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E S T U D A R N Ã O É U M A T O D E C O N S U M I R I D É I A S , M A S D E C R I Á - L A S E R E C R I Á - L A S . P A U L O F R E I R E FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL Presidente Jacques de Oliveira Pena Diretor Executivo de Desenvolvimento Social Almir Paraca Cristóvão Cardoso Diretor de Ciência & Tecnologia & Cultura Luis Fumio Iwata Assessoras Carmem dos Santos Araújo Maria Helena Langoni Stein PETROBRAS Presidente José Sergio Gabrielli Gerente Executivo de Comunicação Institucional Wilson Santarosa Gerente de Comunicação Nacional Luis Fernando Nery Coordenadores Janice Dias Lenart Nascimento Filho INSTITUTO PAULO FREIRE Diretor Geral Moacir Gadotti Diretores Pedagógicos Ângela Antunes Paulo Roberto Padilha Diretora de Relações Institucionais Salete Valesan Camba Coordenadores Jason Mafra Sônia Couto Coordenação Geral Mercado Cultural Coordenação de Produção Flávia Diab Coordenação de Administração Cléo Assis Texto Carlos Rodrigues Brandão Consultoria Alípio Casali, Ângela Antunes, Jason Mafra, José Eustáquio Romão, Lisete Arelaro, Moacir Gadotti, Paulo Roberto Padilha, Ricardo Hasche, Sônia Couto, Vera Barreto Legendas Ulysses Cosenza Curadoria Ana Maria Araújo Freire, Instituto Paulo Freire, Lutgardes Costa Freire Produção Noêmia Inohan Revisão de Textos Beatriz di Paoli Imagens (Acervos) Ana Maria Araújo Freire, Instituto Paulo Freire, Lutgardes Costa Freire, Madalena Freire, Fátima Freire Projeto Gráfico Lula Ricardi - XYZdesign Assistência de Arte Saulo Flores Desenho de Paulo Freire, adaptado de ilustração criada por Claudius Ceccon. Brandão, Carlos Rodrigues. B817p Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia / Carlos Rodrigues Brandão. São Paulo: Mercado Cultural, 2005. 140 p. ISBN 85-98757-03-9 Projeto Memória “Paulo Freire - educar para transformar” 1. Educação 2. Freire, Paulo - Biografia - Obras ilustradas 3. Freire, Paulo - Vida e obra - Fotografia I. Título CDD 21.ed. 370.92 Paulo Freire é um dos mais importantes educadores do século XX e um dos mais expressivos pensadores do nosso tempo. Nascido em 19 de setembro de 1921, é o criador de uma autêntica teoria do conhecimento e autor de cerca de 40 obras, traduzidas em mais de 20 idiomas. A infância pobre, no Recife, nordeste brasileiro, foi o contato primeiro com uma realidade que se tornou cenário para sua inovadora prática educacional. Ainda menino, aprendeu a escrever à sombra das mangueiras, no quintal da casa, com os pais. Foi no contato permanente com trabalhadores – quando diretor do SESI recifense – e, também, nos movimentos populares das décadas de 1950 e 1960, que buscou a inspiração para formular suas concepções, especialmente para a elaboração de seu método de alfabetização e educação de adultos. A Fundação Banco do Brasil e a Petrobras (por meio do Programa Petrobras Fome Zero), em parceria com o Instituto Paulo Freire, desenvolveram, no Projeto Memória 2005, a possibilidade de acesso de brasileiros e brasileiras à trajetória de mais um ilustre compatriota. Paulo Freire dedicou-se à causa das classes oprimidas, especialmente por meio da alfabetização, concebendo-a e aplicando-a como instrumento de conscientização e libertação. Este livro fotobiográfico, que será distribuído para seis mil bibliotecas de todo o país, é resultado de um intenso e amplo trabalho de pesquisa coletiva, que buscou, nos textos, documentos, ilustrações e testemunhos, os episódios mais relevantes da vida e da obra desse grande nordestino, cidadão do mundo. Esta homenagem a Paulo Freire é a expressão de um compromisso com a justiça, a democracia e a humanização. Para a Fundação Banco do Brasil, a Petrobras e o Instituto Paulo Freire, é, além disso, uma oportunidade para registrar e divulgar um legado expressivo de nossa cultura, na perspectiva de estimular outros brasileiros a escrever páginas importantes de nossa história. A partir de agora, prezado leitor, adentre o universo de Paulo Freire, não apenas para apreciá- lo – porque ele apresenta muitos aspectos para a fruição estética –, mas tente perceber nele as referências para a construção de um mundo no qual seja mais fácil amar, já que o mundo não é, está sendo, como dizia o próprio Paulo Freire. Boa leitura. INSTITUTO PAULO FREIRE | PETROBRAS | FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL 1. Paulo Freire 13 2. Um menino do Nordeste à sombra das mangueiras 23 3. O professor Paulo Freire: os começos de uma carreira 29 4. Os cenários dos tempos da criação da educação como prática da liberdade 37 5. Recife, Nordeste, Brasil 47 6. Ler palavras e ler o mundo: o método de alfabetização Paulo Freire 53 7. Os anos do exílio: a pedagogia do oprimido 67 8. O retorno de um educador sem fronteiras 81 9. Educar com o amor, educar para amar a vida 95 10. Andarilho da utopia e semeador da esperança 101 11. A herança de Paulo Freire 109 12. O que ler para conhecer mais a vida e as idéias de Paulo Freire 113 Cronologia Básica 116 Índice 10 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 11 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR N I N G U É M L I B E R T A N I N G U É M , N I N G U É M S E L I B E R T A S O Z I N H O : O S H O M E N S S E L I B E R T A M E M C O M U N H Ã O . P A U L O F R E I R E Paulo Freire é um pensador e educador brasileiro. Ele viveu a sua vida, aqui no Brasil e em outros países do mundo, entre o começo dos anos 20 e o quase final dos anos 90 do século XX. Entre nós, poucas pessoas marcaram tanto as idéias e os ideais desses anos todos quanto esse homem que dedicou a sua vida e o seu trabalho à formação de crianças, de jovens e de adultos por meio da educação. Paulo Freire 1. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar. Pedagogia da indignação, 2000 13 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Entre os títulos que recebeu, estão os de Doutor Honoris Causa em Universidades de vários países, como Inglaterra, Bélgica e Estados Unidos. Recebeu prêmios, medalhas, condecorações e títulos em todos os continentes. Durante boa parte dos anos dos governos militares no Brasil, os seus livros foram proibi- dos, as suas idéias foram consideradas perigosas e o seu próprio nome foi impedido de ser pronunciado em nossas escolas e universidades. No entanto, ao longo desse mesmo tempo sombrio, e depois dele, poucos brasileiros receberam tantas homenagens e tan- tos títulos aqui e fora do Brasil. Ao professor Paulo Freire foi concedido o título de Doutor Honoris Causa por quase quarenta universidades do Brasil e de outros países. De Sul a Norte de nosso país, mais de três centenas de escolas públicas e particulares têm o seu nome. Recebendo, na Câmara Municipal de São Paulo, o Título Cidadão Paulistano, em 1986. Em Bruxelas, recebendo o Prêmio Rei Balduino. Com Mário Covas, no recebimento do Prêmio Moinho Santista, em 1995. Recebendo o título de Doutor Honoris Causa na Universidade Complutense de Madri, em dezembro de 1991. Em baixo, doutoramento na Bélgica. 14 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 15 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Prêmio Unesco de Educação para a Paz, 1986. culo XX1. Existem vários centros e institutos “Paulo Freire”espalhados por vários países e comprometidos com o aprofundamento e a difusão de suas idéias e da educação popu- lar. E as propostas concretas de Paulo Freire para uma educação humanista libertadora seguem sendo a matéria-prima e o fundamento de trabalho pedagógico de inúmeros educadores e instituições pedagógicas. Paulo Freire sonhou, criou e colocou em prática uma verdadeira teoria da educação, propondo um trabalho que passa pela educação escolar formal, mas que vai bem além dela. Algo que, em verdade, vale como um programa de uma plena e profunda formação humana, em que o sentido e o valor da própria educação foram muito alargados. Uma boa imagem dele seria a do homem que, olhando a escola, vê a pessoa humana. Vendo a pessoa, vislumbra o seu mundo. E, vendo o seu mundo social tal como ele é, imagina o melhor dos mundos para todas e todos nós. Seus livros seguem sendo re-editados, ano após ano, em português e em inúmeras outras línguas. Eis um exemplo. Um de seus últimos trabalhos tem este nome: Peda- gogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. O livro foi publicado em 1996. Em 2005, ele chegou à sua 31ª edição, com mais de seiscentos e cinqüenta mil exemplares vendidos. Pensadores, filósofos, cientistas, artistas, líderes religiosos, educadores e militantes de movimentos sociais e populares conhecem, debatem e aplicam as idéias contidas nos seus trabalhos. As suas teorias, as reflexões e práxis até hoje estão presentes em debates que vão da educação até as questões ambientais e os problemas do destino da Terra e da Vida. Dentro e fora de universidades de todo o mundo, as suas propostas pedagógicas seguem sendo o fundamento do trabalho de inúmeros educadores e centros de educação. E são também temas de incontáveis artigos científicos, livros pedagógicos, teses e simpósios de estudos sobre a pessoa, a sociedade e a educação. Contam-se às centenas as dissertações acadêmicas, em várias línguas, sobre suas idéias e trabalhos. A bibliografia de estudos brasileiros e internacionais a respeito da “obra de Paulo Freire” é uma das mais amplas, dentre as que foram dedicadas a educadores do sé- Pensadores e intelectuais debatem e vivenciam as idéias de Paulo Freire. Acima, com o amigo e antropólogo Darcy Ribeiro. Freire com o educador e companheiro de idéias Myles Horton. Com o também educador e escritor Ivan Illich, em Genebra, 1971. Com Frei Betto, teólogo, escritor e educador popular, cujo trabalho se referencia na concepção freireana. ¹ Uma relação bastante criativa e completa de trabalhos de e sobre suas idéias pode ser encontrada nas páginas de Paulo Freire – uma biobibliografia, coordenado por Moacir Gadotti e outras pessoas, editado por meio de par- ceria entre o Instituto Paulo Freire, a Editora Cortez e a UNESCO. Em sua primeira edição, o livro foi publicado em São Paulo, no ano de 1996. 