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Prévia do material em texto

2018
FunDAmentos HistÓriCos 
Do Direito
Prof.ª Ivone Fernandes Morcilo Lixa
Copyright © UNIASSELVI 2018
Elaboração:
Prof.ª Ivone Fernandes Morcilo Lixa
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfi ca elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri 
UNIASSELVI – Indaial.
340
L693f Lixa, Ivone Fernandes Morcilo 
 Fundamentos históricos do direito / Ivone Fernandes Morcilo 
Lixa. Indaial: UNIASSELVI, 2018.
 200 p. : il.
 
 ISBN 978-85-515-0122-1
 1.Direito. 
 I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. 
III
ApresentAção
Os historiadores Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-
1956), em meio às guerras mundiais, formaram uma parceria intelectual que 
muito contribuiu para a concepção de História que temos nos dias de hoje. 
O ambiente marcado por grandes tragédias e perdas humanas exigia dos 
pensadores explicação e eles foram capazes de perceber que a história poderia 
ser um caminho possível para compreender aqueles tempos difíceis e dolorosos. 
Marc Bloch, com a ocupação nazista na França e por ser judeu, abandona a 
Universidade e torna-se um militante da resistência francesa. Preso pela Gestapo, 
foi torturado e fuzilado em 16 de junho de 1944, deixando inacabado um livro 
sobre metodologia, “Apologia da História ou O Ofício do Historiador”, que foi 
publicado em 1949 pelo parceiro Febvre, como obra póstuma. 
Bloch inicia a obra com uma pergunta feita por seu filho, à época uma 
criança: para que serve a história? A resposta a esta interrogação permite 
explicar que o historiador tem a obrigação de difundir e esclarecer quando 
fala tanto para doutores como para estudantes iniciantes. 
Nas palavras de nosso autor, para responder a uma pergunta 
aparentemente simples, o “historiador é chamado a prestar contas” (BLOCH, 
2002, p. 41), é chamado a explicar qual sua função, sua área de atuação, 
mesmo em se tratando da mais difícil das ciências, sempre em movimento. 
Afinal, o que é história? Para Bloch, história não é o estudo do passado – 
“passado” é um termo vago e amplo –, mas a ciência dos homens, e seu objetivo 
é estudar a ação dos homens no tempo. O historiador não estuda o “passado”, 
uma vez que presente e passado estão sempre sob o domínio do tempo. Estuda 
onde tudo começa: o presente, e assim compreende o passado. Do conhecido 
para o desconhecido. Uma tarefa que deve ser norteada pela permanente crítica, 
para não cair no erro de confiar em evidências sem comprovação de verdade. 
Por fim, conclui Bloch que assim é definido o ofício do historiador: 
estudar o homem em função do tempo desde o olhar presente, compreendendo 
o passado e desvelar a verdade, mesmo que sofra desilusões.
DICAS
O livro de Marc Bloch está disponível em: <https://bibliotecaonlinedahisfj.
files.wordpress.com/2015/02/bloch-m-apologia-da-histc3b3ria.pdf>. 
É uma interessante leitura!
IV
Com essa reflexão preambular iniciaremos o estudo da história do 
direito. 
Através da realidade do direito brasileiro atual, vamos retomar sua 
trajetória histórica. Em tempos tão difíceis como o que estamos vivendo no 
país, quando, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 
em 2014, 9,6% das crianças e adolescentes viviam em casas sem o mínimo de 
saneamento (água, luz e esgoto); um a cada cinco jovens de 15 a 29 anos 
não trabalha e não estuda; 4,3 milhões de trabalhadores domésticos sequer 
possuem carteira de trabalho, ou seja, vamos partir de um tempo e um espaço 
em que, ainda, direitos garantidos são negados para uma grande parcela 
da população. Tempo em que se fala muito em Direitos Fundamentais, 
Democracia e Cidadania, mas desde uma realidade brutal que coloca o Brasil 
como o 10º país em desigualdade social.
Não restam dúvidas: é urgente a tarefa de pensar o direito brasileiro 
e redefinir sua trajetória!!! Tarefa difícil e árdua, mas necessária.
FIGURA 1 – DESIGUALDADE SOCIAL
FONTE: Disponível em: <http://chert-poberi.ru/interestnoe/kak-vyglyadit-so
cialnoe-neravenstvo-v-raznyx-gorodax-i-stranax.html>. Acesso em: 8 jan 2018
Assim, com vistas a um futuro mais generoso e justo, vamos, desde 
esse presente que exige explicação, compreender o passado!
Afinal, é essa a tarefa do historiador do direito!
V
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto 
para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há 
novidades em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é 
o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um 
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. 
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova 
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também 
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, 
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade 
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. 
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para 
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto 
em questão. 
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas 
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa 
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de 
Desempenho de Estudantes – ENADE. 
 
Bons estudos!
NOTA
VI
VII
UNIDADE 1 - HISTÓRIA E DIREITO ................................................................................................ 1
TÓPICO 1 - DIREITO E HISTÓRIA: APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA ...................................... 3
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3
2 OBJETIVOS E MÉTODO DO ESTUDO DA HISTÓRIA DO DIREITO .................................. 6
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 9
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 10
TÓPICO 2 - UBI SOCIETAS, IBI IUS? ................................................................................................... 11
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 11
2 OS PRIMEIROS NÚCLEOS HUMANOS ........................................................................................ 13
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 17
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 18
TÓPICO 3 - O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO 
 (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO) ..................................................................... 19
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 19
2 O DIREITO DIVINO DOS EGÍPCIOS ............................................................................................ 21
3 O DIREITO HEBRAICO: O SAGRADO ALICERCE DE UMA NAÇÃO ................................. 24
4 O CÓDIGO DE HAMURABI: UMA PRECIOSA HERANÇA DAMESOPOTÂMIA ............ 26
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 29
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 30
TÓPICO 4 - O MUNDO GREGO ANTIGO ....................................................................................... 31
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 31
2 A CONCEPÇÃO DE DIREITO E JUSTIÇA GREGA .................................................................... 37
3 A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E JUDICIAL DE ATENAS ....................................... 42
4 O HELENISMO ..................................................................................................................................... 45
RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 48
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 49
TÓPICO 5 - O LEGADO ROMANO .................................................................................................... 51
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 51
2 A FORMAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA: A BASE DO DIREITO ROMANO ............................. 54
3 OS PERÍODOS POLÍTICOS E AS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS .............................................. 63
4 O LEGADO ............................................................................................................................................ 69
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 71
RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 74
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 75
UNIDADE 2 - PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO 
 DIREITO NA MODERNIDADE ................................................................................ 77
TÓPICO 1 - O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO 
 DA IDADE MÉDIA ........................................................................................................... 79
sumário
VIII
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 79
2 O CRISTIANISMO .............................................................................................................................. 80
3 A BARBARIZAÇÃO DO COTIDIANO ........................................................................................... 83
4 A EMERGÊNCIA DO PLURALISMO MEDIEVAL ...................................................................... 87
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 91
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 92
TÓPICO 2 - O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES ...................... 93
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 93
2 A REFORMA GREGORIANA: MARCO DO DIREITO CANÔNICO ...................................... 96
3 OS CONCEITOS DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA .............................................................. 99
4 O PROCESSO INQUISITORIAL ....................................................................................................100
5 A CRENÇA NA VERDADE REAL ..................................................................................................106
6 O DIREITO COMUM MEDIEVAL .................................................................................................109
RESUMO DO TÓPICO 2 .....................................................................................................................115
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116
TÓPICO 3 - A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES ..........................117
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................117
2 AS COSMOVISÕES JURÍDICAS MODERNAS .........................................................................117
3 O PROCESSO DE DOMINAÇÃO COLONIAL ..........................................................................120
4 O DIREITO DA CONQUISTA ........................................................................................................121
RESUMO DO TÓPICO 3 .....................................................................................................................127
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................128
TÓPICO 4 - O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO .....................................129
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129
2 O MODELO POLÍTICO LIBERAL MODERNO .........................................................................129
3 O DIREITO E A ORIENTAÇÃO EXEGÉTICA ............................................................................137
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................145
RESUMO DO TÓPICO 4 .....................................................................................................................147
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................148
UNIDADE 3 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO ..........................149
TÓPICO 1 - AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA .................151
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................151
2 O DIREITO INDÍGENA ...................................................................................................................152
3 O DIREITO COLONIAL BRASILEIRO .........................................................................................152
4 AS ORDENAÇÕES DO REINO.......................................................................................................154
RESUMO DO TÓPICO 1 .....................................................................................................................158
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................159
TÓPICO 2 - A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA ...................................................161
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161
2 A ESTRUTURA JURÍDICA DO BRASIL COLÔNIA ..................................................................163
RESUMO DO TÓPICO 2 .....................................................................................................................174
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................175TÓPICO 3 - O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO 
 DIREITO NACIONAL ...................................................................................................177
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................177
IX
2 A CULTURA JURÍDICA NACIONAL: O BACHARELISMO ..................................................180
RESUMO DO TÓPICO 3 .....................................................................................................................185
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................186
TÓPICO 4 - OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO .......................187
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................187
2 A DIFÍCIL CONQUISTA DE DIREITOS .......................................................................................190
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................192
RESUMO DO TÓPICO 4 .....................................................................................................................194
AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................195
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................197
X
1
UNIDADE 1
HISTÓRIA E DIREITO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade tem por objetivos:
• definir a relação História e Direito;
• discutir a metodologia do estudo da História do Direito;
• identificar os objetivos do estudo da História do Direito;
• refletir acerca dos elementos históricos do direito moderno ocidental;
• identificar as características e contribuições do mundo antigo para o pen-
samento jurídico moderno;
• compreender a particularidade do direito no mundo greco-romano e seu 
legado à modernidade.
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da unidade você 
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – DIREITO E HISTÓRIA: APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA
TÓPICO 2 – UBI SOCIETAS, IBI IUS?
TÓPICO 3 – O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO 
(MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO) 
TÓPICO 4 – O MUNDO GREGO ANTIGO
TÓPICO 5 – O LEGADO ROMANO
2
3
TÓPICO 1
UNIDADE 1
DIREITO E HISTÓRIA: APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA
1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história, nas distintas etapas e diversas sociedades 
encontramos formas de controle e proteção de valores que possibilitam a vida 
comum. Esses valores, ou bens jurídicos, são amparados e garantidos por um 
conjunto de normas jurídicas definidas conforme a ordem social, política e/ou 
econômica que se encontra em contínua mudança, e por esta razão as normas 
jurídicas vão reconhecendo as alterações de acordo com a época e as relações 
definidas no substrato social.
UNI
A vida social é regida por diversas normas, preceitos, que definem condutas (morais, 
religiosas, culturais etc.), dentre as quais as normas jurídicas. Normas jurídicas são distintas das 
demais por dois fatores principais: emanam de uma autoridade política competente e possuem 
poder coercitivo. Em outras palavras, em primeiro lugar, as normas jurídicas são estabelecidas 
por órgãos ou instituições legítimas politicamente, portanto, distintas de normas morais. Como 
segundo fator, as normas jurídicas são impostas, com uso da força se necessário for, de forma 
a persuadir as pessoas a agirem de modo a atender às finalidades ou objetivos estabelecidos 
pelos órgãos políticos definidos. Assim, as normas jurídicas devem ser acatadas e colocadas 
à disposição dos indivíduos e da coletividade para fazer valer interesses e necessidades, bem 
como proteger seus bens de distintas naturezas e características.
Desde tal perspectiva, surgem algumas perguntas que devemos responder 
inicialmente: é possível estudar esse conjunto de normas que vão definindo o 
direito? Como estudar esse fenômeno social que chamamos de direito? Para que 
estudar direito? As distintas respostas que podem ser dadas recaem em alguns 
pontos comuns: a necessidade de conhecer o direito, de determiná-lo, estabelecer 
a relação com as ideias e/ou valores e/ou interesses do grupo social em que se 
insere. Exatamente essa é a função dos pesquisadores do direito, e desde as 
investigações vão sendo redefinidos conceitos operacionais que são utilizados 
para definir e fundamentar a norma jurídica adequada do caso concreto.
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
4
Dessa maneira, vai sendo definida a cultura jurídica de um determinado 
grupo em um determinado tempo. Segundo Wolkmer (2007, p. 5), cultura 
jurídica pode ser definida como “representações padronizadas da (i)legalidade 
na produção das ideias, no comportamento prático e nas instituições de decisão 
judicial, transmitidas e internalizadas no âmbito de determinada formação social”. 
Portanto, o conjunto de normas e procedimentos, considerados justificáveis e 
apoiados ou não pela força instituída, vão padronizando condutas e construindo a 
concepção de direito. Pode-se compreender direito como fenômeno sociocultural 
produzido e reproduzido desde um contexto histórico.
Pode-se conceituar a História do Direito como parte da História geral 
que examina o Direito como fenômeno sociocultural, inserido num 
contexto fático, produzido dialeticamente pela interação humana 
através dos tempos, e materializado evolutivamente por fontes 
históricas, documentos jurídicos, agentes operantes e instituições 
legais reguladoras (WOLKMER, 2007, p. 5).
Vamos então percebendo que o campo do estudo da história do direito não 
é o da dogmática jurídica, que delimita conceitos desde concepções indiscutíveis 
e estáveis, mas um campo partilhado por outras disciplinas (teoria do direito, 
sociologia jurídica, antropologia jurídica, ciência política etc.) que permite 
compreender o contexto e as forças históricas, sociais, políticas, intelectuais, 
culturais etc., que definem as normas jurídicas vigentes.
NOTA
Há autores que diferenciam dogmática de zetética jurídica. Dogmática jurídica 
pode ser definida como campo de estudo acerca dos conceitos operacionais do direito 
(“verdades” preestabelecidas) usados para solucionar na prática controvérsias jurídicas, 
portanto, é um estudo limitado, a grosso modo, à norma positivada. A zetética jurídica 
problematiza os dogmas e verdades jurídicas, questionando as premissas que definem a 
dogmática. Nessa perspectiva, a história do direito estaria no campo da zetética, uma vez 
que não apenas problematiza a dogmática jurídica contemporânea, como busca reconstruir 
as ideias e práticas jurídicas em determinado contexto histórico.
Em síntese, o objetivo da história do direito é compreender a construção 
do direito atual, desde a articulação de fatores ao longo do tempo, reexaminando 
suas fontes de produção, as concepções, técnicas e instituições que o foram 
elaborando e legitimando. Assim, trata-se de um estudo essencialmente crítico 
que possibilita interpretar o direito desde a identificação dos valores consolidados 
e reproduzidos historicamente.
TÓPICO 1 | DIREITO E HISTÓRIA: APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA
5
Considerando História não como narrativa de acontecimentos, mas 
expressão de experiências humanas que definem mudanças estruturais coletivas 
que não tratam simplesmente de investigação sobre personagens individuais, 
como os “heróis” ou “personagens”, mas de como a trama da vida move os 
indivíduos comuns desde desejos, necessidades, valores e interesses a criarem 
aspirações coletivase romperem com estruturas e modelos dominantes. Trata-se, 
assim, de romper com o conceito de que História é uma mera narrativa de atos 
individuais, mas estudar História desde a possibilidade de mudanças do presente. 
É um ato de recusa de verdades absolutas e destinos imutáveis preestabelecidos, 
uma forma de adquirirmos a consciência das forças que nos levam coletivamente 
a agir desde as experiências vivenciadas.
FIGURA 2 – AS SUFRAGISTAS
FONTE: Disponível em: <http://www.50emais.com.br/37809/>. Acesso em: 20 nov. 2017.
DICAS
O filme “As Sufragistas” reproduz a luta das mulheres inglesas em 1912 pelo direito 
ao voto. Narra a vida política de Emmeline Pankhurst (1858/1928), nascida em Londres, que 
liderava o movimento com entusiasmo, usando desde a diplomacia até a violência. Depois 
de serem ignoradas pelo Parlamento inglês, as mulheres saíram pelas ruas em passeatas, 
quebravam o que achavam pela frente, tocavam fogo nas caixas do correio! O filme é uma 
lição de história! Deixa claro que os direitos são conquistados coletivamente!
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
6
2 OBJETIVOS E MÉTODO DO ESTUDO DA HISTÓRIA DO DIREITO
O estudo da história do direito é a possibilidade de descobrir um fascinante 
universo, descobrir caminhos que foram percorridos por distintas civilizações ao 
longo do tempo e foram encontrando no direito o instrumento necessário para 
continuarem a vida em comum. Sem dúvida, nossa formação acadêmica exige 
compreender o presente desvelando os valores e as práticas jurídicas consolidadas 
ao longo do tempo, ampliando, assim, nossa cultura jurídica, sendo o estudo 
histórico do direito um importante elemento para o saber formativo e distinto do 
conjunto de disciplinas dogmáticas que constituem o ensino jurídico. 
O importante historiador do Direito, António Manuel Hespanha, destaca 
que enquanto as disciplinas dogmáticas visam “criar as certezas acerca do direito 
vigente, a missão da história do direito é problematizar o pressuposto implícito 
e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias 
é o racional, o necessário, o definitivo” (HESPANHA, 2005, p. 21). A história do 
direito realiza sua função ao contribuir para a elaboração de uma perspectiva que 
compreenda o fenômeno do direito enquanto produto das relações e contextos 
sociais – econômicos, políticos etc. – localizados temporalmente, e assim é 
assegurada a formação crítica dos juristas.
Em que pese a disciplina de História do Direito estar presente nos 
cursos de Direito brasileiros em geral, talvez seja necessário ampliar sua função, 
sobretudo quando se tem em conta a necessidade de servir de instrumento de 
revisão das fontes legislativas e práticas das instituições jurídicas com vistas a 
alinhar o direito com as necessidades e condições sociais.
Em suma, a finalidade essencial da História do Direito é a interpretação 
crítico-dialética da formação e da evolução das fontes, ideias 
norteadoras, formas técnicas e instituições jurídicas, primando pela 
transformação presente do conteúdo legal instituído e buscando nova 
compreensão historicista do Direito num sentido social e humanizador 
(WOLKMER, 2007, p. 6). 
Estudar História do Direito desde uma perspectiva não linear – a que não 
concebe a história como acumulação progressiva de saber, mas como rupturas, 
avanços e retrocessos –, além da importância para a formação acadêmica, permite 
identificar forças e valores que vão conferindo legitimidade ao direito, e para tal 
tarefa é necessário estabelecer estratégias e caminhos metodológicos adequados. 
TÓPICO 1 | DIREITO E HISTÓRIA: APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA
7
NOTA
A concepção linear da história do direito compreende o presente como uma 
espécie de “celebração” do passado. O presente como única possibilidade inevitável do passado, 
de uma espécie de “padrão” universal de evolução. A “naturalização” e “sacralização” do presente 
é uma deformação histórica, pois o presente não é uma imposição do passado, mas o resultado 
de dinâmicas escolhas humanas. 
A “neutralização” da história constrói para os juristas uma lógica de direito abstrata e erudita 
sem preocupação com a finalidade maior do direito: a concretização de necessidades e 
proteção de bens humanos concretos.
Em que pese a longa tradição da historiografia formalista nas faculdades 
de Direito em fins da década de 60 e ao longo dos anos 70, foi sendo definido 
um novo marco metodológico desde a criticidade e revisão dos modelos teóricos 
consolidados. Trata-se da emergência de uma corrente mais questionadora dos 
historiadores, problematizando a ingenuidade intelectual e a forma através da 
qual compreendem a realidade desde modelos deformados meramente teóricos. 
Este movimento, denominado Nova história, teve como “força” propulsora 
alguns eventos, tais como a renovação do pensamento crítico – “nova teoria crítica” da 
Escola de Frankfurt –, que problematizou a neutralidade ideológica, demonstrando 
que toda atividade humana é sempre política; a metodologia inovadora da Escola 
Francesa dos “Annales” – que contribuiu no campo do estudo do direito para uma 
visão interdisciplinar e relacional da história, concebendo a história do direito como 
parte da história social. A emergência do pensamento crítico latino-americano com 
pensadores como Paulo Freire, Franz Hinkelammert, Enrique Dussel, Antonio 
Carlos Wolkmer, entre outros, que são considerados matrizes de internalização da 
criticidade na cultura jurídica, representando uma espécie de “via alternativa” mais 
próxima de nossa realidade. Muitos outros se somam para uma mutação radical 
da historiografia em geral e jurídica, em particular, definindo, assim, uma opção 
metodológica desmistificadora que inclui a complexidade e diversidade da vida 
social no processo de edificação histórica do direito. 
IMPORTANT
E
“Escola de Frankfurt” é uma corrente de pensamento que emerge no contexto 
político e histórico muito problemático. Em meio à ascensão do nazismo na Alemanha e ao 
stalinismo na Rússia, um grupo de intelectuais vinculados ao Instituto de Pesquisa Social da 
Universidade de Frankfurt, alinhados ao que foi se denominando Teoria Crítica, passa a produzir 
obras, pesquisas e análises sociais entre os anos 1920 a 1970 desde um marxismo heterodoxo. 
Para conhecer melhor sobre a Escola de Frankfurt e A Teoria Crítica, você pode consultar:
<http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-escola-frankfurt-introducao-historica.htm>.
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
8
NOTA
O nome Escola dos Annales refere-se a um grupo de historiadores liderados 
por Lucien Febvre e Marc Bloch, que se organizaram em torno do periódico francês Annales 
d'histoire économique et sociale (Anais de história econômica e social), no qual eram publicados 
seus principais trabalhos. O principal objetivo desses historiadores era a problematização do 
positivismo histórico dominante e o desenvolvimento de um tipo de História que levasse 
em consideração novas fontes para a pesquisa histórica, como a sociologia, a economia, 
a semiologia etc., considerando a história como a ciência do presente e não do passado, 
investigando as transformações e rupturas sociais ao longo do tempo.
A nova concepção das fontes, funções e concepções de Direito conduz 
à revisão crítica da análise e estudo do passado das instituições 
jurídicas e das práticas de controle, problematizando o modelo 
contemporâneo. Desde aí, o Direito Moderno é compreendido desde 
uma nova perspectiva que permite identificar os fatores e elementos 
políticos, sociais, econômicos e culturais subjacentes ao processo 
histórico desenvolvido entre os séculos XVI a XIX na Europa que 
acabou por definir a cultura jurídica dominante nos dias de hoje. 
Em síntese, o que atualmente se compreende por Direito é resultado do 
contexto histórico europeu moderno organizado desde a consolidaçãodo capitalismo liberal que foi definindo uma estrutura política e 
jurídica estatal centralizada, modelo este que, por conta da expansão 
colonizadora, foi colocado em marcha a partir do século XIV. 
O fundamento nuclear do Direito Moderno é o individualismo liberal, 
expressão maior do valor moral da sociedade burguesa emergente, que 
coloca o homem como ser individual autônomo e formalmente livre. 
Nessa dinâmica histórica, a ordem jurídica é instrumentalizada 
como estatuto de uma sociedade que proclama a vontade individual, 
priorizando formalmente a liberdade e a igualdade de seus atores 
sociais (WOLKMER, 2007, p. 30). 
ESTUDOS FU
TUROS
Como adiante será melhor estudado, “Modernidade” é definida como um modelo 
civilizatório construído desde a Europa entre os séculos XIV a XIX, que veio a substituir o 
modo de vida medieval. Tem como características o predomínio de concepções políticas e 
jurídicas liberais individualistas.
Considerando a história do direito como campo de estudo que tem 
como objetivo a compreensão do presente a partir da revisão crítica do passado, 
evidencia-se a finalidade maior de nossos estudos: rever historicamente as 
experiências do direito com vistas a adquirir uma consciência do Direito Moderno 
mais humanizadora e libertária. 
9
Neste tópico, você aprendeu que:
• Direito é um produto histórico e social.
• Apenas é possível compreender os fundamentos, valores e finalidades das 
normas jurídicas se houver uma contextualização histórica.
• O que atualmente identificamos como direito é produto do processo histórico 
da modernidade, desenvolvido a partir dos séculos XVIII e XIV no mundo 
europeu e que acabou por tornar-se um modelo dominante.
• A análise e discussão histórica acerca do direito possibilita uma revisão crítica 
e humanizadora do direito. 
RESUMO DO TÓPICO 1
10
1 Considere a seguinte afirmação: “Examinar e problematizar as relações entre 
a História e o Direito reveste-se hoje da maior importância, principalmente 
quando se tem em conta a percepção da normatividade extraída de um 
determinado contexto histórico definido como experiência pretérita que 
conscientiza e liberta o presente” (WOLKMER, Antonio Carlos. Paradigmas, 
historiografia crítica e direito moderno. In: Revista Fac. Direito, Curitiba, n. 
28, 1994/95, p.55-67).
Tendo como referência o estudo realizado, responda à seguinte questão: Qual a 
importância atual de problematizar a relação entre História e Direito?
AUTOATIVIDADE
11
TÓPICO 2
UBI SOCIETAS, IBI IUS?
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
O clássico estudioso do direito Jean Carbonnier (1908-2003) afirma que 
nós, juristas, sofremos de uma espécie muito peculiar de temor ou insegurança: o 
medo do vazio do direito. Para o referido autor:
Quando um intruso (da mesma espécie, o que merece ser destacado) se 
introduz na zona assim delimitada, desencadeia uma reação violenta no titular 
de um direito. Na profundeza obscura destes instintos – instintos separatistas, 
antigregários, que empurram o indivíduo a isolar-se da espécie e a rechaçar o 
contato com seus semelhantes – nós não vacilaríamos em buscar a raiz natural 
(natural é aqui animal) do direito subjetivo (CARBONNIER, 1974, p. 15).
NOTA
Ubi Societas, Ibi Ius – Onde há sociedade, há direito.
A concepção de Carbonnier é uma maneira de pensar que ajuda a enfrentar 
o temor, a insegurança, muito arraigada no meio acadêmico, que reafirma a crença 
de que o ser humano possui “naturalmente” laços políticos além do biológico, 
como se as duas dimensões da existência se confundissem. Uma crença herdada 
desde o pensamento grego, para a qual os romanos deram uma forma jurídica: 
ubi societas, ibi ius (onde há sociedade há direito), que se transformou em dogma, 
passado de geração em geração, até chegar aos dias de hoje, fazendo com que 
não sejamos capazes de conceber outra forma de conviver em sociedade sem o 
modelo de direito e Estado que conhecemos. 
Em outra vertente, muitos historiadores do direito não concebem o Direito 
como fenômeno natural, mas produto histórico e político, sendo suas diferentes 
formas de expressão resultante de relações humanas variáveis no tempo e espaço.
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
12
Pode-se afirmar que o direito é um artifício social que tem sua origem 
relacionada a formas de organização complexas quando os conflitos não são mais 
entre indivíduos isolados, mas sim de ordens estruturais que colocam em risco a 
própria comunidade em sua totalidade. Isso significa que o direito surge quando 
as normas de convivência são definidas pelos vínculos mais próximos, como os de 
parentesco, em que a ancestralidade comum, real ou fantasiosa, era o que definia 
as regras de convivência e regulamentações, vínculos legitimados por relatos 
míticos, representações metafóricas de práticas que foram se internalizando e 
sendo reproduzidas no grupo social.
 
