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A descoberta da alteridade pelos viajantes

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Texto elaborado especialmente para a disciplina de antropologia. 
Margarete Fagundes Nunes 
Ana Luiza Carvalho da Rocha 
 
Referência: 
 
LAPLANTINE, François. APRENDER ANTROPOLOGIA. São 
Paulo: Brasiliense, 13 ed. 1999. 
 
PRIMEIRA PARTE 
 
Marcos para uma história do pensamento antropológico. 
 
 
Século XVI: a descoberta da “alteridade” pelos viajantes. 
 
Segundo Laplantine (1999), a gênese da reflexão antropológica é 
a descoberta do Novo Mundo. À medida que os europeus 
expandem seu domínio além-mar, explorando lugares e povos 
distantes, até então desconhecidos, eles começam a elaborar 
discursos sobre esses lugares e seus habitantes. “A grande questão 
que é então colocada, e que nasce desse primeiro confronto visual 
com a alteridade, é a seguinte:.aqueles que acabaram de serem 
descobertos pertencem à humanidade?” (LAPLANTINE, 1999, 
p.37). A pergunta que se impõe obedece um critério religioso: o 
selvagem teria alma? Segundo o mesmo autor, essa questão será 
resolvida somente dois séculos mais tarde. 
A partir daí duas ideologias ganham força: uma que reforça a 
RECUSA DO ESTRANHO, outra que se sustenta pela 
FASCINAÇÃO PELO ESTRANHO. Essas duas ideologias 
concorrentes dão origem a alguns estereótipos sobre esses povos. 
 
1. A FIGURA DO MAU SELVAGEM E DO BOM CIVILIZADO 
 
 
 
 
 
 
“A extrema diversidade das sociedades humanas raramente apareceu aos 
homens como um fato, e sim como uma aberração exigindo uma justificação. 
A antiguidade grega designava sob o nome de bárbaro tudo o que não 
participava da helenidade (em referência à inarticulação do canto dos 
pássaros oposto à significação .da linguagem humana), o Renascimento, os 
séculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens (isto é, seres da 
floresta), opondo assim a animalidade à .humanidade. O termo primitivos é 
que triunfará no século XIX, enquanto optamos preferencialmente na época 
atual pelo de subdesenvolvidos. 
Essa atitude, que consiste em expulsar da cultura, isto é, para a natureza todos 
aqueles que não participam da faixa de humanidade à qual pertencemos' e 
com a qual nos identificamos, é, como lembra Lévi-Strauss, a mais comum a 
toda a humanidade, e, em especial, a mais característica dos 
"selvagens". (LAPLANTINE, 1999, p. 40) 
 
São vários os critérios utilizados para se saber se aos índios podia 
se conceder o estatuto de humano. Laplantine (1999, p.41) cita 
alguns: 
 
 a aparência física: eles estão nus ou "vestidos de peles de 
animais"; 
 os comportamentos alimentares: eles" comem carne crua", e 
é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se elaborar; 
 a inteligência tal como pode ser apreendida a partir da 
linguagem: eles falam "uma língua ininteligível". 
 
Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo acesso à 
linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-se como um animal, 
o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. E esse discurso sobre a 
alteridade, que recorre constantemente à metáfora zoológica, abre o grande 
leque das ausências: sem moral, sem religião, sem lei, sem escrita, sem 
Estado, sem consciência, sem razão, sem objetivo, sem arte, sem passado, 
sem futuro.6 Cornelius de Pauw acrescentará até, no século XVIII: "sem 
barba". "sem sobrancelhas", "sem pêlos", sobrancelhas", "sem espírito" 
"sem ardor para com sua fêmea". 
 
 
Muitos textos da época vão reforçar esta concepção: a de que os 
indígenas representariam o avesso da “civilização”. De um lado, a 
civilização e a humanidade (Velho Mundo), do outro, a natureza e 
a barbárie (Novo Mundo). Importante frisar, que além dos povos 
da América, os do continente Africano eram suscetíveis da 
mesma leitura. 
 
Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta 
absoluta: os "negros" não respeitam nada, nem mesmo eles 
próprios, já que comem carne humana e fazem comércio da 
"carne" de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial 
inconsciente de si mesma, em uma selvageria em estado bruto, 
 
 
 
 
eles não têm moral, nem instituições sociais,religião ou Estado. 
Petrificados em uma desordem inexorável, nada,nem mesmo.as 
força da colonização, poderá nunca preencher o fosso que os separa 
da História universal da humanidade. (LAPLANTINE, 1999, p. 45). 
 
Portanto, quem se afastasse do modelo dito como “civilizado”, 
era reduzido à condição de coisa, de objeto sem valor. 
 