16 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 17 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Escolas, institutos, bibliotecas, cátedras, centros, núcleos de estudos e pesquisas, espaços culturais e tantas outras instituições que levam seu nome no Brasil e no mundo. Paulo Freire esculpido (2º da esquerda para a direita), ao lado de Pablo Neruda, Mao Tsé-Tung e outros. Na Suécia, existe uma praça na capital, Estocolmo, onde estão esculpidos, em al- gumas estátuas bem modernas, o rosto e o corpo de alguns homens e mulheres cujas palavras, idéias e ações foram de uma grande relevância para a construção de um mundo humano mais justo e livre. Pois uma dessas estátuas retrata Paulo Freire. Eis uma pequena mostra do reco- nhecimento internacional dado a esse edu- cador pernambucano, que se tornou em poucos anos um “homem do mundo”. 18 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 19 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Centro de Educação de Adultos em Málaga, Espanha. Escola Paulo Freire no Rio de Janeiro. Centro de Educação Paulo Freire em Huelva, na Espanha. Centro Educativo Paulo Freire em Arequipa, Peru. Trabalho educacional em Monte Mário, República Democrática de São Tomé e Príncipe. O poder transformador da educação e a análise crítica do mundo. 1° Seminário Nacional de Alfabetização, Monte Mário, República Democrática de São Tomé e Príncipe, 1976. Tendo sido a vida inteira um pensador da condição humana e do que a educação pode fazer para nos formar e libertar, ele pensou também uma nova ética, uma nova teoria do conhecimento e até mesmo uma nova estética, pois, em suas idéias, o saber, a virtude, a liberdade, a solidariedade, a beleza e a vocação humana ao amor e à felicidade constitu- íam momentos de um mesmo todo. Sendo um pedagogo – um homem que pensa e pratica a educação – ele foi também um original criador de idéias novas sobre a pessoa humana e o drama de sua existência em tempos tão contraditórios e difíceis. Sendo o inventor de um método de alfabetização, ele foi também o criador de uma nova e revolucionária pedagogia. Como um teórico da educação, ele a levou até os seus mais inesperados limites e nunca deixou de associar pedagogia e política. E por que “política”? Porque ele sempre considerou que uma das tarefas da pessoa que educa é formar pessoas para que elas se reconheçam co-responsáveis na construção e na transformação de suas vidas, das vidas dos outros com quem convivem e das socie- dades onde todas e todos nós vivemos nossas vidas e escrevemos com as próprias mãos os nossos destinos. Paulo Freire concebeu uma educação que, da criança ao adulto, desenvolvesse na pessoa que aprende algo mais do que apenas algumas habilidades instrumentais, como saber ler e escrever palavras, ao lado de algumas habilitações funcionais dirigidas ao simples exercício do trabalho, como o saber usar as palavras aprendidas para ser um pedreiro, um contador, um advogado ou um professor. Ao imaginar uma educação libertadora, como ele a batizou, pensou em um trabalho pedagógico com um profundo e largo sentido humano. Um ofício de ensinar-e-aprender destinado a desenvolver em cada educando uma mente reflexiva, uma amorosa sensibili- dade, um crítico senso ético e uma criativa vontade de presença e participação da pessoa educada na transformação de seu mundo. Quem foi esse homem, cujo nome completo é Paulo Reglus Neves Freire? Onde nasceu e como viveu os anos da infância e da juventude? Como ele foi educado e se formou? Como começou e deu seqüência à sua vida de educador? O que ele pensou, criou e escreveu, para tornar-se um nome de referência entre as pessoas mais inovadoras e essenciais de nossos tempos? 20 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 21 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, no bairro de Casa Amarela, no Recife, capital do estado de Pernambuco. Uma primeira grande guerra mundial havia acabado poucos anos antes. Não seria a última. Antes de ele concluir os seus estudos e de ingressar na vida profissional, uma outra iria começar. Um Menino do Nordeste à Sombra das Mangueiras 2. A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de ‘ler’ o mundo particular em que me movia (...), me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, recrio, e revivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. A Importância do ato de ler, 198223 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Ainda pequeno, Paulo Freire aprendeu a ler e a escrever à sombra das mangueiras no quintal desta casa onde nasceu. Trechos do “livro do bebê” de Paulinho. O relato de suas primeiras experiências. Foi um dos quatro filhos de um pai oficial da polícia militar e de uma mãe bordadeira. Viveu a infância e a juventude em uma família não propriamente pobre ao extremo, mas “de poucas posses”, como era costume dizer-se então. Desde cedo viveu o desejo de aprender. Antes de ir para a escola, começou a se alfabetizar em casa, com a ajuda de sua mãe. Quando ele sentou pela primeira vez em um banco de sala de aula, já quase sabia ler e escrever. 24 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 25 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR O pai, Joaquim Temístocles Freire, e a mãe, Dona Edeltrudes, com os quais iniciou-se na leitura e na escrita. Ao lado, Paulo Freire com 1 ano de idade. Paulo Freire, o menor, junto com os irmãos Temístocles, Stela e Armando, na década de 1920. Como acontecia com muitos meninos de seu tempo, Paulo Freire iniciou os seus estudos numa pequena escola na casa da própria professora. Eunice Vasconcelos era o seu nome e, mais tarde, ele dedicou doces páginas de lembranças a ela. Com 10 anos de idade, mudou-se com a família para a cidade de Jaboatão, ao lado de Recife. Perdeu o pai quando tinha treze anos. As condições financeiras da família agravaram-se; esse foi um outro motivo pelo qual ele se atrasou em seus estudos do “curso primário” e, apenas aos dezesseis anos, ingressou no “curso ginasial”. Aquele quintal foi a minha imediata objetividade. Foi o meu primeiro não-eu geográfico, pois os meus não-eus pessoais foram meus pais, minha irmã, meus irmãos, minha avó, minhas tias e Dadá, uma bem-amada mãe negra que, menina ainda, se juntara à família nos fins do século passado. Foi com esses diferentes não-eus que eu me constituí como eu. Eu fazedor de coi- sas, eu pensante, eu falante. ... Em certos momentos, a amorosidade pelo nosso quintal se estende a ou- tros e termina por se alojar numa área maior a que nos filiamos e em que deitamos raízes, a nossa cidade. Antes de tornar-me um cidadão do mundo, fui e sou um cidadão do Recife, a que cheguei a partir do meu quintal, no bairro de Casa Amarela. Eu fiz a escola primária exatamente no período mais duro da fome. Não da “fome” intensa, mas de uma fome suficiente para atrapalhar o aprendiza- do. Quando terminei meu exame de admissão, era alto, grande, anguloso, usava calças curtas, por- que minha mãe não tinha condições de comprar calças compridas. E as calças curtas, enormes, sublinhavam a altura do adolescente. Eu consegui fazer, Deus sabe como, o primeiro ano do giná- sio com 16 anos. Idade com que meus colegas de geração, cujos pais tinham dinheiro, já estavam entrando na faculdade. Fiz esse primeiro ano de ginásio num desses colégios privados, em Recife: em Jaboatão só havia escola primária. Mas minha mãe não tinha condições de continuar pagando a mensalidade e, então, foi uma verdadeira ma- ratona para conseguir o colégio que me recebes- se com bolsa de estudos. Finalmente encontrou o Colégio Osvaldo Cruz e o dono desse colégio, Aluízio Araújo, que fora antes seminarista, casa- do com uma senhora extraordinária, a quem eu quero um imenso bem, resolveu atender o pedido de minha mãe. Eu me lembro que ela chegou em casa radiante e disse: “Olha, a única exigência que o Dr. Aluízio fez é que você fosse estudioso”.