Somente a partir da complexidade social é que se exige a cooperação mais 
numerosa para a realização de tarefas impossíveis para um número pequeno de 
indivíduos que já havia dominado a natureza. 
FIGURA 3 – “LINHA DO TEMPO” DA EVOLUÇÃO HUMANA 
Pré-História
Mesolítico
10 mil
Paleolítico
Paleolítico Inferior Paleolítico Médio Paleolítico Superior
Neolítico Idade dos metais Civilização
6 mil 4 mil10 mil
40 mil150 mil4 milhões 160 mil
Mesolítico
• Pedra lascada e polida.
• Transformações 
climáticas.
• Primeiros sedentários.
• Transformação do 
alimento (cozinhar e 
fazer pães).
Revolução Neolítica: 
Descoberta da agricultura.
• Pedra polida.
• Sedentarismo.
• Formação das aldeias.
• Domesticação de animais.
• Comunismo primitivo: 
propriedade coletiva.
• Tecelagem e cerâmica.
• Patriarcado.
• Pintura: vida em sociedade.
Idade dos metais: cobre, 
bronze e ferro.
• Guerras entre aldeias.
• Surgimento da escravidão.
• Fim do comunismo primitivo.
• Divisão do trabalho: 
artesanato, agricultura e 
pecuária.
• Arte megalítica: Stonehenge.
• Revolução urbana: surgem as 
primeiras cidades (Jericó e 
Satal-ayuti)
Civilização
• Cidades 
desenvolvidas.
• Sociedade 
extratificada.
• Produção de 
excedentes.
• Comércio.
• Escrita.
• Formação 
do Estado: 
servidão 
coletiva e 
escravidão.
Paleolítico - características
• Nomadismo.
• Coletores.
• Caça e pesca.
• Matriarcado.
• Pintura representando a caça e a fertilidade. Homo sapiens idaltu (ancião)
•Possível antecessor do H.S.S.
•Descoberto na África em 2003
•Parentesco genético
Australopitecus
• (4 a 2,5 milhões).
• Boizei, Afarensis 
e Robustus.
• África.
• Bípede.
• Utiliza utensílios.
Homo habilis
• (2,5 a 1,5 
milhões)
• África
• Produção de 
utensílios.
Homo erectus
• (1,5 milhões a 300 mil)
• Pitecantropus,
 Sinantropus e Java.
• África, Ásia e Europa
• Domínio do fogo e 
uso de ferramentas 
desenvolvidas.
• Desenvolvimento da 
linguagem.
H. sapiens 
cromagnon
• (50 mil a ??)
• África, Ásia, 
Europa e Oceania.
• Utiliza o silex.
• Mais robusto e 
mais inteligente, 
talvez nosso 
ancestral.
H. sapiens sapiens
• (desde 120 mil até 
hoje)
• Todos continentes, 
inclusive a 
América.
• Arte e magia.
• Pintura rupestre = 
caça e fertilidade.
• Escultura = Vênus.
H. sapiens neaderthal
• (150 a 30mil)
• África, Ásia, Europa 
e Oceania.
• Mora em cavernas.
• Primeiras 
sepulturas.
• Pontas de lanças.
•	 Arco,	flecha	e	
anzóis.
FONTE: Disponível em: <http://turmadahistoria.blogspot.com.br/2011/08/linha-de-tempo-da-pre-
historia.html>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Como pode ser observado pela “linha do tempo” acima demonstrada, os 
humanos modernos (Homo sapiens) são os últimos sobreviventes de um longo 
processo de adaptação e luta pela sobrevivência. Seres frágeis (animais sem garra 
e de pouca velocidade), sem o mínimo de organizaçãoe uso de ferramentas, 
não são capazes nem de matar animais sedentários. O homem moderno trouxe 
consigo a proliferação de ferramentas que permitiu às comunidades humanas 
assentamento em colônias em cavernas e campos abertos, com sólidas casas feitas 
de pedras, estacas de madeira e ossos.
TÓPICO 2 | UBI SOCIETAS, IBI IUS?
13
Existem exemplares de ossos e marfins entalhados, serrados, moídos e polidos 
com destreza que datam de 33 mil anos atrás!!!
ATENCAO
2 OS PRIMEIROS NÚCLEOS HUMANOS
Desde estudos arqueológicos é possível afirmar que a última espécie 
humana sobrevivente desde o Paleolítico Superior – em torno de 9 mil anos – 
encontrou nas grandes planícies fluviais e nos sítios litorâneos o ambiente propício 
para o desenvolvimento da agricultura e domesticação de animais. Pouco a 
pouco, as relações sociais, unidas por complexas redes de parentesco, tornam-
se hierarquizadas e a realização de tarefas cotidianas, como irrigação, cultivo e 
colheita, vai dando lugar a formas de organização social com poderosos mecanismos 
unificadores de comportamentos, que se transformam em normas de controle. 
A partir do quarto milênio a.C. surgem no Oriente Próximo as primeiras 
civilizações: Mesopotâmia, Egito, Palestina, Fenícia e Persa. Estas ocuparam uma 
região que ficou conhecida como Crescente Fértil, limitada entre os rios Tigre, 
Eufrates e Nilo.
FIGURA 4 – CRESCENTE FÉRTIL: BERÇO DA CIVILIZAÇÃO
FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/geografia/crescente-fertil/>. 
Acesso em: 12 nov. 2017.
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
14
Além da estratégica passagem entre a África, Europa e Ásia, a região 
possuía uma rica biodiversidade e a presença de rios que forneciam abundância 
de água para irrigação, além de servir de meio de comunicação. 
UNI
Os estados que atualmente possuem terras localizadas no Crescente Fértil são: 
Iraque, Jordânia, Líbano, Síria, Egito, Israel e Palestina, além da parte sul da Turquia e da área 
mais ocidental do território do Irã.
A sofisticação técnica, como a astronomia para estabelecer um calendário 
preciso para controle da agricultura, matemática e hidráulica para as obras de 
irrigação e construção torna-se patrimônio intelectual importante para a sobrevivência 
do grupo, e concentra-se nas mãos de grupos ou castas privilegiadas (sacerdotais, 
guerreiras, reais...), que terão grupos subalternos, em não raras vezes conquistados 
pela força militar, encarregados da sobrevivência própria e dos “eminentes”. 
O avanço da agricultura permite a produção de excedentes econômicos 
permanentes, uma massa de trabalhadores subalternos produzindo e a dominação 
militar assistindo, no interior e entre os grupos, conflitos que deveriam ser 
neutralizados. A fim de conter ou mesmo neutralizar as forças desagregadoras 
que colocam em risco o modo de organização e dominação social, são definidas 
forças neutralizadoras, dentre as quais consta o direito. Entretanto, as formas de 
controle impostas não se originam somente pela violência física, mas pela aceitação 
da dominação por conta da supremacia cultural, pelo estágio organizativo e 
tecnológico materialmente mais avançado dos grupos dominantes. Assim, vão 
se institucionalizando os modos de poder, dando origem às distintas formas de 
ordem política e jurídica das antigas sociedades. O poder político e jurídico nas 
primeiras civilizações vai assumindo as seguintes funções:
• Garantir a submissão e trabalho compulsório dos grupos subalternos.
• Difundir a ideologia da aceitação obtendo consenso e interiorização das relações 
de poder.
• A manutenção do status quo dos grupos privilegiados. 
A ideologia de aceitação é fundamental para reduzir, ou mesmo invisibilizar, 
a violência coercitiva. Nesta etapa, as cosmogonias religiosas, os arquétipos, 
foram os meios mais eficientes para os grupos religiosos desempenharem a 
função neutralizadora. Seguramente, por esta razão o poder político e jurídico 
assume uma natureza sagrada, mediadora entre as divindades e os humanos. Na 
clássica obra “A Cidade Antiga”, Fustel de Coulanges demonstra que a origem 
do direito antigo está relacionada a rituais, crenças religiosas e tradições que se 
impunham acima da vontade dos homens, e os deuses estavam presentes na vida 
diária comandando a cidade. Diz Fustel:
TÓPICO 2 | UBI SOCIETAS, IBI IUS?
15
A religião, que exercia tão grande império sobre a vida interior da 
cidade, intervinha com igual autoridade em todas as relações que 
as cidades tinham entre si. É o que se pode ver observando como 
os homens daqueles tempos declaravam guerra, faziam as pazes e 
celebravam alianças. Duas cidades eram duas associações religiosas 
que não tinham os mesmos deuses. Quando estavam em guerra, não 
eram apenas os homens que combatiam; os deuses também tomavam 
parte na luta. E não se julgue que isso seja mera ficção poética. Houve 
entre os antigos uma crença muito arraigada e viva, em virtude da qual 
cada exército carregava consigo seus deuses. Estavam convencidos de 
que eles combatiam com os soldados, que os defendiam, e eram por 
eles protegidos (COULANGES, 2004, p. 181-182).
NOTA
Cosmogonia é especulação, idealização, sobre a origem do mundo constituída 
por narrativas mitológicas que se aproximam de religião. Os mitos, em geral, atribuem a 
divindades virtudes e poderes indiscutíveis. Mitos – da palavra grega mytus – são narrativas 
de múltiplas versões opostas ao real, mas mantidos vivos e perpetuados pelo grupo social.
DICAS
Obra “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Fustel%20de%20Coulanges-1.
pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Portanto, não é difícil compreender porque nos primórdios da humanidade 
a natureza religiosa das formas de controle acaba por definir como intérpretes 
das leis os sacerdotes. As manifestações do direito e as formas de sanção são 
marcadas por fortes ritualismos e atos simbólicos que acabam confundindo 
justiça com magia, e desde aí as práticas vão avançando de forma dinâmica até a 
identificação de direito com lei. 
Em síntese, dos costumes, do poder doméstico e da religião daqueles 
“primeiros tempos” foi se institucionalizando a sucessão hereditária das 
autoridades reais e fortalecendo o poder das cidades sobre as aldeias. 
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
16
O autor Gilissen (2001) indica que as principais características do direito 
dos povos sem escrita podem ser:
• A marca do direito dos povos antigos é a diversidade, uma vez que cada 
comunidade possuía seus costumes próprios e o isolamento.
• A transmissão das regras de convivência pela tradição oral.
• A forte relação de justiça com religiosidade. 
• Por não ser escrito, o direito antigo é bastante limitado quanto à abstração e 
generalidade, sendo, em geral, reproduções de casos concretos.
• Identificação de direito com moral e religião. 
• As fontes do direito relacionadas a costumes, práticas ancestrais, preceitos 
verbais etc.
17
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• O direito é um fenômeno cultural que surge na medida em que as relações 
humanas tornam-se mais complexas.
• Nos primórdios da civilização não há separação entre direito, religião e moral, 
uma vez que há uma mesma fonte de produção das normas de regulação social: 
o sobrenatural.
• Com diversidade é possível identificar elementos comuns entre as distintas 
formas de direito nos povos antigos.
18
Considere a figura abaixo:
AUTOATIVIDADE
FONTE: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/curiosidades/
as-primeiras-sociedades>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Com base na representação acima, quais os elementos que você pode considerar 
relacionados ao surgimento do direito e por quê?
19
TÓPICO 3
O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO 
(MESOPOTÂMIA, HEBREUSE EGITO)
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
A passagem das formas arcaicas de sociedade para as primeiras grandes 
civilizações está relacionada como o surgimento das cidades, a invenção e 
domínio da escrita, o advento do comércio e uso de moeda. 
Os documentos escritos mais antigos começam a aparecer em torno de 3000 
a.C. no Oriente Próximo, na Mesopotâmia e no Egito. Portanto, pouco a pouco a 
transmissão oral, que acabou por preservar a memória cultural e identidade dos 
povos antigos, adquire forma através da escrita. 
Um dos documentos jurídicos mais antigos escritos da humanidade é o 
Código de Ur-Nammu, criado por um rei sumério de mesmo nome, escrito em 
torno de 2050 a.C., “ano em que Ur-Nammu fez justiça na terra”, que incluía 
regras sobre impostos, procedimentos de tribunais e leis cerimoniais. Leis que 
se aplicavam somente a mulheres escravas e castigos cruéis, como ter o insolente 
a boca lavada com sal, aplicação de multas pecuniárias, embora limitadas e 
atualmente absurdas, foram importantes avanços para o estabelecimento de 
limites ao poder real. 
FIGURA 5 – FRAGMENTO DO CÓDIGO DE UR-NAMMU
FONTE: Disponível em: <https://hypescience.com/10-documentos-mais-antigos-
do-seu-tipo/>. Acesso em: 20 nov. 2017.
20
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Observe bem o tipo de escrita econtrada no código de Ur-Nammu. Trata-
se do que se chama escrita cuneiforme, em forma de cunha, criada pelos sumérios 
por volta do ano 3500 a.C. Juntamente com a escrita egípcia, os hieróglifos formam 
as mais antigas inscrições escritas em tabuletas de argila. 
NOTA
Escrita cuneiforme é o nome dado a certos tipos de escritas feitas com auxílio 
de cunhas. Inicialmente, eram marcas bastante simples, posteriormente se tornando mais 
abstratas e mais sofisticadas, graças ao trabalho dos antigos escribas. Ajustando a posição 
relativa da tabuleta ao estilete, o escriba poderia usar uma única ferramenta para fazer uma 
grande variedade de signos.
FIGURA 6 – ESCRITA CUNEIFORME 
FONTE: Disponível em: <http://universodahistoria.blogspot.com.
br/2010/07/escrita-cuneiforme.html>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Dos povos do Oriente Próximo destacam-se: 
• Egito: embora não tenham transmitido propriamente códigos, os egípcios 
legaram fontes indiretas nos textos sagrados e narrativas literárias e, ainda, foi 
a primeira civilização a transmitir um sistema de normas individualistas.
• Mesopotâmia: a região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates foi ocupada 
sucessivamente por distintos povos, como os sumérios, acadianos, hititas e 
assírios, que redigiram “códigos” com regras de direito bastante sofisticadas e 
com algum nível de abstração.
• Hebreus: povo antigo que legou nos Livros Sagrados preceitos jurídicos, 
posteriormente perpetuados pela Bíblia cristã. 
Brevemente, vamos a seguir destacar alguns aspectos dessas 
extraordinárias culturas antigas.
TÓPICO 3 | O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO)
21
2 O DIREITO DIVINO DOS EGÍPCIOS
A civilização egípcia foi uma das mais influentes na antiguidade. Ao 
longo do Vale do Rio Nilo, considerado por Heródoto (484 a.C.- 425 a.C.), o “pai 
da história”, como “dádiva dos deuses”, o Egito se edificou como extraordinário 
reino organizado em pequenas províncias – nomos – e governado pelo faraó, um 
deus vivo. Além de desenvolverem técnicas agrícolas eficazes, eram excelentes 
matemáticos, experientes na área da medicina, na astronomia e, sobretudo, 
legaram para a posteridade preciosas obras arquitetônicas e de engenharia.
Entretanto, o fato é que, apesar de toda essa grandiosidade e extraordinário 
legado no campo do direito, os egípcios foram mais tímidos quando consideramos 
seus “vizinhos” do Oriente Próximo, uma vez que o que se espera é que a condição 
de domínio cultural e político fosse acompanhada de sofisticação jurídica. 
Os poucos documentos propriamente jurídicos que restam, além da péssima 
conservação ao longo do tempo, dificultam a reconstrução e sistematização do direito 
egípcio antigo. Entretanto, resumidamente pode-se afirmar que a fonte principal 
do direito era a vontade do faraó, que contava com um grupo de “conselheiros” 
presidido pelo vizir, espécie de chanceler, que administravam um vasto e próspero 
império. Da “boca” do faraó era pronunciada o Maat (direito), símbolo da justiça. 
Ao que parece, os egípcios acreditavam em uma espécie de lei ou ordem universal 
eterna basilar do próprio poder, de natureza divina a qual o faraó tinha o dever de 
velar. Segundo o historiador de direito Jonh Gilissen (1995, p. 53): 
Maat é o objetivo a prosseguir pelos reis, ao sabor das circunstâncias. 
Tem por essência ser o equilíbrio, o ideal, a esse respeito, é por exemplo 
fazer que as duas partes saiam do tribunal satisfeitas. Como é neste 
preceito que reside a verdadeira justiça, Maat pode ser traduzido por 
Verdade e Ordem, como Justiça propriamente dita. 
FIGURA 7 – DEUSA MAAT 
FONTE: Disponível em: <http://arturjotaef-numancia.blogspot.com.br/2013/08/maat-deusa-
metis-dos-egipcios-por-artur.html>. Acesso em: 12 nov. 2017.
22
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
A Figura 7 é uma representação da deusa Maat. Observe que está com as 
asas abertas, pronta para voar, como a alma dos mortos e acompanhar a barca 
solar de seu irmão Rá. Esposa de Tot, possui na cabeça a pena da verdade, que 
pesava sobre todos no momento do julgamento do morto quando ela colocava sua 
pluma sobre um dos pratos da balança e no outro oposto o coração do falecido. 
Se os pratos ficassem em equilíbrio, a alma seguia sua viagem. Se o coração 
fosse mais pesado, era devolvido para Ammut (deusa do inferno, criatura parte 
hipopótamo, parte leão e parte crocodilo) para ser devorado. 
NOTA
Maat – termo de origem copta, que é um sistema de escrita originado no século 
IV a.C. no Egito – que expressa uma espécie de idealização filosófica de justiça relacionada 
com verdade e ordem, que deveria orientar as decisões dos governantes.
FIGURA 8 – A PENA DE MAAT É O CONTRAPESO PARA O CORAÇÃO DO MORTO
FONTE: Disponível em: <http://arturjotaef-numancia.blogspot.com.br/2013/08/
maat-deusa-metis-dos-egipcios-por-artur.htm>. Acesso em: 12 nov. 2017.
Há uma bela estória preservada por antigos papiros que serve como 
fonte de compreensão para a prática da justiça egípcia. Trata-se do “Conto do 
Camponês Eloquente”, datada de 2070 a.C., que mostra como as palavras sábias e 
justas convencem e encantam e que a indignação com a injustiça e com a maldade 
humana é própria da condição do homem ao longo da história. 
TÓPICO 3 | O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO)
23
IMPORTANT
E
“Conto do Camponês Eloquente” trata-se de um antigo conto que pode ser 
sintetizado da seguinte maneira:
O camponês andava pelo Egito, com seu jegue, vivendo de pequenos serviços que prestava nas 
fazendas, mas ao passar por uma certa propriedade, foi surpreendido pelo administrador local que, 
por maldade, queria tomar o animal do pobre homem. Para lograr êxito, o perverso homem jogou 
um longo tecido no chão, forçando o camponês a desviar o caminho e passar pela plantação, 
destruindo parte do que pertencia ao dono da fazenda. O administrador puniu o camponês, 
retendo seu animal e os poucos bens que o pobre possuía e o agrediu, certo de que sairia impune 
da injustiça que cometera. Inconformado, o camponês foi até a vila, onde vivia o proprietário da 
área; foi recebido e fez sua queixa. O proprietário encantou-se com os argumentos do camponês. 
Pelo prazer de ouvir tão bom orador, adiava a solução do caso para poder ouvir os belos e bons 
argumentos. Até que, por fim, o camponês recorreu ao faraó, que também encantado, ordenou 
que um escriba copiasse os argumentos do camponês bem-falante.
O caso permanecia aberto. Irritado, o camponês deixou a cidade, desesperadocom a injustiça 
que sofria, e o dono das terras ordenou que se capturasse o pobre homem. Para espanto do 
pobre homem, o proprietário-juiz atendeu sua súplica, ordenando a devolução do seu animal 
e dos bens sequestrados pelo injusto administrador. Determinou também que este último 
entregasse ao camponês tudo o que possuía. O administrador ficou pobre, como o camponês 
que um dia humilhou. Em recompensa, o camponês passou a administrar a propriedade.
Em geral, os historiadores costumam considerar que o povo egípcio era 
adepto de punições curiosas e cruéis, chegando a serem sádicas. A flagelação era 
adotada em muitos casos, assim como o uso de varas para arrancar confissões. 
Abandono à voracidade dos crocodilos, estrangulamento, decapitação, 
embalsamamento vivo e empalhamento eram formas de execuções. 
Muitos autores ressaltam importantes institutos jurídicos, como Família, 
considerada a célula social por excelência, era restrita ao pai, mãe e filhos menores 
que ganhavam emancipação após certa idade; o Testamento, que permitia total 
liberdade de deixar a salvo a reserva hereditária dos filhos. Os bens móveis e 
imóveis eram passíveis de alienação, havendo comum prática de comércio, 
evidenciando atividade contratual frequente. 
Em síntese, a sociedade egípcia dominada pelas castas sacerdotais foi 
marcada por toda uma cultura desenvolvida a partir da profunda religiosidade 
dominada por um poder teocrático cuja obrigação era preservar o princípio de 
Maat. Suas crenças e cultos serviam de base para toda organização política e 
jurídica, bem como na literatura, arte, medicina e astronomia. 
24
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
FIGURA 9 – GRAVURA NA PAREDE DO TEMPLO: OFERENDA A MAAT
FONTE: Disponível em: <https://www.projuris.com.br/como-era-o-direito-no-
egito-antigo>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Nas paredes dos templos se poderia ver o faraó fazendo suas oferendas a 
Maat e aceitando suas dádivas. 
3 O DIREITO HEBRAICO: O SAGRADO ALICERCE DE UMA 
NAÇÃO
Chama-se direito hebraico (Mischpat Ibri) ao conjunto de regras dos antigos 
israelitas, povo de origem semita, marcado por sua natureza e origem divina. Desde 
o monoteísmo é uma lógica de direito que tem como núcleo a Torah (Pentateuco), 
composta por cinco livros sagrados: Gênesis (BereshitI), Êxodo (Shemot), Levítico 
(Va-yikra), Números (Ba-midbar) e Deuteronômio (Debarin). São no total 613 leis que 
compõem a Torah, sendo 365 preceitos negativos e 248 positivos. 
Segundo a tradição, Moisés é a figura-símbolo da nação israelita, escolhido 
por Deus para receber a revelação do Decálogo – dez mandamentos –, que acabou 
se tornando o grande princípio ético, jurídico e religioso desse povo e assumido 
pelo cristianismo.
TÓPICO 3 | O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO)
25
FIGURA 10 – MOISÉS COM AS LEIS – QUADRO DE REMBRANT 
(MUSEU DE BERLIM)
FONTE: Disponível em: <https://institutopoimenica.com/2012/09/17/
moiss-e-as-tbuas-da-lei-rembrandt/>. Acesso em: 12 nov. 2017.
Segundo as escrituras sagradas, todo fundamento de justiça é divino e 
somente em Deus ela é perfeita e absoluta. Tendo como referência principal o 
amor ao próximo e a caridade, o justo é aquele que dá o melhor de si para agir 
segundo as leis de Deus, ajudando no progresso da humanidade sem medir 
esforços para ajudar ao próximo. 
As leis hebraicas, assim como outros povos da antiguidade, de caráter 
civilista, diziam respeito a negócios entre particulares, ao uso do penhor como 
garantia de débito, não permitindo a exploração de seu próximo, razão pela 
qual alguns bens imprescindíveis para a sobrevivência eram impenhoráveis, não 
podendo ser cobrada dívida no ambiente doméstico para não humilhar a família.
“Se emprestares alguma coisa a teu próximo, não invadirás a casa para 
te garantires com algum penhor. Ficarás do lado de fora, e o homem a quem 
emprestaste, te trará fora o penhor” (Dt. 24:10-11). Na Torah estão os principais 
institutos jurídicos do povo hebreu, tais como:
• Família: de estrutura patriarcal, o pátrio poder era vitalício. As filhas 
poderiam ser vendidas como escravas e havia a previsão de servidão 
por dívida. A esposa poderia ser comprada e paga com moedas ou 
serviços, podendo ser a mulher repudiada, o que não ocorria com os 
homens, cuja punição apenas existia em caso de adultério praticado 
com mulher casada.
• Sucessão: as mulheres não tinham direito sucessório e apenas o 
primogênito tinha direito à herança.
• Penal: o conceito de crime e castigo era de natureza religiosa, tendo 
como pena comum a morte por apedrejamento. São considerados 
crimes graves os delitos contra a divindade – como idolatria e 
26
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
blasfêmia –, contra seu semelhante – lesões corporais, homicídio etc. 
–, delitos contra a propriedade – roubo, falsificações, furto; os contra 
a honestidade – adultério, sedução etc. –, e contra a honra – falso 
testemunho e calúnia. 
• Penas: desde penas corporais, como pena de morte e flagelação, até 
a excomunhão, além do uso da famosa pena de talião:
• Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por 
olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por 
queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe (Êx. 21.23-25).
 
Destaca-se que o direito talmúdico – doutrina, estudo e interpretação dos 
livros sagrados – ainda é pouco estudado em nosso meio acadêmico, o que, por sua 
complexidade, sem dúvida, constitui um imenso legado à modernidade, sobretudo 
pela sua inserção no cristianismo ocidental, como adiante será estudado. 
4 O CÓDIGO DE HAMURABI: UMA PRECIOSA HERANÇA 
DA MESOPOTÂMIA
A região da Mesopotâmia é a região do Oriente Próximo que legou 
importantes escritos com relatos dos povos que lá habitaram desde o IV milênio 
antes de nossa era. Os sumérios foram os primeiros habitantes a terem a preocupação 
de desenvolverem um sistema de escrita, e por esta razão é possível que eles 
tenham sido os criadores dos primeiros códigos. O Código de Ur-Nammu, datado 
de aproximadamente 2040, é importante documento histórico constituído de leis 
registradas em um maciço de pedra – estela, palavra de origem grega (stela), que 
significa “pedra erguida” –, em monolitos com esculturas e/ou textos em relevo. 
FIGURA 11 – A ESTELA DE UR-NAMMU
FONTE: Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/4461379
06816601475/>. Acesso em: 12 nov. 2017.
TÓPICO 3 | O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO)
27
Outros códigos foram encontrados na região, tais como as Leis de 
Eshnunna, datado de cerca de 1939 a.C., encontrado no sítio arqueológico de Tell 
Harmal. Bem como o Código de Lipit-Ishtar em língua suméria, com traços de 
escrita acádia, escrito por volta do ano 1860 a.C. Contudo, estudiosos chamam 
a atenção para o fato de que esses códigos, chamados de pré-hamurábicos, 
não formam propriamente um código no sentido moderno do termo, uma vez 
que as leis das cidades não eram tratadas em tais documentos. Além de que, 
a preocupação em sistematizar e organizar as leis em códigos é um fenômeno 
próprio da modernidade, como adiante veremos. 
De todos os antigos códigos da Mesopotâmia, sem dúvida, o mais 
destacado é o Código de Hamurabi, encontrado em 1902 pelo arqueólogo francês 
Jacques de Morgan no atual Irã e, atualmente, encontra-se no Museu do Louvre. 
Escrito em letras cuneiformes em um monólito de pedra, é certo que se trata de 
um conjunto de leis promulgadas pelo rei Hamurabi (1726 a.C. – 1686 a.C.), que 
governou a Babilônia transformando-a em um grandioso império. No preâmbulo 
do Código, com 282 artigos, se lê o seguinte texto: 
Quando o alto Anu, Rei de Anunaki e Bel, Senhor da Terra e dos céus, 
determinador dos destinos do mundo, entregou o governo de toda 
a humanidade a Marduc; quando foi pronunciado o alto nomeda 
Babilônia; quando ele a fez famosa no mundo e nela estabeleceu um 
duradouro reino cujos alicerces tinham a firmeza do céu e da terra, 
por esse tempo Anu e Bel me chamaram, a mim Hamurabi, o excelso 
príncipe, o adorador dos deuses, para implantar justiça na terra, para 
destruir os maus e o mal, para prevenir a opressão do fraco pelo forte, 
para iluminar o mundo e propiciar o bem-estar do povo. Hamurabi, 
governador escolhido por Bel, sou eu; eu o que trouxe a abundância 
à terra; o que fez obra completa para Nippur e Dirilu; o que deu vida 
à cidade de Uruk; supriu água com abundância aos seus habitantes; 
o que tornou bela a nossa cidade de Brasíppa; o que encelerou grãos 
para a poderosa Urash; o que ajudou o povo em tempo de necessidade; 
o que estabeleceu a segurança na Babilônia; o governador do povo, o 
vservo cujos feitos são agradáveis a Anuit.
A breve leitura nos permite compreender quem foi Hamurabi e suas 
virtudes como “executor da justiça”, “escolhido pelos deuses”, de “sabedoria 
incomparável” e tantos outros atributos que tornavam seu Código uma autêntica 
obra-prima para toda posteridade.
28
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
FIGURA 12 – CÓDIGO DE HAMURABI 
FONTE: Disponível em: <https://i.pinimg.com/564x/42/
a1/25/42a125cc95523e92bb0c0dbcd278dbb6.jpg>. Acesso em: 
12 nov. 2017.
Acima está o preâmbulo e a figura de Hamurabi diante do deus sumério 
Shamash recebendo o Código, representado por uma régua. A seguir estão 
dispostos os artigos que evidenciam institutos jurídicos, como contratos, vendas, 
arrendamentos, empréstimos a juros, adoção etc., sendo bastante conhecidas as 
penas punitivas aplicadas, que variavam de mutilações à morte na fogueira, por 
enforcamento e empalamento. De todos os artigos, o mais conhecido é o 196, 
que diz: “Se alguém vazou o olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o seu 
também”. Repete a famosa lei de Talião, que, como já vimos, era referência comum 
nos povos antigos para aplicação das penas. 
DICAS
Sugerimos a você conhecer melhor todos artigos do Código de Hamurabi, no site:
http://www.ebanataw.com.br/roberto/pericias/codigohamurabi.htm. Você irá se surpreender 
com a riqueza jurídica deste documento!
Em síntese, estudando brevemente os povos antigos, não é difícil perceber 
que, em diferentes momentos da história e sob distintas formas, vamos sempre 
encontrar um conjunto de normas que espelham os valores, a cultura, as relações 
de poder e o modo de vida da sociedade, e a esse instrumento magnificamente 
construído vamos chamar de Direito e Justiça, e em seu nome continuamos a 
marcha da história e edificamos nossas civilizações. 
29
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
• Os povos da Mesopotâmia elaboraram os primeiros códigos da humanidade de 
que se tem notícia.
• Os hebreus criaram seu direito com base em sua profunda fé e religiosidade e 
legaram, através do cristianismo, princípios jurídicos relevantes à sociedade 
contemporânea.
• Os egípcios, embora sem a mesma concepção de direito que os demais povos 
antigos, possuíam regras de conduta relacionadas com a crença na vida pós-morte.
30
1 Com base no estudo realizado, estabeleça uma relação entre o direito dos 
povos da Mesopotâmia, Egito e hebreus, destacando, no mínimo, dois 
aspectos convergentes e divergentes.
AUTOATIVIDADE
31
TÓPICO 4
O MUNDO GREGO ANTIGO
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
No mundo grego antigo, encontramos a semente das primeiras reflexões 
e indagações de natureza filosófica, política e jurídica a partir da qual floresceu 
o pensamento ocidental. Por exemplo, no campo da política, a cidade de 
Atenas legou ao mundo a ideia de democracia. Grandes pensadores tornaram-
se permanente fonte intelectual a todas as gerações que os seguiram. O modo 
de vida, a cultura helênica corporificada nas majestosas obras literárias e os 
princípios e valores éticos fazem do antigo mundo grego seguramente um dos 
berços da humanidade. O mundo grego antigo, universo helênico, não era uma 
unidade, mas sim um conjunto de pólis independentes. 
FIGURA 13 – GRÉCIA NO SÉCULO V a.C.
FONTE: Disponível em: <http://www-storia.blogspot.com.br/2014/05/as-grandes-
guerras-no-mundo-grego.html>. Acesso em: 12 nov. 2017.
32
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
A concepção de vida cosmopolita grega, a vida na pólis, desenvolveu-se 
lentamente a partir de um processo de sedentarização com a desagregação dos 
primitivos clãs. A origem no Período Micênico (1500-1100 a.C.) confunde-se com 
lendas e mitos que coincidem com a Idade do Bronze. Ao que se sabe, os antigos 
habitantes da região foram os aqueus, cários, jônios e dórios, provavelmente 
originários da Anatólia, com vínculos de parentesco que se espalharam após 
guerras locais. A geografia da região, caracterizada por montanhas e terras de 
pouca fertilidade e proximidade com o mar, fez com que esse povo se expandisse.
UNI
A península da Anatólia, “terra do hitita”, também conhecida como Ásia Menor, 
é banhada pelo mar Negro ao norte, o Mediterrâneo a oeste, o mar de Mármara a noroeste.
Pode-se sintetizar a evolução histórica grega da seguinte forma:
QUADRO 1 – PERÍODOS DA HISTÓRIA GREGA
Período pré-homérico
(1900-1100 a.C.)
Período inicial de desenvolvimento cretense e minoico. 
A sociedade grega como conhecemos ainda não havia surgido.
Período homérico 
(1100-700 a.C.)
Este período é descrito pelo poeta Homero, que narra em suas 
histórias “Ilíada” e “Odisseia” a etapa fundacional do povo grego, 
em que mito, deuses e semideuses conviviam entre os homens.
Período de obscuridade (1150-
800 a.C.)
Etapa sem a utilização da escrita, o que dificulta sua descrição 
histórica.
Período arcaico (800-500 a.C.) 
Consolida-se o conceito político de pólis, ao mesmo tempo em 
que é criado o alfabeto fonético e há o desenvolvimento urbano 
e econômico.
Período clássico (500-338 a.C.)
Auge do Império Grego, destacando as cidades-estados de 
Esparta e Atenas. Etapa marcada por dezenas de guerras 
internas (Guerra do Peloponeso) e externas (guerras médicas).
Período helenístico 
(338-146 a.C.)
Período marcado pela grande expansão macedônica, fazendo 
fundir-se a cultura grega com outras culturas orientais.
FONTE: A autora
Nas distintas pólis, mesmo nas grandes Atenas e Esparta, havia 
especificidades quanto aos modelos políticos que vigoraram em inúmeras 
ocasiões, são eles: 
• Tirania: Diferente do que entendemos hoje, a tirania caracterizava-se pela 
tomada do poder por um indivíduo nobre que elaborava leis e projetos políticos, 
alguns para diminuir as desigualdades sociais, como divisão igualitária da terra 
e perdão de dívidas.
• Democracia: Grande conceito político legado ao mundo ocidental que se exercia 
através da eleição de seus membros sorteados ou escolhidos entre os cidadãos.
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
33
• Aristocracia ou oligarquia: Nesse modelo, o cargo de magistrado era hereditário 
e predominava a decisão dos conselhos.
 