2. A FIGURA DO BOM SELVAGEM E DO MAU CIVILIZADO 
 
Se havia aqueles que repudiavam a figura do “selvagem”, havia 
também o seu oposto, como nos mostra Laplantine (1999, p. 46-
47). 
 
 
A figura de uma natureza má na qual yegeta um selvagem 
embrutecido é eminentemente suscetível de se transformar em seu 
oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias à um 
selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem, como veremos, 
rigorosamente idênticos, da mesma forma que o par constituído pelo 
sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). Mas efetua-se dessa 
vez a inversão daquilo que era apreendido como um vazio que se torna um 
cheio (ou plenitude), daquilo que era apreendido como um menos que se 
torna um mais. O caráter privativo dessas sociedades sem escrita, sem 
tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem 
sacerdotes, sem polícia, sem leis, sem Estado - acrescentar-se-á no séculoXX 
sem Complexo de Edipo - não constitui uma desvantagem. O selvagem não é 
quem pensamos.. Evidentemente, essa representação concorrente (mas que 
consiste .apenas em inverter a atribuição de significações e valores dentro de 
uma estrutura idêntica) permanece ainda bastante rígida na época na qual o 
Ocidente descobre povos ainda desconhecidos.A figura do bom selvagem só 
encontrará sua formulação mais sistemática e mais radical dois séculos após 
o Renascimento: no rousseauísmo do século XVIII, e, em seguida,no 
Romantismo. 
 
 
O autor nos lembra que, apesar disso, alguns viajantes já 
anunciavam um estado embrionário dessa concepção, como 
Américo Vespúcio: 
 
 
"As pessoas estão nuas, são bonitas, de pele escura, de corpo elegante. 
Nenhum possui qualquer coisa que seja, pois tudo é colocado em 
comum. E os homens tomam por mulheres aquelas que lhes agradam, 
sejam elas sua mãe, sua irmã, ou sua amiga, entre as quais eles não 
fazem diferença. . . Eles vivem cinqüenta anos. E não têm governo". 
(LAPLANTINE, 1999, p.47). 
 
 
 
 
 
Do mesmo modo, também Cristóvão Colombo, aportando no 
Caribe, descobre, ele também o paraíso: “Eles são muito mansos e 
ignorantes do que é o mal, eles não sabem se matar uns aos outros 
(. ..) Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como 
também não há terra melhor". (LAPLANTINE, 1999, p.47). 
 
*****************************************************
*** 
 
 Importante considerar que esses discursos ainda hoje encontram 
sua forma de atualização, confirmando a primeira ou a segunda 
concepção ideológica. 
Laplantine, destaca que: 
 
 A imagem que o ocidental se fez da alteridade (e 
correlativamente 
de si mesmo) não parou, portanto, de oscilar .entre os pólos de 
um verdadeiro movimento pendular. Pensou-se alternadamente 
que o selvagem: era um monstro, um "animal com figura 
humana" (Léry), a meio caminho entre a animalidade e a 
humanidade mas também que os monstros éramos nós, sendo 
que ele tinha lições de humanidade a nos dar; 
 levava uma existência infeliz e miserável, ou, pelo contrário, 
vivia num estado de beatitude, adquirindo sem esforços os 
produtos maravilhosos da natureza, enquanto que o Ocidente 
era, por sua vez, obrigado a assumir as duras tarefasda 
indústria; 
era trabalhador e corajoso, ou essencialmente preguiçoso; 
não tinha alma e não acreditava em nenhum deus, ou era 
profundamente religioso; 
vivia num eterno pavor do sobrenatural, ou, ao inverso, na paz e na 
harmonia; 
 era um anarquista sempre pronto a massacrar seus semelhantes, ou 
um comunista decidido a tudo compartilhar, até e inclusive suas 
próprias mulheres; 
 era admiravelmente bonito, ou feio; 
 era movido por uma impulsividade criminalmente congênita 
quando era legítimo temer, ou devia ser considerado como uma 
criança precisando de proteção; 
 era um embrutecido sexual levando uma vida de orgia e devassidão 
permanente, ou, pelo contrário, um ser preso, obedecendo estritamente 
aos tabus e às proibições de seu grupo; 
 
 
 
 
era atrasado, estúpido e de uma simplicidade brutal, ou profundamente 
virtuoso e eminentemente complexo; 
era um animal, um "vegetal" (de Pauw) , uma "coisa", um "objeto sem 
valor" (Hegel), ou participava, pelo contrário, de uma humanidade da 
qual tinha tudo como aprender . (LAPLANTINE, 1999,p. 52). 
 
 
Os viajantes, missionários, administradores das colônias e 
aventureiros que registraram suas impressões sobre a “alteridade”, 
abriram caminho para que no século XIX se fundasse uma nova 
disciplina do conhecimento humano, a antropologia ou etnologia.

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