³ A imagem de um menino do começo do século XX aprendendo a ler e a escrever com rabiscos de gravetos sobre a terra dos fundos de um quintal será uma lembrança da vida inteira. Anos mais tarde, quando ele já era então um “cidadão do mundo”, é ao quintal da casa, às suas árvores e a outros seres vivos de sua infância que ele se voltaria nas primeiras páginas de um livro que começa com algumas carinhosas lembranças da me- ninice e da adolescência. Um livro que não por acaso recebeu este carinhoso nome: À sombra desta mangueira. Paulo ainda menino. ² FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’Água, 1995, pp. 24-5. Grifos do próprio autor. ³ Esse depoimento foi publicado originalmente na revista Ensaio, n. 14, de 1985, p. 5. 26 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 27 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Quando era ainda um estudante de escola, o menino Paulo iria começar a des- cobrir uma das “paixões” que o acompanhariam por toda a vida: a palavra, o seu valor, seus segredos, seus mistérios. Entre os anos da adolescência e os da juventude, dedicou-se por conta própria a estudos de filologia e de filosofia da linguagem. Antes mesmo de completar o seu curso na Faculdade de Direito do Recife, Paulo Freire já lecionava Língua Portuguesa. Anos mais tarde, ele demar- cou assim o período da descoberta de seu desejo de tornar-se um educador: O Professor Paulo Freire: os Começos de uma Carreira. 3. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismos. Pedagogia da autonomia, 1997 29 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Aos vinte e dois anos de idade, Paulo ingressou na Faculdade de Direito do Recife. Depois de formado, ele praticamente não exerceu a profissão de advogado. A educação, a escola e a sala de aula o chamariam cedo e para toda a vida. Em 1944 Paulo Freire casou-se com Elza Maia Costa de Oliveira, com quem teve cinco filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes. As filhas seguiram a vocação dos pais, tornando-se professoras. Elza era também professora e, várias vezes, entre conversas, conferências e por escrito, Paulo fazia referência à amo- rosa e lúcida presença dela em sua vida e em suas idéias. Viveram quarenta e dois anos de casamento, entre Recife, Brasília, as cidades dos países do exílio e, após o retorno, São Paulo. Em algum momento, entre os 15 e os 23 anos, descobri o ensino como minha paixão.4 Antes de mais nada, devo dizer que ser um professor tornou-se uma realidade, para mim, depois que comecei a lecionar. Tornou-se uma vocação, para mim, depois que comecei a fazê-lo. Comecei a dar au- las muito jovem, é claro, para conseguir dinheiro, um meio de vida; mas quando comecei a lecionar, criei dentro de mim a vocação para ser um professor. Eu ensinava gramática portuguesa, mas comecei a amar a beleza da linguagem. Nunca perdi essa vocação. ... Ensinando, descobri que era capaz de ensinar e que gostava muito disso. Comecei a sonhar cada vez mais em ser um professor. Apren- di como ensinar, na medida em que mais amava ensinar e mais es- tudava a respeito.5 No Colégio Osvaldo Cruz, no Recife, como bolsista, conseguiu concluir seus estudos secundários. Na década de 1940, retornaria, agora, como professor de língua portuguesa. Em 1947, Paulo Freire formou-se em Direito, mas logo abandonaria a profissão, que praticamente não chegou a exercer. A paixão pela educação o conduziu para defender tese para a Cadeira de História e Filosofia da Educação, na Escola de Belas Artes de Pernambuco. Tese que seria seu primeiro livro. 4 FREIRE, Paulo & FREI BETTO (CHRISTO, Carlos Alberto Libanio). Essa escola chamadavida. São Paulo: Editora Ática, 1985, p. 8. 5 Esse depoimento está no livro Medo e ousadia: o cotidiano do professor, publicado pela Editora Paz e Terra, em 1987, página 38, em que Paulo Freire conversa com o professor norte-americano Ira Shor. 30 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 31 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Em 1944, Paulo Freire casa-se com a professora primária Elza Maia Costa de Oliveira, aquela que se tornaria a mãe dos seus filhos, a companheira de luta comprometida com o trabalho libertador. Com Elza, Paulo viveu 42 anos, uma vida de amor, diálogo, generosidade e cumplicidade. Ela foi sua grande encorajadora nas discussões pedagógicas. Abril de 1969, Cambridge, Estados Unidos. Paulo Freire, Elza e os filhos Joaquim e Lutgardes, durante o exílio. Freire (à direita) e Elza, reunidos com grande parte da sua família, em 1957. Paulo Freire e Elza em família: filhos, filhas, noras, genros e netos. 32 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 33 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Quando Paulo Freire deixou o SESI, o Brasil e o mundo começavam a viver uma série de mudanças econômicas e políticas cujos efeitos sobre a vida social e sobre a educa- ção desafiaram cientistas sociais, educadores e militantes de causas populares a buscar novas respostas. A experiência do trabalho no SESI do Recife representou uma fecunda iniciação à vida de educador. Em pouco tempo, ela seria bastante amadurecida, pois, desde as primeiras experiências pedagógicas, Paulo e sua equipe adotaram um progra- ma de vivências e de trabalho que os acompanharia por toda a vida. Em que consistia ele? Na integração entre uma exigente e contínua busca de conhecimentos, mediante um persistente estudo nunca limitado apenas ao campo da educação, e uma prática pedagógica ousada e inovadora colocada a serviço do povo, desde os primeiros tempos. Todo o estudo de teorias pedagógicas desaguava em experiências de educação. Todas as experiências partiam de um contínuo esforço de leitura crítica da realidade social. Todas as “leituras da realidade” deveriam ser vividas em meio a uma participação tão estreita quanto possível na vida cotidiana dos educandos do povo. Durante dezessete anos ele trabalhou no Setor de Educação do SESI do Recife. Partindo de suas próprias vivências como um estudante em boa medida autodidata, como um participante da Ação Católica e como um educador já então inteiramente aberto às novas tendências pedagógicas do pós-guerra, Paulo Freire dedicou-se a um intenso trabalho de formação de educadores de crianças e de criação de círculos de diálogos entre professo- res e pais de alunos. Uma pedagogia centrada no pleno respeito ao outro, no diálogo e na participação ativa de todos os educandos começava a nascer ali. Paulo Freire, ao centro, com uma turma de formandos do SESI. Desde jovem, Paulo Freire envolveu-se na defesa dos direitos dos trabalhadores, atuando nos movimentos populares e como diretor do SESI. Durante discurso no SESI, na década de 1950, período em que conheceu de perto a realidade e as necessidades do adulto trabalhador analfabeto. Base para sua concepção pedagógica transformadora. 34 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 35 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Que tempos da vida e da história eram aqueles? O que se vivia então? De que maneira eles marcaram a vida e as idéias de Paulo Freire? O tempo de história que acompanha a vida profissional de Paulo Freire, que vai da segunda metade dos anos quarenta aos anos oitenta, caracterizou uma era que começa logo após o término da Segunda Guerra Mundial e vai até o “esfa- celamento do chamado socialismo realista”, como lembra Paulo, um educador que afirmou sempre a sua escolha por um socialismo humanista, opção pessoal e política que o acompanhou a vida inteira. Os Cenários dos Tempos da Criação da Educação como Prática da Liberdade. 4. Para a concepção crítica, o analfabetismo nem é uma ’chaga’, nem uma ‘erva daninha’ a ser erradicada (...) mas uma das expressões concretas de uma realidade social injusta. Ação cultural para liberdade, 1976 37 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR sa humana, em todo o mundo. Tanto se fez e tanto se conquistou sobre uma natureza próxima de seu esgotamento; no entanto, convivemos com um mundo que destina a 2/3 da humanidade menos de 1/3 de todas as riquezas produzidas no planeta. E os dados de instituições como a Organização das Nações Unidas apontam para um agravamento das desigualdades entre pessoas, classes e povos do mundo inteiro. Quando já na aurora dos anos noventa Paulo Freire se volta sobre o mundo ao seu redor, ao desafiar as “excelências” alardeadas pelos defensores do capitalismo, entre afirma- ções e perguntas, eis o que ele escreve em seu livro Pedagogia da esperança: De um lado, assistimos ao aumento do poder econômico e militar dos dois grandes blocos em que o mundo inteiro se viu dividido: o do capitalismo comandado pelos Esta- dos Unidos da América do Norte e o do socialismo e da promessa de um novo mundo, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Saído de uma grande guerra, o mundo mergulharia na “Guerra Fria” e em inúmeros conflitos armados de dimensão local ou regional. Ao contrário das promessas de “progresso e desenvolvimento”, o que houve foi um au- mento das desigualdades entre classes sociais nas nações do “Terceiro Mundo” e, so- bretudo, entre povos, países e mesmo continentes, quando tudo poderia sugerir uma redução significativa da miséria e da desigualdade, em um mundo sacudido por novas e contínuas descobertas científicas e inovações tecnológicas. Esperávamos “virar o século e o milênio” livres da