Ao longo da história grega floresceram como principais cidades:
• Atenas: Principal cidade com forte desenvolvimento econômico. Berço da 
democracia e da filosofia, foi fundada pelo Jônios, liderou a liga das cidades 
democráticas (liga de Delos).
• Esparta: Sua grande característica diz respeito à sua educação. Os meninos já 
eram treinados e educados com um único propósito: servir Esparta. Quando 
a criança completava sete anos de idade, a responsabilidade de orientá-lo não 
cabia mais aos seus pais e sim ao Estado espartano.
FIGURA 14 – MENINO TRANSFORMADO EM SOLDADO
FONTE: Disponível em: <http://kid-bentinho.blogspot.com.br/2013/12/9-razoes-
que-mostram-o-quao-dificil-era.html>. Acesso em: 12 nov. 2017.
DICAS
Neste site você encontra interessantes informações sobre o modo de vida 
espartano e quão difícil era viver naquela cidade enaquela época! Disponível em: <http://kid-
bentinho.blogspot.com.br/2013/12/9-razoes-que-mostram-o-quao-dificil-era.html>. Acesso 
em: 20 nov. 2017.
Em particular, os atenienses consideravam a vida pública, a vida na 
pólis, a forma mais perfeita de convivência humana que deveria ser aprimorada 
pelos homens. No período áureo da democracia (entre os anos 580 a 338 a.C.), os 
cidadãos, homens livres e iguais, deliberavam sobre seus destinos políticos. A 
concepção de cidadania grega é muito distinta da atual. Apenas eram cidadãos 
os nascidos em Atenas, homens e maiores de 20 anos, ficando excluídos os 
estrangeiros (metecos), as mulheres e a grande massa de escravos. 
Para os atenienses, o homem que não era político ou não se interessava 
pela política era um inútil. 
34
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Reunidos na Ágora, espécie de praça pública, deliberavam com entusiasmo 
sobre as grandes questões da pólis, desempenhando o mesmo papel que hoje é 
reservado aos Parlamentos de Estado. Esse era o sentido de democracia: o cidadão 
decidindo diretamente sobre seu destino. Porém, se compararmos aos dias atuais, o 
procedimento não era democrático, uma vez que poucos participavam e decidiam. 
Segundo os historiadores, Atenas, por volta do ano 480 a.C., contava com 30.000 
cidadãos (homens livres e adultos), 90.000 mulheres e crianças, e mais a grande 
massa de escravos e estrangeiros, somando um total de 150.000 habitantes. No 
auge dessa civilização, em 430 a.C., Atenas chegou a ter 250.000 habitantes, sendo 
40.000 cidadãos, 120.000 mulheres e crianças, 20.000 estrangeiros e 60.000 escravos.
FIGURA 15 – ÁGORA – SÍMBOLO DA DEMOCRACIA
FONTE: Disponível em: <http://obviousmag.org/filosofia_tecnologia_arte_e_pensamento/
autor/>. Acesso em: 8 jan. 2018.
Em Atenas, pelas constantes guerras e condições de saúde da época o 
índice de mortalidade era muito alto e, consequentemente, a longevidade era 
baixa. A cada 100 adultos com 20 anos, 70 viviam até 30, 25 até os 60 e somente 
7 vivam até os 80 anos. A mortalidade era maior entre as mulheres porque a 
gestação e parto eram de alto risco.
Os homens casavam-se, em geral, após o serviço militar, após os 30/40 
anos e as mulheres perto dos 20.
Os escravos trabalhavam ao lado de seus senhores na agricultura, no 
serviço doméstico e públicos, como burocratas, recebendo tratamento quase 
familiar, pouco se distinguindo dos homens livres, seja pela vestimenta, seja 
pela cultura ou modos. Os escravos eram prisioneiros de guerra e de pirataria, 
vendidos por mercadores estrangeiros, possivelmente capturados nas guerras. 
O que chama a atenção de muitos historiadores é que se tem poucas notícias de 
rebeliões de escravos, diferente de Roma, como veremos a seguir. 
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
35
Nas relações familiares se conhecia o divórcio recíproco, com iguais 
direitos para homens e mulheres. Praticavam de maneira legal o abandono de 
crianças. Diferenciavam-se na maneira de se vestir, tornando visível a diferença 
entre pobres e ricos, uma vez que as roupas tendiam a ser semelhantes para as 
mesmas classes sociais. Talvez por essa razão se considerava crime o furto de 
roupas no ginásio de esporte. 
A religiosidade grega era constituída por festivais, rituais, divertimentos, 
sacrifícios, oráculos etc. Era um tipo de religiosidade pouco dogmática e pouco 
doutrinária. Nos diz Finley (1998, p. 10) que:
O que falta – exceto entre raros pensadores isolados, sem influência 
sobre o povo, como por exemplo, Platão e Epicuro – era um conjunto 
de doutrinas sistematicamente formulado, um dogma ou um 
credo. Assim, podia também ocorrer blasfêmia ou sacrilégio – mau 
procedimento para com os deuses, o que lhes provocaria a ira, se não 
fosse punido – porém nem ortodoxia nem heresia. 
Toda religiosidade grega era inerente ao politeísmo, que foi aumentando 
pelo acréscimo ao longo dos séculos de seres sobrenaturais – deuses, semideuses, 
espíritos, demônios, heróis etc. – com “personalidades” peculiares. Não era 
possível conhecer a todos e muito menos descrevê-los. Somente na Teogonia de 
Hesíodo constam 350 nomes. 
NOTA
“Teogonia” é um termo que vem do grego “teo” (deus) e “gonia” (nascimento). 
Poema épico escrito provavelmente no século XIII a.C., possui 1.022 versos, estabelece uma 
ordem cronológica e hierárquica entre os deuses e demais entes mitológicos que faziam 
parte do imaginário grego da época. Trata-se de uma obra grandiosa, comparada às grandes 
narrativas de Homero.
FIGURA 16 – TEOGONIA
FONTE: Disponível em: <https://www.resumoescolar.com.br/historia/teogonia-
de-hesiodo/>. Acesso em: 15 nov. 2017.
36
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Cada comunidade cultuava suas divindades ou deuses protetores, para 
os quais havia cultos cívicos e cada família reconhecia a deusa Héstia, protetora 
do lar. Obedeciam aos oráculos e participavam das festividades promovidas pelo 
Estado ao ar livre. Faziam altares e muitos sacrifícios e nada se prendia a uma 
autoridade central. Não havia “igrejas”. Portanto, não havia seres humanos com 
missão divina. Nos diz Finley (1998, p. 13) que “a palavra grega hiereus (sacerdote) 
normalmente se refere a um celebrante leigo encarregado da administração do 
culto público”. Em Atenas, o mais importante celebrante era um Arconte, que 
recebia o nome de baliseus. Regras e procedimentos lhe eram impostos e ocupava 
o cargo por um curto período de tempo.
NOTA
“Arconte” eram os antigos magistrados, cargo reservado somente aos cidadãos 
e filhos da pólis.
Politicamente, inexistia uma autoridade grega central. As pólis 
surgiram no período helênico, que foi a fase áurea. Antes disso, o mundo era 
constituído por pequenas comunidades autônomas que se autodenominavam 
poleis. Ocasionalmente, faziam alianças entre si para guerrearem entre si ou 
comercializarem, mas nunca a ponto de impor seus costumes ou cultura. Portanto, 
não havia uma uniformidade ou unidade entre os gregos antigos. 
Entendem muitos historiadores que esta autonomia e ausência de 
autoridade central contribuía para a preservação do modo de pensar e ser do 
povo grego, porque não havia contradição entre o “império” e o “súdito”, o que 
não despertaria sentimento ou necessidade de resistência. 
Porém, foi a política – vida na pólis – que permitiu florescer a civilização grega 
a partir do século VIII a.C. Após o longo período chamado de homérico, porque nos 
é permitido conhecer através das narrativas épicas de Ilíada e Odisseia, a realeza 
entra em crise, cedendo espaço à aristocracia, que se apropria progressivamente 
das prerrogativas de poder. Nesta fase, o poder é repartido entre as elites, que o 
desmembram em três funções: militar – exercida pelo Polemarco; administrativa – 
exercida pelo Arconte e religiosa – exercida pelo Arconte Baliseus. 
Neste primeiro momento, o poder começa a sair das mãos da aristocracia 
(esfera privada) e vai sendo transferido para a ordem pública. Assim, o poder 
não é mais exercido por uma pessoa. O poder – arché – passa a ser uma função 
cujo exercício é escolhido por tempo determinado e começa a ser apropriado 
pelos que possuíam direito de cidadania. Ao longo da história de Atenas, 
principalmente entre os séculos VIII e IV a.C., há uma crescente expansão das 
prerrogativas políticas para os homens livres, que vai edificar o grande legado 
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
37
daquela civilização: a democracia, chamada como isonomia – igualdade perante 
a lei. Esse regime tornou-se complexo, caracterizado pela rotatividade de controle 
e exercício de poder, assegurando a maior participação possível. 
 
Esse regime teve como base as reformas políticas promovidas por Clístenes 
(509-508 a.C.), que democratizou os mecanismos de participação, csegundo os 
quais cada cidadão, em algum momento de sua vida, seria governante. Dessa 
maneira, rompiam-seas barreiras entre governantes e governados e os cidadãos 
tornam-se “senhores de seu destino”. 
É a partir dessas bases que vamos compreender o direito grego, porque é 
o direito que estará nas bases de sustentação desse regime. 
2 A CONCEPÇÃO DE DIREITO E JUSTIÇA GREGA 
É comum se dizer que os gregos, ao contrário dos romanos, na tradição 
jurídica pouco legaram ao Ocidente. Essa é uma meia verdade!
Primeiramente, a filosofia grega teve papel relevante para a edificação 
do pensamento jurídico moderno. Conforme o estudo da Filosofia do Direito, a 
concepção de lei como expressão da vontade de uma coletividade e como regulação 
da vida comum na cidade – na pólis – é que norteou a filosofia grega para pensar 
a ordenação do mundo a partir da racionalidade. Os sofistas, com seus debates 
filosóficos, contribuíram para se pensar sobre as grandes questões humanas, a 
liberdade e o sentido da justiça. Como se faz a lei? A quem elas servem e para 
que servem? Essas questões faziam com que os sofistas fossem malvistos. Talvez 
porque ensinavam o que todos deveriam saber: o bem e o direito à liberdade. 
Os debates filosóficos que se aprofundam e se reorientam com Sócrates, 
Platão e Aristóteles, que foram além do senso comum, contribuíram para a criação 
de um espaço público em que o discurso vai muito além do mito. Até então 
eram os poetas-videntes que recebiam das deusas, ligadas à memória (deusa 
Mnemosyne), uma iluminação, revelação sobrenatural, que dizia como os homens 
deveriam tomar suas decisões segundo a vontade dos deuses. Com os filósofos 
surge a política e a ideia de que os homens deveriam seguir as leis e a justiça 
segundo a vontade de cada um, expressa publicamente, que deveria convencer 
aos demais. O diálogo, a palavra partilhada, passa a conduzir a decisão racional. 
A política valoriza o humano, seu pensamento e capacidade de persuasão. 
A solidariedade cívica da vida na pólis exige regras universais e justas. 
Sobre o assunto, Lima Lopes (2012, p. 22) traz que:
38
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Talvez não seja por acaso que os estoicos no final do século IV a.C. 
e nos séculos seguintes completem mais um salto qualitativo na direção da 
universalidade. Se acima das solidariedades familiares é possível construir uma 
solidariedade cívica, então é possível que haja uma solidariedade ainda mais 
universal, cosmopolita. Num mundo construído pelo império helenístico e depois 
pelo império romano, num Mediterrâneo totalmente helenizado, os estoicos vão 
pregar uma cidadania universal, um pertencimento ao gênero humano. E os 
juristas romanos serão, a seu tempo e a seu modo, influenciados pelas reflexões 
estoicas, para falarem de ius gentium.
Lima Lopes (2012) ainda nos esclarece muito bem como os debates 
filosóficos acerca da pólis vão edificando uma civilização que será vista pelos 
estrangeiros e por si mesmos como um modelo. 
Compreender o direito e a justiça grega é compreender o próprio modo 
de vida na cidade como resultado da superação dos antigos vínculos familiares, 
portanto, deve-se estudar o direito grego desde a consolidação da política e da 
filosofia, uma vez que as leis e seus fundamentos brotam das relações entre os 
cidadãos unidos pelo sentimento de justiça.
Porém, estudar direito grego exige do pesquisador um grande esforço, 
uma vez que há precariedade de suas fontes, mas quais são as fontes do direito 
grego? Para o historiador Gilissen (1995, p. 11), são cinco as fontes do direito:
• As epopeias de Homero (Ilíada e Odisseia).
• Os discursos e obras literárias e filosóficas.
• As inscrições jurídicas encontradas nas obras arquitetônicas. 
• Os fragmentos de leis.
DICAS
Pesquise sobre a famosa Biblioteca de Alexandria, que reuniu as maiores obras 
da antiga Grécia. Diziam que reunia os “livros de todos os povos da Terra”, chegando a reunir 
milhares de antigos pergaminhos e rolos de manuscritos. Diversas narrativas contam sobre sua 
destruição. Há um interessante filme que certamente você irá gostar: “Alexandria”. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6UURHhHiIc4>. Acesso em: 15 nov. 2017.
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
39
Por exemplo, na conhecida e clássica obra de Sófocles Antígona, escrita 
no século V a.C., Antígona era uma das filhas de Édipo, trágica figura masculina 
amaldiçoada pelos deuses por ter assassinado seu pai e, por engano, casado 
com sua mãe e ter assumido o trono do pai assassinado. Após a morte de Édipo, 
conta a estória, irrompe uma guerra civil e trava-se uma batalha nas portas da 
cidade de Tebas. Seus dois filhos comandam facções rivais e travam uma batalha 
e matam-se. O irmão de Édipo, Creonte, tio de Antígona, era então senhor da 
cidade e resolve transformar a morte de Policine, o irmão que havia lutado contra 
ele em escárnio, e determina que seu corpo permaneça insepulto. A morte seria 
decretada ao que contrariasse tal ordem.
FIGURA 17 – ANTÍGONA ENTERRA SEU IRMÃO
FONTE: Disponível em: <http://portfoliocursoevc.blogspot.com.
br/2013/04/video-aula-1-contexto-historico-dos.html>. Acesso em: 
15 nov. 2017.
Antígona, perturbada pela morte dos irmãos, mas não aceitando que 
um fosse sepultado com honras enquanto o outro servisse de comida para os 
abutres, decide contrariar o rei. Ela se sente motivada pelo dever normativo que 
transcende sua posição de súdita e, entre a obrigação imposta pelo rei e as leis 
divinas de sepultar seu irmão, dá ao corpo de Polinice um fim honroso. Quando 
descoberta, é levada diante do rei Creonte, que oferece a oportunidade de negar 
que tivesse conhecimento de sua lei, sua determinação, a fim de salvá-la do triste 
fim. De forma corajosa, Antígona nega a oferta do rei. Leia o belo diálogo: 
40
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Creonte: ô Antígona. Que parte da minha ordem “não pode enterrá-lo” você 
não entendeu? Vai dizer que não sabia?
Antígona: Estaria mentindo se dissesse que não conhecia a ordem. Como 
poderia ignorá-la? Ela era muito clara.
Creonte: Portanto, tu ousaste infringir a minha lei? Tá maluca?
Antígona: Descumpri mesmo. Quer saber por quê? Porque não foi Zeus que a 
proclamou! Não foi a Justiça, sentada junto aos deuses inferiores; 
não, essas não são as leis que os deuses tenham algum dia prescrito 
aos homens, e eu não imaginava que as tuas proibições fossem assaz 
poderosas para permitir a um mortal descumprir as outras leis, não 
escritas, inabaláveis, as leis divinas! Estas não datam nem de hoje nem 
de ontem, e ninguém sabe o dia em que foram promulgadas. Poderia 
eu, por temor de alguém, qualquer que ele fosse, expor-me à vingança 
de tais leis?
Esta magnífica obra nos traz muitas tensões, dentre as quais as “legais”, 
quais sejam:
• A exigência do Direito Natural frente ao Direito Positivo.
• A imperatividade da norma jurídica.
• O primitivo e incipiente exemplo de desobediência civil.
• O dever do indivíduo para com sua família versus seu dever para com o Estado.
• A subjetividade individual frente às regras objetivas do corpo social. 
O drama existencial de Antígona é muito pessoal e as regras do poder 
instituído não lhe davam respostas! Será que nos dias de hoje dariam? 
Antígona nos fala dos aspectos trágicos e contraditórios da existência 
humana, talvez sem solução.
A obra nos serve de início ao estudo do direito grego. Nos ensina que 
quando as instituições não oferecem possibilidade de debate e questionamentos, 
emergem ambiguidades e abusos de poder. 
As leis mais antigas que se conhece são as leis de Drácon, de 621 a.C. 
Colocam fim à solidariedade familiar e tornam obrigatório o recurso aos tribunais 
para os conflitos entre os clãs. Como já dito, o fim da solidariedade familiar cria as 
bases para uma solidariedade cívica, para além do círculo familiar.
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
41
FIGURA 18 – DRACO – LEGISLADOR GREGO
FONTE: Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/draco-o-primeiro-dos-draconianos/#>. Acesso em: 15 nov. 2017.
Conhecido pela severidade, lei draconiana passou a ser sinônimo de lei dura, 
o primeiro código de Atenas introduziu importantes conceitos do direito penal, tais 
como: a diferença entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa. 
Posteriormente, já entre os anos de 594 e 593 a.C., Sólon cria um novo 
código de leis, promovendo ampla reforma institucional, social e econômica. Na 
economia, além de incentivar a cultura de oliveiras e vinhas, bem como a exportação 
de azeite, atraindo muitos estrangeiros com a promessa de cidadania, obrigou 
os pais a ensinarem um ofício a seus filhos, sob pena de ficarem desobrigados 
a ampará-los na velhice. Criou o Tribunal da Heliaia, no qual qualquer pessoa 
poderia recorrer garantindo o princípio de que a lei está acima de qualquer 
magistrado. Esse Tribunal julgava tanto causas públicas como privadas, exceto os 
crimes de sangue. Seus membros eram os chamados heliastas e eram escolhidos 
por sorteios anuais entre os cidadãos. Juridicamente, Sólon instituiu a igualdade 
civil e suprimiu a propriedade coletiva dos clãs, além de acabar com servidão por 
dívida, estabeleceu institutos importantes como a adoção, testamento etc.
A democracia é uma criação de Sólon. Através de assembleias, os 
cidadãos tomavam a justiça em suas mãos e com isso promoviam o debate sobre 
a justiça e o ético. 
Nesse modelo, a retórica era parte essencial para o convencimento 
daquilo que cada cidadão defendia e acreditava. O objetivo era persuadir pela 
força dos argumentos.
Na prática da justiça ateniense não havia advogados, juízes, promotores 
públicos; apenas os litigantes, os adversários, se dirigiam aos membros do 
Tribunal. Pensar em prática de advocacia naquele tempo era impossível! Seria 
uma espécie de cumplicidade para enganar e/ou fraudar. Mesmo assim, havia 
os chamados “logógrafos”, que redigiam os discursos que a parte deveria fazer.
42
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Para evitar a corrupção na prática da justiça, os gregos criaram a “delação 
premiada”, mas acabou por existir a odiosa figura do falso delator, que recebia 
o nome de sicofanta, adjetivo pejorativo e desonroso, que significa caluniador e 
mentiroso interesseiro!
 Portanto, toda base do direito e da democracia ateniense era a soberania 
popular, que era expressa na voz de seus cidadãos, no exercício de suas funções 
públicas, no voto nos tribunais e na participação em assembleias e conselhos. 
Observe a figura a seguir: 
FIGURA 19 – ANTIGA ATENAS
ACROPOLIS
AGORA
Parthenon
Assembly
Mint South Stoa
Bouleuterion
Altar of the 12 Gods
Temple of Hephaistos
Law Court
Tholos
Strategeion
Fountain
House
Unfinished
Law Court
Panathenaic
Way
Stoa
of Zeus
Royal
Stoa
Painted
Stoa
ATENAS
Século V a.C.
FONTE: Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/atenas.
htm>. Acesso em: 15 nov. 2017.
A figura é uma representação da antiga Atenas. Veja que a Ágora – praça 
central da cidade – ocupa lugar de destaque. Aí ocorriam os grandes debates políticos. 
A arquitetura da época nos diz muito sobre como era o cotidiano da cidade. 
3 A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E JUDICIAL DE ATENAS
Como já dissemos, Atenas não somente era a mais importante cidade grega 
antiga. Também foi o berço da erudição, da filosofia, do conhecimento, um centro 
cosmopolita que alcançou grande desenvolvimento. Em suas ruas circulavam 
filósofos e artistas atraídos pela valorização da cultura de seus habitantes. 
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
43
FIGURA 20 – ORATÓRIA: TRIBUNAL GREGO
FONTE: Disponível em: <https://salmopresente.wordpress.com/2014/05/07/a-
teologia-dos-filosofos-gregos-e-a-teologia-crista/>. Acesso em: 15 nov. 2017.
Chamava a atenção a sofisticada organização judiciária em Atenas, que se 
tornou clássica no Ocidente. 
Em síntese, havia duas espécies de órgãos de jurisdição: para os crimes 
públicos e para casos menos importantes. Estes últimos eram feitos por um 
magistrado singular ou poderia ser pedido apelo para Assembleia propriamente 
(Heliastas), que funcionava em grupos. 
Para os crimes públicos:
• Assembleia do Povo: composta por senadores e magistrados populares que 
decidiam sobre crimes políticos graves. 
• Aerópago: o mais antigo e célebre Tribunal. Julgava crimes apenados com a morte.
• Tribunal dos Efetas: composto por 51 juízes escolhidos pelo Senado, julgava 
homicídios não premeditados.
• Tribunal da Heliaia: Assembleia que se reunia em praça pública julgando recursos. 
Evidente que a ausência de juristas profissionais e a confusão de leis 
acabavam tornando os Tribunais espaços de debates políticos.
Nos tribunais apenas se provava o direito, segundo a lei ou o costume, 
além dos fatos. Também não havia uma execução judicial: o queixoso recebia 
o julgamento e se encarregava de executá-lo. Não havia polícia judiciária como 
entendemos nos dias de hoje.
Afinal, como funcionavam os tribunais?
44
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
O fundamento do regime democrático é a liberdade; (com efeito, 
costuma-se dizer que somente sob esse regime há liberdade, pois esse é o fim 
para o qual se destina a democracia). Uma das características da liberdade é 
ser governado e governar por turnos, pois a justiça democrática consiste em 
possuir todos o mesmo numericamente, e não segundo os seus merecimentos; 
e isto é justo, forçosamente há de ser soberana a multidão, e o que esta aprovar, 
por maioria, será justo [...] Outra característica é viver como se quer, a qual 
resulta daquela liberdade. Esta é a segunda democracia: não ser governado 
por ninguém, se isto for possível, ou se governado por turnos [...] Sendo estes 
os fundamentos da democracia, são procedimentos democráticos os seguintes: 
todas as magistraturas devem ser eleitas entre todos; que todos mandem sobre 
cada um, e cada um a seu turno, sobre todos; que as magistraturas sejam 
providas por sorteio, ou, pelo menos, aquelas que não requeiram experiência 
ou habilidades especiais; que não se fundamentem na propriedade, ou na 
menor possível; que, em princípio, a mesma pessoa exerça duas vezes alguma 
magistratura; que as magistraturas sejam de curta duração [...] que a assembleia 
tenha soberania sobre todas as coisas [...] (Política, 8,2,1.317a e 1.317b) 
Como já dissemos, era indigno e imoral receber dinheiro pela defesa de 
alguém e, por essa razão, quando isso ocorria, era às escondidas! A ideia era a 
de que qualquer cidadão poderia se apresentar no tribunal perante juízes para 
receber uma resposta simples: sim ou não. 
Foi imenso o legado grego ao direito contemporâneo, tanto nos universais 
conceitos de justiça e democracia, como em algumas características essenciais de 
nosso direito, tais como:
• A mediação e arbitragem.
• A retórica e eloquência jurídica.
• A transferência de propriedade somente por contrato.
• O julgamento de um cidadão por seus pares, por cidadãos comuns. Prática 
essencial da democracia e inventada pelos atenienses.
• Publicidade dos atos processuais como procedimento democrático.
• Diferenciação entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa.
Os vestígios da clássica Atenas – esculturas, arquitetura, escritos etc. – são 
suficientes para nos mostrar o quão grandiosa foi aquela civilização. O “mundo 
grego” antigo foi portador de profundas mudanças na visão de humanidade, de 
vida coletiva e do ser humano sobre si mesmo. 
Por evidente que o modo de vida grego não era perfeito! Todavia, não 
eram mais selvagens ignorantes e escravos da força das circunstâncias.
O breve trecho transcrito da obra de Aristóteles, “Política”, é o melhor 
testemunho e atestado autorizado do que entendiam os gregos por democracia, 
justiça e liberdade, sem dúvida, essências da condição de humanidade:TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
45
4 O HELENISMO
“Helenismo” é o nome dado ao período compreendido entre a morte 
de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., e a anexação da península grega e ilhas 
por Roma em 146 a.C. Nesta etapa da história, há uma grande difusão da civilização 
grega numa vasta área: do Mediterrâneo oriental à Ásia Central. Representou a 
concretização do ideal de Alexandre: o de levar e difundir a cultura grega nos 
territórios que conquistava. Foi um período áureo para as ciências. Tempo que 
marcou a transição para o domínio e apogeu de Roma.
No século IV a.C., após os conflitos causados pela Guerra do Peloponeso, 
as pólis gregas sentem de perto o declínio de seu poder. Já não podendo mais 
garantir a autonomia de seus territórios, tornaram-se “presa fácil” para povos 
estrangeiros. Ao norte da Grécia, a civilização macedônica começava a empreender 
um projeto expansionista que, em pouco tempo, foi capaz de assegurar o controle 
sobre o mundo grego. A partir desse processo de dominação é que se iniciou o 
chamado Período Helenístico.
Em três séculos há um processo de transformação na vida dos povos 
conquistados. Hábitos são modificados e em especial há o ideal de estabelecer 
uma língua comum com a superação do ático puro antigo. Prosperam a filosofia, 
a arte, filosofia, arquitetura, medicina etc.
São erguidas grandes cidades e sofisticando-se as já existentes. 
Tessalônica, Corinto, Pérgamo, Éfeso, Rodes, entre outras, tornam-se as grandes 
capitais do mundo. 
FIGURA 21 – COLOSSO DE RODES
FONTE: Disponível em: <http://www.jornalissimo.com/curiosidades/423-10-
curiosidades-sobre-o-colosso-de-rodes>. Acesso em: 15 nov. 2017.
46
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
NOTA
Colosso de Rodes – uma das sete maravilhas do mundo antigo.
• Enorme estátua revestida a bronze representava Hélios, o deus grego do Sol. Hélio era 
adorado pela população da ilha situada no Mar Egeu, que o via como seu protetor.
• O colosso foi erguido para celebrar a vitória dos gregos contra os macedônios (o povo 
que habitava a antiga Macedônia, no norte da Grécia, cujo rei mais célebre foi Alexandre, o 
Grande), que tentaram invadir a ilha de Rodes em 305 a.C., liderados pelo rei Demétrio I.
• A construção do monumento seria iniciada menos de dez anos depois, em 294 a.C. Durante 
muitos anos, pensou-se que cada pé da estátua ficava de um lado da entrada do porto da 
ilha e que os barcos passavam por baixo, mas esta versão foi afastada mais tarde por estudos 
arqueológicos, que garantiram que a estátua se situava no cimo de uma colina.
• O custo do Colosso teria sido suportado pela venda do material de guerra abandonado 
pelos macedônios.
• A medida da estátua seria equivalente à de um prédio de dez andares - perto de trinta 
metros de altura. O seu peso é estimado em 70 toneladas.
• Calcula-se que tenham sido precisos doze anos para erguer o Colosso. Permaneceu em 
pé pouco mais do que 50 anos. Em 225 a.C. um violento tremor de terra fê-lo ruir. Mesmo 
em pedaços, o monumento continuou a atrair pessoas.
• O que restava do gigante ficou em Rodes até 654 d.C. Nesse ano, os árabes invadiram a ilha 
e venderam as ruínas em bronze.
• Até hoje, o Colosso de Rodes continua envolto em um enorme mistério. Há quem pense 
que se trata apenas de uma lenda contada pelo povo da ilha, que foi passando de geração 
em geração.
FONTE: Disponível em: <http://www.jornalissimo.com/curiosidades/423-10-curiosidades-
sobre-o-colosso-de-rodes>. Acesso em: 15 nov. 2017.
Alexandria passa a ser um grande centro cosmopolita de população 
heterogênea com tradicionais famílias egípcias. De uma aldeia de mercenários 
rudes, Alexandria se transforma em um grande centro de comércio e navegação. 
O esplendor de sua biblioteca atraía um sem-número de jovens, pesquisadores, 
estudiosos e educadores.
 O helenismo carrega em si um paradoxo: ao mesmo tempo em que se 
assiste à decadência das cidades-estados, o espírito que dali partiu se expande 
e se aprimora. Assim, o velho “mundo grego”, embora fragmentado e dividido 
pelos grandes generais e conquistadores que sucederam a Alexandre, sobrevive. 
No pensamento dos epicuristas e estoicos, supera-se a preocupação 
filosófica dos clássicos pensadores políticos gregos. Na época helênica, os 
propósitos da reflexão se dirigem à busca de regras universais capazes de conduzir 
os homens a uma nova concepção de mundo e de vida. Busca-se uma “âncora” 
filosófica para a vida espiritual. Qualquer pessoa minimamente culta deveria 
adotar atitudes fundadas no culto à amizade, amabilidade social, prudência, 
virtude e um modo inabalável e positivo de seguir a vida. 
TÓPICO 4 | O MUNDO GREGO ANTIGO
47
Epicuro de Salmos e Zenão ensinavam que é necessário nos afastarmos 
das paixões e buscar um ponto de equilíbrio para superar o desatino das emoções 
e o autocontrole excessivo: o justo está no meio! A serenidade do espírito, diziam, 
conduz a uma vida feliz.
Séculos depois, essas doutrinas renascem em Roma através de Cícero 
e Sêneca. 
 
