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Uso de recursos expressivos Referência: Christina M. B. Cupertino. Espaços de criação em psicologia: oficinas na prática. Cap. 01 A que se refere exatamente a expressão uso de recursos expressivos? Por um lado, existiam pesquisas que focalizam, por exemplo, o uso de uma nova metodologia para o ensino de dança que incluía, naturalmente, o dançar. Por outro, a consulta a algumas teses mostrava trabalhos semelhantes, como o aprimoramento do ensino de Língua Portuguesa através da exploração da pluralidade de sentidos de contos tradicionais, usando a própria Língua Portuguesa para fazer isso. A reflexão sobre essa aparente incongruência mostrou uma diferença que, apesar de sutil, era importante na definição do significado da expressão uso de recursos expressivos. Falando de formação, a expressão uso de recursos expressivos pode ser pensada como complemento de intervenções didáticas regulares. Não se trata, simplesmente de um uso complementar (como adição pura e simples), mas sim da criação de um espaço para que as outras atividades de formação assumam uma nova configuração, internamente, nos sujeitos das experiências feitas com tais recursos. Estes estariam, então, sendo interpretados como uma forma de expressão (ou linguagem) cuja função é, além de facilitar os processos de aprendizagem, explicitar e tornar disponíveis os aspectos a eles subjacentes, aos quais não temos acesso por meio dos procedimentos educativos tradicionais. Recurso de ensino No caso dos trabalhos em educação, mantinha-se a ideia de abordagem complementar ao ensino e à construção de conhecimento de uma ou mais disciplinas de conhecimento que não aquelas que envolviam os recursos propriamente ditos, e tomou contorno cada vez mais definido a ideia de que não se trata simplesmente de um uso complementar. A principal característica subjacente é a demonstração da necessidade de inovação e ampliação dos recursos didáticos e das diferentes possibilidades pelas quais ela pode ser feita. Os recursos artísticos mais usados são o desenho e o teatro como formas de expressão, associados às diversas modalidades da escrita característica do ensino tradicional. Em alguns casos percebe-se a recuperação de um procedimento - o da narrativa oral - que implicitamente aponta tanto para uma crítica aos ambientes escolares tradicionais, organizados de acordo com uma estrutura apoiada na "objetividade" e no distanciamento pessoal frente ao conhecimento do mundo, quanto para a necessidade de, ampliação de recursos didáticos- aplicados ao ensino das disciplinas escolares tradicionais. Os pesquisadores enfatizam o valor da expressão artística como linguagem que pode aproximar o indivíduo do fenômeno estudado pela via da experiência e por meio de sínteses de natureza poética, de uma construção do conhecimento vivenciada e da quebra da estrutura rígida do ambiente escolar. Há uma mobilização no sentido de tornar o ambiente escolar mais lúdico e interessante, de desenvolver habilidade na exploração de diferentes formas de expressão e linguagem, no entrecruzamento da escolha do tema, dos recursos de exploração e no efeito esperado, estabelecendo a situação de diálogo entre a linguagem expressiva de caráter artístico e a linguagem formal e conceitual de uma ou mais disciplinas. Fornecem aos educadores subsídios para refletir sobre a necessidade de aproveitamento de recursos didáticos mais próximos ao cotidiano, e sugerem a importância do estabelecimento de um caminho de mão dupla entre educador e educando, criando um movimento de apropriação do que é conhecimento pelo estudante, ao invés da tradicional transmissão neutra. Formação de adultos Nos trabalhos com adultos, é investigado o uso de recursos expressivos como ferramentas complementares para a aquisição de conceitos ou incorporação de conteúdos específicos. Nas pesquisas de Rusche o autor tem como pressuposto a ideia do processo educacional como promotor de mudanças de atitudes, e não como condição para reprodução do conhecimento acumulado, e apoia-se na ideia de que a arte tem como função dar vazão às emoções e atitudes do indivíduo. Os autores defendem os efeitos que o contato com a arte e o fazer artístico produzem no adulto, implicando suas possibilidades de conhecimento e de leitura do mundo, pressupondo um “modo artístico" de aprender, fundamental por integrar afetividades, sensibilidade e cognição. Tem subjacente a retomada de uma ideia aparentemente óbvia e bastante antiga, que é a do benefício da associação entre a aprendizagem formalmente estruturada, hegemônica nos sistemas educacionais, e a aprendizagem por experiência. A introdução dos recursos artísticos, não apenas facilitaria a experiência, como daria a ela e a todo o processo educativo uma outra configuração. A base dessa reflexão nos remete, de imediato e inicialmente, a afirmação de que a escola é uma instituição afastada das outras formas sociais de organização, fato que podemos reconhecer como predominante na maioria dos sistemas educacionais ocidentais até hoje. O esclarecimento dessa afirmação ancora-se na compreensão do modelo através do qual o conhecimento vem sendo acumulado e transmitido há, séculos. A trajetória desse