guerra, da fome, da doença, do analfa- betismo, dos sistemas políticos repressivos, das injustiças e das exclusões sociais. Con- vivemos com tudo isso e, bem mais agora do que anos antes, sabemos que podemos estar caminhando para um irreversível processo de esgotamento de recursos não-re- nováveis e de destruição das condições de reprodução da vida no planeta Terra. Todos esses eram dados e fatos que chamavam a atenção de estudiosos e de militantes da cau- Me sinto absolutamente em paz ao entender que o esface- lamento do chamado “socialismo realista” não significa, de um lado, que foi o socialismo mesmo que se revelou inviá- vel; de outro, que o capitalismo se afirmou definitivamente na sua excelência. Que excelência é essa que consegue “conviver com mais de um bilhão de habitantes do mundo em desenvolvimento que vivem na pobreza”, para não falar, na miséria. Para não falar também na quase indiferença com que convive com bolsões de pobreza e “bolsos” de miséria no seu próprio corpo, o desenvolvido. Que excelência é essa, que dorme em paz com a presença de um sem-número de homens e mulheres cujo lar é a rua, e deles e delas ainda se diz que é culpa de na rua estarem. Que excelência é essa que pou- co ou quase nada luta contra as discriminações de sexo, de classe, de raça, como se negar o diferente, humilhá-lo, ofendê-lo, menosprezá-lo, explorá-lo fosse um direito dos indivíduos ou das classes, ou das raças, ou de um sexo em posição de poder sobre o outro. Que excelência é essa que registra nas estatísticas, mornamente, os milhões de crianças que chegam ao mundo enão ficam, quando fi- cam, partem cedo, ainda crianças e, se mais resistentes, conseguem permanecer, logo do mundo se despedem?6 Guache do artista plástico pernambucano Francisco Brennand, ilustrando a discussão do conceito de cultura nos Círculos de Cultura. 6 FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 10ª edição. São Paulo: Edi- tora Paz e Terra, 1992, pp. 94-5. 38 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 39 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Em meio à ebulição política da época, Paulo Freire desponta como referência para a educação popular. Discursa no SESI em 1949. Também aqui no Brasil aqueles foram os difíceis anos de idas e vindas à procura de uma democracia nunca plenamente realizada e tão comprometida durante os longos anos da ditadura militar. E também tempos de planos e programas visando a um desenvolvimen- to social e econômico sempre distante das metas que, de governo a governo, iam sendo estabelecidas, postas em marcha e, depois, esquecidas. Os anos do pós-guerra foram também os de um novo processo de industrialização, acom- panhado da justa conquista de direitos trabalhistas, no governo de Getúlio Vargas. Com mais ênfase e melhores resultados do que em governos anteriores, vivemos os anos das arrancadas “desenvolvimentistas” do governo de Juscelino Kubitschek. A “marcha para o Oeste”, a construção de Brasília, o êxodo rural e o crescimento desordenado das cida- des. As reformas estruturais de base, a começar pela reforma agrária, até agora nunca plenamente realizadas. Os anos de mudanças, de esperanças e inseguranças dos gover- nos de Jânio Quadros e Jango Goulart. Depois, do meio para o final dos anos sessenta e por mais quase duas décadas, os anos de fogo dos regimes militares. Em uma outra direção, vivemos então tempos que foram também de transformações so- ciais e políticas da maior importância. Os anos da descolonização e do surgimento de no- vas nações livres, sobretudo na Ásia e na África. Novos países e novas alianças surgiam em um mundo que, por toda a parte, oscilava entre movimentos de libertação e regimes ditatoriais e militares, entre a emancipação de nações e de grupos humanos e a submis- são de outros ao autoritarismo de poderes despóticos, nacionais ou estrangeiros. Líderes populares e movimentos revolucionários e emancipatórios brotavam principal- mente na América Latina, na Ásia e na África. A presença de seus feitos e de suas idéias teve sempre um peso decisivo em tudo o que se começou a fazer no Brasil entre as fren- tes populares de lutas, os movimentos sociais então nascentes e um amplo e fecundo novo movimento de ação pedagógica, que veio a ter o nome de Movimento de Cultura Popular. Foi nele que Paulo Freire, um de seus criadores e, possivelmente, a sua mais importante referência, encontrou o lugar social de realização de suas primeiras experi- ências de educação popular. A partir do convívio com as camadas populares, Paulo Freire retirou a base para conceber o seu método de alfabetização. Abaixo, solenidade no SESI, Recife, na década de 1950. 40 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 41 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR O livro apareceu numa fase histórica cheia de intensa inquietação. Os movi- mentos sociais na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina, em cada tempo-espaço com suas características próprias. A luta contra a discrimina- ção sexual, racial, cultural, de classe, a luta em defesa do ambiente, os Verdes, na Europa. Os golpes de Estado com a nova face, na América Latina, e seus governos militares que se alongaram da década anterior. Os golpes de Estado agora ideologicamente fundados, e todos eles ligados de uma ou de outra maneira ao carro-chefe do Norte, na busca de viabilizar o que lhe parecia dever ser o destino capitalista do continente. As guerrilhas na América Latina; as comu- nidades de base, os movimentos de libertação na África, a independência das ex-colônias portuguesas, a luta na Namíbia, Amílcar Cabral, Julius Nyerere, sua liderança na África e sua repercussão fora da África. A China. Mao. A Revo- lução Cultural. A extensão viva do significado de maio de 1968. As lutas político- sindicais e pedagógico-sindicais, todas obviamente políticas, sobretudo na Itália. Guevara assassinado na década anterior e sua presença como símbolo não ape- nas para os movimentos revolucionários latino-americanos, mas também para lideranças e ativistas progressistas do mundo todo. A Guerra do Vietnã e a reação no interior dos Estados Unidos. A luta pelos direitos civis e o transbordamento do clima político-cultural dos anos 60, naquele país, para a década de 70.7 A convicção religiosa sempre esteve presente em Paulo Freire. Teoria e prática que influenciaram idéias e ações. Ao lado, com D. Paulo Evaristo Arns. Cerca de trinta anos mais tarde, ao comentar os tempos em que criava os fundamentos de sua educação libertadora e escrevia, já no exílio, o seu livro Pedagogia do oprimido, Paulo Freire descreveu assim aqueles anos: As pedagogias de Paulo Freire remetem à libertação como forma de enfrentamento de múltiplas realidades opressoras. Esse era o clima político e cultural em que Paulo Freire viveu o brotar e o amadurecer de suas idéias e experiências de militância pedagógica. Diante dele e de seus companheiros, abriam-se as portas e desenhavam-se os caminhos de uma época histórica marcada por novas e contestadoras alternativas de organização de frentes de luta e de mobilização de causas populares. Aqui e ali eram gerados ou recriados sindicatos, ligas camponesas, partidos políticos e outros movimentos sociais do campo e da cidade. A própria Igreja Católica abria-se à “questão social” e propiciava o surgimento de uma ampla frente de militância de seus participantes mais preocupados com o compromisso do cristão com a justiça social. Eles se reuniram na Ação Católica, cuja influência sobre Paulo Freire não 7 FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 10ª edição. São Paulo: Edi- tora Paz e Terra, 1992, p. 121. 42 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 43 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Pouco antes do Golpe Militar de 1964, o educador francês Pierre Furter (acima e ao lado) visita o Brasil para estudar o Método Paulo Freire de Alfabetização. Nutrindo-se de mudanças, o tempo de trânsito é mais do que sim- ples mudança. Ele implica realmente nesta marcha acelerada que faz a sociedade à procura de novos temas e de novas tarefas. E se todo o trânsito é mudança, nem toda mudança é trânsito. As mudanças se processam numa mesma unidade de tempo histórico qualitativa- mente invariável, sem afetá-lo profundamente... Quando porém esses temas iniciam o seu esvaziamento e começam a perder significação e novos temas emergem, é sinal de que a sociedade começa a passagem para outra época. Nestas fases, repita-se, mais do que nunca, se faz indispensável a integração do homem. Sua capacidade de aprender o mistério das mudanças, sem o que será um simples joguete.8 foi pequena, e também em movimentos sociais de educação popular. E em todos eles as idéias de Paulo Freire foram acolhidas com entusiasmo e desde cedo adotadas e postas em prática. Diversas frentes de lutas buscavam criar novas alternativas para as causas popula- res. Elas estiveram inicialmente centradas em movimentos detrabalhadores rurais e urbanos, como as ligas camponesas e os sindicatos. Anos mais tarde, distribuíram-se também entre outros vários movimentos sociais, como os