No Ocidente, ao longo da história, nunca se deixou de admirar a 
extraordinária e complexa cultura grega. Para nós, juristas, o legado grego, 
mantido e aprimorado por Roma, é permanente fonte de compreensão de conceitos 
universais que se imortalizaram. Ainda nos dias de hoje, passados muitos séculos, 
estamos buscando o essencial e substancial na justiça, ética e direito. A história 
grega segue entre nós. No entender do pensador Finley (1998, p. 345): 
Quer tivessem uma visão original das coisas porque chegaram 
primeiro, quer fosse por acaso que, chegando primeiro, reagissem à 
vida com uma perspicácia sem paralelo, os gregos, de qualquer forma, 
mantiveram um brilho perene, como se o mundo fosse iluminado por 
aquela espécie de luminosidade das seis da manhã sobre o orvalho 
indelével na grama. A cultura dos gregos permanece entre nós, porque 
esse frescor puro torna-a nosso modelo como a própria juventude.
FIGURA 22 – ATENA: DEUSA DA SABEDORIA, PRUDÊNCIA, CAPACIDADE DE 
REFLEXÃO, PODER MENTAL, AMANTE DA BELEZA E DA PERFEIÇÃO
FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/mitologia-grega/
atena/>. Acesso em: 18 nov. 2017.
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RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:
• Os gregos antigos, particularmente os atenienses, foram os que romperam com 
o pensamento mítico.
• Os gregos elaboraram, desde uma cosmogonia, os grandes fundamentos éticos 
e filosóficos do direito ocidental.
• Embora com distinções entre as pólis gregas, a relação entre direito, política e 
cidadania é a essência do conceito de justiça naquela sociedade. 
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AUTOATIVIDADE
1 Considere a seguinte afirmação: A História do Direito grego antigo deve 
levar em consideração a variedade da Grécia, com suas diferentes pólis, e 
também um tempo histórico bem grande, que vai dos séculos XX a.C. a 
IV a.C. Devido a esses fatores, alguns historiadores do direito chegam a 
colocar em dúvida a possibilidade de se criar uma História do direito grego 
antigo, uma vez que se discute a unidade desse direito. Os historiadores do 
direito grego costumam adotar uma divisão temporal visando classificar o 
tipo de direito a que eles se referem, e para isso adotam marcos históricos. 
Assim, são possíveis diferentes classificações temporais da história grega, 
que servem também para delimitar o tipo de direito produzido. É possível 
encontrar uma divisão do direito utilizando as seguintes classificações 
segundo períodos: a) pré-homérico/micênico (XX-XIII a.C.), homérico (XII-
IX a.C.), arcaico (VIII-VII a.C.), clássico (VI-IV a.C.); b) jônico-dórico, ático, 
alexandrino e romano-cristão; c) arcaico, clássico, helenístico e romano. Ao 
se elaborar uma história do direito grego antigo é preciso que o historiador 
atente para cada época da sociedade à qual se refere, uma vez que o direito 
de cada uma delasé muito diferente.
FONTE: Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/11416.pdf>. 
Acesso em: 18 nov. 2017.
Com base no estudo do tópico e na afirmação acima, como você diferencia o 
direito pré-homérico do clássico na antiga Grécia?
50
51
TÓPICO 5
O LEGADO ROMANO
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
O legado grego e o helenismo se expandiram e se perpetuaram graças 
ao Império Romano a partir do século II a.C., quando Roma leva a cultura e 
civilização do Mediterrâneo oriental para o Norte e Oeste europeu. 
Roma foi uma das grandes, se não a maior, potência política da história. 
A expansão imperial para inúmeros poderosos reinos e cidades, como Cartago e 
Macedônia, além de prósperas cidades gregas derrotadas em guerra e que tiveram 
seus territórios anexados, fez de Roma, em 150 a.C., “senhora do Mediterrâneo”.
Para os povos conquistados da Europa Central e Ocidental, a expansão 
imperial romana trazia consigo, além da cultura, a dominação militar e econômica. 
Todos sucumbiam. As cidades gregas que se alastravam pelas costas do Mediterrâneo, 
as terras cartaginesas no norte da África e Ibéria ocidental, os territórios etruscos do 
Norte da Itália foram dominados. No auge da conquista, mesmo com disputas e 
crises políticas internas, os romanos se impunham aos “bárbaros”. 
O comércio era intenso. Os mercadores romanos levavam vinho e artigos 
diversos por um vasto território que alcançava o sul das ilhas britânicas, e traziam 
metais, peles, mel, lã, azeite etc. e comercializavam escravos. 
As conquistas eram movidas por ambição, pelas recompensas para os 
aliados e pelo ganho financeiro. Na época de Augusto (27 a.C. – 14 a.C.) a tarefa 
mais urgente era alimentar uma população de quase 1 milhão de pessoas que 
viviam em Roma. O domínio era visto como necessidade de sobrevivência. Para 
que os imperadores e senadores pudessem continuar no poder, distribuíam para 
o povo pão, vinho e os grandes espetáculos no Coliseu, pois sabiam que a fome e 
a falta de atenção voltada para a política trariam distúrbios indesejáveis. 
O grande filósofo e orador Marcus Tullius Cicero (106 a.C. - 43 a.C.) afirmava 
que Roma ia à guerra por seus mercadores, que muitas vezes eram os próprios 
membros do Senado, ou seja, decidiam sobre a guerra porque lucravam com ela.
52
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Roma legou uma imensa herança ao mundo e em particular ao direito 
ocidental. Entre rupturas e reinvenções, o direito romano sobreviveu quando 
redescoberto o Corpus Iuris Civili na Idade Média e renascido na doutrina jurídica 
do século XIX. Estudando as instituições e institutos romanos, vemos que existem 
mais diferenças que semelhanças. Foram cerca de 700 anos de legado! O direito 
romano, a partir de um conjunto de normas esparsas que regiam os conflitos 
dos antigos romanos, ao longo de mais de 12 séculos, foi sendo reelaborado e 
permanece nas instituições liberais dos Estados contemporâneos. 
José Cretela Júnior (1998, p. 9), grande estudioso do direito romano, chama 
atenção para os diferentes significados da expressão “direito romano”:
A expressão direito romano é empregada ainda para designar as 
regras jurídicas consubstanciadas no Corpus Juris Civilis, conjunto 
ordenado de leis e princípios reduzidos a um único corpo, sistemático, 
harmônico, mas formado de várias partes, planejado e levado a efeito 
no século VI de nossa era por ordem do imperador Justiniano, de 
Constantinopla, monumento jurídico da maior importância, que 
atravessou séculos e chegou até nossos dias.
A divisão do Império Romano em 395, após a morte de Teodósio, entre 
Império Romano do Ocidente e Oriente, e a posterior queda como resultado de 
uma soma de fatores, tais como o enfraquecimento militar, crise do escravismo 
e expansão bárbara, não foram suficientes para colocar fim à cultura e ao direito 
romano. O grande legado deve-se a Flavius Petrus Sabbatius Iustinianus (483 – 
565), conhecido como Justiniano I, imperador do Império Romano do Oriente. De 
origem humilde, foi nomeado cônsul por seu tio que o fez sucessor. De inteligência 
ímpar, tornou o Império Bizantino um esplendor. 
Seu grande mérito foi o de ter conservado, através do trabalho de 
compiladores, as obras dos jurisconsultos romanos. Mesmo após o fim de Roma, 
Justiniano, em 438, publica sua grande obra: Corpus Juris Civilis. O trabalho era 
composto por quatro partes distintas:
• Codex: leis imperiais.
• Digesto (Pandectas): compilação dos mais de 1.500 livros escritos pelos 
jurisconsultos, particularmente as obras de Ulpiano, Gaio, Papiniano, Paulo e 
Modestino, que elaboravam pareceres e conceitos jurídicos.
• Institutas: espécie de manual para ensino do direito.
• Novelas (Novallae): espécie de constituições imperiais feitas pelo próprio 
Justiniano depois da publicação do Codex. 
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
53
FIGURA 23 – CORPUS JURIS CIVILIS 
FONTE: Disponível em: <http://sala2epcd.blogspot.com.br/2014/10/
progressao-parcial_23.html>. Acesso em: 20 nov. 2017.
FIGURA 24 – JUSTINIANO
 FONTE: Disponível em: <http://sala2epcd.blogspot.com.
br/2014/10/progressao-parcial_23.html>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Embora a expressão Corpus Juris Civilis não tenha sido criada por Justiniano, 
mas possivelmente pelo romanista francês Denis Godefroid por volta do ano 1583, 
em geral, traduz todo o trabalho composto pelas Institutas, Pandectas, Digesta e Codex. 
Graças a esse enorme esforço é que o direito romano foi legado para a posteridade. 
54
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
2 A FORMAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA: A BASE DO DIREITO 
ROMANO
Costuma-se considerar a fundação de Roma a data de 21 de abril de 753 
a.C. Desde sua origem, sua formação social e política esteve ligada a vínculos 
entre as gentes. Gens era pequeno grupo com vínculos “de sangue”, supostamente 
reais, que se associavam em famílias, constituídas por comunidades reconhecidas 
pela subordinação a uma única autoridade: a do pater familias. 
DICAS
No site <www.tudosobreroma.com/lenda-romulo-remo> você encontra uma 
breve narrativa da lenda da fundação de Roma.
A figura abaixo reproduz a lendária estória! Pesquise sobre a lenda! Será enriquecedor!
FONTE: Disponível em: <www.tudosobreroma.com/lenda-
romulo-remo>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Ao longo de séculos o império enfrentou graves lutas sociais internas por 
conta de sua própria caracterização social. Os quirites ou patrícios, descendentes 
dos paters fundadores de Roma, constituíam a elite política, econômica e religiosa, 
detinham as terras produtivas. A plebe era a maioria, que poucos direitos possuía. 
Eram pequenos comerciantes, artesãos e trabalhadores livres. Clientes, apesar 
de serem livres, eram “presos” aos patrícios. Em geral, eram estrangeiros e 
refugiados pobres que recebiam apoio e ajuda financeira dos patrícios e em troca 
os serviam no trabalho e na guerra. Escravos, em sua maioria prisioneiros de 
guerra, eram vendidos como mercadorias (res – coisa). Faziam as tarefas mais 
pesadas e serviam também como trabalhadores domésticos. Com a expansão 
do império, o número de escravos aumentou a fim de manter a luxuosa vida 
ostentada pelos patrícios. Libertos eram ex-escravos colocados em liberdade, 
jogados à própria sorte pelos proprietários ou que compravam a liberdade. Em 
geral, continuavam trabalhando para seus antigos proprietários. 
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
55
FIGURA 25 – ORDEM SOCIAL ROMANA: ESCRAVOS E SOLDADOS AO 
CENTRO, PATRÍCIOS À ESQUERDA E PLEBEUS À DIREITA 
FONTE: Disponível em: <http://pelotrilhodahistoria.blogspot.com.br/2012/05/
civilizacao-romana-formacao-do-imperio.html>. Acesso em: 22 nov. 2017.
O modo de produção romana, muito particular, também será causa de grandes 
confl itos. Inicialmente, em Roma havia duas formas de organização de território e, 
consequentemente, de uso eacesso à terra. A ager publicus, pertencente à comunidade 
ou coletividade; e a privada, que pertencia aos quirites. O pressuposto para ter terras 
era ser membro do patriciado. Na área pública se produzia comunitariamente e os 
produtos serviam de reserva para tempos de escassez, como riqueza do império, 
para manter os sacerdotes e as guerras, mas o patriciado começou a arrendar suas 
terras para os plebeus e usar os escravos para obter produtos, constituindo o que 
atualmente chamaríamos um processo de privatização. A expansão imperial garantia 
o cativo de escravos e a tensão social ia sendo contornada.
Seguramente, a guerra desempenhava um papel fundamental: os plebeus 
foram conquistando relevância nas unidades de combate ao mesmo tempo que 
eram garantidos os espólios dos conquistados. 
As lutas sociais em Roma entre patrícios e plebeus alimentaram a luta 
pelo direito. A mais célebre foi entre os anos 494 e 495 a.C., quando a revolta da 
plebe fez a cidade mergulhar no caos. Os plebeus abandonam a cidade e sem 
eles Roma não se mantinha. Desesperados, os patrícios enviam um emissário 
para negociar o retorno dos plebeus, que exigem um representante no Senado – 
o Tribuno da Plebe – com total imunidade física e parlamentar. Até que no ano 
461 é promulgada a célebre Lei das XII Tábuas que, segundo acreditavam, daria 
limites aos patrícios. Esse documento jurídico constitui um marco da história do 
direito e reúne de forma sistemática as práticas jurídicas da época. Como veremos 
a seguir, contém defi nições sobre direito privado, família e rituais para práticas 
negociais. O documento original foi perdido quando os gauleses invadiram Roma 
em 390 a.C. A Lei das XII Tábuas, primeiro documento jurídico escrito em Roma, 
recebe esse nome porque foram gravadas em placas de bronze ou madeira, não 
se sabe bem, e expostas no Fórum Romano para que todos pudessem conhecer. 
56
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
LEI DAS XII TÁBUAS
TÁBUA PRIMEIRA
Do chamamento a Juízo
1. Se alguém for chamado a Juízo, compareça.
2. Se não comparecer, aquele que o citou tome testemunhas e o prenda.
3. Se procurar enganar ou fugir, o que o citou poderá lançar mão sobre 
(segurar) o citado.
4. Se uma doença ou a velhice o impedir de andar, o que o citou lhe forneça 
um cavalo.
5 . Se não aceitá-lo, que forneça um carro, sem a obrigação de dá-lo coberto.
6. Se apresentar-se alguém para defender o citado, que este seja solto.
7. O rico será fiador do rico; para o pobre qualquer um poderá servir de fiador.
8. Se as partes entrarem em acordo em caminho, a causa estará encerrada.
9. Se não entrarem em acordo, que o pretor as ouça no comitium ou no forum e 
conheça da causa antes do meio-dia, ambas as partes presentes.
10. Depois do meio-dia, se apenas uma parte comparecer, o pretor decida a 
favor da que está presente.
11. O pôr-do-sol será o termo final da audiência.
TÁBUA SEGUNDA
Dos julgamentos e dos furtos
1. ... cauções ... subcauções ... a não ser que uma doença grave..., um voto ..., 
uma ausência a serviço da república, ou uma citação por parte de estrangeiro, 
deem margem ao impedimento; pois se o citado, o juiz ou o árbitro, sofrer 
qualquer desses impedimentos, que seja adiado o julgamento.
2. Aquele que não tiver testemunhas irá, por três dias de feira, para a porta da 
casa da parte contrária, anunciar a sua causa em altas vozes injuriosas, para 
que ela se defenda.
3 . Se alguém cometer furto à noite e for morto em flagrante, o que matou não 
será punido.
4. Se o furto ocorrer durante o dia e o ladrão for flagrado, que seja fustigado 
e entregue como escravo à vítima. Se for escravo, que seja fustigado e 
precipitado do alto da rocha Tarpeia.
5. Se ainda não atingiu a puberdade, que seja fustigado com varas a critério 
do pretor, e que indenize o dano.
6. Se o ladrão durante o dia se defender com arma, que a vítima peça socorro 
em altas vozes e se, depois disso, matar o ladrão, que fique impune.
7. Se, pela procura cum lance licioque, a coisa furtada for encontrada na casa de 
alguém, que seja punido como se fora um furto manifesto. 
8. Se alguém intentar ação por furto não manifesto, que o ladrão seja 
condenado no dobro.
9. Se alguém, sem razão, cortar árvores de outrem, que seja condenado a 
indenizar à razão de 25 asses por árvore cortada.
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
57
10. Se alguém se conformar (ou se acomodar, transigir) com um furto, que a 
ação seja considerada extinta.
11. A coisa furtada nunca poderá ser adquirida por usucapião.
TÁBUA TERCEIRA
Dos direitos de crédito
1. Se o depositário, de má-fé, praticar alguma falta com relação ao depósito, 
que seja condenado em dobro.
2. Se alguém colocar o seu dinheiro a juros superiores a um por cento ao ano, 
que seja condenado a devolver o quádruplo.
3. O estrangeiro jamais poderá adquirir bem algum por usucapião.
4. Aquele que confessar dívida perante o magistrado, ou for condenado, terá 
30 dias para pagar.
5. Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à 
presença do magistrado.
6. Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja 
levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso 
máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor.
7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o 
mantém preso dar-Ihe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério.
8. Se não houver conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, 
durante os quais será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se 
proclamará, em altas vozes, o valor da dívida.
9. Se não muitos os credores, será permitido, depois do terceiro dia de feira, 
dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, 
não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão 
vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.
TÁBUA QUARTA
Do pátrio poder e do casamento
1. É permitido ao pai matar o filho que nasceu disforme, mediante o 
julgamento de cinco vizinhos.
2. O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida 
e de morte e o poder de vendê-los.
3. Se o pai vender o filho três vezes, que esse filho não recaia mais sob o 
poder paterno.
4. Se um filho póstumo nascer até o décimo mês após a dissolução do 
matrimônio, que esse filho seja reputado legítimo.
TÁBUA QUINTA
Das heranças e tutelas
1. As disposições testamentárias de um pai de família sobre os seus bens, ou 
a tutela dos filhos, terão a força de lei.
58
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
2. Se o pai de família morrer intestado, não deixando herdeiro seu 
(necessário), que o agnado mais próximo seja o herdeiro.
3. Se não houver agnados, que a herança seja entregue aos gentis.
4. Se um liberto morrer intestado, sem deixar herdeiros seus, mas o patrono 
ou os filhos do patrono a ele sobreviverem, que a sucessão desse liberto se 
transfira ao parente mais próximo da família do patrono.
5. Que as dívidas ativas e passivas sejam divididas entre os herdeiros, 
segundo o quinhão de cada um.
6. Quanto aos demais bens da sucessão indivisa, os herdeiros poderão partilhá-
los, se assim o desejarem; para esse fim o pretor poderá indicar três árbitros.
7. Se o pai de família morrer sem deixar testamento, indicando um herdeiro 
seu impúbere, que o agnado mais próximo seja o seu tutor.
8. Se alguém tornar-se louco ou pródigo e não tiver tutor, que a sua pessoa e seus 
bens sejam confiados à curatela dos agnados e, se não houver agnados, à dos gentis.
TÁBUA SEXTA
Do direito de propriedade e da posse
1 . Se alguém empenhar a sua coisa ou vender em presença de testemunhas, 
o que prometeu terá força de lei.
2. Se não cumprir o que prometeu, que seja condenado em dobro.
3. O escravo a quem for concedida a liberdade por testamento, sob a condição 
de pagar uma certa quantia, e que for vendido em seguida, tornar-se-álivre, 
se pagar a mesma quantia ao comprador.
4. A coisa vendida, embora entregue, só será adquirida pelo comprador 
depois de pago o preço.
5. As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as 
coisas móveis depois de um ano.
6. A mulher que residir durante um ano em casa de um homem, como se fora 
sua esposa, será adquirida por esse homem e cairá sob o seu poder, salvo se 
ausentar-se da casa por três noites.
7. Se uma coisa for litigiosa, que o pretor a entregue provisoriamente àquele 
que detiver a posse; mas se tratar-se da liberdade de um homem que está em 
escravidão, que o pretor lhe conceda a liberdade provisória.
8. Que a madeira utilizada para a construção de uma casa, ou para amparar 
a videira, não seja retirada só porque o proprietário reivindicar; mas aquele 
que utilizou a madeira que não lhe pertencia seja condenado a pagar o dobro 
do valor; e se a madeira for destacada da construção ou do vinhedo, que seja 
permitido ao proprietário reivindicá-la.
9. Se alguém quer repudiar a sua mulher, que apresente as razões desse repúdio.
TÁBUA SÉTIMA
Dos delitos
1. Se um quadrúpede causar qualquer dano, que o seu proprietário indenize 
o valor desse dano ou abandone o animal ao prejudicado.
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
59
2. Se alguém causar um dano premeditadamente, que o repare.
3. Aquele que fizer encantamentos contra a colheita de outrem; ou a colher 
furtivamente à noite antes de amadurecer ou a cortar depois de madura, será 
sacrificado a Ceres.
4. ....
5. Se o autor do dano for impúbere, que seja fustigado a critério do pretor e 
indenize o prejuízo em dobro.
6. Aquele que fizer pastar o seu rebanho em terreno alheio;
7. e o que intencionalmente incendiar uma casa ou um monte de trigo perto 
de uma casa, seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo.
8. Mas se assim agir por imprudência, que repare o dano; se não tiver 
recursos para isso, que seja punido menos severamente do que se tivesse 
agido intencionalmente.
9. Aquele que causar dano leve indenizará 25 asses.
10. Se alguém difamar outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado.
11. Se alguém ferir a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo.
12. Aquele que arrancar ou quebrar um osso a outrem deverá ser condenado 
a uma multa de 300 asses, se o ofendido for um homem livre; e de 150 asses, 
se o ofendido for um escravo.
13. Se o tutor administrar com dolo, que seja destituído como suspeito e com 
infâmia; se tiver causado algum prejuízo ao tutelado, que seja condenado a 
pagar o dobro ao fim da gestão.
14. Se um patrono causar dano a seu cliente, que seja 
declarado sacer (podendo ser morto como vítima devotada aos deuses).
15. Se alguém participar de um ato como testemunha ou desempenhar nesse 
ato as funções de libripende, e recusar dar o seu testemunho, que recaia sobre 
ele a infâmia e ninguém lhe sirva de testemunha.
16. Se alguém proferir um falso testemunho, que seja precipitado da rocha 
Tarpeia.
17. Se alguém matar um homem livre e empregar feitiçaria e veneno, que seja 
sacrificado com o último suplício.
18. Se alguém matar o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja 
colocado em um saco costurado e lançado ao rio.
TÁBUA OITAVA
Dos direitos prediais
1. A distância entre as construções vizinhas deverá ser de dois pés e meio.
2. Que os soldados (sócios) façam para si os regulamentos que entenderem, 
contanto que não prejudiquem o público.
3. A área de cinco pés deixada livre entre os campos limítrofes não poderá ser 
adquirida por usucapião.
4. Se surgirem divergências entre possuidores de campos vizinhos, que o 
pretor nomeie três árbitros para estabelecer os limites respectivos.
5. Lei incerta sobre limites.
6. ... Jardim ... ... ...
60
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
7. ... herdade ... ...
8. ... choupana ... ...
9. Se uma árvore se inclinar sobre o terreno alheio, que os seus galhos sejam 
podados à altura de mais de 15 pés.
10. Se caírem frutos sobre o terreno vizinho, o proprietário da árvore terá o 
direito de colher esses frutos.
11. Se a água da chuva retida ou dirigida por trabalho humano causar 
prejuízo ao vizinho, que o pretor nomeie cinco árbitros, e que esses exijam do 
dono da obra garantias contra o dano iminente.
12. Que o caminho em reta tenha oito pés de largura e o em curva tenha 
dezesseis.
13. Se aqueles que possuírem terrenos vizinhos a estradas não os cercarem, 
que seja permitido deixar pastar o rebanho à vontade. (Nesses terrenos).
TÁBUA NONA
Do direito público
1. Que não se estabeleçam privilégios em lei. (Ou que não se façam leis contra 
indivíduos).
2. Aqueles que forem presos por dívidas e as pagarem, gozarão dos mesmos 
direitos como se não tivessem sido presos; os povos que forem sempre fiéis e 
aqueles cuja defecção for apenas momentânea gozarão de igual direito.
3. Se um juiz ou um árbitro indicado pelo magistrado receber dinheiro para 
julgar a favor de uma das partes em prejuízo de outrem, que seja morto.
4. Que os comícios por centúrias sejam os únicos a decidir sobre o estado de 
uma cidade (vida, liberdade, cidadania, família).
5. Os questores de homicídio...
6. Se alguém promover em Roma assembleias noturnas, que seja morto.
7. Se alguém insuflar o inimigo contra a sua Pátria ou entregar um 
concidadão ao inimigo, que seja morto.
TÁBUA DÉClMA
Do direito sacro
1. ..... do juramento.
2. Não é permitido sepultar nem incinerar um homem morto na cidade.
3. Moderai as despesas com os funerais.
4. Fazei apenas o que é permitido.
5. Não deveis polir a madeira que vai servir à incineração.
6. Que o cadáver seja vestido com três roupas e o enterro se faça acompanhar 
de dez tocadores de instrumentos.
7. Que as mulheres não arranhem as faces nem soltem gritos imoderados.
8. Não retireis da pira os restos dos ossos de um morto, para lhe dar segundos 
funerais, a menos que tenha morrido na guerra ou em país estrangeiro.
9. Que os corpos dos escravos não sejam embalsamados e que seja abolido 
dos seus funerais o uso da bebida em torno do cadáver.
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
61
10. Que não se lancem licores sobre a pia de incineração nem sobre as cinzas 
do morto.
11. Que não se usem longas coroas nem turíbulos nos funerais.
12. Que aquele que mereceu uma coroa pelo próprio esforço ou a quem seus 
escravos ou seus cavalos fizeram sobressair nos jogos, traga a coroa como 
prova do seu valor, assim com os seus parentes, enquanto o cadáver está em 
casa e durante o cortejo.
13. Não é permitido fazer muitas exéquias nem muitos leitos fúnebres para o 
mesmo morto.
14. Não é permitido enterrar ouro com o cadáver; mas se seus dentes são 
presos com ouro, pode-se enterrar ou incinerar com esse ouro.
15. Não é permitido, sem o consentimento do proprietário, levantar uma pira 
ou cavar novo sepulcro, a menos de sessenta pés de distância da casa.
16. Que o vestíbulo de um túmulo jamais possa ser adquirido por usucapião, 
assim como o próprio túmulo.
TÁBUA DÉCIMA PRIMEIRA
1. Que a última vontade do povo tenha força de lei.
2. Não é permitido o casamento entre patrícios e plebeus.
3. ... Da declaração pública de novas consagrações.
TÁBUA DÉCIMA SEGUNDA
1 . ...... do penhor ......
2. Se alguém fizer consagrar uma coisa litigiosa, que pague o dobro do valor 
da coisa consagrada.
3. Se alguém obtiver de má-fé a posse provisória de uma coisa, que o pretor, 
para pôr fim ao litígio, nomeie três árbitros, que estes condenem o possuidor 
de má-fé a restituir o dobro dos frutos.
4. Se um escravo cometer um furto, ou causar algum dano, sabendo-o 
patrono, que seja obrigado esse patrono a entregar o escravo, como 
indenização, ao prejudicado.
FONTE: Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm>. Acesso em: 22 nov. 2017.
Além da lei das XII Tábuas, a Lex Licinia, de 357 a.C., foi feita para 
permitir o casamento entre patrícios e plebeus.Para as hostes ou peregrinos (os 
“estrangeiros”) eram concedidos alguns direitos – Ius gentium – que regulavam a 
convivência com os patrícios. Os não romanos constituíam uma gama imensa de 
indivíduos, desde as pessoas livres até os rendidos em guerras. 
Em síntese, Roma era um universo fragmentado e complexo que se 
expressa no direito. Como chama atenção Juan Ramón Capella (2002, p. 65-66):
62
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
O estatuto pessoal não coincidia exatamente com a riqueza: um cidadão 
romano pobre podia ter em uma província do Império privilégio 
de que careciam os ricos do lugar (Paulo de Tarso não deixou de 
invocá-los quando lhe detiveram as autoridades provinciais judias). A 
situação dos escravos era desesperada: muito poucos podiam esperar 
passar a serem livres – acaso a velhice, e isso se tratava de pessoas que 
houvessem prestado serviços especiais a seus donos –; a multidão de 
escravos que se rebelou com Espártaco foi integralmente exterminada 
depois da derrota militar (71 a.C.), única ocasião em que Roma realizou 
uma guerra de extermínio, claramente “exemplar”. 
 
A rebelião liderada por Espártaco, um valoroso combatente vencido em 
guerra que se tornou gladiador e revolucionário, colocou literalmente Roma em 
colapso. Chegou a reunir cerca de 90 mil combatentes e após muitas batalhas 
acabou morto em combate, enquanto outros seis mil sobreviventes foram 
crucificados na Via Ápia – caminho entre Roma e Cápua. 
NOTA
Espártaco: sobre o tema existem filmes clássicos e alguns sites interessantes, 
como o <https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/spartacus-o-homem-que-desafiou-
roma/>, acesse e confira.
Pode-se afirmar que, em linhas gerais, o antigo direito romano se 
caracterizava por ser:
• Parcialmente Plural: porque conviviam distintas fontes de regulação para os 
distintos indivíduos que habitavam ou circulavam no território romano.
• Formalista: desde sua origem os romanos exerciam rituais para dar efetividade 
e/ou legitimidade aos atos judiciais. 
• Parcialmente não estatal: havia regulações, normas válidas, que nasciam dos 
costumes e tradições dos povos submetidos ao poder imperial romano. Além 
disso, era permitido que fossem criados acordos ou pactos entre particulares. 
Portanto, o direito não nascia exatamente de uma autoridade, mas entre pactos 
e práticas existentes que foram se justificando.
• Tecnicista: ao longo do tempo, os pretores – magistrados que tratavam de 
questões jurídicas, divididos entre urbanos (questões jurídicas da cidade) e 
peregrinos (questões jurídicas em áreas rurais), exerciam o cargo por cinco anos 
– publicavam Éditos que expressavam princípios, regras e fórmulas processuais 
que utilizavam em suas decisões. Aos poucos os Éditos se transformaram em 
técnicas que se institucionalizavam através das práticas dos tribunais.
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
63
FIGURA 26 – SENADO ROMANO
FONTE: Disponível em: <http://www.laifi.com/laifi.php?id_laifi=5285&idC=
79256#>. Acesso em: 22 nov. 2017.
3 OS PERÍODOS POLÍTICOS E AS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS
Roma teve politicamente três períodos distintos e cada qual com 
características próprias de funcionamento. Observe a “linha do tempo” a seguir 
para se localizar melhor:
FIGURA 27 – LINHA DO TEMPO ROMA ANTIGA
MONARQUIA
REI E SENADO
REPÚBLICA
SENADO E
MAGISTRADOS
FIM DO
IMPÉRIO
IDADE MÉDIA
IMPÉRIO
IMPERADOR
753 a.C. 509 a.C. 27 a.C. 476 d.C
Linha do Tempo - Roma Antiga
FONTE: Disponível em: <https://historiaica.wordpress.com/2015/05/20/roma-antiga-linha-
do-tempo/>. Acesso em: 22 nov. 2017.
Realeza (da fundação de Roma até 509 a.C.)
Esta é a etapa que remonta ao antigo mito descrito por Virgílio no século 
I a.C. no poema épico Eneida, que relata a saga heroica do herói troiano Eneias, 
que, após escapar da guerra carregando seu velho pai nas costas e pelas mãos 
seu filho, assume a missão de fundar um nova Troia, que seria a gloriosa Roma. 
Lenda imortalizada na belíssima escultura do artista barroco italiano Lorenzo 
Bernini (1598-1680). 
64
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
FIGURA 28 – ENEIAS: OBRA DE BERNINI NO PIAZZALE DEL 
MUSEO BORGHESE
FONTE: Disponível em: <http://vinteum.com/esculturas-de-gian-
lorenzo-bernini/>. Acesso em: 22 nov. 2017.
A população que habitava em vici (aldeias) possuía em comum o idioma 
e se protegiam de ataques refugiando-se nas partes mais altas, uma vez que as 
aldeias eram cercadas por colinas arborizadas que eram ocupadas pelas grandes 
famílias patriarcais. 
A liderança era exercida por um rex (rei, chefe comum), geralmente um 
estrangeiro de origem etrusca. Com o enfraquecimento dos reis vai-se abrindo 
caminho para a República.
Nessa fase da história as características políticas e jurídicas dominantes 
eram: 
• Poder exercido pelo rei: o rex comandava diretamente o exército e ainda era o 
juiz e sacerdote supremo. A sucessão era por indicação do Senado.
• Senado: órgão político de natureza consultiva, portanto, subordinado ao rei. 
Era formado pelos chefes das gentes e tinha também a função de confirmar – dar 
validade – os comícios.
• Comícios: aconteciam nas cúrias, tipo de assembleias convocadas para rejeitar 
ou aceitar as propostas apresentadas.
• Fontes do Direito: essencialmente, a fonte do direito eram os costumes e 
posteriormente leis escritas.
• Jurisprudência: era o exercício de práticas sacerdotais feitas nos templos pelos 
pontífices. Consistiam em rituais com fórmulas mágicas que simbolizavam as 
futuras ações judiciais. 
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
65
FIGURA 29 – MAGISTRADOS ROMANOS
FONTE: Disponível em: <https://historia10.wordpress.com/2008/11/page/2/>. Acesso em: 
22 nov. 2017.
Embora atualmente saibamos que as mudanças de regime da realeza 
para a república ocorreram de forma paulatina, segundo a tradição, o início da 
república é marcado pela expulsão de Tarquínio, o Soberbo, em 510 a.C. 
No novo regime político, mais plural e participativo, o poder passa a ser 
exercido por dois magistrados, que através de eleições exerciam diretamente 
a administração da cidade e a jurisdição. O ingresso na magistratura era 
permitido, inicialmente, somente aos patrícios, mas a luta da plebe garante outras 
magistraturas através dos tribunos. 
Como já considerado, a pluralidade e diversidade de indivíduos 
pertencentes a categorias sociais e políticas em Roma acaba por gerar conflitos 
que serão dirimidos através da criação de leis, como a Lei Hortência em 287 a.C., 
determinando que as decisões aprovadas pelos plebeus no plebiscito tivessem a 
força de lei e fossem aplicadas a todos os cidadãos, inclusive aos patrícios.
 
A concentração de poder nas mãos dos patrícios, que acabava por reduzir 
os camponeses a escravos por dívidas e a apropriação de suas terras para uso 
comum, provocava guerras e rebeliões frequentes. Os assidui – pequenos 
proprietários de terras – eram reduzidos à condição de proletarii – cidadãos sem 
propriedade que se espalhavam pela cidade e que tinham a obrigação de se 
filiarem ao exército romano. Quando retornavam da guerra, os soldados eram 
dispensados sem nenhuma indenização , restando-lhes a proteção de seu general, 
e este foi o motivo da queda da república. Os generais, fortalecidos politicamente 
e com uma grande massa de fiéis servidores, facilmente assumem o poder. 
Nessa etapa as fontes do direito passam a ser: os costumes, a lei – lex rogatta 
(feita pelos magistrados que necessitava aprovação) e a lex data (promulgada 
pelos magistrados sem necessidade de aprovação); os éditos dos magistrados 
(perpetuum – éditos feitos para durar mais tempo); repentinum para situações não 
previstas, que foram proibidos em 67 a.C.; e a jurisprudência (consultas dadas 
pelos jurisconsultos). Definia-se jurisprudência como: 
República (510 a.C. a 27 a.C.)
66
UNIDADE 1 |HISTÓRIA E DIREITO
Iuris prudentia est diuinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque 
iniusti scientia (a jurisprudência é o conhecimento das coisas divinas e humanas, 
a ciência do justo e do injusto).
QUADRO 2 – LEGISLAÇÕES IMPERIAIS (EMANADAS EXCLUSIVAMENTE PELO IMPERADOR A 
PARTIR DE 13 a.C.) 
Éditos Ordens aplicáveis a todo império, com poucas exceções.
Decretos Julgamentos feitos pelo imperador ou seu conselho, que se tornavam precedentes.
Rescritos Respostas dadas pelo imperador ou seu conselho a uma consulta jurídica.
Instruções Pelo imperador eram dirigidas aos governadores das províncias e diziam respeito 
a questões administrativas e tributárias. 
FONTE: A autora
FIGURA 30 – ASSEMBLEIA DOS CIDADÃOS (COMÍCIOS): ÍCONE DA REPÚBLICA 
ROMANA
FONTE: Disponível em: <https://antoniocv.wordpress.com/2015/10/08/da-
monarquia-a-republica-romana/>. Acesso em: 22 nov. 2017.
Tipos de Assembleias:
• Curial: por local de origem/residência.
• Centurial: formada pelos cidadãos, conforme sua riqueza ou cargo no exército.
• Tribal: composta pelos plebeus. 
Na fase da República há uma sofisticação dos procedimentos judiciais. O 
início da demanda judicial se dava com o pedido da parte interessada perante 
o pretor. Era a própria parte quem deveria fazer com que seu adversário 
comparecesse e então, publicamente, era feita a formulação de sua pretensão.
Esta primeira fase era in Iuri – perante o pretor – que organizava o pedido 
real em judicial. O in iudicium era o formulado judicialmente. As fórmulas eram 
as defesas dos interesses previstas pelos antigos costumes ou direito criado pelos 
antigos pretores.
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
67
Observe que até esta fase da história não existem juristas de profissão!
ATENCAO
A função de magistrado ou árbitro era exercida pelos próprios cidadãos 
e muitos procuravam escapar, mas considerada honrosa e digna dos cidadãos 
superiores.
Com a evolução e sofisticação do direito cria-se o processo formular a 
partir do século II a.C., quando foram introduzidas modificações. O pretor 
passa a cuidar diretamente da primeira fase do processo entre os particulares, 
verificando o interesse de cada uma das partes, e remete ao juiz que verifica a 
procedência do pedido e tomava uma decisão. Os pretores possuíam o poder de 
imperium (poder amplo).
 