processo, desencadeado a partir do Renascimento, mostra o desalojamento do sujeito humano a partir da falência da crença em Deus como origem de todas as coisas e das decisões ligadas ao destino humano. Situando a si mesmo no centro do universo, não mais na condição de criatura, o ser humano assume a tarefa de conhecê-lo e explicá-lo, através de mecanismos que tornem esse conhecimento confiável, definidos como o método científico tradicional, cujas limitações são evidentes hoje em dia. Martin Heidegger discute a raiz desta situação, ao explicitar suas críticas aos fundamentos do empreendimento científico-tecnológico moderno, que, de acordo com ele, trata o mundo e as coisas como objetos à disposição do homem, a serem subjugados através do que se estabeleceu como o que ele chama de "reinado da razão, da positividade e do método". Ou seja, apenas quando explicitamos as razões de um evento, podemos dizer que ele é verdadeiro. Isso pressupõe que já se tenha definido e nomeado, uma realidade e uma ordem. A problematização dessa realidade conduz a necessidade de estabelecer se essas suposições são verdadeiras, o que deve ser feito através de uma linguagem que as represente com precisão. Ao lidarmos com as representações, o fazemos como quem lida com as coisas mesmas, num processo de verificação que nada mais seria, então, do que julgar a correspondência entre os acontecimentos e seus enunciados. A articulação lógica a e progressiva das representações constituiria com segurança, o conhecimento acumulado e o controle sobre as coisas. Assim procedendo, ao nos confrontarmos com alguma coisa nova, imediatamente temos que definir a qual das categorias daquilo que é conhecido a pertence. A manipulação e a articulação dos conceitos em sistemas organizados dependem, da fragmentação inicial da realidade em partes, num processo de dividir para governar. A partir disso, cada fragmento é despojado de suas particularidades e afastado de seu contexto natural, para que possa ser compreendido e usado universalmente, em procedimentos de repetição dos experimentos que visam explicar o mais detalhadamente possível suas origens, composição e funcionamento. Apenas de posse desse conhecimento é possível controlar e prever os desdobramentos de situações futuras, bem como sistematizar o conhecimento obtido. Heidegger enfatiza sua crítica a esse movimento. Isso significa que os eventos, fluidos e efêmeros por natureza, devem ser fixados por meio de definições precisas, para que possam ser submetidos de modo sistemático, confirmando ou rejeitando expectativas. Esse procedimento, por um lado, vem proporcionando um desenvolvimento científico e tecnológico. Por outro lado tem sido fonte de destruição tanto de recursos naturais quanto de vidas humanas. Correlata dessa forma de construçãodo conhecimento acumulado é a maneira de difundir esse conhecimento, pretendendo que ele seja disseminado e incorporado por toda a humanidade de modo cumulativo e uniformizante. Esse projeto foi iniciado com os descobrimentos dos séculos XV e XVI, que visavam a colonização dos povos bárbaros e tomou fôlego com o aprimoramento das comunicações e com a ilusão de que construiremos um dia uma aldeia global. Esse empreendimento, entretanto, favoreceu sua própria implosão, uma vez que a expansão mundial na direção do que Vattimo chama de "sociedade transparente" nada mais fez do que evidenciar a diversidade e a impossibilidade de anulação dos contextos e das diferenças, tanto entre indivíduos e povos. A ciência pouco tem a acrescentar, atualmente, ao entendimento de fatos e elementos da natureza isolados. Já chegamos ao conhecimento da matéria e da energia em suas menores partículas e fragmentos, e isso ainda não explica grande parte do que acontece na natureza e nas relações humanas. Acentuamos aqui a impossibilidade da neutralidade pretendida, uma vez que, em todo o seu empreendimento, o fazer científico depende de processos humanos. As teorias são construções, e não simples tradução de uma ordem suposta da realidade. Sua comprovação ou rejeição depende da comunicação entre seres humanos e da inserção em contextos apropriados. Conhecer e aprender, então, acontecem não só pela via da repetição, mas também pelo desvio e pela divergência. Depende também de condições como a transformação ocasionada pelo aprendizado através da experiência, que faz com que uma situação nunca seja igual a outra. Ao estudar a introdução de recursos expressivos de natureza artística nas atividades educativas tradicionais, os estudiosos afirmam a posição: buscar validar as iniciativas que abrem o espaço necessário para que a escola saia do modelo clássico na direção de uma educação mais próxima da vida. Finalmente: por que o uso específico da arte? Parte da resposta está no que foi formulado como a necessidade de explorar linguagens complementares à que funciona dentro dos preceitos da estrita racionalidade e da lógica da demonstração. Recursos de saúde mental Dessa forma, estariam sendo considerados variados processos de apreensão e compreensão do mundo, como a intuição (entre outros), até agora pouco explicitados e entendidos, por se manifestarem por outras vias. Refletindo sobre o valor de atividades realizadas com internos de instituições