dos povos indígenas, dos negros, das lutas pelos direitos das mulheres e das outras várias minorias esquecidas e maiorias silenciadas. Na contramão dos que anunciavam os anos do pós-guerra como o tempo propício ao “desenvolvimento econômico”, quase sempre em nome dos interesses de governos au- tocráticos ou de empresas estrangeiras, Paulo Freire desde logo aliou-se aos intelectuais, políticos, educadores, artistas e militantes populares que defendiam algo além de um simples “desenvolvimento” sem as mudanças radicais nas estruturas políticas e econô- micas que de década a década reproduziam uma mesma conjuntura social de injustiça, exclusão e desigualdade. Ele aliou-se aos pensadores e militantes que consideravam ter chegado o momento de uma transformação radical da sociedade brasileira. Em alguns de seus primeiros escri- tos, Paulo Freire identifica esse período como um “tempo de trânsito”. Um tempo que exige do educador a descoberta e a adesão não apenas a novos métodos de trabalho, mas a novos temas que pensem de uma outra maneira os velhos problemas e que, de uma maneira crítica e criativa, fundamentem o trabalho do educador. No terreno da educação, por toda parte surgiam, dialogavam e se enfrentavam novas teorias pedagógicas. E novos métodos de trabalho desafiavam a criação de outras peda- gogias, algumas apenas reformistas e outras, revolucionárias. Estas últimas abriam-se, pouco a pouco, a experiências radicais – experiências que partem das raízes da vida e de seus dilemas. Elas não queriam se contentar com pequenas inovações didáticas de sala de aula. Não se conformavam em limitar o alcance do saber e da educação aos limites dos muros da escola. Aspiravam abrir a escola à comunidade, abrir a comunidade ao movimento social, e abrir o movimento social às justas frentes de lutas populares. Na primeira linha das experiências de educação popular surgidas então, a educação libertadora de Paulo Freire destacava-se de todas as outras, pois ela se voltava a uma vivência do ensinar-e-aprender a partir de uma integração entre a dimensão cultural do trabalho do educador, a sua vocação social e a sua responsabilidade política. Em vários estados do Brasil, educadores populares aliavam-se a cientistas sociais, a mi- litantes políticos, a artistas e a representantes dos grupos e movimentos populares, em unidades de ação cultural que tomariam o nome de Movimentos de Cultura Popular. 8 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 11ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1980, p. 46. 44 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 45 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Desde 1960 Paulo Freire estará à frente de toda essa intensa efervescência de invenções, de inovações e de transgressões justas e urgentes. “Educar”, “cons- cientizar”, “criar”, “inovar”, “inventar”, “mudar”, “transformar”, “transgredir”, “revolucionar”, “humanizar” serão alguns entre os tantos verbos de sua vida. Recife, Nordeste, Brasil. 5. 47 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca (...). Pedagogia da autonomia, 1997 Com trabalhadores em um Círculo de Cultura, durante a experiência de Angicos, em 1963. Como outros verdadeiros líderes de idéias e de ações de seu tempo, ele não se limita a criar métodos didáticos para o trabalho do educador. Ele forma e participa ativamente de grupos, de equipes e de unidades de trabalho pedagógico. Participa à frente de inicia- tivas populares e funda com uma centena de outros intelectuais, militantes, estudantes, sacerdotes e artistas o Movimento de Cultura Popular, no Recife. Dada a importância dos trabalhos das equipes coordenadas por Paulo Freire no Nordeste, em todo esse proces- so, celebrou-se no Recife, em 1963, o Primeiro Encontro Nacional de Cultura Popular. Paulo Freire estará presente nos trabalhos pioneiros de uma alfabetização conscienti- zadora, a partir do método que ele criou, juntamente com outros educadores e outras educadoras de sua primeira equipe no Nordeste. Aliando como sempre o estudo teórico, a construção solidária de idéias e o pôr em prá- tica as suas idéias, ao longo dos anos sessenta, o professor Paulo começou a escrever os seus primeiros livros e artigos. Suas idéias depressa se difundiam por todo o Brasil. Em 1959, ele escreveu e apresentou o seu primeiro trabalho sobre a educação brasilei- ra: Educação e atualidade brasileira. Concorre com ele à cadeira de História e Filosofia da Educação junto à Escola de Belas Artes do Recife. A aprovação da tese Educação e Atualidade Brasileira (ao lado) levou Freire ao posto de Professor de Ensino Superior, nível 17, da cadeira de História e Filosofia da Educação, da Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, em novembro de 1960. Convite para posse de livre docência (ao lado) e Declaração da Universidade do Recife (acima), de dezembro de 1964, dando conta da “aposentadoria” do Professor Paulo Freire, por Decreto Federal. 48 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 49 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Encontros e movimentos populares, no final da década de 1950, levaram à realização do II Congresso Brasileiro de Educação de Adultos. O método Paulo Freire de Alfabetização estava em plena construção. Desde os primeiros anos de docência, o professor Paulo relutou em transformar-se em um docente de sala de aula e em um pesquisador especialista em temas acadêmicos. A universidade será sempre em sua vida um laboratório de experiências de educação po- pular. Em 1961, foi nomeado professor de História e Filosofia da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, após lhe ter sido conferido o certificado de Livre-Docente pela Escola de Belas Artes, da mesma universidade. Em 1962 criou o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife e foi nomeado seu primeiro diretor. No ano seguinte, em 1963, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional criou os Conselhos Estaduais de Educação, ele foi indicado pelo go- vernador Miguel Arraes, por ser um educador progressista, como um dos “conselheiros pioneiros” do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco. Paulo Freire em ilustração do amigo Claudius Ceccon. Desde os seus primeiros escritos, Paulo Freire deixava entre militantes e educadores a sua marca. E ela não estava contida apenas na novidade de suas idéias e na criatividade de suas práticas pedagógicas. Ela estava, em primeiro lugar, em sua própria presença. O olhar sereno, o corpo todo voltado com carinho e atenção a quem estava diante dele, o ouvido atento de quem sabia primeiro ouvir e, depois, dizer a sua palavra. E a carinhosa e, ao mesmo tempo, sempre lúcida e crítica palavra de um educador que por toda a vida disse e repetiu que ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho, pois o tempo todo somos educadores-educandos e educandos-educadores de nós mes- mos e de nossos outros. A quem conviveu com ele ou mesmo a quem leu as suas obras, Paulo deixou o teste- munho de uma vida de ações e de idéias dedicadas a difundir não apenas teorias, mas, entre elas e por meio delas, um ideal. O acreditar na pessoahumana e no que pessoas como você e eu podem fazer quando, juntas, resolvem estudar, pensar e compreender de maneira consciente a sociedade em que vivem. E quando, juntas, participam de ma- neira ativa e partilhada de sua transformação. Paulo sabia bem que por conta própria a educação não muda o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas mudam o mundo. 50 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 51 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR O “Método” obedece às normas metodológicas e lingüísticas, mas, desde o princípio dos anos 60, Paulo Freire e sua primeira equipe de educadores nordestinos trabalhavam na criação de um novo sistema de trabalho na alfabetização e na educação continuada de jovens e de adultos. Eles sabiam que os velhos modelos de alfabetização, baseados em cartilhas e em trazer para o mundo do adulto formas de trabalho didático com crianças, em nada correspondiam às idéias de uma educação libertadora. Formar pessoas educa- das e conscientes exigia uma outra compreensão do processo ensino-aprendizagem do educador-alfabetizador para o educando-alfabetizando. Assim, ainda em 1958, apresen- tou os seus primeiros esboços do que viria a ser o novo “método de alfabetização”, em um Seminário Regional realizado no Recife. Ler Palavras e Ler o Mundo: o Método de Alfabetização Paulo Freire. 6. Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. Educação na cidade, 1991 53 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Em 1962, o governador do Rio Grande do Norte convidou Paulo Freire e sua equipe para aplicar o método de alfabetização recém-criado em uma região do sertão do Nordeste. A pequena cidade de Angicos foi escolhida e ali, ao redor de um primeiro “Círculo de Cultura”, eles viveram com entusiasmo uma experiência pioneira de alfabetização de trabalhadores rurais iletrados, jovens e adultos. Os primeiros resultados foram muito animadores. Antes dessa, uma outra experiência-piloto havia sido realizada em Recife. Paulo Freire comentou desta maneira o que viveu em Angicos: Aceitas pelo Sr. Governador do Estado as nossas exigências para realizarmos a primeira etapa do sistema – a de não interferência partidária, a da independência técnica, de fazermos uma educa- ção que se voltasse para a libertação do povo, para a sua emancipação interna e externa –, ini- ciamos a preparação das equipes que atuariam em Angicos e em Natal. Trezentos homens eram alfabetizados em Angi- cos em menos de 40 horas. Não só alfabetiza- dos. Trezentos homens se conscientizavam e se alfabetizavam em Angicos. Trezentos homens aprendiam a ler e a escrever, e discutiam proble- mas brasileiros.9 A idéia de uma tão rápida aprendizagem do ler-e-escrever logo em seguida seria revista por Paulo Freire e seus companheiros de equipe. Em um tão curto tempo, os alfabetizan- dos adultos chegaram a um nível de alfabetização elementar, aquela em que a pessoa re- conhece letras e palavras, lê frases e escreve pequenas mensagens. Mas, mesmo com o emprego de um método tão inovador, bastante mais tempo é necessário para que o estu- dante passe de um nível elementar a um nível mais complexo. Este é alcançado quando Círculo de Cultura, durante experiência em Angicos, em 1963, onde Paulo Freire coordenou o processo de alfabetização com base na realidade de trabalhadores e trabalhadoras. 9 O artigo de Paulo Freire de onde essa passagem foi tirada chama-se Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Ele foi publicado originalmente entre as páginas 5 e 22 da Revista de Cultura da Universidade do Recife, número 4, abril/junho de 1963. Anos mais tarde, o mesmo artigo de Paulo Freire e mais os três outros de pessoas de sua equipe de alfabetizadores foram republicados em um livro coordenado pelo professor Osmar Fávero. O livro se chama Cultura Popular e Educação Popular: Memória dos anos sessenta. Foi editado pela Editora Graal-Paz e Terra, do Rio de Janeiro, em 1983. A passagem transcrita aqui está na página 124 do livro. 54 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 55 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR A experiência de Angicos (RN) é referência na vida e obra de Paulo Freire. Nessa cidade, 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias. Há mais de 15 anos vínhamos acumulando experiências no campo da educação de adultos, em áreas proletárias e subproletárias, urbanas e rurais. ... Sempre confiamos no povo. Sempre rejeitamos fórmu- las doadas. Sempre acreditamos que tínhamos algo a permutar com ele, nunca exclusivamente a oferecer-lhe. Experimentamos métodos, técnicas, processos de comu- nicação. Retificamos erros. Superamos procedimentos. Nunca, porém, sem a convicção que sempre tivemos de que só nas bases populares e com elas poderíamos rea- lizar algo de sério e autêntico para elas.10 Em uma outra passagem do mesmo texto, Paulo Freire estabelece desta maneira as dife- renças principais entre a sua proposta e as que existiam antes dela: Ao invés da escola noturna para adultos, em cujo conceito há certas conotações um tan- to estáticas, em contradição, portanto, com a dinâmica do trânsito, lançamos o círculo de cultura. Como decorrência superamos o professor pelo coordenador de debates. O aluno pelo participante do grupo. A aula pelo diálogo. Os programas por situações existenciais, capazes de, desafiando os gru- pos, levá-los, pelos debates das mesmas, a posições mais críticas.11 Nos Círculos Populares, nascidos do Movimento de Cultura Popular no Recife na década de 1960, Paulo Freire teve a oportunidade de trabalhar seu método de alfabetização. a pessoa aprende a ler e a escrever com fluência, compreende de maneira pessoal o que lê e sabe dar ao que escreve e lê uma interpretação adequada e própria. Existem muitos métodos de alfabetização e de escolarização primárias de jovens e de adultos. O que haveria então de tão novo e diferente no Método Paulo Freire? Deixemos que o seu autor nos revele. Podemos imaginar por um momento como esse novo método de alfabetização é vivi- do entre as pessoas participantes de um “Círculo de Cultura”. Eis aqui um lugar de estudos onde professor e alunos não estão um diante dos outros, enfileirados em linhas e sentados passivamente em carteiras frente a um professor e a um quadro- negro. Eles estão ao redor de um círculo onde todos sentam uns ao lado dos outros e a uma mesma distância do centro. Visualizemos um professor que, ao invés de se colocar diante de seus alunos com uma cartilha já toda escrita e trazida de longe, e com uma aula “pronta”, comece a trabalhar com os outros “participantes do círculo” a partir de um material de estudo – as palavras geradoras – como um primeiro momento de sua alfabetização. Um material básico de alfabetização constante de palavras e de imagens que “falam” a linguagem da vida e da cultura do lugar. Falam o que é de todos ali, porque foram “levantadas” em uma pesquisa do “universo vocabular” e do “universo temático” junto às pessoas “do lugar”. Podemos imaginar uma “aula” em que, em lugar da oposição tão comum entre um professor que sabe (ou pensa que sabe) e uma “turma de alunos” que não sabe (ou pensa que não sabe), o que existe é um encontro de participantes da pequena “comu- nidade aprendente”. Uma equipe de trabalhos à voltado ensinar-e-aprender motivada a uma intensa troca de vivência e de idéias. Um grupo de educandos-educadores e de educado- res-educandos no qual quem ensina aprende também e quem aprende sempre tem também algo a ensinar. Um cenário do “trabalho de aprender” onde ninguém ensina a ninguém, mas todos aprendem uns com os outros e todos entre todos. Ali, onde os participantes ensinam e aprendem porque não trabalham com saberes “de fora”, trazidos a eles, mas operam O Método Paulo Freire de Alfabetização ganhou o mundo. Em alguns países, foram editadas obras que orientavam a respeito de sua aplicação. 10 Idem, ibidem, p. 111. 11 Idem, ibidem, p. 115. 56 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 57 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR saberes integrando o que “vem de fora” com as suas próprias vivências, com os seus conhecimentos, com a sabedoria da cultura popular que eles próprios vivem dia a dia e continuamente criam e transformam. Pensemos uma vivência de alfabetização em que, em lugar de se aprender apenas a ler- e-escrever palavras de uma maneira instrumental e mecânica, chega-se a saber ler-e-es- crever palavras por meio do aprendizado de um diálogo crítico e criativo com os outros, “ao vivo”, e também com os textos escritos. Um círculo de trocas de saberes em que se aprende a ouvir e a falar, ao mesmo tempo em que se aprende a ler e a escrever. Pois, na verdade, só aprendemos a compreender o que lemos do que alguém deixou por escrito quando aprendemos também a partilhar com outras pessoas as suas idéias. Quando as acolhemos em nossos silêncios e as ouvimos de maneira atenta. Aprendendo a ouvir o outro e a respeitar as suas idéias, cada um aprende também a “dizer a sua pa- lavra”, como gostava tanto de enfatizar Paulo Freire. E esse é o caminho por onde viaja quem, ao mesmo tempo em que aprende a ler-e-escre- ver palavras e idéias, aprende a “ler” e a compreender a realidade da vida que vive e do mundo onde vive. Aprende não apenas a conhecer com inteligência como a sociedade é, mas aprende também a compreender com a consciência por que ela é assim, como ela foi sendo feita assim e o que é necessário fazer para que ela seja transformada. Podemos por um momento “trabalhar” com algumas palavras iniciadas sempre com a letra “S”, e com elas poderíamos lembrar que aprendemos tudo o que nos é significativo e transformador, envolvendo nesse aprendizado as nossas sensações – visão, audição, olfato, tato e tudo o mais que abre ao mundo as nossas janelas; as nossas sensibilidades – afetos, emoções, sentimentos; nossos saberes – tudo o que aprendemos e integramos em nós como “aquilo que sabemos”; os nossos sentidos de vida – os valores, os prin- cípios, os preceitos que nos dizem quem somos, como devemos ser e como devemos A essência da concepção freireana foi concebida em meio ao ambiente adverso do Nordeste das décadas de 1950 e 1960, à época com mais de 15 milhões de analfabetos. Trinta anos depois da experiência de alfabetização, ele retorna a Angicos para receber homenagens de autoridades e do povo, inclusive o Título de Cidadão Angicano. Para Paulo Freire, a educação é prática da liberdade, para o autoconhecimento e vivência criativa. O alfabetizando exerce papel ativo no processo de aprendizado, interagindo com o professor. 