As fórmulas eram pequenos resumos da lide e que trouxeram grandes 
avanços na concepção de direito, que foi legado à modernidade. Veja no quadro a 
seguir as distintas formas de magistraturas e suas características: 
QUADRO 3 – AS MAGISTRATURAS
MAGISTRADOS
DURAÇÃO 
DO 
MANDATO
IDADE 
MÍNIMA
ATRIBUIÇÕES
PODERES
Imperium – poder de 
soberania
Potestas – poder de 
representar o provo romano
Jurisdictium – poder de 
administrar a justiça
Cônsules 1 ano 43 anos
Chefia do Governo e 
do exército
Imperium Potestas
Pretores 1 ano 40 anos Aplicação da Justiça
Imperium Potestas/
Judisdictium
Eds 1 ano 37 anos
Fiscalização dos 
mercados, conservação 
dos edifícios e ruas e 
organização dos jogos
Potestas
Questores 1 ano 31 anos Gestão das finanças Potestas
Censores 18 meses 
Censo dos cidadãos e 
sua fortuna
Potestas
Tribuno da Plebe 1 ano
Defesa dos direitos 
dos plebeus
Potestas
Ditador 6 meses 
Condução de uma 
guerra difícil e 
restauração da ordem
Imperium Potestas
FONTE: Disponível em: <https://historia10.wordpress.com/2008/11/page/2/>. Acesso em: 22 nov. 2017.
68
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
Principado – Império (27 a.C. – 284) 
Essa é a etapa pós-clássica do direito romano, quando já se inicia o declínio 
do Império Romano.
A passagem da República para o Império se faz de forma progressiva. 
Com a crise política e econômica provocada pela dificuldade de manutenção do 
vasto império e pela má administração, o poder vai se concentrando nas mãos 
dos generais. Uma séria crise política acaba colocando no poder Octávio, que 
centralizou o poder e recebeu do Senado o título de Augusto, é proclamado 
Imperator (general vitorioso). Essa foi a época de grande esplendor de Roma. Leia 
com atenção o breve texto sobre essa etapa da história: 
A expansão romana pela Itália (centro e sul) e a conquista da magna Grécia 
colocavam em perigo os interesses cartagineses no ocidente do Mediterrâneo e 
acabou desencadeando as Guerras Púnicas entre Roma e Cartago (264-246 a.C.). 
Vencedora, Roma estabeleceu seu domínio sobre o Mediterrâneo ocidental, 
abrindo caminho para a conquista dos reinos helenísticos (Macedônia, Síria e 
Egito) e o avanço sobre o Mediterrâneo oriental.
As mudanças socioeconômicas ocorridas em Roma após a conquista 
do Mediterrâneo (Mare Nostrum) foram responsáveis pela crise da República, 
que geraram: a consolidação do sistema escravista de produção; a ruína dos 
pequenos agricultores e a concentração de terras em mãos da aristocracia e o 
surgimento de uma nova classe de grandes comerciantes, os “homens novos” 
ou cavaleiros. As lutas sociais que se seguiram assinalaram o declínio do 
regime republicano.
Os irmãos Tibério e Caio Graco foram sucessivamente eleitos tribunos 
da plebe e, entre 133-121 a.C., procuraram realizar reformas para solucionar 
a crise da República. Tais reformas buscavam realizar a distribuição de terras 
e a recomposição da classe camponesa, além de aumentar a participação 
dos cavaleiros na administração do Estado. Estas propostas esbarraram na 
resistência da aristocracia, chegando ao assassinato dos irmãos Graco.
O fracasso das reformas agravou a crise e abriu caminho para as 
ditaduras de Mário e Sila. Mário, “homem novo” apoiado pelo exército 
(profissionalizado e assalariado por ele), realizou reformas favorecendo os 
cavaleiros e as camadas populares (que entraram em massa para o exército).
O general Sila, aristocrata, restabeleceu privilégios de sua classe e a 
autoridade do Senado. Estas ditaduras, apoiadas no exército, permitiram a 
intervenção dos militares nos assuntos políticos, aprofundando a crise da 
monarquia.
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
69
A rebelião de Sertório, na Espanha em 78 a.C., a insurreição de Espártaco 
(liderando um exército de 50 mil escravos e plebeus sublevados entre 73 e 
71 a.C.) e a conjuração de Catilina que, em 66 a.C., pregava a anulação de 
dívidas, a proscrição da nobreza senatorial e a realização de reforma agrária, 
aceleraram o declínio da República.
Em uma aliança formada entre um representante da plebe (Júlio 
César), um general vencedor da revolta de Sertório (Pompeu) e um ex-cônsul 
enriquecido (Crasso), estabeleceu-se o triunvirato sob o qual ampliou-se o 
expansionismo romano (Gália e parte da Bretanha).
Com a morte de Crasso, instalou-se uma luta entre Pompeu e Júlio 
César, que, à frente de poderoso exército, obrigou Pompeu a fugir e instalou, 
em 49 a.C., um regime pessoal – a ditadura vitalícia.
O assassinato de César, através de uma conspiração do Senado, fez criar 
o segundo triunvirato, que, também vivendo lutas internas, levou ao poder 
Otávio, assinalando o fim da República e o nascimento do Império, em 31 a.C.
FONTE: Disponível em: <http://www.casadehistoria.com.br/conteudo/historia-antiga/
expansionismo-transicao-para-imperio-romano>. Acesso em: 22 nov. 2017. 
Por fim, com Dioclesiano, em 284, na tentativa de salvar o império, divide-o 
em duas partes: Ocidente com capital em Roma e Oriente com capital em Bizâncio. 
Durante quatro séculos se manteve a unificação imperial e, em 395, com Teodósio, há 
a definitiva divisão do império e a maior potência política e bélica da história chega 
ao fim. Inicia-se, desde aí, um processo de abandono paulatino das cidades e da 
própria cultura romana, dando início ao que estudaremos a seguir: A Idade Média. 
4 O LEGADO
Roma legou ao direito ocidental importantes institutos jurídicos, 
principalmente no direito privado,criado para proteger os interesses dos patrícios. 
Os conceitos jurídicos, a retórica e argumentação, bem como os institutos jurídicos 
constituíram uma herança imensa e rica. 
Embora sofrendo reinvenções de significados, destacam-se os seguintes 
institutos jurídicos romanos herdados à contemporaneidade:
• Família: De forma muito distinta da atual, a família romana era o grupo 
submetido ao poder do pater familias. 
ο O casamento tinha uma natureza social e jurídica. Era uma relação entre 
homem e mulher sustentado pelo affectio maritalis e tinha a finalidade de 
gerar descendentes.
70
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
DICAS
Busque a diferenciação desses conceitos no direito civil. Há bons dicionários 
jurídicos pela internet. Sugere-se: <https://dicionariojuridico.online/>.
Os romanos legaram os conceitos de Sucessão e Obrigações, que são 
institutos jurídicos para regular as relações civis, como você verá ao estudar 
Direito Civil Brasileiro. 
ο A mulher exercia papel social, mas estava vinculada ao marido por um poder 
chamado manus, espécie de poder doméstico que conhecemos como poder 
marital. O manus permitia ao homem castigar a mulher e repudiá-la. Com 
a Lei das XII Tábuas criou-se uma exceção: o casamento sine manus. Porém, 
quase que até recentemente na história, o casamento cum manus foi regra. 
ο Os romanos conheciam também o divórcio como instituto jurídico. O 
divórcio colocava fim ao casamento. Nos tempos mais antigos, o divórcio 
apenas existia na forma de repúdio, até que já na república poderia ocorrer 
por inciativa de qualquer um dos cônjuges.
• Direitos Reais: O termo “reais” deriva da palavra “res”, que significa “coisa”. 
Coisa é tudo aquilo que existe na natureza e pode ser incorporado ao patrimônio. 
Para os romanos havia coisas corporais, individuais e autônomas. 
Você notará ao estudar Direito Civil como esses conceitos são importantes!
Para os romanos havia três tipos de coisas: res divini iuris (propriedade 
dos deuses); res communes omnium (coisas comuns como água e ar) e res publicae 
(coisas de propriedade do Estado).
Ainda havia res mancipi (as que necessitam de ato solene para sua 
transmissão) e res nec mancipi, móveis, imóveis, divisíveis e indivisíveis etc.
Ainda faziam a distinção entre os institutos da posse e propriedade. Posse 
é derivada de uma condição jurídica, por exemplo, um contrato de arrendamento, 
era uma condição originada de um fato. Já a propriedade era um poder absoluto 
sobre a coisa, uma relação direta do proprietário com o bem. A propriedade 
derivava de um direito. Não se tratava de um poder ilimitado, sendo restrito ao 
interesse de vizinhança, por exemplo, a servidão, ou mesmo ao interesse público. 
Criaram os conceitos de servidão, usufruto e enfiteuse como formas de limitação 
do direito de propriedade. 
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
71
LEITURA COMPLEMENTAR
NOTAS PRELIMINARES DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA: 
POR UMA TEORIA DA HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL
 Gustavo Silveira Siqueira
Segundo António Manuel Hespanha, existem quatro modos principais 
de entender a História do Direito: História das “fontes do direito”, História da 
dogmática “jurídica”, “História das instituições” e a influenciada pela “escola dos 
Annales”, que aqui intitula-se História social. A “História das fontes” preocupa-se 
em estudar as normas jurídicas promulgadas por determinado Estado. A “História 
da dogmática” descreve as ideias dos doutrinadores, preocupando-se com o 
desenvolvimento dessas e dos sistemas “de conceitos utilizados pelos juristas para 
expor o Direito por eles considerados vigentes”. 
Preocupando-se com as leis positivas de determinado Estado, “história 
das fontes” é de fundamental importância para que o pesquisador do Direito 
possa conhecer as leis que regeram seu país em determinado período histórico, 
mas, por outro lado peca, ao se preocupar somente com elas. Não basta o mero 
conhecimento das normas jurídicas em determinado período, é necessário conhecer 
como a sociedade relacionava-se com essas normas. É necessário perceber a 
eficácia, a legitimidade e, em especial, os fundamentos políticos, jurídicos, sociais 
e econômicos que levaram à positivação daquelas regras.
A “História da dogmática” poderia tentar suprir essas lacunas, mas o 
estudo apenas de conceitos jurídicos em determinados momentos não resolve os 
mais graves problemas enfrentados pela “História das fontes”.
A “História da dogmática” pode ser uma história desconectada da realidade, 
ao se pautar apenas em grandes homens ou grandes pensadores que analisam os 
grandes feitos, e se esquecem dos “pequenos homens” e dos “pequenos feitos”. 
A grande falha é que esses modos de entender a História do Direito partem do 
princípio “de que o modo de ser da ordem jurídica está dependente da vontade do 
legislador ou das construções intelectuais dos juristas, pouco ou nada tendo que 
ver com os restantes aspectos da vida social”. Elas sonegam o “estudo social do 
direito”, sonegam os diversos fatores relacionados à norma jurídica: em especial, 
as causas e efeitos das normas jurídicas. As causas, os motivos, os fundamentos 
da positivação de determinada lei e os efeitos que essa lei surtiu. Especialmente 
no Brasil, que vive um constante descompasso entre a aplicação do Direito e sua 
positivação, assim como das “ideias jurídicas” e da realidade social, impõe-se o 
questionamento desses modelos.
A chamada História das instituições pretende identificar o Direito “não 
como um conjunto de normas alheias à realidade social concreta, mas antes com 
uma regulamentação da vida”, que “combinando-se e inter-relacionando-se com 
outros sistemas de valores (moral, etiqueta, religião) na função, comum a todos 
72
UNIDADE 1 | HISTÓRIA E DIREITO
eles, de resolver os conflitos sociais e de dar coesão ao todo social”. Nesse sentido, 
a História das instituições estuda o Direito relacionando-o com os fatos sociais, 
verifica como esse Direito é encarado pela sociedade e que se relaciona com outros 
sistemas normativos sociais.
História social pretende, basicamente, superar a História positivista, superar 
as barreiras entre diversos setores da História, com a finalidade de estabelecer uma 
História global e, em especial, encara “a História não como ciência do passado – 
como atividade intelectual que se esgota na erudição ou na busca do exotismo 
histórico –, mas como ciência do presente, na medida em que, em ligação com as 
ciências humanas, investiga as leis de organização e transformação das sociedades 
humanas”. Um estudo de História do Direito, que busca uma visão completa de 
determinado fenômeno jurídico, em determinado período social ou que tenta 
compreender normas que atravessam a História do direito, não pode deixar 
de perceber todas essas metodologias. Todas essas correntes, e outras, devem 
incomodar o pesquisador da História do direito, para que ele encontre essas visões 
não como barreiras, mas como metodologias a serem superadas. Uma História do 
Direito, conectada com a realidade brasileira, deve conhecer as leis, deve conhecer 
o pensamento jurídico de determinada época, mas deve também perceber como a 
sociedade se relacionava com essas normas jurídicas. Sem compreender isso, não é 
possível fazer uma História do Direito condizente com as características do Brasil. 
Se a intenção é entender como a História do Direito tem reflexos contemporâneos, 
é necessário entender quais foram os efeitos daquele direito, naquele tempo histórico. 
Não basta citar os artigos das Constituições, sem verificar seu compasso com a 
realidade, sua eficácia, sua legitimidade e o motivo da sua positivação.
Assim, a pesquisa da História do Direito torna-se uma pesquisa complexa, 
tão complexa quanto é a sociedade humana, mas, principalmente, torna-se uma 
pesquisa interdisciplinar. Só com a interdisciplinaridade é possívelfomentar uma 
pesquisa histórica consciente do direito. O abandono, em especial da sociologia 
e da antropologia, pode levar a uma História que não condiz com a realidade e 
pobre de subsídios, incapaz de ajudar a compreensão jurídica do presente.
Nesse patamar, em um país de contradição, desigualdade e descompasso das 
leis e constituições com a realidade, é fundamental a soma de todas essas metodologias 
para uma compreensão mais satisfatória da História e do Direito no Brasil, é uma 
necessária metodologia consciente, interdisciplinar, crítica, que possa melhor 
compreender a cultura jurídica brasileira. Uma cultura extremamente complexa, com 
diversas narrativas e tradições que sempre precisam ser “escovadas a contrapelo”, 
revisitadas. A percepção dos problemas patrimoniais, individualistas e patriarcalistas, 
que só serão conhecidos com uma visão plural, social da cultura jurídica.
FONTE: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza-CE nos 
dias 9, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em: <http://150.162.138.7/documents/
download/625;jsessionid=D241B462905014C6D8CD5CED097A2B6F>. Acesso em: 30 nov. 2017. 
TÓPICO 5 | O LEGADO ROMANO
73
DICAS
Há no site Youtube dois importantes documentários sobre qual o sentido do 
estudo da história:
A história do mundo em duas horas: <https://www.youtube.com/watch?v=gydKNvKQZgQ>;
Por que estudar história? <https://www.youtube.com/watch?v=cnUJWj_3Fo8>.
São bons documentários do canal History Chanel, você irá se maravilhar e se apaixonar pela história 
da humanidade, aprendendo sobre nossa capacidade de superação na luta pela sobrevivência.
74
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:
• O direito romano constituiu-se desde relações sociais, políticas e econômicas da 
antiga Roma.
• As profundas diferenças sociais entre patrícios e plebeus são as causas centrais 
da criação do chamado direito civil romano, que era o direito dos patrícios.
• Os romanos foram “gigantes” na construção dos principais conceitos do direito 
civil moderno. 
• Há de se compreender o direito romano desde as distintas etapas históricas e 
reinvenções pelas quais passou até chegar à modernidade. 
75
Considere o texto:
AUTOATIVIDADE
DIREITO ROMANO CLÁSSICO: SEUS INSTITUTOS E SEU LEGADO
Francisco Quintanilha Véras Neto 
 O sistema baseado no trabalho escravo caracterizou o Império 
Romano e suas etapas históricas. Os patrícios dominavam as classes inferiores, 
provocando uma desigualdade que refletiu nas instituições políticas e 
jurídicas. “O Império Romano e suas várias etapas históricas estariam fixados 
cronologicamente no modo de produção escravagista, em que o motor do 
desenvolvimento econômico estava nas grandes propriedades apropriadas 
pela aristocracia patrícia, que, controlando os meios de produção, as terras e 
as ferramentas necessárias ao trabalho agrícola, dominavam as classes pobres 
e livres dos plebeus, clientes e dos escravos”. 
A elaboração da Lei das XII Tábuas representou o auge da revolta 
dos plebeus e possibilitou algumas melhorias para a classe, do ponto de 
vista jurídico. A cultura romana atribuiu a esse universo escravagista uma 
forma material ao direito romano, beneficiando os mais fortes com poderes 
econômicos e militares. 
Eram inexistentes as sanções, a coerção pública e a autoridade para as 
decisões judiciais. Como exemplo pode ser citada a instituição matrimonial, 
que era disciplinada pelo direito privado, mediante o qual o casamento era 
realizado de maneira informal e oral. Apenas um contrato de dote selava a 
união matrimonial. 
 Nas instituições liberais individualistas pode-se identificar o direito 
romano, principalmente no que concerne ao direito de propriedade e ao 
direito das obrigações. 
O Corpus Juris Civilis representou a sistematização do direito 
romano, realizada a mando do imperador Justiniano. 
 Durante a realeza, o rei era magistrado único e o Senado funcionava 
como uma espécie de Conselho do Rei. O direito era costumeiro e a 
jurisprudência estava nas mãos dos pontífices, sendo que as instituições 
apresentavam um caráter teocrático. 
76
A república, por sua vez, foi caracterizada pelo poder dos dois cônsules, 
que inicialmente são as magistraturas únicas. Posteriormente, surgiram os 
censores e aos poucos os plebeus vão ganhando espaço dentro do governo. 
As fontes do direito na República são o costume, a lei e os éditos dos 
magistrados. 
Na sequência, o império centralizou todos os poderes nas mãos 
de Augusto. Apesar de respeitar as instituições públicas em Roma, nas 
províncias imperiais agia como um déspota. Nesse período destacam-se 
alguns jurisconsultos e criadores de conceitos tópicos da ciência jurídica 
romana. Já o baixo Império foi marcado pela sua cristianização e pela 
decadência política e cultural. 
A propriedade era considerada perpétua e impassível de 
contestação dos outros, merecendo grande importância para os romanos. 
Essa relevância decorria tanto da parte econômica como da religiosa, uma 
vez que cultuavam os ancestrais enterrados em tais áreas. Devido ao seu 
caráter sagrado, a propriedade era perpétua das famílias, mas o poder dos 
proprietários não era ilimitado. 
 A ciência jurídica conheceu a sua autonomia, primeiramente, 
através do povo romano. No campo da propriedade, surgiram conceitos de 
copropriedade, teorias subjetivas sobre a posse e conceito de pessoa jurídica. 
Os romanos foram pioneiros na construção dos conceitos jurídicos 
de direito objetivo e subjetivo, conceitos de ato e fato jurídico e também na 
questão da irretroatividade das leis civis. 
Entretanto, o Império Romano foi substituído pela fragmentação 
da Europa ocidental em unidades de produção descentralizadas, que 
constituíram o antigo feudalismo. Nesse período, a Igreja era a única 
instituição centralizada. 
 Fundamentalmente, o Direito Romano foi incorporado pelo Ocidente 
por satisfazer os burgueses em relação às práticas capitalistas. Com o 
passar do tempo, ele passou a ser cautelosamente estudado e aplicado mais 
concretamente, notavelmente com o advento do sistema romano-germânico. 
Resumo da Obra “Fundamentos de História do Direito”, de Antonio 
Carlos Wolkmer (org.), publicada pela Editora Del Rey.
FONTE: Disponível em: <http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/resumos/historia-do-
direito/71-fundam>. Acesso em: 22 nov. 2017.
Faça um breve resumo destacando os principais legados do direito 
romano à modernidade. 
77
UNIDADE 2
PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E 
AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO 
NA MODERNIDADE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Os objetivos desta unidade são:
• compreender o processo de transição da antiguidade para a Idade Média;
• refletir acerca dos elementos históricos constituintes da Idade Média;
• identificar as características do direito medieval;
• compreender as particularidades históricas de formação da modernidade;
• discutir os fundamentos do direito moderno.
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você 
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO 
DA IDADE MÉDIA
TÓPICO 2 – O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
TÓPICO 3 – A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES
TÓPICO 4 – O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
78
79
TÓPICO 1
O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO 
DA IDADE MÉDIA
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
A Idade Média é um período da história europeia que se estendeu por 
cerca de mil anos (entre os séculos V e XV). Como veremos pelas características e 
particularidades, a Idade Média é dividida entre: Alta Idade Média (século V ao 
X) e Baixa Idade Média (século XI ao XV).
Essa etapa histórica, ao contrário do que nosso imaginário podesupor, 
não foi um período somente dominado por superstições, perseguição a hereges 
e retrocesso civilizatório. Pode-se afirmar que na Idade Média serão definidos 
os elementos que irão edificar a Modernidade. Por exemplo, o cristianismo, 
precursor dos grandes valores humanistas e morais modernos, consolidou-se 
paulatinamente a partir do século V, transformando-se de uma crença perseguida 
a uma ideologia política que conduziu o modo de vida europeu por séculos. 
O cristianismo criou importantes dogmas e fundamentos para o direito, como 
adiante veremos.
Ainda, é na Idade Média que se consolidam os reinos bárbaros substituindo 
definitivamente os antigos domínios romanos. Os reinos bárbaros acabam por 
“personalizar” a lei e a prática da justiça, invocando-se a condição individual 
dos sujeitos para a aplicação da lei. Assim, vai-se construindo o chamado direito 
costumeiro que se torna legado para os dias de hoje. 
Em síntese, esse é um período histórico de profundas e irreversíveis 
transformações que trará como consequência a edificação de concepções jurídicas 
muito particulares. Uma etapa em que irão conviver modelos e concepções 
jurídicas distintas, como passaremos a estudar brevemente. 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
80
FIGURA 31 – IDADE MÉDIA: ETAPAS
Idade Média: da formação à crise
ALTA IDADE MÉDIA
Invasões bárbaras
Fortalecimento da Igreja
Formação do Império Carolíngio
Crise do
Feudalismo
Feudalismo
ER
IK
A 
O
NO
DE
RA
V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV
BAIXA IDADE MÉDIA
FONTE: Disponível em: <https://clionainternet.wordpress.com/tag/linha-do-tempo-idade-media/>. 
Acesso em: 17 nov. 2017.
2 O CRISTIANISMO
Em fi ns do século IV o mundo clássico antigo já havia se transformado 
radicalmente. Com uma identidade muito particular, a civilização greco-romana 
em um espaço de tempo de mil anos fl oresceu e, paulatinamente, ao mesmo 
tempo em que o helenismo conhecia seu ponto mais alto, se instalava uma espécie 
de crise alimentada pela entrada em cena de dois novos elementos: o cristianismo 
e o modo de vida bárbaro. 
Um jovem judeu do remoto distrito da Galileia no fi m da primavera do 
ano 27, ou talvez 33, foi condenado à morte por crucifi cação, forma de execução 
comumente usada pelos romanos para escravos e criminosos que não eram 
romanos. Jesus, um homem que fazia milagres e falava às multidões, exaltava 
a compaixão, o perdão, o amor aos pobres. No fi nal, ele também foi traído, 
humilhado e morto.
NOTA
Todos nós sabemos que o nascimento de Cristo é um marco da história 
ocidental. Porém, a data de nascimento – 25 de dezembro – e o ano são convenções.
Sua mensagem se coadunava com as histórias do judaísmo. Cinco séculos 
antes, Isaías profetizava que o Messias (ungido do Senhor) seria “desprezado e 
levado ao abatedouro como um carneiro” (Is. 53:7). A morte de Jesus era um alívio 
para as autoridades tanto romanas como para os líderes judeus. Acreditavam que 
sua morte comprovaria sua condição humana. 
TÓPICO 1 | O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA
81
No entanto, sua execução aprofundou ainda mais a fé de seus seguidores, 
que afirmavam que o Messias triunfou sobre a morte ressuscitando e mostrando 
ao mundo que definitivamente ele era o “Cristo”, Senhor e Salvador do mundo. 
A partir daí uma nova etapa da religião e da história da humanidade se 
inicia, surgindo uma fé e uma ideologia inédita e transformadora: o cristianismo. 
FIGURA 32 – EXPANSÃO DO CRISTIANISMO
FONTE: Disponível em: <https://pastordanielhill.com/2014/06/30/how-do-you-
effectively-preach-to-a-culturally-diverse-crowd/>. Acesso em: 17 nov. 2017.
DICAS
É longa e interessante a história do cristianismo. Você pode pesquisar!
Como sugestão, indicamos o site: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/cristianis
mo-religiao-passou-de-perseguida-a-oficial-no-imperio-romano.htm>.
Inicialmente perseguido de maneira feroz, o cristianismo acaba tornando-se a 
religião oficial do império no século IV, com a conversão do imperador Constantino. 
O império, na época, era assolado por uma multiplicidade de deuses e 
crenças. Os romanos toleravam outros deuses e se apropriavam de alguns para 
cultuá-los, mas exigiam que os povos dominados, por outro lado, tratassem o 
imperador como divindade. O judaísmo era diferente, adorava um deus único e 
não admitia nenhum outro e, por essa razão, os romanos os consideravam religio 
licita (isenta de adoração ao imperador). 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
82
Os judeus espalhavam-se pelo mundo helenístico e romano evitando conflitos 
com outras religiões e raças. No centro do judaísmo estavam os textos sagrados que 
impunham rígidas regras de vida familiar e moral, mas rapidamente a divindade de 
Jesus se dissemina entre os judeus, embora as autoridades religiosas judaicas viam 
no cristianismo um insulto à fé, e assim os cristãos passam a ser perseguidos por sua 
própria gente. Em apenas três décadas a nova fé religiosa se espalha. 
FIGURA 33 – EXPANSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO
FONTE: Disponível em: <http://disciplina-de-historia.blogspot.com.br/2011/10/difusao-do-
cristianismo-no-imperio.htm>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Os rituais adotados pelos convertidos – eucaristia, batismo e orações 
– faziam com que houvesse desconfiança. Era uma crença aberta a escravos e 
senhores, homens e mulheres, que pregava a igualdade.
É evidente que ao longo da história as religiões serviram a diferentes 
necessidades sociais, políticas e econômicas. As religiões, em sua maioria, 
inventam deuses para serem cultuados que guiam os destinos humanos. Sem 
dúvida, as religiões e os sacerdotes são instrumentos de poder e controle social, 
mas o que o cristianismo trouxe de inédito que perdura até os dias de hoje?
A religião cristã floresce quando os rituais romanos e culto aos deuses se 
transformam em festivais de orgias, embriaguez e pura diversão. Os imperadores, 
deuses inquestionáveis, como Nero e Calígula, eram figuras decadentes e 
deploráveis. Os sacrifícios aos deuses já não tinham mais sentido. A vida romana 
se distanciara dos ideais virtuosos que acreditavam os grandes filósofos. Sem 
dúvida, religião e vida andavam separadas. 
Nesse contexto, a fé cristã representa uma forma de restauração da 
espiritualidade. Era uma alternativa significativa para um mundo caótico. O 
cristianismo oferecia a salvação através da fé. E mais: os apóstolos ensinavam a 
rezar pelos inimigos, respeitar os oprimidos e repartir riquezas com os pobres. 
TÓPICO 1 | O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA
83
A nova crença exerceu forte atração sobre os herdeiros espirituais 
de Sócrates, mergulhados numa época de confusão moral, e sobre o 
povo de Roma em geral, privado de qualquer experiência religiosa 
significativa. Além disso, o cristianismo oferecia uma rede de 
correligionários forte e solidária. À classe dos artesãos, em especial, 
eficazmente mantida à margem da elite dominante pela privação da 
cidadania, a Igreja proporcionava um império espiritual alternativo do 
qual eles eram membros plenos (OSBORNE, 2016, p. 131).
Em síntese: 
• O cristianismo encontra um fértil terreno entre os empobrecidos por ser portador 
de ideais e formas de comportamento que uniam pessoas divididas e fragmentadas 
pelo poder imperial romano que privava as pessoas de qualquer esperança.
• A doutrina trazia em si um ideal comunitário.
• O cristianismo foi visto pelos indivíduos mais cultos da época como uma 
espécie de reavivamento da relação entre o divino e o humano.
• As práticas “pagãs” sobreviveram ao cristianismo adaptando-se a ele, a 
exemplo de rituais como procissões, invocação de santos, festas religiosas que 
substituíramas pagãs.
• O cristianismo e sua ideologia salvacionista acabam por tornar-se a mais 
importante cultura ocidental, impregnando também, com seus princípios, a 
política e o direito.
3 A BARBARIZAÇÃO DO COTIDIANO
A desagregação do Império Romano, além do marco político e histórico, 
também trouxe consigo uma autêntica catástrofe civilizatória. Assistiu-se ao 
naufrágio de todo um modo de vida, uma autêntica “regressão”. No dizer do 
Capella (2002, p. 982):
A vida urbana, as comunicações, o comércio, a saúde e as condições 
de vida, a agricultura e as técnicas, a produção e em geral o saber e 
a cultura (sobretudo depois do incêndio da Biblioteca de Alexandria, 
depósito do saber greco-romano e oriental) vieram abaixo. As 
populações do continente se viram açoitadas pela fome, a escassez, as 
epidemias, o isolamento, a ignorância e a violência.
O império, que até então parecia invencível, sucumbia a invasões de povos 
vindos do nordeste com uma cultura completamente distinta. A este fenômeno, 
agravando ainda mais o momento histórico, pouco a pouco há uma fragmentação 
política e todo saber e cultura helênica sucumbe. Novas línguas substituem o latim 
e grego clássicos. Apenas o que era necessário para a sobrevivência é mantido. As 
comunidades se isolam e vai-se adquirindo novos hábitos, agora mais rudes. 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
84
Este período, como já estudado na Unidade 1, foi conhecido como 
“invasões bárbaras”. Na verdade, eram povos que vinham ocupando o império 
desde o século II e chega o momento em que já não foi mais possível resistir, 
e assim o cotidiano foi se barbarizando. Esse processo de “barbarização do 
cotidiano” constitui-se em paulatino abandono do modo de vida romano que 
já não mais se sustentava. Muitos romanos assumem o modo de vida bárbaro. 
Vejamos a descrição feita pelo clássico historiador Le Goff e Le Roy Ladurie (1986, 
p. 36) do cotidiano que se barbariza:
Os pobres estão despojados, as viúvas gemem e os órfãos são pisados 
a pés, a tal ponto que muitos, incluindo gente de bom nascimento e 
que recebeu educação superior, se refugiam junto dos inimigos. Para 
não perecer à perseguição pública, vão procurar entre os bárbaros a 
humanidade dos romanos, pois não podem suportar mais, entre os 
romanos a desumanidade dos bárbaros. São diferentes dos povos 
onde buscam refúgio; nada têm das suas maneiras, nada têm da sua 
língua e, seja-me permitido dizer, também nada têm do odor fétido 
dos corpos e das vestes dos bárbaros; mas preferem sujeitar-se a essa 
dessemelhança de costume a sofrer, entre os romanos, injustiça e 
crueldade. Assim emigram para os Godos ou para os Bagaldos, ou 
para os outros bárbaros que em toda a parte dominam, e não têm de 
que arrepender-se com o exílio. Pois gostam mais de viver livres sob a 
aparência da escravidão que ser escravos sob a aparência de liberdade.
Enfi m, a civilização romana ruía e com ela toda clássica antiguidade. Na 
verdade, como dizem os historiadores, trata-se mais de um abandono. E assim, se 
inicia o processo de feudalização. 
FIGURA 34 – SERVO CULTIVANDO A GLEBA
FONTE: Disponível em: <http://historiaemfocosl.blogspot.com.br/2010/08/
invasoes-barbaras-e-feudalismo.html>. Acesso em: 17 nov. 2017.
TÓPICO 1 | O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA
85
Apesar da grande diversidade, os bárbaros traziam muitas semelhanças. 
Como eram “sedentários em fuga”, não tinham o modo de vida urbano e uma 
individualidade como a romana. Conheciam o manejo de metais e a ourivesaria. 
A cultura romana sempre foi vista pelos bárbaros como superior, mas impossível 
de ser preservada. 
Com os bárbaros, segundo Le Goff e Le Roy Ladurie (1986) já citados, é 
impressionante a regressão da civilização em muitos aspectos. O refinamento e a 
estética mediterrânea são abandonados. A população diminui visivelmente – apenas 
para lembrar, a Peste Negra no século VI matou milhares de pessoas –, além das pestes, 
a fome, as guerras e os saques impediam qualquer esperança de vida. Desaparece o 
uso da moeda e o sistema de troca domina o tímido comércio de subsistência. 
 
