oferecem amplas possibilidades de experienciação, tais como: contato com o belo; flexibilização da crítica; abertura para a imaginação; descoberta do novo; sentimentos de expansão e recolhimento, fluidez ou concentração, de realização. A escolha dos recursos e materiais específicos, por suas qualidades intrínsecas, toca esses diferentes aspectos. Os materiais gráficos permitem um contato com o movimento e as cores. A tinta látex branca misturada a pigmentos coloridos traz vivacidade às cores, sensação de expansão, fluidez e soltura dos movimentos corporais em relação à imagem interior expressa; já o giz de cera traz sensação de pastosidade e movimentos mais contidos e concentrados. Na tinta Ecoline e na aquarela, por sua vez, dada a suavidade das cores e a consistência fluida, as sensações são de leveza e relaxamento, flexibilizando a crítica e estimulando a imaginação. Neste contexto, o limite que o tamanho do papel impõe toma-se elemento importante: o papel kraft em rolo dá liberdade para que se escolha o tamanho adequado às necessidades, enquanto folhas de sulfite colocam seus próprios limites. As esculturas têm como característica a tridimensionalidade, dando uma sensação maior de concretude à obra realizada. Nas construções com sucata, o que mais 339 ressalta é o aspecto lúdico, enquanto a argila é um material que, por suas qualidades táteis e cinestésicas, sua maleabilidade, consistência e textura, e, principalmente, por ser um elemento básico da natureza, propicia contato com emoções às vezes profundas. Pode-se usar, também, metais flexíveis para esculturas, como arames, telas de galinheiro ou placas de alumínio utilizadas em gráficas, materiais esses que proporcionam a descoberta do novo, por serem inusitados, exigem concentração para confecção de objetos e trazem um sentimento de transposição de dificuldades e de realização por causa da resistência maior que opõem ao serem modelados. Tanto os mosaicos quanto as instalações são empreendimentos de construção concreta e de sentido da experiência, porque se valem de objetos anteriormente produzidos pelos participantes aliados a novos materiais. Por isso, são utilizados para integrar etapas nas oficinas ou no fechamento do processo. Os primeiros constituem-se numa atividade lenta, durando duas a três sessões, e pedem materiais elaborados como uma placa de madeira, cacos de azulejos ou vidro colorido e gesso, usados na construção de um quadro que componha os trabalhos como SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centradona pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 6 um todo. O mosaico funciona, então, como um elemento de integração. As instalações, por sua vez, de consecução mais simples, possibilitam a estruturação de um espaço pessoal pleno de significados e a percepção do todo, bem como um compartilhar social, na medida em que o grupo pode circular por esse espaço. O contexto institucional O exame das dimensões institucionais das oficinas de criatividade inclui, inicialmente, um aspecto essencial: a constituição do grupo de participantes. A singularidade dos grupos pode ser abordada através da diferenciação de duas modalidades: a) grupos institucionais -constituídos, fundamentalmente, por participantes que formam uma equipe de trabalho em instituições de saúde ou educação e b) coletivos formados a partir da divulgação das oficinas num determinado circuito (comunidade, bairro ou mesmo instituição). Na primeira modalidade, é comum e recomendável que as oficinas aconteçam em decorrência da explicitação de uma demanda por parte das equipes. Este caso requer dos oficineiros a discussão e a clarificação desta demanda junto às equipes, bem como o estabelecimento de uma região comum de objetivos e intenções. O processo de clarificação da demanda é de extrema importância, pois dele deriva a avaliação que permite decidir se a oficina de criatividade é a resposta mais adequada para as expectativas do grupo naquele momento, ou se convém buscar algum outro tipo de proposição. Esta clarificação implica, por um lado, o questionamento em torno das motivações, expectativas e objetivos, bem como uma apreensão do gr,au de integração e estruturação do grupo enquanto equipe 340 de trabalho, por outro, um esclarecimento sobre as oficinas de criatividade que permita visualizar. minimamente, seus objetivos. limites e alcances. (2) De um modo geral, equipes mais integradas e estruturadas que buscam um aperfeiçoamento profissional e uma melhoria de sua capacidade de promover saúde e educação são mais afeitas às propostas de oficinas de criatividade e tendem, também. a tirar maior proveito do trabalho. Equipes com problemas de relacionamento profissional, enfrentando desagregação e fragmentação, tenderiam a precisar de outros tipos de intervenção que as ajudassem a transpor