58 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 59 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR conviver; nossos significados – as idéias que temos sobre o mundo em que vivemos e sobre como ele deveria ser; e até mesmo as nossas sociabilidades – a nossa vocação de criarmos juntos o mundo em que vivemos e de o transformarmos para vivermos nele. Aprendemos uns com os outros, envolvendo todas essas dimensões de nosso ser, viver, sentir e aprender, em nossas “trocas do saber”. E aprendendo por meio do diálogo e da partilha de saberes, não aprendemos apenas “coisas”, “conteúdos” ou “conhecimentos”. Aprendemos a sentir, a sensibilizar e a convivializar (viver com o outro), buscando novos sentidos de vida e novos significados para as nossas ações. Todo o saber que de fato vale alguma coisa é o conhecimento que de alguma maneira me transforma em um ser melhor. Se pudermos imaginar a integração de tudo o que foi sugerido até aqui, poderemos então compreender um pouco mais a inovação e a dinâmica do Método Paulo Freire. Mas como ele acontece mesmo na prática? Quais são os seus momentos, passo a passo? A educadora Ana Maria Araújo Freire, amiga de adolescência de Paulo Freire e, vários anos depois, sua esposa e companheira de vida, de idéias e de ideais, a quem ele amoro- samente chamava de Nita, descreve assim as etapas do método: As atividades de alfabetização exigem a pesquisa do que Freire cha- ma “universo vocabular mínimo” entre os alfabetizandos. É traba- lhando este universo que se escolhem as palavras que farão parte do programa. Estas palavras, mais ou menos dezessete, chamadas “palavras geradoras”, devem ser palavras de grande riqueza fonê- mica e colocadas, necessariamente, em ordem crescente das meno- res para as maiores dificuldades fonéticas, lidas dentro do contexto mais amplo da vida dos alfabetizandos e da linguagem local, que por isto mesmo é também nacional. A decodificação da palavra escrita, que vem em seguida à decodifica- ção da situação existencial codificada, compreende alguns passos que devem, rigorosamente, se suceder. Tomemos a palavra TIJOLO, usada como a primeira palavra em Bra- sília, nos anos 60, escolhida por ser uma cidade em construção, para facilitar o entendimento do(a) leitor(a). 1º. Apresenta-se a palavra geradora “tijolo” inserida na representação de uma situação concreta: homens trabalhando numa construção; 2°. Escreve-se simplesmente a palavra: TIJOLO 3º. Escreve-se a mesma palavra com as sílabas separadas: TI – JO – LO 4º. Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba: TA – TE – TI – TO – TU 5º. Apresenta-se a “família fonêmica” da segunda sílaba: JA – JE – JI – JO – JU 6º. Apresenta-se a “família fonêmica” da terceira sílaba: LA – LE – LI – LO – LU 7º. Apresentam-se as “famílias fonêmicas” da palavra que está sendo decodificada: TA – TE – TI – TO – TU JA – JE – JI – JO – JU LA – LE – LI – LO – LU O método Paulo Freire ganhou o mundo, chegando a todos os continentes, formando cidadãos e cidadãs mais conscientes e críticos. 60 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 61 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Este conjunto de “famílias fonêmicas” da palavra geradora foi denominado “ficha de descoberta”, pois ele propicia ao alfabetizando juntar os “pedaços”, isto é, fazer dessas sílabas novas combinações fonêmicas que necessariamente devem formar palavras da língua portuguesa. 8º. Apresentam-se as vogais: A – E – I – O – U Em síntese, no momento em que o(a) alfabetizando(a) consegue, articulando as sílabas, formar palavras, ele ou ela está alfabetizado(a). O processo requer, evidentemente, apro- fundamento, ou seja, a pós-alfabetização. A eficácia e a validade do “Método” consistem em partir da realidade do alfabetizando, do que ele já conhece, do valor pragmático das coisas e fatos de sua vida cotidiana, de suas situações existenciais. Respeitando o senso comum e dele partindo, Freire propõe a sua superação. O “Método” obedece às normas metodológicas e lingüisticas, mas vai além delas, porque desafia o homem e a mulher que se alfabetizama se apropriarem do código escrito e a se politizarem, tendo uma visão de totalidade da linguagem e do mundo. O “Método” nega a mera repetição alienada e alienante de frases, palavras e sílabas, ao propor aos alfabetizandos “ler o mundo” e “ler a palavra”, leituras, aliás, como enfatiza Freire, indissociáveis. Daí ter vindo se posicionando contra as cartilhas.12 Homem sendo alfabetizado no Círculo de Cultura do Gama, em setembro de 1963. Sabemos já que os anos entre 1960 e 1964 foram tempos de uma intensa mobilização e criatividade social no Brasil. Provavelmente não teremos vivido um outro breve tempo assim. No campo das artes, das ciências, das ações sociais de vocação transformadora, assim como no da educação, em raras outras ocasiões estudou-se tanto, inovou-se tanto, debateu-se tanto, experimentou-se tanto e tentou-se criar o novo com tanta intensidade e com tamanha emoção. Nasceram nesse período várias alternativas do que vieram a ser as inovações de uma outra pedagogia. Surgiram e multiplicaram-se as experiências brasileiras e latino-ameri- canas de ação social, as criações de movimentos sociais e de frentes populares de causas e de lutas, a nova “música popular brasileira”, o cinema novo, as novas experiências literárias, o teatro do oprimido e outras variantes de teatro popular. Muito do que veio a frutificar nos anos de fogo da ditadura nasceu nessa curta, esperançosa, sofrida e tão ainda presente época de nossa história. Paulo Freire esteve sempre na frente de tudo o que acontecia e dos movimentos que queriam a transformação social. Pagaria caro por essa ousadia. Em 1958 o professor Paulo foi o relator de um documento da Comissão Regional de Per- nambuco a respeito da educação no Estado. Em A Educação de Adultos e as Populações Marginais, ele já se revelava um fecundo pensador revolucionário. Desde seus primeiros artigos, as marcas de crítica social e de criatividade pedagógica eram evidentes. Depois das experiências de Angicos com o método de alfabetização, durante o governo de João Goulart, Paulo Freire recebeu do Ministro da Educação, Paulo de Tarso Santos, um novo e mais amplo desafio: o de criar, implantar e coordenar o Programa Nacional de Alfabetização. Tratava-se de pensar e colocar em prática um trabalho popular de alfabe- tização em escala nacional, a partir dos promissores resultados obtidos com a aplicação do Método Paulo Freire de Alfabetização no Nordeste. O universo do Cículo de Cultura representado. Freire educando, alfabetizando, de todas as formas. 12 Essas passagens sobre o Método Paulo Freire foram tomadas do livro Paulo Freire: uma biobibliografia, em seu primeiro artigo A voz da esposa – a trajetória de Paulo Freire, de Ana Maria Araújo Freire. As citações tomadas estão nas páginas 38, 39 e 40. 62 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 63 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Paulo de Tarso, Ministro da Educação e Paulo Freire, durante visita ao Círculo de Cultura do Gama, em setembro de 1963. O então Presidente João Goulart assina, em janeiro de 1964, o Decreto que criou o Plano Nacional de Alfabetização, coordenado por Paulo Freire. 64 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 65 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Quando o Programa Nacional de Alfabetização estava quase pronto para ser posto em marcha, aconteceu no Brasil o golpe militar de 1964. Criado por decre- to-lei em janeiro desse ano, o “Programa” foi extinto em abril. Os movimentos de cultura popular foram colocados sob suspeita e fortemente reprimidos, tal como aconteceu também com outros movimentos e frentes de mobilização e de luta popular no campo e na cidade. Os Anos do Exílio: a Pedagogia do Oprimido. 7. Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam. Pedagogia do oprimido, 1968 67 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR As idéias e as propostas político-pedagógicas de Paulo Freire eram então bastante co- nhecidas. Ele era convidado a dialogar com educadores populares de norte a sul do Brasil. No interior de um amplo universo de trabalhos pedagógicos e políticos e de cul- tura popular, que em todo o país mobilizava artistas, estudantes, educadores, cientistas, religiosos e educadores, além de inúmeras lideranças populares, Paulo Freire se tornou em pouco tempo uma referência essencial. E foi justamente a ousadia de suas idéias e propostas que o levou ao exílio. Ainda no ano de 1964, por duas vezes, no Recife, Paulo foi “convidado a explicar-se”; pri- meiro aos acadêmicos e, depois, aos militares, respondendo a inquéritos administrativo e policial-militar. Mesmo sem haver culpa formal alguma a seu respeito, ele permaneceu detido durante setenta dias. Com 43 anos, cinco filhos, uma carreira promissora pela frente e o sentimento de que, mais do que nunca, cada uma de suas palavras e gestos continha um profundo sentido e falava de uma enorme urgência, ele se viu obrigado a pedir asilo junto à Embaixada da Bolívia. Viajou para lá sozinho e a família uniu-se a ele meses mais tarde. Era o mês de setembro. De algum modo, Paulo e Elza sabiam que haveriam de viver longos anos longe do Brasil. De fato, eles retornariam definitivamente ao país ape- nas em 1980. Preso pela Ditadura Militar, Paulo Freire decide deixar o país e parte para o exterior, dando início a um exílio de 16 anos. Salvoconduto da Bolívia autoriza a saída do exilado Paulo Freire daquele país, em novembro de 1964. O primeiro dos países que o acolheriam. Reunião do Conselho Nacional de Cultura com o ministro da educação, Paulo de Tarso, define estratégias para execução do Plano Nacional de Alfabetização. 