A expansão do cristianismo sobre os reinos bárbaros foi fazendo com que 
os “penitenciais” servissem de controle social. 
Os Livros Penitenciais eram uma espécie de “catálogo’ de pecados e 
penas expiatórias que serviam para orientar os sacerdotes no aprendizado de 
seu exercício. Inicialmente, aparecem na Irlanda por volta do século VII e pouco 
a pouco se estendem por muitos reinos. Eram, na verdade, obras anônimas, 
elaboradas por religiosos, em não raras vezes fanáticos, que elencavam pecados e 
serviam de controle moral. 
FIGURA 35 – LIVRO PENITENCIAL – REPRODUÇÃO 
FONTE: Disponível em: <http://www.snpcultura.org/biblioteca_
nacional_expoe_livros_de_horas.html>. Acesso em: 17 nov. 2017.
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
86
Observe a riqueza de detalhes. Naquela época ainda não havia sido 
inventada a imprensa e todas as obras eram manuscritas!!
Esses livros expressavam as idealizações, preconceitos e modo de vida da 
época, muitos deles considerados pecados. E os reis bárbaros aplicavam castigos 
terríveis e cruéis para punir os pecadores. Unhas eram arrancadas, pés e mãos 
eram cortados, mutilavam-se os corpos, eram feitas marcas a ferro quente.... 
Enfim, a maldade não tinha limites.
Sem dúvida, a civilização regredia e o mundo se fechava em feudos. 
O mundo medieval era marcado por laços pessoais entre os nobres através da 
concessão de feudos. A mútua fidelidade entre os nobres e destes com os servos 
e a descentralização política é a grande característica dessa etapa histórica. Era 
um mundo em que estava estabelecido um sistema de vassalagem que se define 
como pactos de fidelidade entre um cavaleiro (vassalo) para com um nobre 
(suserano). Através de um ato solene, investidura, o vassalo prometia lutar e 
auxiliar financeiramente ao suserano, que, em contrapartida, cedia um feudo – 
porção de terra ou arrendamento agrícola. Como a população se via à mercê dos 
bárbaros, acabavam saindo das cidades e procuravam abrigo no campo. Em troca 
de proteção, os vassalos obtinham mão de obra para o trabalho em suas terras. 
Esse sistema de pactos mútuos deu origem ao sistema servil. As terras eram 
divididas em: manso senhorial (terras destinadas ao cultivo do senhor); manso 
servil (terras destinadas à produção dos servos); e manso comunal (terras para uso 
comum). Evidentemente, os nobres e a Igreja detinham grandes propriedades. Os 
servos eram obrigados a trabalhar para pagar taxas ou obrigações feudais que 
consistiam em corveia (trabalho no manso senhorial três dias da semana), talha 
(parte da produção do servo entregue ao senhor); banalidades (pagamento pelo 
uso de equipamentos do senhor: celeiros, moinhos etc.). 
 
Era uma sociedade estamental, ou seja, dividida em ordens (estamentos) 
definidas de acordo com o papel desempenhado por cada um: os que oravam, os 
nobres, os guerreiros e os servos. 
Enfim, uma aristocracia que se autoatribuiu o direito à propriedade obrigava 
uma massa de trabalhadores a cultivar suas terras e não poderiam abandoná-las. 
Serviam nas armas os homens e no leito as mulheres quando os senhores queriam. 
DICAS
Você já assistiu ao filme “Coração Valente”?
Narra as relações de poder da época e a história de William Wallace, que liderou uma rebelião 
contra um rei tirano!
Veja seu belo discurso em: <https://www.youtube.com/watch?v=tnfga7tbMYI>. Acesso em: 
18 nov. 2017.
TÓPICO 1 | O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA
87
FIGURA 36 – PIRÂMIDE SOCIAL MEDIEVAL 
REI
NOBREZA
POVO
SENHORES
DAS TERRAS,
TUDO LHES
PERTENCE.
NÃO PAGAM
IMPOSTOS MAS
RECEBEM-NOS
DO POVO
SUSTENTAO CLERO E A
NOBREZA, TRABALHA,
PAGA IMPOSTOS A TODOS,
TRABALHA PARA O REI
NAS OBRAS E NA GUERRA.
CLERO
FONTE: Disponível em: <http://portfoliocursoevc.blogspot.com.br/2013/04/
video-aula-1-contexto-historico-dos.html>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Nessa sociedade imersa no cristianismo e relações de servidão é elaborada 
uma organização política e jurídica paradoxal com instituições que vão tentar garantir 
a estabilidade do poder, e assim, dos escombros de Roma se edifica a Idade Média. 
4 A EMERGÊNCIA DO PLURALISMO MEDIEVAL 
A queda de Roma, a descentralização do poder e a conformação de novas 
formas de poder sociopolítico fizeram com que fosse estruturada uma nova 
ordem jurídica. Com a existência de forças políticas autônomas e distintas – os 
nobres, os vassalos e a Igreja – sem um poder centralizador, o mundo medieval 
vai se consolidando com ordens jurídicas distintas e concorrentes em um mesmo 
espaço geográfico. Grupos, famílias, clãs etc. constituíam fontes de produção do 
direito dos reinos. O clero vai consolidando seus interesses e concepções através 
de uma ordem jurídica própria. 
Os bárbaros, como já considerado, eram, segundo os romanos, os povos 
de origem indo-europeia que viviam à margem da cultura greco-romana, a 
partir do século II a.C. começam a se deslocar de maneira pacífica, vivendo quase 
imperceptíveis e assimilando a cultura romana. Aos poucos foram capazes de 
construir uma autêntica organização militar e destruir a estrutura imperial de 
Roma. O impacto causado, entretanto, não foi suficiente para a total substituição 
institucional. Pouco a pouco passaram a receber influência romana, ocorrendo uma 
espécie de simbiose e, após séculos de convivência, é moldado um novo regime. 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
88
Lima Lopes (2012, p. 53-54) faz uma breve síntese do processo de 
transformação política e territorial:
A certa altura, no final do século V e inícios do século VI, a situação 
pode ser sumariada da seguinte maneira:
Os francos, sob a liderança de Clóvis, os ostrogodos, sob a liderança 
de Teodorico, o Grande, e os visigodos sob a liderança de Eurico e 
depois Alarico disputam o Ocidente. Os francos controlam o norte do 
que hoje é a França, os ostrogodos controlam a Itália setentrional a 
partir de Ravena, e os visigodos controlam o sul da França, ou Gália. 
Especialmente na Gália a divisão entre os romanos e não romanos 
é forte. Teodorico governa a Itália com conselheiros romanos que 
mantêm de modo geral. Nesse mundo dividido, duas ordens de direito 
se estabelecem: o direito dos bárbaros e o direito romano vulgarizado, 
ou o direito romano bárbaro.
FIGURA 37 – REINOS BÁRBAROS
FONTE: Disponível em: <http://roberto-menezes.blogspot.com.br/2011/02/queda-
do-imperio-romano.html>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Com a consolidação dos reinos bárbaros e expansão do cristianismo, foi se 
definindo uma nova etapa civilizatória: o feudalismo. 
Feudalismo pode ser definido como uma etapa social, política e econômica 
europeia. São muitos os feudalismos que se definiram em distintos pontos geográficos, 
desde o Ocidente ao Oriente, como também com formas diferentes de expressão. 
O famoso historiador E. Bloch (2002), já estudado na Unidade 1, identificou 
duas épocas do feudalismo:
• Uma primeira etapa encerrada no século XI, que corresponderia a um 
momento de organização rural mais estável, com pouco comércio e quase 
nenhum uso de moeda.
TÓPICO 1 | O NAUFRÁGIO DA CIVILIZAÇÃO ANTIGA: A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA
89
• Uma segunda que se circunscreve com o início do renascimento comercial e 
ampliação do uso de moeda, cuja consequência foi a completa transformação 
social e econômica preexistente. 
O momento histórico marcado pelo renascimento comercial irá consolidar 
a ascensão de uma nova classe social para a qual o senhor feudal irá orientar 
sua produção: a burguesia. Essa categoria social inédita irá se fixar nas cidades e 
paulatinamente revolucionando o mundo europeu, como adiante iremos estudar 
mais detalhadamente.
Em síntese, pode-se afirmar que o Feudalismo, além de uma etapa 
histórica da civilização ocidental, possui características que permitem definir 
por períodos distintos, mas que possui como marca nuclear relações sociais e 
políticas estabelecidas desde laços de fidelidade entre as camadas dominantes e 
as dominadas. Os vínculos se dão sempre entre senhores e não entre servos. As 
relações de poder eram estabelecidas entre os senhores por meio da vassalagem, 
permitindo acúmulo de prestígio e cumplicidade. A partir desse cenário pode-se 
compreender o direito medieval. 
NOTA
Direito Medieval ou Feudal era o conjunto de normas, garantias e procedimento 
europeu que se caracteriza por um contrato – pacto – entre senhores e vassalos, que 
criava obrigações de fidelidade deste último para com seu senhor. Especialmente, criava a 
obrigação de fornecer apoio militar, participação nos conselhos e cortes de seu senhor. Em 
contrapartida, tinha a proteção e reconhecimento de seu domínio territorial hereditário. A 
justiça era aplicada pelo senhor com base em costumes e, em alguns casos, em leis que eram 
ditadas pelos reis como forma de organização social e tentativa de proteção aos súditos. 
Entretanto, já no século IX se nota um declínio das formas de unificação, assistindo-se ao 
fortalecimento do poder papal e o direito canônico.
IMPORTANT
E
No Youtube você poderá acessar ao History Channel, que tem à disposição 
inúmeros documentários sobre os povos bárbaros. 
Você poderá aprender que “bárbaro” não significa “selvagem” ou “cruel”, mas sim povos de 
distintas origens que em muito contribuíram para a formação da sociedade moderna.
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
90
A seguir, vamos estudar os distintos complexos normativos medievais 
que conviveram tanto na Baixa como Alta Idade Média em um mesmo espaço 
geográfico. Na Alta Idade Média, simultaneamente encontramos os costumes dos 
povos bárbaros, a legislação bárbaro-romana, bem como os decretos dos concílios 
eclesiásticos, sem que houvesse uma unificação. Com a ascensão de Carlos Magno 
(742-814) ao poder há uma tentativa de centralização, uma vez que ele buscava 
converter os bárbaros ao cristianismo, incentivando guerras de conquista que 
resultaram na recuperação do Império Romano do Ocidente. No ano 800 é nomeado 
imperador do Sacro Império Romano Germânico pelo Papa Leão III, consolidando 
uma forte relação com a Igreja, a qual protegia e favorecia. Entretanto, as trocas de 
benefícios acabam por acelerar o processo de feudalização. 
Com o “vazio” político, a fragmentação jurídica alimenta uma nova 
expressão de direito: o direito canônico. Como resultado do renascimento cultural 
do século XII, que trouxe consigo a criação de universidades, bem como o próprio 
renascimento comercial e redescoberta do direito romano através do Corpus Iuris 
Civilis, reestruturação urbana, entre outros fatores, construiu-se um novo cenário 
propício à unificação cujo mito fundador será representado pelo cristianismo. 
91
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
• Os fatores que explicam a predominância do cristianismo na Idade Média.
• A consolidação da sociedade medieval e seus elementos caracterizadores.
• As características gerais do pensamento jurídico medieval.
• Os fundamentos e aspectos destacados do direito canônico, bem como seu 
legado para o pensamento jurídico moderno. 
92
AUTOATIVIDADE
Considere a afirmação: “[...] o direito desempenhou, na Idade Média, 
um papel muito menor do que havia tido no mundo romano e o que alcançaria 
na modernidade; um papel subalterno. Regressou-se a um arcaico mundo de 
temores e mistérios populares, a um mundo mágico-religioso. Ainda que agorase 
fez seu e se transformou híbrido e desnaturalizado, como bem compreenderiam 
os espíritos profundo e sinceramente religiosos como Francisco de Assis, ou 
Lutero séculos mais tarde. As crenças religiosas (servidas por uma clerezia 
próxima aos fragmentados poderes locais) se constituíram no discurso público 
por excelência, e as noções jurídicas mesmas experimentaram uma mutação que 
as retrotraía à linguagem sacerdotal” (CAPELLA, 2002, p. 84-85).
Com o estudo realizado no Tópico 1, o autor está correto ao dizer que houve um 
retrocesso na sociedade medieval? Por que a religiosidade serviu de discurso 
público por excelência?
93
TÓPICO 2
O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
“Direito Canônico” é uma expressão que designa um conjunto de normas 
jurídicas cujo objetivo é o de reger o modo de vida dos cristãos. Em 313, quando 
Constantino concedeu liberdade para que as autoridades cristãs – papa e bispos 
– pudessem julgar seus adeptos, segundo seus preceitos religiosos, iniciou-se um 
processo de autonomia que, no século V, ganha absoluta autonomia.
Com a queda do Império Romano e a multiplicidade de poderes medievais, 
a Igreja vai assumindo relevância absoluta no exercício do poder político e jurídico. 
Com esse aumento de poder e a sofisticação intelectual desenvolvida pelas 
universidades recém-criadas, o direito canônico passa a intervir prioritariamente 
na sociedade como um todo. 
DICAS
Há um excelente artigo que você pode ler acerca do tema. Disponível em: 
<http://nemed.he.com.br/projetopandora/2016/10/15/o-nascimento-das-universidades-
medievais/>. Com o título: O NASCIMENTO DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS: ASPECTOS 
SOBRE A CULTURA DE SABER NA BAIXA IDADE MÉDIA OCIDENTAL.
Leia, você verá como é interessante o funcionamento das universidades na época e a 
maneira como influenciaram o pensamento moderno!
A Igreja foi assumindo inúmeras funções até então reservadas ao antigo 
Império Romano. Além ter adquirido grande força espiritual, ainda era o poder 
mais organizado, através da imensa rede de adeptos.
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
94
FIGURA 38 – ENSINO MEDIEVAL 
FONTE: Disponível em: <http://nemed.he.com.br/projetopandora/2016/10
/15/o-nascimento-das-universidades-medievais/>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Um dos mais importantes pensadores do direito, Franz Wieacker (1967, 
p. 67), destaca: “A Igreja era a força espiritual de longe mais importante; era, 
ao mesmo tempo, a mais coerente e a mais extensa organização social da Idade 
Média; finalmente, a sua ordem jurídica interna era a mais poderosa da Idade 
Média, em termos gerais”.
Não há dúvida de que a Igreja e a cristandade têm relevância na formação 
do direito medieval e com um grande legado à modernidade. 
Como já considerado, o poder da Igreja se expande e se consolida também 
porque sua forma de administração territorial foi muito particular, e serviu de 
modelo para a organização dos Estados Modernos. Em cada província, por mais 
distante que fosse, havia um bispo que mantinha sob seu controle o clero e a 
paróquia. Sua competência era imensa e estabelecida a partir de uma rede articulada 
de padres e laicos – aquele que não pertence à Igreja como clérigo –, diáconos etc. 
A ética cristã, com grande influência do pensamento grego, foi a base do 
pensamento jurídico de todo medievo, e sua influência segue até os dias atuais. 
O direito canônico teve uma importância crucial na formação e consolidação 
das instituições políticas e jurídicas que se sucedem no mundo ocidental. Como 
veremos, a forma de organização dos tribunais e a jurisdição são concepções 
construídas pelo poder papal e sistematizados pelo direito canônico. 
Dentre os fatores que colocam em relevo o direito canônico, pode-se destacar:
• O caráter ecumênico da Igreja – que anuncia o cristianismo católico como universal.
• A dominação do direito canônico nas diversas esferas da vida privada – como 
o instituto jurídico de família.
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
95
• O direito canônico foi objeto de doutrina e tornou-se uma ciência. 
• Os canonistas – estudiosos do direito canônico – formarão uma classe de 
intelectuais que criarão conceitos jurídicos absorvidos pelo direito leigo.
Todo direito canônico assenta-se no trabalho dos canonistas que vão 
aproximar o direito da teologia cristã construída a partir do texto bíblico 
e, por esta razão, elaboram técnicas interpretativas que fundam a moderna 
hermenêutica jurídica. 
NOTA
O termo “canônico” origina-se da palavra “canon”, que significa “regra” ou “régua” 
- medida. Portanto, direito canônico é composto por um conjunto de regras de vida cristã.
A interpretação da Bíblia era, a princípio, literal, mas em casos de 
antinomia – conflito de normas – eram usados os seguintes critérios:
• Ratione Significationis – sentido obtido a partir da fixação do bem jurídico em 
questão.
• Ratione Temporis – lei posterior revoga anterior.
• Racione Loci – lei local revoga a lei geral.
• Rationi Dispensationis – lei especial revoga lei geral. 
Note que esses critérios são usados pelos juristas atualmente!
Toda base do direito canônico é o Corpus Iuris Canonici – Código de Direito 
Canônico –, que permaneceu em vigor até 1917. Foi elaborado ao longo dos 
séculos XII ao XV identificando direito com teologia cristã. Diferente do direito 
comum, o direito canônico tem como base a Sagrada Escritura, as decisões dos 
concílios e dos sínodos – reuniões/assembleias das autoridades eclesiásticas –; 
as decisões papais e as leis relativas à Igreja. Entretanto, há que se lembrar que 
sempre o direito canônico foi resultado do trabalho intelectual dos doutores da 
Igreja, portanto, um trabalho científico.
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
96
FIGURA 39 – CORPUS IURIS CANONICI
FONTE: Disponível em: <http://legalissistemasjuridicos.blogspot.com.br/2012/09/
cuestionario.html>. Acesso em: 17 nov. 2017.
2 A REFORMA GREGORIANA: MARCO DO DIREITO 
CANÔNICO
O evento que marca a construção do direito canônico e o poder da Igreja 
foi a Reforma Gregoriana. Trata-se de uma grande transformação liderada por 
Gregório VII (papa entre 1073 a 1085), cujo objetivo foi promover a absoluta 
autonomia do poder papal, uma vez que até este momento a Igreja era uma 
comunidade espiritual de natureza estritamente religiosa, mas não jurídica. 
Com Gregório VII, cujo nome de origem era Hildebrando, há uma separação 
entre sacramentos – preceitos religiosos – e leis, pois não se diferenciavam leis 
canônicas de rituais ou liturgias. Além disso, havia uma certa subordinação do 
papado ao poder civil com a forte ingerência dos nobres e reis, sobretudo das 
decisões acerca dos cargos eclesiásticos.
A luta de Gregório será de opor-se à simonia – venda de objetos e cargos 
sagrados; ao nicolaísmo – casamento dos clérigos e à nomeação de leigos para altos 
cargos da Igreja recebendo benefícios – rendas de terras, paróquias, mosteiros etc. 
No ano de 1075 inicia a Reforma que vai se constituir na maior e mais importante 
revolução da política da Idade Média, emitindo um documento papal – Dictatus 
Papae – que pretendia garantir a liberdade e independência da Igreja.
Foram no total 27 determinações de Gregório, das quais se destacam:
• A Igreja Romana foi fundada exclusivamente pelo Senhor.
• Só o bispo de Roma – papa – pode possuir direito universal e pode depor ou 
nomear bispos.
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
97
• Somente o papa pode legislar de acordo com a necessidade do momento.
• Somente os pés do papa podem ser beijados pelos príncipes.
• Somente seu nome pode ser recitado nas igrejas.
• O papa pode depor imperadores.
• Não podem ser convocadosconcílios ou sínodos sem sua ordem.
• Nenhum capítulo ou livro pode ser chamado de canônico sem sua ordem.
• Nenhum de seus julgamentos pode ser revisto, mas ele pode rever 
julgamento de todos.
• A ele compete dissolver os laços de vassalagem.
Perceba que o documento ataca diretamente o poder dos nobres, que 
vão reagir, iniciando uma longa fase de enfrentamento que será conhecida como 
Guerra das Investiduras, cujo marco foi a carta redigida por Henrique IV, rei da 
Inglaterra, que irá culminar com o rompimento do rei com o papa.
DICAS
Você pode pesquisar sobre o tema e aprofundar seu estudo. Sugere-se:
<http://adventmedidas.blogspot.com.br/2016/05/a-questao-das-investiduras.html>. Acesso 
em: 18 nov. 2017.
Pode-se afirmar que o plano do Papa Gregório era abolir totalmente a 
interferência dos leigos nos assuntos da Igreja e privar os soberanos do direito de 
investidura – nomeação – de bispos, abades e do próprio papa, pois com a ordem 
papal as nomeações passavam a ser feitas somente pelo papa. Entretanto, acabou por 
tornar-se o maior e mais significativo conflito entre a Igreja e os Reinos Medievais. 
Ora, na estrutura institucional anterior a Gregório VII alguns insistiam 
na sacralidade dos reis. Os reis eram ungidos e se consideravam 
autoridades sacrais. A sagração do rei era uma cerimônia religiosa 
e política, simbolicamente, a coroação ou sagração era quase que 
uma ordenação religiosa. Sem questionar diretamente a função 
exercida pelo rei, a Reforma Gregoriana, no entanto, colocava uma 
novidade: afirmava que o rei (ou o imperador) estava dentro da 
igreja, não acima (imperator in Ecclesiam, non super Ecclesian) e dentro 
da Igreja a autoridade maior era o papa. Por outro lado, o Império na 
Idade Média era um poder, e não um território. Era um poder como 
autoridade (imperium) e capacidade de governar (jurisdictio), apoiado 
não pela submissão de um povo em um território determinado, 
mas nas relações interpessoais de submissão e benefício com certos 
senhores menores. Era uma rede ou uma cadeia de relações. Não 
havia burocracias racionalizadas, organizadas propriamente em 
carreiras. Não havia cidade capital: esta era onde o imperador ou rei 
assentasse sua corte, muitas vezes de maneira provisória, pois os reis 
e imperadores viajavam constantemente [...]. O Império era, pois, uma 
entidade militar/espiritual e não geográfica. Vigorava ainda muitas 
vezes o princípio da personalidade (ou pessoalidade) das leis e, sobretudo, 
a força dos costumes locais (LIMA LOPES, 2012, p. 73-74).
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
98
Note que com a Reforma Gregoriana há um desmonte do modelo até 
então vigente do exercício de poder, razão pela qual é considerada a primeira 
revolução do mundo ocidental. Com esta concepção começa a nascer o conceito 
de Estado, que é um ente político que centraliza o poder de legislar e tem caráter 
universal. Evidente que o objetivo era o de disciplinar o poder e centralizá-lo 
exatamente pela dispersão existente na época. 
As consequências foram também de natureza jurídica, uma vez que os 
juristas, na época os canonistas, passaram a desempenhar um papel central no 
exercício do poder. Desde a publicação do Dictatus Papae de Gregório VII, os 
canonistas começaram a criar conceitos e princípios para o exercício e delimitação 
do poder. Lembre-se que na Idade Média havia, ao lado do poder da Igreja, o 
poder dos nobres. Os canonistas criaram vários conceitos políticos e jurídicos e, 
desde aí, constitui-se uma nova classe de sujeitos: os intelectuais e os burocratas 
da Igreja. Agora, a ascensão profissional não era mais pelo nascimento ou 
merecimento, mas pelo cargo ou ofício que exercia como consequência de uma 
formação. O poder não era exercido mais de forma personalizada em um sistema 
baseado em lealdade ou fidelidade, mas sim em competências definidas por lei.
FIGURA 40 – PAPA GREGÓRIO VII
FONTE: Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/
noticias/19399/hoje+na+historia+1077+-+imperador+henri+iv+ajoelha-
se+aos+pes+do+papa+gregorio+vii.shtml>. Acesso em: 17 nov. 2017.
3 OS CONCEITOS DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA
É no campo da jurisdição e processo que o direito canônico ganha grande 
relevância, sem que se deixe de considerar sua importante contribuição no campo 
do direito civil, por exemplo, quanto aos institutos do casamento, família, contrato, 
além da formulação da teoria da personalidade jurídica. Como adiante veremos 
melhor, o processo canônico legou à modernidade características muito particulares 
e essenciais, tais como: 1. A condução do processo por profissionais do direito; 2. A 
uniformização dos procedimentos; 3. A perspectiva investigativa – inquisitorial; 4. A 
predominância da escrita sobre a oralidade com a criação dos “autos” processuais. 
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
99
Com a Reforma Gregoriana, aos poucos a imposição de penitências impostas 
aos fiéis vai se diferenciando das sanções legais como consequência de violação da lei. 
As penitências ou revisão da consciência do cristão são próprias do padre, do curador 
da alma, e se originam de um foro de consciência. Já as sanções ou penas derivam 
do foro judicial que detém o poder de aplicar a lei para normatizar as condutas dos 
cristãos como um todo. Desta forma, a jurisdição ou foro judicial passa a ser matéria 
comum entre os eclesiásticos e os nobres. Como distingui-las? Frente ao problema, 
os canonistas criam a separação de jurisdição tendo como base critérios objetivos – 
competência – conforme as pessoas envolvidas no processo e matéria disputada, e 
desde tais critérios definia-se a jurisdição – distribuição de justiça. 
Os critérios de jurisdição dos tribunais canônicos eram: em razão da 
pessoa (ratione personarum) e em razão da matéria (ratione materiae). 
• Ex ratione personarum: para os eclesiásticos havia o foro de privilégio absoluto, 
que não eram somente os padres, mas todo aquele que exercia uma função 
eclesiástica. Os professores e estudantes também eram considerados clérigos. 
Ainda aqueles que estavam sob a “proteção da cruz” – os cruzados –, que 
eram os que lutavam sob a proteção de Deus. Possuíam também privilégio de 
foro eclesiástico os miseráveis, que pediam proteção da Igreja, atendidos por 
profissionais nomeados pelos bispos. 
• Para alguns, o foro de privilégio absoluto – como era o caso dos eclesiásticos – e 
para outros, relativo, podendo estes renunciar ao eclesiástico e pedir proteção 
à jurisdição secular. 
• Ex ratione materiae: algumas matérias deveriam ser tratadas somente em 
tribunais eclesiásticos, como era o caso de casamento, por ser um sacramento 
da Igreja. As matérias de testamento, ou últimas vontades, porque se acreditava 
que havia algo relacionado à salvação da alma. Ainda, os benefícios patrimoniais 
da Igreja e os pecados públicos como usura, heresia, adultério etc. 
Porém, o grande destaque do direito canônico é no conceito inovador de 
processo que, por sua complexidade, exige um estudo mais particular.
DICAS
Assista ao filme: Em nome de Deus. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=c20mqZUy2VA>.
Você irá se encantar com a história – verídica – de Abelardo e Heloísa. Ele, um professor e 
intelectual da época medieval, particularmente da Baixa Idade Média (séculos XI a XV); e ela 
uma mulher extraordinária. 
Não perca!!!!
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
100
4 O PROCESSO INQUISITORIAL
Ao se consolidar uma classe de profissionais do direito, também se 
disseminou uma forma de solucionar conflitos, uma prática processual cuja 
marca era a racionalidade e a técnica. Além de ter introduzido o processo escrito 
– autos –, que passou a exigir um corpo notarial, a escrita processual exige termos 
e fórmulasespecíficas e, assim, a lógica de técnica vai assumindo relevância. 
Além disso, as fases processuais são organizadas de maneira clara:
• Libellus: queixa apresentada pelo autor a uma autoridade oficial que lê na 
presença do réu a acusação ou pedido.
• Exceções: na fase seguinte apresenta-se o que hoje chamamos de preliminares – 
qualquer defesa que não seja o mérito propriamente dito – que seriam dilatatórias 
ou peremptórias, que poderiam impedir o andamento do processo ou atingir o 
próprio direito.
• Litis contestatio: contestação.
• Decisão: feita pelo magistrado resolvendo o mérito.
A nova racionalidade jurídica, introduzida pelo procedimento 
inquisitorial, tinha como objetivo o combate ao sistema irracional de provas que 
predominavam no direito medieval: os ordálios. 
Ordálio, ou juízo de Deus, eram meios de provas em que se invocava 
a intervenção divina, aplicando-se “provas” para provar inocência, como as 
“provas de fogo” – andar sobre brasa, colocar a mão em óleo fervente etc. – e 
as comuns, como afundamento na água fria, ser cortado e não sangrar etc. A 
partir do século XII ocorre um abandono progressivo dos ordálios, mesmo pelo 
direito comum, e a predominância do modelo inquisitorial. O ordálio era como 
um “detector de mentira” da época e aquele que aceitava se submeter a tal prova 
aceitava suas consequências. 
Os canonistas desenvolveram novas maneiras de aceitabilidade das provas: 
probabilidade, relevância e materialidade, descartando as provas supérfluas 
(que já estavam provadas no processo), as impertinentes (que não interessavam), 
obscuras (que não poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou 
antinaturais (absurdas e impossíveis de serem aceitas). Portanto, o sistema de 
provas assenta-se sobre o que passou a se chamar prova legal, uma vez que 
sua apreciação dependia de regras previamente estabelecidas, como o famoso 
“código processual”, o Manual dos Inquisidores criado por Nicolau Eymerich. 
Este Directorium Inquisitorum, de 1376, é uma espécie de modelo fundacional do 
direito processual penal moderno que visava perseguir e punir a todo aquele que 
representasse uma ameaça ou poder papal, o herege.
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
101
FIGURA 41 – DIRECTORIUM INQUISITORUM
FONTE: Disponível em: <https://ativandoneuronios.files.wordpress.
com/2011/07/directorium.jpg>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Segundo Eymerich, quem era o herege? 
Veja o que diz o referido Manual: 
Chamam-se hereges pertinazes e impenitentes aqueles que, 
interpelados pelos juízes, convencidos de erro contra a fé, intimados 
a confessar e abjurar, mesmo assim não querem aceitar e preferem se 
agarrar obstinadamente aos seus erros. Estes devem ser entregues ao 
braço secular para serem executados.
Chamam-se hereges penitentes os que, depois de aderirem intelectual 
e efetivamente à heresia, caíram em si, tiveram piedade de si próprios, 
ouviram a voz da sabedoria e abjurando dos seus erros e procedimento, 
aceitaram as penas aplicadas pelo bispo ou pelo inquisidor.
Denominam-se hereges relapsos os que, abjurando da heresia e 
tornando-se por isso penitentes, reincidem na heresia. Estes, a partir 
do momento em que a recaída fica plena e claramente estabelecida, 
são entregues ao braço secular para serem executados, sem novo 
julgamento. Entretanto, se se arrependem e confessam a fé católica, a 
Igreja lhes concede os sacramentos da penitência e da Eucaristia. […]
Os autores se perguntam sobre que tipo de execução que se deve 
aplicar aos relapsos. Devem morrer pela espada ou pela fogueira? 
A opinião geral, confirmada pela prática generalizada em todo mundo 
cristão, é que devem morrer na fogueira, de acordo com a lei: “Que 
os patarinos e todos os hereges, quaisquer que sejam os seus nomes, 
sejam condenados à morte. Serão queimados vivos em praça pública, 
entregues em praça pública ao julgamento das chamas”. (Determinação 
do imperador Federico e dos Papas Inocêncio IV, Alexandre IV e 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
102
Clemente IV. Na verdade, a prática veio antes da própria codificação) 
É de fundamental importância prender a língua deles ou amordaçá-los 
antes de acender o fogo, porque, se têm possibilidade de falar, podem 
ferir, com suas blasfêmias, a devoção de quem assiste à execução. […]
Os inquisidores devem ser capazes de reconhecer as particularidades 
rituais, de vestuário etc., dos diferentes grupos de hereges. […]
É herege quem disser coisas que se oponham às verdades essenciais da fé. 
Também é herege:
a) Quem pratica ações que justifiquem uma forte suspeita (circuncidar-
se, passar para o islamismo…);
b) Quem for citado pelo inquisidor para comparecer, e não comparecer, 
recebendo a excomunhão por um ano inteiro;
c) Quem não cumprir a pena canônica, se foi condenado pelo inquisidor; 
d) Quem recair numa determinada heresia da qual abjurou ou em 
qualquer outra, desde que tenha abjurado;
e) Quem, doente mental ou saudável – pouco importa –, tiver solicitado 
o “consolamento”.
Deve-se acrescentar a esses casos de ordem geral: quem sacrificar aos 
ídolos, adorar ou venerar demônios, venerar o trovão, se relacionar com 
hereges, judeus, sarracenos etc.; quem evitar o contato com fiéis, for 
menos à missa do que o normal, não receber a eucaristia nem se confessar 
nos períodos estabelecidos pela Igreja; quem, podendo fazê-lo, não faz 
jejum nem observa a abstinência nos dias e períodos determinados etc. 
[…] Zombar dos religiosos e das instituições eclesiásticas, em geral, é 
um indício de heresia. […] existe indício exterior de heresia toda vez 
que houver atitude ou palavra em desacordo com os hábitos comuns 
dos católicos (EYMERICH, 1993, p. 39-52). 
Portanto, o herege é aquele que se opõe às “verdades” da fé, cuja pena 
imposta varia de acordo com o grau de heresia, que vai desde o cumprimento 
de penitências, durante certo tempo, até a prisão perpétua ou a reincidência, 
aplicando-se neste caso a execução pelo braço dos seculares.
Quem poderia ser testemunha? a) os excomungados; b) os cúmplices do 
acusado; c) os infames e pessoas acusadas de quaisquer crimes; d) os hereges 
que estiverem contra o acusado. Nunca a favor; e) qualquer infiel e até mesmo 
judeu; f) os domésticos (mulher, filhos, parentes e servos) para o acusar, não para 
inocentar; g) a testemunha falsa, querendo retratar-se para acusar. 
Ao final, como terminava o processo? Quais as “soluções” possíveis?
1. Abjuração (renúncia à fé cristã através de palavras, atos ou mesmo pensamentos 
contrários ao autorizado pela Igreja): 
a) suspeita leve – encontram-se leves indícios de heresia. O abjurante pronuncia 
determinada fórmula, em língua vulgar, na casa episcopal ou no convento.
b) suspeita grave – não se provou nada, mas há fortes indícios que levam a uma 
grave suspeita. Normalmente cumprem alguma penitência ou são levados à 
prisão, nunca perpétua. 
c) suspeita violenta – também não há provas, nem documentais, nem pela análise 
dos fatos, mas há indícios gravíssimos que levam a uma violenta suspeita (algo 
como heresia presumida). Cumprem alguma penitência e podem ser levados à 
prisão perpétua. 
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
103
2. Absolvição: Depois de responder ao processo e ouvidos os especialistas, o réu 
é declarado livre do crime. Não há completa absolvição, apenas se declara que 
não há provas suficientes para a condenação. 
3. Expiação ou Purgação Canônica: Quando alguém tem fama pela prática 
de heresia, mas não se prova nem com testemunhas, nem provas materiais, 
nem pela confissão. Considera-se isso uma difamação. O acusado deverá 
comparecer em determinada hora, em determinado local, acompanhado de 
coexpiadores que atestarão sua boa conduta cristã. Se o difamado não puder 
cumprir a obrigação,será excomungado, e poderá cumpri-la no prazo de um 
ano. Se não conseguir número suficiente de coexpiadores, será considerado 
herege e condenado como tal.
A origem da mentalidade inquisitorial já foi objeto de estudo de inúmeros 
historiadores e com conclusões não convergentes. A origem mais aceita da 
Inquisição tem suas raízes no Império Romano com a cognitio extra ordinem e, 
posteriormente, ainda no Direito romano antigo, com a expressão inquisitivo, que 
representava a formulação de uma acusação pela autoridade judicial, quando não 
havia denúncias ou acusações sustentadas por testemunhas. 
A origem histórica está relacionada quando, de forma complementar às 
Cruzadas, a partir de 1095, o Papa Urbano II inaugura uma “nova forma” para o 
“domínio de Deus”, deflagrando-se, no final do século XII, a Inquisição Medieval.
Em síntese, tratava-se de um movimento político-religioso, em que a Igreja 
Cristã arquitetou uma forma de reação à difusão de movimentos heréticos, como o 
maniqueís mo, o valdismo e, mais tarde, o catarismo, com maior preocupação aos 
cátaros, uma vez que, apesar de originalmente se concentrarem no sul da França, 
as suas ideias começam a se espalhar nas regiões próximas e demonstraram uma 
impressionante capacidade de influência. 
DICAS
Sobre os diferentes movimentos de resistência e a centralização papal, sugere-
se como leitura o conteúdo do seguinte link: <http://cleofas.com.br/primeiros-movimentos-
hereticos-e-os-cataros/>.
O combate aos cátaros, que foi bastante “eficaz”, permitiu que a Inquisição 
assumisse uma natureza legal e jurídica, sendo a primeira forma concreta a partir de 
sua codificação no decreto papal Ad abolendam, emanado pelo Papa Lúcio III no ano 
1184, no qual se estabeleceu o primeiro delineamento do procedimento inquisitorial. 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
104
NOTA
A palavra heresia se origina do grego (αιρετικός), que significa escolha. Com a 
autêntica manipulação imposta pela Inquisição, tornou-se um termo genérico e depreciativo 
que inclui aleatoriamente qualquer conduta considerada contrária, nova ou simplesmente 
diferente do estabelecido pelo poder. O objetivo primor dial não era a imposição da sanção 
ao suposto infrator, mas era um instrumento que impunha, através do medo generalizado, 
uma forma única de visão de mundo, de estruturação dos poderes oficiais e de estratificação 
social, sustentada pelos argumentos religiosos, criados pelos doutores da Igreja.
Até que, a partir do ano de 1438, com a descoberta de reuniões sabáticas na 
região dos Alpes, inicia-se a implacável caça às feiticeiras. Sob o álibi de “combate 
ao diabo” e suas diversas manifestações, a Igreja empreendeu uma das maiores e 
mais cruéis expressões de intolerância, perseguindo intelectuais independentes, 
mulheres, judeus, mouros ou qualquer outro “inconveniente” ao poder. 
NOTA
Os sabás – sabbats – eram festas populares em que se comemoravam as 
mudanças das estações do ano. Consistiam em antigos rituais de celebração à natureza que 
eram vistos, aos olhos da Igreja, como práticas demoníacas.
Em nome do combate ao diabo e às suas diversas manifes tações, a Igreja 
operou um combate, uma batalha irrestrita e intolerante à diversidade de opiniões 
e de crenças, enfim, às diferenças. 
A visão de uma sociedade cristã unificada e ordenada era um ideal 
para os líderes da Igreja. A cristandade era concebida como um 
todo integrado e hierárquico. Qualquer pessoa ou grupo que levasse 
uma vida religiosa fora da estrutura eclesiástica estabelecida era por 
definição um herege e sujeito à disciplina punitiva das autoridades 
seculares à qual a Igreja recorria. Falhas morais ou indiscrições pessoais 
não eram consideradas como problemas religiosos de vulto dentro 
dessa estrutura. A Igreja tinha um oportuno sistema de absolvição, 
que era capaz de cuidar desses assuntos por parte do clero e do laicato 
igualmente. O que era repreensível era a vida religiosa praticada fora 
das ordens e da disciplina da Igreja (IRVIN; SUNQUIST, 2004, p. 506).
Após seguiram-se as bulas papais Licet ad capiendos (1233) e Ad Exstirpanda 
(1252), ambas de autoria do Papa Gregório IX, e a bula Clementina Saepe (1306), 
de autoria do Papa Clemente V, que ampliaram a perseguição aos hereges.
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
105
A Inquisição medieval se instalou em vários reinos, mas foi na Espanha, em 
1239, que deixou as maiores cicatrizes, como uma “obra” dos reis católicos Isabela 
de Castilha e Fernando d’Aragão e teve como efeito a unifi cação dos reinos. 
Os reis, Isabela e Ferdinando, iniciam a expulsão dos judeus e, em seguida, 
os mulçumanos, que há séculos viviam na região, a fi m de ser estabelecida a 
unidade nacional do jovem Estado espanhol. “Preocupados” com a conversão dos 
judeus e temerosos com o surgimento de uma classe média poderosa, intuíram 
um Tribunal do Santo Ofício, que consistiu em instrumento efi caz na manutenção 
do controle social e na preservação da hegemonia política recém-conquistada, 
sob o argumento de que os hereges representavam um risco para o Estado Cristão 
Espanhol. Assim, por insistência dos reis espanhóis, em 1º de novembro de 1478, 
a bula Exigit sinceras devotionis aff ectus, emanada do Papa Sisto IV, concede aos reis 
católicos a prerrogativa de designar dois ou três bispos ou sacerdotes seculares ou 
regulares, desde que maiores de 40 anos, de conduta irrepreensível e detentores 
de títulos acadêmicos pertinentes, para desempenhar o papel de inquisidores nas 
cidades e nas dioceses de seus reinos.
Após esse início, e ao que parece com medo de perder o apoio bélico da 
Espanha, o Papa Sisto IV, já arrependido pelo poder que foi dado aos reis católicos, 
tenta retroceder, mas já não era possível. Para a Igreja, a solução foi a nomeação 
do frei dominicano Tomás de Torquemada como inquisidor-geral dos reinos de 
Castilha e Aragão, em outubro de 1483. Toquemada foi o mais implacável e terrível 
dos inquisidores e sua nomeação marca o início de uma nova fase da Inquisição. 
FIGURA 42 – TOMÁS DE TORQUEMADA
FONTE: Disponível em: <https://www.biografiasyvidas.com/
biografi a/t/torquemada.htm>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Sem dúvida, a Inquisição foi um excelente braço do poder real, 
especialmente entre os séculos XVI e XVII, quando serviu de principal instrumento 
para preservação do poder dos soberanos e legitimar suas ações. Portanto, não 
resta dúvida de que religião, moral e direito estavam visceralmente ligados, e 
por esta razão os dogmas divinos eram as matrizes que acabam por estruturar a 
ordem jurídico-política do Estado.
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
106
5 A CRENÇA NA VERDADE REAL
A busca da verdade real era a finalidade do processo inquisitório e se 
constitui em um dos pilares dogmáticos centrais. O termo “inquisição” – que significa 
“inquérito”, investigação minuciosa – já nos permite compreender o que sustentava 
todo procedimento, e assim, justifica-se a violação de direitos em prol da verdade. 
Com a certeza da infalibilidade do processo e da verdade é possível 
compreender a razão do uso de meios condenáveis, aos olhos da atualidade, 
para “revelar” o “oculto”, o “não dito”. Integridade física, liberdade, dignidade, 
segurança jurídica etc., eram sem importância ou bens menores quando 
comparados à necessidade de busca da verdade. 
Como consequência da certeza da existência da verdade real e ao sistema 
de provas legais, a tortura ocupa um papel central no processo, pois a tortura era o 
meio privilegiado de obtenção da verdade através da confissão, a rainha das provas.
 