psiquiátricas, os autores focalizam a atenção nos profissionais da área da saúde, e não nos benefícios usufruídos pelos pacientes. Conclui- se que o uso das oficinas é benéfico na medida em que alarga os horizontes dos profissionais envolvidos, permitindo a transdisciplinaridade e provocando conexões entre os diferentes campos de atuação. A principal função de todas essas atividades é proporcionar ao profissional um repertório de situações que podem adquirir caráter terapêutico. São apontados os benefícios da criação artística como atividade terapêutica para a reinserção social dos participantes, que passam a ser reconhecidos por sua produção, e não por seus distúrbios. O trabalho com a arte e com histórias, possibilita uma experiência de permanência, que cria um sentido de continuidade para a existência. As oficinas de criatividade Carvalho, trabalha com o uso de recursos artísticos em oficinas criativas, visando a produção de novos significados para a prática profissional de educadores da rede pública, concluindo que as oficinas criam o espaço necessário para novos modos de escuta para os problemas vividos pelos educadores, bem como novas formas de contato e discussão desses problemas, em busca de soluções coletivas. Nos trabalhos de Gomes, os resultados mostram que na população submetida às atividades: expressão de afetos e sentimentos por meio da produção, contato mais próximo com os demais elementos dos grupos, trocas significativas, descoberta de aspectos desconhecidos, constituição de territórios comuns compartilhados pelos membros e a aceitação de particularidades e diferenças. Os trabalhos de Bernardo enfatizam o papel do uso criterioso, ético e criativo de recursos expressivos na facilitação da aquisição do conhecimento integrado ao autoconhecimento. O pressuposto é que o verdadeiro aprendizado passa pelo autoconhecimento. Jordão aponta para a deficiência das sociedades contemporâneas em oferecer tais espaços de criação, defendendo o valor terapêutico da vivência lenta e ociosa do contato com o corpo e com o espaço, expressa em gestos posteriormente transformados em produções artísticas, seja pela palavra, ou argila. Na área da saúde mental e nas oficinas podemos perceber que o que fundamenta o uso de recursos expressivos é, por um lado, o mesmo raciocínio que apoia o uso de técnicas projetivas, ou seja, supõe que o indivíduo externalize e atualize aspectos pessoais na produção artística, sendo transformado por ela. Além disso, os trabalhos analisados mostram a visibilidade dessa produção como fator importante para a (re) integração dos clientes/artistas na sociedade, sugerindo que a transformação ocasionada não atinge apenas a eles, mas também as instituições e a própria sociedade. São pontos comuns, a ampliação do autoconhecimento e do conhecimento do outro, a possibilidade de compartilhar o que é comum e a aceitação da diversidade. As atividades artísticas facilitam um acesso a aspectos da experiência humana inacessíveis através da fala, e estabelecem alternativas de comunicação de outra natureza. No campo da psicologia, o sentido está no uso de recursos artísticos para expressão de sentimentos e emoções. Observamos como princípios que regem esse uso a tendência de pensar a obra de arte como algo que tem que ser decifrado em busca da mensagem de seu autor e a falta de obrigatoriedade de uma representação fiel da realidade. O sentido da arte está, também, em desencadear as emoções, por meio do sentimento de empatia. A obra de arte é de certo modo a liberação da personalidade; normalmente os nossos sentimentos estão inibidos ou reprimidos. Contemplamos uma obra de arte e imediatamente realiza-se uma liberação. A possibilidade de representação de um segmento do mundo a partir de uma síntese pessoal é um dos pontos fortes do uso de recursos expressivos por não artistas, ou seja, mesmo quando não se trata da obra de arte perfeita. É esse arranjo emocional-perceptivo, que acaba por constituir-se em material precioso para a exploração de valores e visões de mundo nas atividades aqui analisadas. Além de todos os aspectos discutidos até agora, é importante assinalar algumas particularidades presentes nos trabalhos sobre Oficinas de Criatividade. uma delas refere-se aos nomes dados a esse tipo de trabalho (Oficinas de Criatividade ou Oficinas Criativas) que, em sua imprecisão, acabam por assinalar a dificuldade em descrever o âmbito-dos acontecimentos por ele englobados. Podemos observar que essas atividades não tratam, especificamente, do desenvolvimento da criatividade, pelo menos da forma como ele é entendido. O que essas atividades pretendem, é focalizar o potencial e o processo de transformação dos participantes, com a intenção de promover uma espécie de conscientização dos afetos e a reorganização da experiência, a partir da introdução de formas de expressão que, pelo menos inicialmente, circulam por outras vias que não a lógica racional. Por meio de um recurso único, ou de uma multiplicidade de recursos, procura-se atingir e dar visibilidade a uma multiplicidade de processos, que envolvem o funcionamento amplo do indivíduo, seu modo de ser, mais do que qualquer capacidade específica.
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