68 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 69 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Esteve na Bolívia apenas por 40 dias. Logo se transferiu para o Chile e viveu em Santiago entre novembro de 1964 a abril de 1969. Pouco depois de chegar ao novo país latino- americano de acolhida, Paulo Freire recomeçou a trabalhar com o mesmo empenho e o mesmo entusiasmo de sempre. Como ele mesmo repetiu em várias ocasiões, há opções de vida que não conhecem fronteiras, e o trabalho em prol do povo não tem propriamen- te uma pátria, porque é de todas elas e de todos os povos da Terra. No Chile, Paulo Freire conseguiu realizar o que sonhou fazer no Brasil: participar de um programa de educação popular durante um tempo mais prolongado, estabelecer metas, definir propostas, formar pessoal, acompanhar processos e avaliar resulta- dos. Em Santiago, ele foi um assessor do Instituto de Desarrollo Agropecuario do Ministério da Educação. Durante algum tempo, ele foi também consultor do Instituto de Capacitación y Investigación en Reforma Agraria, trabalho que realizou como um profissional da UNESCO.13 Cartazes utilizados por Freire, no trabalho de alfabetização no Chile. O Chile vivia então os tempos do governo democrático de Eduardo Frei, seguido pelo breve e desafiador governo socialista de Salvador Allende. E foi nesse clima de liberdade e de criatividade social que várias experiências renovadoras no campo da ação social e da educação foram, em pouco tempo, levadas a efeito. Mas, como antes acontecera no Brasil, não por muito tempo. Em 1973, o sangrento golpe militar liderado por Augusto Pinochet desmobilizaria,em poucos meses, as bases de uma das tentativas mais promis- soras de transformação social no continente sul-americano. Paulo Freire não assistiu à lastimável queda do governo de Salvador Allende. Dos “tempo do Chile” ele deixou uma bela referência: Ao final do seu tempo de trabalho como um educador exilado no Chile, ele se transferiu com a família para os Estados Unidos da América do Norte. Não seria o último país de acolhida e nem o último continente de sua peregrinação longe do Brasil. Ele já recebera o convite para ir trabalhar na Europa, mas viveu em Cambridge, no estado de Massa- chussets, pouco menos de um ano, ministrando aulas de pedagogia na conhecida Uni- versidade de Harvard, e levando, a um país distante, as suas idéias sobre a educação e o seu novo alcance social. Meses depois, ele viajou com a família para a Europa e foi viver na cidade de Genebra, na Suíça, trabalhando no setor de educação do Conselho Mundial de Igrejas, uma insti- tuição de confissões evangélicas que, entre outras atividades, protegia perseguidos polí- ticos. Ora, essa longa experiência de estudos, de diálogos e de trabalhos abarcou todo o seu tempo de exílio, de 1969 até o seu retorno ao Brasil em 1980. Esse tempo de exílio permitiu ao educador brasileiro vivenciar o profundo sentido de “cidadania mundial”. Paulo Freire foi convocado a viajar, continuamente, pelos cinco con- tinentes. Ele visitou várias nações e conviveu com pessoas políticas, com militantes so- ciais, com agentes populares e com educadores de inúmeros países. Nações recém-libertadas da África o acolheram em diversas ocasiões. O que se viveu e pensou nelas em favor de uma nova educação haverá de ser muito importante em sua vida, dali em diante. Em diferentes ocasiões, Paulo Freire lembrará a pessoas de países e línguas, ora próximas, ora distantes, a inovação de suas idéias e propostas de libertação nacional. Um sonho que tenho, entre um sem-número de outros, é “semear” palavras em áreas populares, cuja experiência popular não seja escrita, quer dizer, áreas de memória preponderantemente oral. No Chile, quando lá vivi no meu tempo de exílio, os ”semeadores de palavras” em áreas de reforma agrária foram os próprios camponeses alfabetizandos, que as “plantavam” nos troncos das árvo- res, às vezes, no chão dos caminhos.14 13 Muitos anos mais tarde, Augusto Nibaldo Silva Triviños e Balduino Antônio Andreola publicam um livro dedicado às experiências de dois brasileiros exilados no Chile: Ernani Maria Fiori e Paulo Freire. O livro foi publicado pela Editora Ritter dos Reis, de Porto Alegre, em 2001, e tem o nome de Freire e Fiori no Exílio: Um projeto pedagógico-político no Chile. 14 TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva & ANDREOLA, Balduino A. Freire e Fiori no exílio: Um projeto pedagógico- político no Chile. Porto Alegre: Editora Ritter dos Reis, 2001, p. 174. 70 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 71 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Poucas experiências de vida inteira terão sido tão marcantes quanto o dialogar com jo- vens políticos, militantes e educadores de países como a Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola. Em alguns desses países, Paulo Freire conheceu alguns dos momentos mais gratificantes de sua vida de educador: levar a contribuição de seu méto- do de alfabetização, de sua pedagogia humanista e de sua educação libertadora a progra- mas de formação de jovens e de adultos de novas nações pela primeira vez livres e, no entanto, quase devastadas por anos de opressão e de guerras de libertação. Ele dedicou livros e artigos a educadores africanos, especialmente das jovens nações de língua portuguesa, recém-emancipadas. O que ele lê e estuda, em boa medida, vem da Europa e dos Estados Unidos. Mas o que ele vive e presencia vem, agora, da África, como viera antes e virá de novo, depois, do Brasil e da América Latina. No exílio, com o filho Lutgardes, na época em que começou a deixar a barba crescer por causa do frio. Carta de Henfil “devolvendo” seu passaporte como protesto à negação desse documento a Freire e outros brasileiros, pela Ditadura Militar. Paulo Freire, com seu filho Lutgardes, e Betinho com seu filho Daniel, no Canadá, de férias, em 1978.72 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 73 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Andarilhando pelo mundo. No continente africano, estabeleceu contatos com os governos e trabalhou o Método em vários países. Paulo Freire é cidadão do mundo. Abaixo, nas Ilhas Figi, promovendo alfabetização. Paulo Freire trabalhando com o Coordenador do Programa de alfabetização do Ministério da Educação da Guiné-Bissau, em 1976. Paulo Freire ao lado de Miguel Darcy de Oliveira, do IDAC, e de Mário Cabral, Ministro da Educação da Guiné-Bissau, em 1978. Ao ser chamado para conduzir o projeto educacional da Guiné-Bissau, Paulo Freire nos relata suas emoções, identificações e angústias. Opta por não prescrever um receituário pedagógico; ao contrário, partilha o esforço comum de conhecer a realidade que busca transformar, na ajuda e conhecimento mútuos. 74 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 75 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Poucas alegrias foram tão grandes em sua vida quanto ver suas palavras pronunciadas, agora, em línguas de culturas africanas, ou no português “de lá”, construindo momentos de alfabetização com o uso de seu método. Esse será o momento em que as leituras de Franz Fanon, Amilcar Cabral, Samora Machel ou Julius Nyerere serão tão marcantes quanto às de conhecidos intelectuais brancos e europeus. Em uma outra direção, as idéias de Paulo Freire viajam mais do que ele mesmo. Elas co- meçam a ser, cada vez mais, lidas e traduzidas em várias e diferentes línguas. Em menos de dez anos, ele se transforma em um dos educadores mais conhecidos e influentes. Todos aqueles que se voltam para a construção de “novos tempos” reconhecem que é quase impossível pensá-los sem a contribuição de Paulo Freire. Foi já no exílio que Paulo completou o seu trabalho mais conhecido e traduzido em todo o mundo. Uma das aproximadamente 80 classes de povos nômades do deserto do Quênia que alfabetizavam com o método Paulo Freire, em 1985. A obra de Paulo Freire foi traduzida em mais de 20 idiomas. 76 PR O JE TO M E M Ó R IA | 2 00 5 77 PA U LO F R E IR E | E DU CA R PA RA T RA N SF O RM AR Itália Indonésia Espanha Argentina Itália Espanha Alemanha Argentina Inglaterra O livro Pedagogia do Oprimido, uma das obras mais importantes de Freire, está presente em todos os continentes. Em várias línguas Pedagogia do oprimido foi traduzido, lido, debatido e aplicado por pen- sadores e militantes, por educadores eruditos e trabalhadores populares de todo o mun- do. Devem ser muito raros em toda a longa história universal da educação os livros que, como o seu, serviram tanto a educadores de carreira quanto a inúmeros outros estudio- sos e militantes das causas sociais, e mesmo a pessoas que pouco tinham a ver com a educação. Entre os últimos anos dos “sessenta” e os primeiros anos dos “setenta”, o que antes acontecia no Brasil e na América Latina difunde-se por todo o mundo. Cada vez mais os livros de Paulo Freire tornavam-se um dos pilares das pedagogias críticas e dos movimentos populares. E assim é até hoje.
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