as dificuldades encontradas na tarefa de se constituírem como equipes (3) O motivo para este cuidado reside, basicamente, no fato de que nas oficinas o foco não são os conflitos e a angústia que perpassam a ação institucional nas equipes, mas a facilitação do florescimento das potencialidades criativas dos participantes. É claro que o processo criativo – e sua ocorrência num contexto grupal -esbarra no conflito e na angústia. assim como é verdade que a elaboração de conflitos e a sustentação da angústia que permitem a configuração de uma equipe exigem a ativação de potencialidades criativas. Porém, , aqui se quer enfatizar que um certo grau de consistência das equipes é condição necessária para a proposição das oficinas porque a "maturidade" do grupo permitirá uma focalização mais direta dos processos criativos. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 7 A clarificação da demanda não se dá de uma vez por todas por ocasião do primeiro ou primeiros encontros. mas será de terminante não apenas para a decisão sobre a conveniência ou não do grupo se engajar nas oficinas. Quanto para a decisão sobre o número de encontros e suas temáticas. Os grupos formados em conseqüência de divulgação não têm a referência comum de uma instituição onde trabalham. Poder-se-ia identificá-los como um coletivo circunstancialmente configurado em função da participação numa mesma oficina. No entanto. uma breve reflexão sobre os modos de convocação deste coletivo e suas implicações na formação do grupo tem interesse, sobretudo, para aqueles que, como representantes de uma instituição. querem oferecer oficinas para sua clientela ou para a comunidade em geral. 2 (nota de rodapé) Este esclarecimento nem sempre é simples quando não se teve. ainda, a oportunidade de participar de uma oficina de criatividade. Neste momento de clarificação, há um maior apelo à compreensão cognitiva ou, se prefere, ao trabalho de interpretação dos recursos, dificuldades e expectativas do grupo e seu cotejamento com uma visão do que poderiam ser as oficinas para ele. No entanto, algumas vezes, é viável realizar uma oficina com a dupla intenção de, por um lado, suscitar os aspectos ligados à elaboração da demanda e, por outro, oferecer uma oportunidade de vivenciá-la e, portanto, de poder avaliar a pertinência da proposta tendo pelo menos esta referência vivencial. 3 (nota de rodapé) A supervisão de apoio psicológico desenvolvida pelo SAP é um exemplo de prática que pode responder de modo mais efetivo às equipes cujo grau de desestruturação desaconselha, inicialmente, a exclusividade de uma intervenção nos moldes das oficinas de criatividade. 341 Ao oficineiro cabe, neste caso, definir uma população alvo, estabelecer temática, duração, local e horário, inventar uma estratégia de divulgação conseqüente e organizar um sistema de inscrições e, eventualmente, de seleção. Ao realizar estas tarefas, entende,se que o oficineiro direciona, num certo sentido, a formação do grupo que, então, não será, meramente, um conglomerado de pessoas dispersas. Na formação destes grupos, as referências comuns não desaparecem, mas são diferentes e diversas dependendo da população que se quer alcançar. (4) A convergência de interesse pela atividade e pela temática já comporta uma certa afinidade dos participantes, que, no entanto, não exclui a necessidade de., num primeiro encontro, ouvi,los sobre suas expectativas e motivações. Esta escuta, por sua vez, auxilia na criação de laços afetivos e de interesses mais consistentes entre os participantes. Resta ainda lembrar que os coletivos construídos circunstancialmente em função da participação numa oficina podem se estabilizar, por algum tempo, solicitando sua continuidade e, para tanto, requisitando a instituição como veículo desta continuidade. A resposta a essa demanda pode ser muito valiosa para a emergência de formas autogestionadas de apropriação do espaço institucional pela clientela. Estas observações sobre a formação dos grupos descortina uma dimensão das oficinas que, claramente, as qualificam como grupos que portam um certo grau de institucionalização e, ao mesmo tempo, que se relacionam com instâncias institucionais mais amplas ou extra,grupos. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 8 A relação com o âmbito geral das instituições nas quais as oficinas acontecem comporta pelo menos duas ordens de efeitos que devem ser elencados. Um deles diz respeito aos "transtornos" físicos e sociopsíquicos que as oficinas, geralmente, acarretam. Existe, implicitamente, na proposta de oficinas de criatividade, uma provocação à rotina institucional que se expressa na desacomodação dos modos de usar o espaço e o tempo e, também, na criação de uma forma de 4 (nota de rodapé) O Grupo de Oficinas de Criatividade do SAP convocou, em diferentes ocasiões, alunos de graduação, clientes do próprio SAP e alunos do Projeto Universidade Aberta à Terceira Idade para participarem das oficinas.Para cada população alvo delineou-se uma proposta de divulgação e de trabalho específica. No caso dos alunos de graduação, por exemplo, fez a divulgação em sala de aula, explicando a proposta e respondendo às perguntas formuladas pelos interessados. A clientela do SAP teve acesso à notícia sobre as oficinas através de cartazes na sala de espera e os interessados puderam esclarecer suas dúvidas e curiosidades junto aos alunos-estagiários que os estavam atendendo em psicoterapia. Já os alunos de terceira idade receberam as informações através do livreto de atividades a eles dirigido pelo Projeto. O fato de a divulgação ser por escrito ou oral, ou mesmo uma combinação de ambas, implica, também, o cuidado diferenciado com a elaboração das informações que incluem uma explicação, de preferência poética, do que são as oficinas. 342 relação interpessoal não-usual. Estes efeitos devem ser considerados pelo oficineiro, com a ajuda dos participantes, pois podem contribuir para a formação de alianças e para a prevenção de conflitos na esfera mais geral da instituição. Trata-se, na verdade, de uma avaliação sobre a maior ou menor flexibilidade institucional ou sobre sua maior ou menor tolerância quanto à desacomodação de sua rotina. Esta avaliação terá conseqüências valiosas na configuração de um tempo e de um espaço propícios às atividades a serem desenvolvidas no âmbito de uma instituição concreta. A outra ordem de efeitos refere-se a uma espécie de transpiração que emana do grupo que participa de oficinas para a esfera de toda a instituição. Com isso se quer chamar a atenção para o fato de que a oficina mobiliza não apenas aqueles que dela participam diretamente, mas, também, aqueles que ficam fora dela. Manifestações de curiosidade, interesse, desprezo, hostilidade, indiferença, entre outras, podem ocorrer nos agentes ou na clientela de uma instituição. O fato de que apenas um grupo institucional esteja envolvido na oficina não significa que a experiência, do ponto de vista institucional, seja inócua. Nessa direção, a escuta e a observação destas manifestações extragrupo se apresentam como uma oportunidade de compreensão ampliada do contexto institucional e de ressignificação do sentido das oficinas em cada contexto. A apropriação da experiência pessoal e coletiva e sua transmissão As sucessivas experimentações em tomo da prática de oficinas de criatividade, realizadas pelo grupo ligado ao SAE têm dado sustentação a um conjunto de convicções sobre as singulares contribuições desta prática para a revitalização de uma vida social ou comunitária mais criativa e solidária. SCHIMIDT,M.L.S. & OSTRONOFF,V.H. Oficinas de Criatividade: elementos para explicitação de propostas teórico-práticas. . In MORATO, H.T.P.(org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 9 Sistematicamente, tem-se observado que as oficinas suscitam o rompimento com estados de isolamento, ativam laços sociais e de comunicação, contribuindo para o desencadear de sentimentos de enraizamento e pertença social. A tessitura destes laços sociais e de comunicação guarda uma relação estreita com a possibilidade de elaborar e transmitir experiência através de produções que transcorrem no eixo de uma aprendizagem afetivo-intelectual, no eixo da aprendizagem significativa (ROGERS, 1977b). Idéias, conceitos, valores, sentimentos, aspirações, inquietações, interrogações, perplexidades convergem na construção de objetos e produtos que se configuram, afinal, como amálgama da experiência pessoal e coletiva. A palpabilidade destes produtos atesta, por um lado, a potência criativa dos grupos quando lhes é dada a oportunidade de trabalhar num ambiente sociopsicológico acolhedor, congruente e aceitativo, e por outro, o desejo de comunicar e trocar experiência. O uso que os participantes das oficinas vêm fazendo do espaço de expressão que lhes é oferecido indica uma disposição para apropriar-se da história pessoal 343 e do legado cultural de seus antepassados, bem como a vontade de conviver socialmente com seus pares. Aquilo que produzem tem uma faceta referida à própria construção do grupo como grupo de referência e de convivência no qual passa a ter sentido e importância a experiência de cada um. Aquilo que produzem tem, também, uma outra face ta que serve à ligação de cada grupo com outros grupos sociais, através da exposição ou apresentação dos trabalhos. Referências Bibliográficas ROGERS, C.R. (1977A): A PESSOA COMO CENTRO. SÃO PAULO: EDUSP/EPU. ___________ (19778): TORNAR,SE PESSOA. SÃO PAULO: MARTINS FONTES. ____________ (1989): SOBRE O PODER PESSOAL. SÃO PAULO: MARTINS FONTES.
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