A partir do século XIII, alguns reinos – Estados –, como Espanha e França, 
adotam a prática dos tormentos. A expansão da tortura como método de apuraçãoda 
verdade acompanhou o movimento político de combate aos hereges. Inicialmente, 
o primeiro decreto foi o Licet ad capiendos de Gregório IX (1233), e usado na Bula Ad 
extirpanda (1252) de Inocêncio IV, para aplicação da tortura por juízes civis em todos 
processos contra os suspeitos de heresia. Até que com a Bula Multorum querela de 
Clemente V, a tortura também se instala nos tribunais do Santo Ofício. 
Em 1487 é publicado o Malleus Malleficarum – Martelo das Feiticeiras –, 
de autoria de dois monges dominicanos, Heinrich Kramer e James Sprenger, e 
reconhecido pela bula papal Summis desiderantes affectibus, que consistia numa 
espécie de “manual para diagnóstico de feitiçarias”, tendo minuciosas descrições 
dos meios e modos de inflição dos suplícios aos acusados de bruxaria para 
obtenção da verdade. Assim, as instruções de tortura, muito mais do que um 
conjunto de regras, serviram como divulgação do método e estímulo para ação 
dos inquisidores, exaltando o sucesso das técnicas de “apuração” da verdade. 
De certa forma, os inquisidores passaram a acreditar em sua missão salvadora e 
de que o método era “abençoado” e, portanto, infalível, até porque a “confissão 
brotava” dos lábios dos supliciados. 
A obsessão por absoluta e inquestionável homogenia religiosa é o que 
explica esse fenômeno central na regulação da vida social, política e moral, e base do 
Estado, permitindo uma manipulação ideológica e impondo um eficaz mecanismo 
de terror que dominava as mentes e os corpos. Sem dúvida, acabou por ser uma das 
formas de poder mais tenebrosas e nefastas que a humanidade assistiu. 
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
107
FIGURA 43 – MALLEUS MALLEFICARUM – MARTELO DAS FEITICEIRAS
FONTE: Disponível em: <http://www.espada.eti.br/n1676b.asp>. 
Acesso em: 17 nov. 2017.
Não havia limites para os tormentos! Ao contrário! O inquisidor não 
poderia ser negligente na aferição da verdade!
O ponto culminante do processo era o Auto de Fé. Um autêntico 
espetáculo público em que se reproduzia o juízo final com a execução do herege. 
Progressivamente, o Auto de Fé tornou-se a maior demonstração de poder, 
quando o rei e os inquisidores ocupavam os balcões centrais para desfrutarem 
da espetacular crueldade. No dia da execução o penitente deveria usar um tipo 
de vestimenta – sambenito – com uma espécie de mitra de papelão na cabeça, em 
geral com uma inscrição do crime cometido. 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
108
Em síntese, a Inquisição foi e até certo ponto é uma mentalidade que 
permanece viva, consistiu em um movimento político-religioso que em nome 
do combate ao demônio promoveu a perseguição indiscriminada e intolerante 
à diversidade, seja de crença ou opiniões. Sem dúvida, uma estrutura de poder 
mantida pelo terror. 
Veja um trecho do prefácio da tradução do livro Manual do Inquisidor, 
feito pelo importante teólogo brasileiro Leonardo Boff, que nos diz que a crença 
na verdade absoluta nos leva à intolerância:
A “Santa” Inquisição é expressão de um componente neurótico-
obsessivo do corpo clerical e cristaliza a dimensão de pecado que exis te nas 
relações internas da Igreja. Pois, a própria Igreja-comunidade de fiéis se confessa 
santa e pecadora. Se assim é, então aqui é o pecado institucional que ganha a 
cena e a ocupa durante séculos. Seu espírito vaga assustador até os dias de 
hoje. E devemos nos precaver contra ele. Antes, ajudar a própria instituição 
eclesial a ser fiel à sua utopia originária e a ser um lugar de exercício de liberdade 
e de experimenta ção da graça humanitária de Deus. E isso se fará na medida 
em que os professantes da fé romano-católica se reapropriarem daquilo de que 
foram historicamente despojados: sua capacidade de experimentar o sonho de 
Jesus, de dizê-lo de forma criativa e responsável no interior da comunidade, 
de confrontá-lo solidariamente com outras experiên cias do evangelho de Deus 
na história e articulá-lo com o curso do mun do, onde se revela também e 
principalmente o desígnio de benquerença e de amor de Deus.
FIGURA 44 – PINTURA DE FRANCISCO RIZI: AUTO DE FÉ NA PRAÇA MAIOR
FONTE: Disponível em: <https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/auto-de-fe-en-
la-plaza-mayor-de-madrid/8d92af03-3183-473a-9997-d9cbf2557462>. Acesso em: 17 nov. 2017.
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
109
A comunidade cristã viveu séculos sem a Inquisição. Isto significa que 
não precisou dela para viver e sobreviver. Portanto, ela é supér flua. Sua existência 
mantém o mesmo escândalo, denota uma patolo gia e concretiza um pecado. Nunca 
teve direito a existir. Não deve mais existir. Por amor a Deus, por fidelidade a Jesus 
Cristo e por respeito às opiniões religiosas diferentes nas sociedades humanas.
FONTE: Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/inquisidor/
prefacio.htm>. Acesso em: 17 nov. 2017 (grifos nosso).
Esse breve texto nos leva a pensar se nos dias de hoje não estamos também 
a vivenciar uma perigosa escalada da intolerância, cujas consequências poderão 
ser um retrocesso, não é? 
6 O DIREITO COMUM MEDIEVAL
No período medieval, como já vimos, durante a Idade Média, os costumes 
bárbaros, a legislação romana e os decretos papais conviviam de tal maneira que 
parecia impossível a unificação do direito. Com o feudalismo se consolidando, o 
renascimento cultural do século XII, a criação das universidades, a rearticulação 
do comércio, entre outros fatores, permitem uma nova expressão da cultura 
jurídica que paulatinamente vai criando uma unidade no pensamento jurídico 
que no século XVI permite o surgimento do jus commune (direito comum) em toda 
Europa, não como conteúdos normativos iguais, mas com características comuns 
no uso do direito que vai chegar até os três primeiros séculos da modernidade. 
Portanto, é mais uma forma homogênea de se construir o conhecimento jurídico 
do que semelhanças normativas e procedimentais. 
O incipiente capitalismo mercantil nos séculos XIV e XV produziu a 
necessidade de regulação dos interesses dos particulares e as leis vão ganhando 
reconhecimento como direito em si e a definição de direito comum vai sendo 
referenciada como jus proprium. No século XII, a realidade da cultura europeia 
se modifica completamente e, nesse contexto, surge o interesse pelos clássicos, 
sobretudo pela forma de vida urbana que começa a surgir e o contato com o mundo 
árabe, porque mais do que mercadorias, o mundo oriental havia conservado e 
traduzido as obras de Aristóteles através dos filósofos árabes Averróis e Avicena, 
produzindo-se, assim, uma espécie de sincretismo. 
Neste mesmo período se fortalecem as universidades europeias, até 
porque ensinar era uma das funções principais dos eclesiásticos. Ao lado do 
ensino primário e secundário, são estabelecidas escolas superiores, cujo objetivo 
era o ensino enciclopédico. Estas universidades se transformarão em autênticas 
corporações, até que, em 1221, é usado o termo “universidade” em Paris para 
designar a comunidade de mestres e de estudantes parisienses (universitas 
magistrorum et scholarium).
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
110
Em Bolonha – Itália – o estudo do direito se divide entre o direito canônico 
e o civil. O direito canônico era estudado a partir do Decreto de Graciano, das 
Decretais de Gregório IX, as Clementinas e as Extravagantes. Já no direito civil se 
estudava essencialmente o Digesto, as Institutas e as Novelas do Código de Justiniano. 
Este estudo do direito romano renascido vai se estender para as demais 
universidades, que se diferenciam quanto aos métodos de estudo. Por exemplo, 
os glosadores e comentadores no século XII e XIII, os pós-glosadores ou 
comentadores nos séculos XIV e XV e os humanistasdos séculos XVI e XVII. 
Portanto, nas universidades, o direito canônico era estudado juntamente 
com o direito romano, com exceção da França, onde apenas se estudava direito 
canônico, pois os reis franceses temiam que o estudo do direito romano pudesse 
significar uma subordinação ao Sacro Império. 
Nesta etapa destaca-se o trabalho dos glosadores, que formam a 
primeira classe de estudiosos pré-modernos, que surgem com Irnério no 
século XII, em Bologna. Dedicaram-se, sobretudo, ao estudo do direito romano 
através de uma metodologia que tinha como principal objetivo preservar o 
texto ao explicitar o seu sentido. 
A glosa (do grego palavra, voz) é uma observação, consideração simples 
sobre o texto fiel a ele. O objetivo é comprovar que o texto jurídico é um 
instrumento da razão e autoridade, sem que tivesse qualquer finalidade na vida 
prática. O elemento literal é o ponto central do trabalho. Inicialmente, as glosas 
eram utilizadas para explicar uma palavra do texto. Os glosadores estenderam 
sua função para explicar toda a frase. O trabalho, de toda forma, como uma 
espécie de tradução literal. As glosas menores eram feitas nas entrelinhas do texto 
e as maiores eram ao lado, à margem. A grande pretensão era tornar evidente a 
verdade irrefutável da autoridade do texto através da razão.
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
111
FIGURA 45 – GLOSA MEDIEVAL 
FONTE: Disponível em: <https://www.definicionabc.com/comunicacion/glosa.
php>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Observe o trabalho dos glosadores demonstrado na figura acima. A glosa 
é um breve comentário que busca ser bem fiel ao texto. 
A metodologia desenvolvida pelos glosadores acaba se transformando 
em um marco inicial da ciência jurídica moderna. 
A metodologia dos glosadores simboliza um marco no estudo do direito 
como ciência, ao definir categorias, institutos, enfim, elevar o estudo do direito 
de simples repetição ao status de ciência. Como se verá, o traço essencial do 
racionalismo jurídico moderno foi a pretensão de elaborar uma teoria do direito, 
êxito alcançado a partir da secularização da cultura medieval. 
A concepção moderna de Direito, portanto, é resultado de sua 
desvinculação do sagrado e do divino, que tratava de fundamentar a verdade. 
Sem dúvida, os glosadores deram origem à classe dos juristas modernos: os 
conciliadores. Estes, contemporâneos de grandes nomes do Renascimento, como 
Dante, Giotto e Petrarca, foram os arquitetos da modernidade europeia, criando 
o Direito Comum na Europa e as bases para o que viria a ser o Direito Moderno. 
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
112
DICAS
Sobre o tema, para aprofundar seus estudos, leia o interessante texto Humanismo, 
renascimento e revolução científica, disponível em:<http://educacao.globo.com/historia/
assunto/modernidade-na-europa/humanismo-renascimento-e-revolucao-cientifica.htm>. 
Você irá compreender o nascimento da ciência moderna.
Os juristas, por sua importância e influência como uma segunda classe de 
intelectuais formada da Idade Média ao lado dos clérigos, impulsionados pelo 
humanismo, que se coloca como uma nova experiência na qual o sentido humano 
é renovado, e em meio à Reforma Luterana do século XV, que propõe uma 
forma de interpretação independente das autoridades católicas, vivenciam uma 
“viragem” da ciência jurídica no sentido da sistematicidade interna e construção 
de conceitos e princípios gerais.
Em meio ao ambiente cultural e filosófico da Baixa Idade Média, o ensino 
jurídico sofre um novo redimensionamento. O objetivo passa a ser a demonstração 
da validade e autoridade implícita nos textos jurídicos. 
Os juristas medievais desta nova etapa, também influentes diplomatas e 
administradores, não apenas foram os primeiros a reivindicar a soberania dos 
príncipes, com base nas fontes do absolutismo, como também, a partir da técnica 
jurídica formal, como análise lógica da realidade utilizada nas questões políticas, 
fornecem um “instrumental racionalizado” para as formas de poder que vinham 
se delineando com o surgimento do capitalismo burguês-mercantilista. Os 
juristas, por serem os únicos a dominar as operações lógicas, foram os únicos 
capazes de criar simultaneamente um direito de caráter universal, racional e 
objetivo baseado em deduções comprováveis logicamente e conceitos políticos 
que acabaram por dissolver as formas de poder da Idade Média.
Observe a gravura a seguir, feita a partir de um texto do século XV que 
reproduz uma reunião de doutores da Universidade de Paris. 
Veja como há uma forte presença da lógica da autoridade doutoral e a 
hierarquia! 
TÓPICO 2 | O DIREITO CANÔNICO: ELEMENTOS CARACTERIZADORES
113
FIGURA 46 – UNIVERSIDADE MEDIEVAL 
FONTE: Disponível em: <http://medievalimago.org/2014/08/23/a-
universidade-medieval-um-enorme-e-significativo-legado/>. 
Acesso em: 17 nov. 2017.
Apesar das reformas jurídicas levadas a cabo pelos glosadores e 
comentadores, permanece a ideia de Direito como um conjunto de normas que 
o intérprete pouco pode alterar. Por ser a ordem jurídica um dado indiscutível, 
fundada numa ordem prefixada autoritariamente, a atualização e a sistematização 
do direito são tomadas como mera tarefa técnico-interpretativa, orientada por 
instrumentos lógico-dogmáticos. 
O trabalho de atualização e sistematização do Direito exigido pelo 
cenário mercantilista, desenvolvido principalmente pelos comentadores sob a 
ótica interpretativa do direito romano-justiniano, aliado ao avanço político que 
caminhava no sentido da centralização do poder dos príncipes, o resultado foi 
a monopolização do Direito pelo Estado. Nesta ótica, a ordem jurídica como 
conjunto normativo de origem ligada à tradição dotada de autoridade deixava 
ao jurista apenas a tarefa de interpretar esse conjunto normativo segundo a 
necessidade de atualização e sistematização. 
O trabalho dos juristas da época consiste, basicamente, em interpretação 
contrapondo o texto de lei (verba) a seu espírito (mens) – sentido oculto a ser 
“revelado”, com base na concepção filosófica medieval em que a palavra “é a 
manifestação do conhecimento humano” – encerram a verdade, o que está na 
alma do homem –. Por conta disso, o domínio de técnicas interpretativas, como 
único meio de estabelecer o “espírito” encerrado no texto normativo, possibilitava 
a rejeição de qualquer interesse normativo oposto, a exemplo da interpretação 
restritiva utilizada em certos momentos para as regras que não poderiam ser 
aceitas, por “excederem à vontade racional do legislador”, e em outros, aceitas 
ampliativamente, de acordo com o interesse e utilidade.
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
114
É exatamente esse trabalho que irá desenvolver a sistematização do direito 
moderno, particularmente a concepção de que direito é um sistema normativo legal 
que pode ser compreendido cientificamente através de técnicas específicas. Os juristas 
medievais desenvolveram um trabalho de sistematização, a partir da interpretação 
lógica. Inicialmente, a lógica como procedimento interpretativo foi aplicada aos textos 
bíblicos, considerando o texto como expressão de uma ideia geral (ratio) presente 
em toda sua extensão, por isso, cada parte do texto é compreendida a partir de sua 
integração no conjunto, o que permite a “extração” dos preceitos isolados. 
Entretanto, como veremos a seguir, apenas sob o paradigma da legalidade 
– a lei como tecnologia disciplinar das relações sociais – estabelecido a partir dos 
séculos XVIII e XIX, é que se coloca o direito enquanto modelo técnico-racional 
de orientação da prática jurídica. Assim, o direito torna-se uma ciência objetiva 
cuja interpretação e aplicação devem ser orientadas por critérios metodológicos 
específicos de cientificidade.O processo de racionalização da prática jurídica moderna não pode ser 
compreendido isoladamente, mas como parte integrante de um amplo processo 
de racionalização que se transformou na marca da sociedade ocidental a partir 
do século XVIII.
Em síntese, é sob os fundamentos do direito comum, do ius commune, que 
se perpetuarão as transformações políticas e jurídicas da modernidade. Tomando 
como base o direito, cuja autoridade e universalidade encontravam respaldo na 
própria ideia de Império, irá ser esfacelada a unificação medieval da cristandade, 
abrindo caminho para a afirmação do direito dos Estados cujo processo de 
consolidação passa a exigir gradual concentração das funções administrativa, 
legislativa e judiciária, como veremos adiante. 
115
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• As características e elementos que edificaram o Direito Canônico Medieval.
• O legado do Direito Canônico para o pensamento jurídico moderno.
• As origens políticas e ideológicas dos Tribunais Canônicos e o Processo 
Inquisitorial.
• A formação do direito comum canônico.
• A importância do ensino medieval e a formação dos canonistas.
116
AUTOATIVIDADE
Após o estudo realizado, responda à seguinte questão:
Como você resumiria o conceito de justiça para o Direito Canônico Medieval? 
Nos dias de hoje pode-se encontrar no Direito elementos do Direito canônico? 
Quais? Escreva sobre isso de maneira fundamentada.
117
TÓPICO 3
A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o direito moderno, vamos começar 
identificando o cenário, o contexto, a partir do qual se edifica toda lógica jurídica 
predominante até os dias de hoje. 
“Modernidade” é a designação genérica de um complexo conjunto de 
transformações cujos efeitos acabaram colocando a Europa como centro de um 
projeto civilizatório hegemônico. Trata-se de um processo paradigmático inédito 
que reorientou as múltiplas relações da vida cotidiana e suas formas tradicionais 
de racionalização, carregando consigo distintas faces. 
Externamente, ou seja, para além da Europa, desde a América Latina e 
África, a modernidade pode ser interpretada como construção do mito criado a 
partir do século XV acerca da existência de um centro histórico mundial portador 
de uma concepção política de ordem econômica, política e social civilizadora. 
2 AS COSMOVISÕES JURÍDICAS MODERNAS
Como vimos, em momentos históricos anteriores os impérios ou sistemas 
culturais coexistiam entre si, e apenas com a expansão europeia, que atinge a 
América no século XV e o Oriente no XVI, é que o planeta se torna o “lugar” de 
uma “única” história mundial (DUSSEL, 2000, p. 46). Na face interna, desde a 
Europa, modernidade é uma forma de emancipação de racionalização civilizada 
da humanidade. Um discurso que oculta a irracionalidade de dominação que 
justifica seu próprio mito.
A expansão colonizadora da Europa é uma das faces da modernidade, 
trata-se de um processo de dominação cultural e política que edificou uma 
universalização do direito europeu.
118
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
FIGURA 47 – TRATADO DE TORDESILHAS
FONTE: Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.
aspx?codigo=897>. Acesso em: 17 nov. 2017.
 Para Enrique Dussel (2000), o mito da modernidade, uma prática irracional 
de violência, é fundado nas seguintes crenças: 
1. a civilização eurocêntrica moderna se autocompreende como a mais 
desenvolvida e superior;
2. em troca desta superioridade lhe é imposta a exigência moral de 
desenvolver os povos mais primitivos, rudes e bárbaros; 
3. este processo de educação civilizadora deve ser conduzido pela Europa; 
4. como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, se necessário for e 
em último caso, a violência pode ser utilizada em nome do progresso 
(justifi cando-se, assim, a “guerra justa” colonial); 
5. o processo civilizatório produz vítimas, mas como a violência é 
inevitável há um heroísmo intrínseco neste sacrifício salvador; 
6. portanto, o bárbaro não é vítima, mas sim o culpado dos sacrifícios 
necessários, já que o “civilizado” é inocente por ser nobre sua missão; 
7. portanto, o processo civilizatório possui “custos” para os povos 
atrasados (imaturos), para as raças escravizáveis e para todo débil 
(DUSSEL, 2000, p. 49).
Em síntese, “modernidade” é um paradigma múltiplo, ambíguo e 
complexo que enfeixa em si relações de dominação desenvolvidas mundialmente 
desde o século XV, cujo impulso foi a autoelaboração europeia, a construção da 
concepção de Europa, de um imaginário de “progresso” linear e universal. 
TÓPICO 3 | A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES
119
Sem dúvida, a tirania de poder, com sua “missão civilizadora”, ocultada pelo 
discurso justificador da modernidade, constituiu-se numa prática “racionalizadora” 
de um mito alimentado interna e externamente pelo mundo europeu ao mesmo 
tempo em que era definitivamente superado o passado medieval. Assim, “mundo 
moderno” é produto da aproximação entre a burguesia secularizada europeia e 
as necessidades do capitalismo que acabou por oferecer os contornos do padrão 
mundial de poder que construiu o modelo civilizatório hegemônico. 
A origem da palavra “moderno” é bastante esclarecedora. Modernus, 
derivado de modo (recente, há pouco), é uma palavra tardia na língua latina. Foi 
utilizada em fins do século V como antônimo de antiquus, criando termos como 
modernitas (tempos modernos) e moderni (homens de nosso tempo) que passaram 
a ser comuns após o século X (KUMAR, 1997).
Portanto, a palavra “modernidade” é uma criação cristã medieval. O sentido 
de moderno medieval era daquilo que se opunha ao mundo antigo pagão imerso 
em trevas e em uma concepção naturalista segundo a qual o tempo era cíclico e 
reprodutivo. A noção de tempo humano, regular e repetitivo, compartilhava do 
caráter cíclico de toda matéria criada. Era admitida mudança, mas não a novidade 
(KUMAR, 1997). A noção de tempo na antiguidade é a própria eternidade imutável.
No entanto, “no Renascimento se inicia uma nova situação que supera o 
tradicional desprezo do indivíduo enquanto ente visível da ação social começando 
a se alterar, com a própria possibilidade da extroversão” (SCLIAR, 2003, p. 42). 
No quadro emocional instável do homem do Renascimento combinam-se 
três vertentes primordiais posteriormente acentuadas na via própria do processo 
de construção da modernidade. 
IMPORTANT
E
É importante que haja a consciência de que o processo de construção da 
modernidade é difuso, sendo caracterizado pelo seu caráter lento e irregular de gestação 
que começa a ocorrer precursoramente nos séculos XI e XII, caracterizado por um lento e 
irregular desenvolvimento do mercado de trocas comerciais e a aceleração do processo de 
racionalização que até então era muito lento (FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e 
contrato de trabalho. Op. Cit. LTr, 2002, p. 30).
120
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
Conjugam-se, respectivamente, a tendência à inovação, à aventura e à 
descoberta. Nessa nova condição histórica, ainda não capitalista do Renascimento, 
a característica acentuada é a mercantilização. Nesta lógica de mercantilização, 
sem limites ou obstáculos que não sejam profanáveis pela acumulação, o sagrado 
se reifica, se coisifica, se aliena e todo universo humano adquire valor de troca.
Nesse sentido, o sentimento do individualismo, a potencialização da 
extroversão criativa e sua monetarização tornam-se correntes. Na arte e na 
literatura surge, ao contrário da Antiguidade ou da Idade Média, um novo 
contexto no qual a autoria não é mais ignorada ou mencionada como um rótulo 
sem maior significação. Porém, a sociedade renascentistapossui ainda um modelo 
incapaz de romper com o legado clássico e reconstruí-lo rumo ao futuro.
A modelagem cultural renascentista imprime a forma de mercadoria 
com a contraposição do produto do artesão oposto ao do gênio da obra de arte, 
agora também integrado nos circuitos comerciais difundidos pelos mecenatos e 
diferenciado pelo traço da sua condição individual como trabalhador.
Uma das questões essenciais desse período é o da formação do indivíduo 
como um dos elementos vitais para a compreensão do homem fragmentado 
nas relações sociais controladas pelo capital, com a consequente escalada do 
individualismo que marcou o advento da modernidade. 
Rompeu-se com a concepção do indivíduo visto de forma pejorativa ou 
desnecessária em sociedades do passado, como a da Grécia antiga, caracterizada pelo 
culto coletivista da pólis; na Idade Média tal conceituação também era dispensável 
devido ao caráter da vida comunitária essencialmente provincial ou local.
Contudo há um sentido da Renascença que impulsiona a modernidade. 
As experiências socialmente partilhadas pelo cotidiano, paulatinamente a partir 
dos séculos XIV e XV, espelham a emergência de uma nova racionalidade. 
Na Europa, vai sendo desenhado o cenário de um novo modo de vida no 
qual a dimensão humana se descobre e, desafiando a ordem medieval, redefine seu 
significado existencial, abandonando definitivamente a posição secundária em relação 
ao poder divino e à natureza. O prodigioso esforço de superar a tradição medieval 
até então dominante conduziu a uma nova concepção e valoração do humano, 
inaugurando um novo momento histórico. Chama atenção Richard Tarnas (2000) 
que é equivocado imaginar essa fase como produto tão somente de luz e esplendor, 
já que vai sendo construída em meio a convulsões sociais e desastres fatais, como a 
Guerra dos Cem Anos, que parecia interminável e destruidora, e a Peste Negra que, 
em meados do século XIV, havia dizimado um terço da população europeia. 
3 O PROCESSO DE DOMINAÇÃO COLONIAL
TÓPICO 3 | A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES
121
Se, de um lado, a coragem para divergir dos preconceitos dominantes 
ia emancipando o espírito humano, de outro, o cotidiano parecia avassalador. 
Professores eram perseguidos quando não professavam a mesma fé do monarca 
e o debate teológico, com a Reforma, assume destaque no meio universitário. 
Institucionalmente, perdem o papel de liderança intelectual para as academias, 
que passaram a ser o centro de produção cultural a partir do século XVII. Nesse 
ambiente ainda as fogueiras da Inquisição ardiam sem parar!
NOTA
As academias eram grupos de indivíduos já com conhecimento que se reuniam 
para discutir sobre suas experiências, hipóteses e conhecimentos, aproximando-se de um 
“clube de amadores” de um certo tema, arte ou ciência. Esses indivíduos não pertenciam 
à academia para obter um título, mas para livremente investigar e discutir, o que não era 
possível no ambiente universitário.
4 O DIREITO DA CONQUISTA
Como parte desse ambiente, praticava-se como nunca magia negra e 
flagelação grupal. A Igreja, pedra angular do modelo social, para muitos era mais 
um centro de corrupção e decadência do que um exemplo de integridade moral. 
O cenário era visto mais como apocalíptico do que inovador. 
Neste contexto, a recuperação do conhecimento e a revolução da cultura 
começam a ser considerados ponto de partida para a construção do novo espírito 
humano. Um espírito que ia justificando e impulsionando o domínio econômico 
e político europeu para além de suas fronteiras. As inovações técnicas se alastram 
e permitem a visualização de um novo horizonte existencial, por exemplo, a 
bússola magnética, a pólvora, o relógio mecânico e a imprensa. Inovações que 
provocam a expansão do mundo conhecido, uma nova relação com o tempo e a 
expansão da secularização do conhecimento. 
Simultaneamente, se construía um novo ethos cultural para uma sociedade que 
começa a conceber-se como definitivamente civilizada. Neste contexto, novos valores 
são ressaltados, dentre os quais o individualismo assume relevância. Desaparecera 
o ideal cristão medieval que dissolvia o indivíduo na coletividade. A figura do herói 
santificado paulatinamente é trocada pela do aventureiro rebelde capaz de pensar 
como gênio numa vida de serviço ao Estado, comércio e conhecimento. O desejo de 
prosperidade econômica e social deixava de ser pecado, tornando-se virtude.
Esse é o ambiente de um novo ator social com mais confiança em sua 
própria capacidade de discernimento do que nas autoridades. Orgulhoso de sua 
própria razão e ciente de que seria capaz de compreender e controlar o mundo 
circundante sem depender de nenhuma divindade onipotente. 
122
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
FIGURA 48 – OS PRECURSORES DO ILUMINISMO: RENÉ DESCARTES, 
FRANCIS BACON, JONH LOCKE E ISAAC NEWTONF
FONTE: Disponível em: <http://historiadomundo.uol.com.br/idade-
moderna/precursores-do-iluminismo.htm>. Acesso em: 17 nov. 2017.
A realidade parecia transformar-se num ritmo alucinante. Copérnico, no 
século XVI, com a teoria heliocêntrica e a órbita planetária, havia iniciado um 
movimento antidogmático seguido por Tycho Brahe, Kepler e Galileu, entre outros, 
que viria a abalar o princípio de autoridade, até então, base do poder papal. 
Isaac Newton, no século XVII, dá um passo definitivo para a criação de uma 
teoria geral da dinâmica. Em meados do mesmo século, Huygens elaborou a teoria 
ondulatória da luz. Em 1628, são publicadas as descobertas de Harvey sobre a 
circulação do sangue. Robert Boyle, em 1661, supera definitivamente os alquimistas 
no campo da química e retoma a teoria dos átomos de Demócrito. Giordano Bruno, 
em 1660, é queimado na fogueira por divulgar a teoria heliocêntrica e por suas 
convicções teológicas serem consideradas heréticas. Acreditava que a Sagrada 
Escritura deveria ser obedecida como ensinamento moral e não como astronômico. 
A revolução da ciência abria possibilidade para a certeza epistemológica e consenso 
objetivo e, ao mesmo tempo, a lógica da previsão experimental e metodológica 
científica ia assumindo como redentora social.
No século XVII, na Inglaterra, Francis Bacon proclama a necessidade de 
um novo método capaz de substituir o antigo silogismo, encontrando na indução 
uma resposta. Suas ideias são explicitadas em 1620, com a publicação do Novum 
Organum, que, como o nome sugere, vem a substituir o antigo Organon aristotélico. 
Apesar dos equívocos teóricos, defende o postulado de que um método adequado, 
o empírico, permitiria a compreensão dos princípios e mecanismos que regem os 
fenômenos naturais, e finalmente, a natureza poderia ser dominada. 
Enquanto isso, na França, René Descartes, em meio à crise do ceticismo 
filosófico francês e como fruto do racionalismo crítico, busca criar critérios irrefutáveis 
para a certeza do conhecimento. Por ser um excelente matemático, acreditava que 
apenas o rigor metodológico da geometria e aritmética poderia conduzir a um 
conhecimento absoluto e verdadeiro no campo filosófico. Partindo da crença na 
consciência individual e do comportamento metódico da dúvida, conclui que a única 
TÓPICO 3 | A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES
123
certeza é a certeza da dúvida. O sujeito pensante existe – cogito, ergo sum – e tudo 
demais pode ser questionado. Nesta ótica, o conhecimento seguro é o que pode ser 
obtido a partir do princípio primeiro do cogito; usando a dúvida, o experimento e 
a hipótese, a ciência avançaria. A razão humana torna-se a suprema autoridade e a 
única capaz de obter uma compreensão racional do mundo circundante.
Descartes conferiu um novo sentido à palavra Método: passou a significar 
proposta de verificação da verdade de uma proposição que exclui o erro. Méthode 
é um conceito jáconhecido, existente na cultura helênica, para a qual significava, 
segundo Hans-Georg Gadamer, um caminho capaz de conduzir ao que se quer 
conhecer (GADAMER, 1999). 
IMPORTANT
E
Defendendo a supremacia da racionalidade humana sobre a natureza, assim 
escreve Bacon: Já é tempo de expor a arte de interpretar a natureza ... De fato, somos da 
opinião de que se os homens tivessem à mão uma adequada história da natureza e da 
experiência, e a ela se dedicassem cuidadosamente, e se, além disso, se impusessem duas 
precauções: uma, a de renunciar às opiniões e noções recebidas; outra, a de coibir, até o 
momento exato, o ímpeto próprio da mente para os princípios mais gerais e para aqueles que 
se acham próximos; e se assim procedessem, acabariam, pela própria e genuína força de suas 
mentes, sem nenhum artifício, por chegar à nossa forma de interpretação. A interpretação é, 
com efeito, a obra verdadeira e natural da mente, depois de liberta de todos os obstáculos. 
Mas com os nossos preceitos tudo será mais rápido. 
FONTE: BACON, Francis. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da 
natureza. Tradução de José Aluysio Reis de Andrade. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1973, p. 95.
Na modernidade, Descartes estabeleceu a ideia de método unitário, 
funcionando como paradigma de validade para todo conhecimento, de certificação 
universal em razão das condições formais de procedimento. Criou o início de 
intrincadas e indissolúveis questões que viriam a ser discutidas pelas gerações de 
teóricos que o seguiram, produzindo, assim, uma pluralidade de problemas que 
transcenderam a individualidade de qualquer pensador e acabaram por entrelaçarem-
se naquilo que se chamou de pensamento científico moderno: a combinação entre 
conhecimento técnico-científico e a forma de racionalizar o kosmos circundante. 
Assim, foi sendo definida uma nova cosmologia profana dentro da qual 
simultaneamente o ser humano descobria o movimento planetário e mudava seu 
eixo existencial: de um universo aristotélico-cristão hierárquico, finito e estático para 
um cosmo de significados múltiplos e absolutamente novos (TARNAS, 2000). O 
mundo tornara-se secular e mutante. Com a teoria darwiniana demonstrava-se que a 
transformação era o estado permanente da natureza em luta para o desenvolvimento 
e supremacia dos mais fortes e não fruto benevolente de um plano transcendental.
A ciência tornava a realidade neutra. Apenas as evidências empíricas e a 
análise racional poderiam ser legítimas bases epistemológicas.
124
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
De forma definitiva eram rompidos os vínculos com o passado medieval 
e inaugurada uma era em moldes absolutamente novos, anunciando o alvorecer 
de um progresso humano infinito. O ingresso em um tempo futuro expandido 
de forma infinita, um tempo para progressos sem precedentes na evolução da 
humanidade (TARNAS, 2000). 
Nestes novos tempos o passado não tinha mais sentido em ser revivido, 
apenas compreendido como forma de perspectiva para o futuro. A autoridade da 
tradição é abolida. O conceito de moderno inclui a independência e a inovação. 
Talvez, por esta razão, o conceito de modernidade é de abertura; de contínua 
ideia de inovação.
Entre os séculos XVIII e XIX, na Europa, quando a ciência já havia assumido 
uma instância superior, para além do bem e do mal (SOUZA SANTOS, 2006), 
finalmente, os tempos modernos ganhavam vida (KUMAR, 1997) e o irreversível 
processo de secularização tornou a ciência um novo meio de redenção social e 
político, acreditando que ao transformar os problemas sociopolíticos em questões 
técnicas, as soluções seriam mais eficientes. 
O modelo de racionalidade sob o qual se edificou a ciência moderna, 
essencialmente orientada pelos postulados das ciências naturais que se estendeu 
às ciências sociais emergentes, no entender de Boaventura de Souza Santos (2006, 
p. 61), acabou por constituir-se num modelo totalitário, universal, já que: “nega 
o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos 
princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”. 
Esta é a característica essencial e diferenciadora do modelo paradigmático de 
conhecimento que vem a substituir hegemonicamente todos os que o antecederam. 
A insurgente confiança epistemológica construía a crença na possibilidade 
da unidade e verdade, e, simultaneamente, a definitiva superação do modo de 
vida medieval. 
Neste contexto, é edificado um modelo de racionalidade que rompe com o 
senso comum, negando qualquer conhecimento fundado tão somente na prática. 
Partindo da concepção de mundo-máquina, herança da física newtoniana, 
consolida-se a concepção de dominação através do conhecimento como resultado 
da adoção de critérios metodológicos adequados e precisos, tendo como 
pressuposto certeza da existência da ordem, previsibilidade e estabilidade. 
A explosão que estilhaçou a imagem medieval teológica e geocêntrica 
de mundo, igualmente modificou o ideal de vida teórica, tornando a ciência 
uma grandeza autônoma (GADAMER, 1999). A permanente autossuperação do 
conhecimento produzido pela investigação faz da ciência um empreendimento 
desafiador e ilimitado cujo caminho de investigação metódica é a própria 
certificação da razão (GADAMER, 1999). A partir de então, a tarefa dos diversos 
campos do conhecimento é colocar-se nessa “trilha segura”, na qual o saber torna-
se produto de uma teoria fundada em rígidos critérios metodológicos. 
TÓPICO 3 | A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÕES
125
Neste contexto, a imagem de mundo, elaborada a partir da autoconsciência 
humana, faz com que a própria interpretação da realidade adquira um sentido 
pragmático. Em outras palavras, o agir, enquanto produto compreensivo, passa a 
pressupor o uso adequado de uma operação técnica. 
O modelo de racionalidade que foi sendo construído desde o 
Renascimento no mundo europeu, a partir do século XIX adquire o status de 
modelo global de racionalidade científica, alastrando-se para os diversos campos 
do conhecimento, colonizando culturas e sociedades, sobretudo ocidentais. Tal 
modelo é representado melhor pelo positivismo, em suas distintas vertentes, que 
para Souza Santos (2006, p. 25) assenta-se nas seguintes ideias fundamentais: 
[...] distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou 
cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples susceptíveis 
de formulação matemática; uma concepção da realidade dominada 
pelo mecanicismo determinista e da verdade como representação 
transparente da realidade; uma separação absoluta entre o conhecimento 
científico – considerado o único válido e rigoroso – e outras formas 
de conhecimento, como o senso comum ou estudos humanísticos; 
privilegiamento da causalidade funcional, hostil à investigação das 
“causas últimas”, consideradas metafísicas, e centrada na manipulação 
e transformação da realidade estudada pela ciência.
 Toda reflexão epistemológica moderna assentou-se neste paradigma, que 
demonstrava ser capaz de formular princípios organizativos da ordem natural 
e social. Esse modelo de racionalidade deve ser compreendido como parte 
essencial do grande projeto civilizatório da modernidade, que segundo Souza 
Santos (2006), é assentado sobre dois pilares – o da regulação e da emancipação – 
cada um dos quais constituído por três princípios ou lógicas. 
O pilar da regulação, construído pela concepção de Estado – que encontra sua 
justificativa nas concepções contratualistas –, o princípio de mercado – formulado 
sobretudo pelas concepções capitalistas liberais, e o princípio da comunidade – tal 
como concebido teoricamente por Rousseau. O pilar da emancipação assentado 
nas lógicas de racionalidade tal como expressas por Max Weber: a estético-
expressiva das artes e literatura,a cognitiva instrumental da ciência e tecnologia e a 
racionalidade moral-prática da ética e direito (SOUZA SANTOS, 2006).
O grande esforço, sobretudo ocidental, em edificar uma civilização 
institucionalmente racionalizada e objetivamente avaliada transmuta-se num 
imenso e ambicioso projeto social global que carregava consigo a promessa de 
um desenvolvimento harmônico e recíproco entre os pilares da regulação e 
emancipação, capaz de racionalizar completa e simultaneamente a vida coletiva 
e individual. À ciência coube o papel central de controlar e administrar qualquer 
possibilidade de excessos, desvios ou défices, considerados como situações 
passíveis de serem resolvidas de forma eficiente, convertendo-se, assim, a 
ciência em força produtiva com critérios de eficácia e eficiência que se tornaram 
hegemônicos, ao ponto de colonizarem gradualmente os critérios racionais das 
outras lógicas emancipatórias (SOUZA SANTOS, 2006). 
126
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
O importante autor contemporâneo Boaventura de Sousa Santos escreve 
sobre os “sintomas” da crise do pensamento científico moderno. Perceba como o 
autor coloca a impotência da ciência para os tempos que se vão anunciando. 
Vivemos num tempo atônito que ao debruçar-se sobre si próprio 
descobre que os seus pés são um cruzamento de sombras, sombras que vêm 
do passado que ora pensamos já não sermos, ora pensamos não termos ainda 
deixado de ser, sombras que vêm do futuro que ora pensamos já sermos, ora 
pensamos nunca virmos a ser. Quando, ao procurarmos analisar a situação 
presente das ciências no seu conjunto, olhamos para o passado, a primeira 
imagem é talvez a de que os progressos científicos dos últimos trinta anos são 
de tal ordem dramáticos que os séculos que nos precederam desde o século 
XVI, onde todos nós, cientistas modernos, nascemos, até ao próprio século XIX, 
não são mais que uma pré-história longínqua. Mas se fecharmos os olhos e 
os voltarmos a abrir, verificamos com surpresa que os grandes cientistas que 
estabeleceram e mapearam o campo teórico em que ainda hoje nos movemos 
viveram ou trabalharam entre o século XVIII e os primeiros vinte anos do século 
XX, de Adam Smith e Ricardo a Lavoisier e Darwin, de Marx e Durkheim a Max 
Weber e Pareto, de Humboldt e Planck a Poincaré e Einstein. E de tal modo é 
assim que é possível dizer que em termos científicos vivemos ainda no século 
XIX e que o século XX ainda não começou, nem talvez comece antes de terminar. 
E se, em vez de no passado, centrarmos o nosso olhar no futuro, do mesmo 
modo duas imagens contraditórias nos ocorrem alternadamente. Por um lado, 
as potencialidades da tradução tecnológica dos conhecimentos acumulados 
fazem-nos crer no limiar de uma sociedade de comunicação e interativa libertada 
das carências e inseguranças que ainda hoje compõem os dias de muitos de nós: 
o século XXI a começar antes de começar. Por outro lado, uma reflexão cada vez 
mais aprofundada sobre os limites do rigor científico combinada com os perigos 
cada vez mais verossímeis da catástrofe ecológica ou da guerra nuclear fazem-
nos temer que o século XXI termine antes de começar.
FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-4014198
8000200007>. Acesso em: 17 nov. 2017.
Lendo o trecho acima, que você tem disponível na íntegra pela internet, 
somos levados a pensar se realmente a ciência, enquanto conhecimento em si, é 
capaz de solucionar os males do nosso tempo!
127
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
 
• A Modernidade como um contexto político, histórico e cultural no qual irá se 
edificar uma nova racionalidade jurídica.
• O rompimento com o poder político papal e a emergência dos Estados Modernos.
• A secularização do conhecimento e a concepção de ciência substituindo a 
ideologia cristã.
• A contribuição dos distintos pensadores para a edificação do saber moderno e 
a redefinição do Direito.
128
Considere a cena abaixo, do filme Tempos Modernos, de 1936, de 
Charles Chaplin:
AUTOATIVIDADE
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1832/
fotos/detalhe/?cmediafile=20067818>. Acesso em: 3 jan. 2018.
Pergunta-se: Considerando o estudo realizado acerca do pensamento 
moderno, o que a figura acima lhe sugere quanto à relação ser humano X 
tecnologia?
129
TÓPICO 4
O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Para compreendermos o direito moderno como resultado de todo um 
processo histórico acumulado, há que se partir da compreensão da racionalização 
jurídica moderna, o que pressupõe inseri-la no amplo processo ético-filosófico e 
técnico-produtivo da ordem capitalista liberal que emergiu da sociedade ocidental 
europeia no século XVIII, culminando na consolidação de uma nova ordem social, 
econômica e política, fundada nos valores e interesses da classe burguesa. 
Se inicialmente o liberalismo constituiu um instrumento revolucionário 
capaz de enfrentar o Antigo Regime Absolutista, com o apoio das camadas 
populares que acreditavam na possibilidade de construção de uma sociedade 
livre, justa e fraterna, com a apropriação do poder político e econômico pela elite 
burguesa, os ideais revolucionários são mantidos unicamente no plano formal, 
excluindo-se da prática qualquer ação comprometida com a distribuição da 
riqueza e a democratização política.
Afirma Antonio Carlos Wolkmer (1994) que, das expressões valorativas, 
a que mais se encontra integrada ao liberalismo é o individualismo. No modelo 
liberal, o individualismo assume caráter diferenciado de outras experiências 
históricas, como o cristão, naturalista, racionalista e anarquista, por estabelecê-lo 
não como um “valor em si”, mas como “valor absoluto”, que concebe e prioriza 
o homem em sua absoluta autonomia não apenas frente ao poder estatal, mas a 
qualquer forma de organização institucional. 
Sob tal ótica, foi produzido um modelo político monopolizado capaz 
de assegurar e reproduzir os interesses liberais individualistas do capitalismo 
burguês, aliado a um tipo específico de instrumental jurídico capaz de garantir 
sua legitimidade e efetividade.
O modelo político liberal moderno é resultado histórico da formação de 
um tipo de poder estruturado na Europa durante os séculos XV, XVI e XVII, 
que veio a suceder o político-jurídico medieval. Trata-se de uma forma política 
moldada dentro de um processo de centralização e concentração ocorrido nesses 
séculos, que se desdobrou através de distintas fases: absolutista, liberal e social. 
2 O MODELO POLÍTICO LIBERAL MODERNO
130
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
Entende Hermann Heller (s.d., p. 158) que: “[...] é patente o fato de que 
durante meio milênio, na Idade Média, não existiu o Estado no sentido de uma 
unidade de dominação, independentemente no exterior e interior que atuara de 
modo contínuo com meios de poder próprios, e claramente delimitada pessoal e 
territorialmente”.
Para o referido autor, o modelo de poder político da Idade Média é 
entendido como “estamental” (as funções encontravam-se repartidas entre a 
Igreja, os nobres proprietários de terra, os cavalheiros e outros privilegiados), 
sendo os reinos e territórios da Idade Média, tanto no interior como no exterior, 
unidades de poder político apenas excepcionalmente, já que o poder estava 
limitado em seu interior pelos inúmeros depositários de poder feudal, e no 
exterior pela Igreja e Imperador.
Como já vimos, além de que, na fase medieval, era desconhecida a ideia de 
uma pluralidade de Estados soberanos coexistindo com uma igual consideração 
jurídica, não conhecendo o Estado feudal uma relação de súdito de caráter 
unitário, como atualmente o compreendemos.
Portanto o Estado «moderno»se origina em um processo de alterações 
que incluem a exaustão do sistema socioeconômico feudal e o advento 
do capitalismo; incluem também o surgimento de uma nova vida 
urbana, em contraste com a existência predominantemente rural do 
medievo e em consonância com a ascensão de um novo tipo social que 
viria a ser denominado burguesia (SALDANHA, 1987, p. 8).
A ordem política e social medieval, por sua descentralização e 
fragmentação, permitiu a coexistência de distintas e complexas ordens jurídicas 
legítimas num mesmo espaço social, o que será definitivamente abolido pelo 
Estado Moderno, que irá impor uma ordem jurídica monista, considerando o 
Estado como a fonte monopolizadora de produção do Direito, tendo as demais 
fontes apenas legitimidade derivada. 
Há de salientar-se que, dentro dessa realidade jurídica pluralista, num 
plano superior, colocou-se o Direito Canônico, por estar diretamente vinculado à 
autoridade religiosa, critério último para a validação das demais ordens jurídicas, 
como consequência do princípio agostiniano de subordinação da ordem terrena 
à ordem divina.
Paulatinamente, com o avanço da ordem mercantilista e a necessidade 
de proteger juridicamente os interesses da burguesia comercial, associam-se as 
ideias individualistas e capitalistas a partir do século XVI, abrindo caminho para 
um “novo” estilo de vida que foi capaz de transformar a estrutura social, jurídica 
e econômica do mundo medieval ocidental, delineando um novo homem com 
consciência do valor da personalidade e da liberdade individual, rompendo-se com 
as regras morais e religiosas da Idade Média. Assim, começa a entrar em colapso a 
antiga estrutura jurídica descentralizada, passando a ser sucedida pela consolidação 
mais genérica, sistemática e unitária de um Direito Mercantil (WOLKMER, 1994).
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
131
No plano político, o Estado Moderno, de forma oposta ao do poder medieval, 
constitui-se de dois processos paralelos que paulatinamente o vão consolidando: O 
processo de centralização, quando se passou do poder disperso e local para um 
poder situado em um foco central nas mãos do monarca; e a formação de uma nova 
concepção política de que o poder deve ter legitimidade e representatividade.
Tal modelo político desenvolveu-se por conta da conjugação de fatores que 
se desenvolveram historicamente através de estágios “demarcados por mutações 
revolucionárias” fundamentais, que são: absolutista, liberal e social, sendo que 
cada fase é caracterizada por um tipo, uma figura conceitual genérica provinda 
da unificação de certos traços de um objeto.
DICAS
Para melhor compreender esta fase da história, procure ler sobre as Revoluções 
Burguesas. Há muito material disponível na internet!!!!
FIGURA 49 – REVOLUÇÃO INGLESA
FONTE: Disponível em: <https://cafedahistoria.wordpress.com/2012/04/12/
revolucoes-burguesas-a-revolucao-inglesa/>. Acesso em: 17 nov. 2017.
O adjetivo liberal, tomado em sua concepção política, que vem a caracterizar 
o modelo que sucede ao absolutista, deve ser compreendido a partir dos movimentos 
político-sociais pré-napoleônicos do século XIX; apesar de antes ter a Inglaterra exemplos 
de correntes e instituições tipicamente liberais, associado a um credo jusnaturalista, 
diferencia-se substancialmente do antigo. Para o jusnaturalismo predominou uma 
concepção objetiva – existência de leis eternas, correlatas de uma racionalidade inerente 
às coisas e oriundas do domínio do nous e de sua obra, o cosmos. 
132
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
Com o pensamento moderno emerge a noção de direito subjetivo (que 
sobreveio já com o cristianismo), emergindo uma concepção plural e individual 
de direitos naturais. Na versão liberal, o contratualismo representa um “legado”, 
um ponto de partida para a ideia de necessário acordo de vontades para a 
legitimação de poder.
Somente um poder consentido seria legítimo – aqui sem diferenciar-
se legitimidade e validade – e tal consentimento deveria provir de 
todos, ou seja, de cada um dos contratantes, cada qual livre e racional 
em sua condição humana. Tal liberdade viria a ser proclamada nas 
declarações constitucionais do liberalismo, dando aval ao poder 
consentido e outorgado, e reconhecida e protegida pelo Estado 
(SALDANHA, 1987, p. 29).
O paradigma legalista, enquanto legitimação de qualquer ação social, 
tanto no individual quanto no plano político, a partir da previsão legal – conjunto 
normativo escrito de caráter geral e abstrato – que obedece a um modelo técnico-
racional e produzida unicamente pelo Estado, traz como um de seus corolários 
o princípio do primado da lei. Esta é uma invenção do século XIX que vem na 
esteira das revoluções burguesas, que vincula a teoria da soberania popular e da 
representação parlamentar como reação à concepção absolutista de Estado.
 Para a burguesia em ascensão, a defesa de seus interesses – livre circulação 
de bens, de pessoas, liberdade de comércio e direito de propriedade – passava pela 
necessidade de impor ao Estado o primado da lei como garantia a violações a tais 
direitos. Tal paradigma foi apropriado pelas distintas ordens jurídicas ocidentais 
de maneira diferenciada, conferindo-lhe fisionomia própria. Assim, por exemplo, 
na França a lei positivada é a condição de existência de direitos, enquanto que na 
Alemanha de Weimar, sob o efeito do socialismo, se cria a ideia de que a lei escrita 
cria o perigo de restringir direitos ao invés de garanti-los, preferindo-se operar a 
distinção entre lei formal e lei material (AUER, s.d.).
O paradigma da legalidade, ao ser transformado em ideologia jurídica, 
se converte num princípio hermenêutico moderno, pois cria a ficção da 
possibilidade de vincular o abstrato ao concreto, o geral ao particular, reforçando 
a ideia de coerência da ordem jurídica. Auer (s.d., p. 135), tomando ideologia 
no sentido gramsciano, a define como “[...] um sistema lógico de ideias que 
circulam na sociedade e que constituem outras tantas normas de comportamento 
difusas, parcialmente conscientes e parcialmente inconfessas”. Tal ideologia 
jurídica, tendo por finalidade promover a coesão do grupo social, organizando 
a consciência individual em função de padrões de universalidade, justiça, 
equidade e previsibilidade, torna legítima a organização jurídica posta, criando 
um “consenso” que permite um agir social.
A citação a seguir retrata o que é o paradigma da legalidade, que vem a 
ser o conceito-chave do direito moderno.
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
133
O princípio da legalidade canaliza e estrutura a lei. A lei pode 
ser vaga, imprecisa, fluida e indeterminada, pois o princípio da 
legalidade consegue a proeza de fazer aparecer como conformes a 
esta fluidez os mais diversos atos de aplicação individual e concreta. 
Garantindo uma ligação tanto normativa como lógica entre o abstrato 
e o concreto, entre o geral e o individual, a legalidade funda e reforça 
a ideia de uma coerência da ordem jurídica. Ela pinta a imagem 
reconfortante, porque previsível, de um mundo jurídico fechado 
e ordenado, em que tudo está no seu lugar, em que a conclusão 
decorre naturalmente do jogo das premissas maior e menor, em que 
o geral e o abstrato antecipam um juízo hipotético sobre o concreto 
que, por sua vez, os confirma, etc. Em suma, a ideia de uma lógica da 
ordem jurídica é essencialmente ideológica e esta ideia alimenta-se, 
nomeadamente, do princípio da legalidade (AUER, s.d., p. 136).
Este milagroso paradigma é legitimado pela crença positivista enquanto 
atitude científica que “[...] encontra na observação científica dos fenômenos a 
explicação da realidade, excluindo toda especulação metafísica. Esta observação é 
uma experiência da realidade a partir da qual será dada a explicação(empirismo 
vem da experiência)” (MIAILLE, 1989, p. 275). 
Esta corrente de pensamento foi o resultado da incorporação do modelo 
epistemológico adotado pelas ciências naturais às “ciências do espírito”, 
pressupondo que todo saber, para ser válido, deveria se basear na observação 
direta da realidade empírica, rejeitando qualquer especulação metafísica, 
substituindo a autoridade e a especulação filosófica pela observação e pela 
experiência, pretendendo objetivar o conhecimento.
Segundo Hespanha (1997), no plano jurídico, este movimento vinha ao 
encontro da pretensão de colocar fim tanto à incerteza e ao casuísmo do modelo 
jurídico tradicional quanto à proliferação de sistemas especulativos sobre direito 
natural que haviam surgido ao longo do século XVIII. 
Ou seja, dirigia-se tanto contra a vinculação do direito à religião e 
à moral, como contra a sua identificação com especulações de tipo 
filosófico como as que eram correntes nas escolas jus racionalistas. 
Contra uma coisa e contra a outra proclamava-se a necessidade de um 
saber dirigido para coisas positivas (HESPANHA, 1997, p. 174).
No pensamento jurídico fixaram-se duas correntes doutrinárias de matriz 
positivista a partir do século XIX: o positivismo legalista, representado pela Escola 
Exegética, e o positivismo formalista científico, cuja precursora foi a Escola Histórica. 
O positivismo em sua vertente legalista, que acaba sendo dominante 
na prática jurídica, reduz o direito à lei e admite como única fonte de direito o 
criado por um legislador estatal. Já a segunda: “[...] deduzia as normas jurídicas 
e sua aplicação a partir do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da 
ciência jurídica, sem conceder a valores ou objetivos extrajurídicos (por exemplo, 
religiosos, sociais ou científicos) a possibilidade de confirmar ou infirmar as 
soluções jurídicas” (WIEACKER, s.d., p. 492).
134
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
Embora não possam as duas concepções ser confundidas por possuírem 
diferentes matrizes filosóficas e políticas, ambas rejeitam qualquer fundamentação 
metafísica do direito, conferindo-lhe o status de um saber científico especializado 
e autônomo, que deve utilizar métodos objetivos e verificáveis à semelhança das 
ciências naturais. A tal credo soma-se a pretensão de conferir a esse saber um 
caráter de universalidade e de progressiva perfeição, já que esta fase coincide 
com o período áureo da expansão colonialista europeia que difundia e impunha 
a cultura, e por via de consequência, o modelo jurídico desenvolvido na Europa 
Ocidental às diferentes partes do mundo, combatendo e dizimando, em nome 
do “progresso, modernidade e da civilização”, todas as formas de organização 
social, política e jurídica dos povos conquistados, convencida de sua supremacia.
A codificação representou a consolidação do positivismo jurídico como 
discurso predominante no período de formação da ciência jurídica moderna. 
Esse movimento inovador e revolucionário no plano jurídico-formal vem na 
esteira da ideologia liberal burguesa e no triunfo dos princípios da Revolução 
Francesa, rompendo definitivamente com a antiga ordem estamental sobre a qual 
se assentava o Antigo Regime. 
FIGURA 50 – CÓDIGO CIVIL FRANCÊS 
FONTE: Disponível em: <https://viajepordois.wordpress.com/2013/09/12/
waterloo/>. Acesso em: 17 nov. 2017.
O princípio básico desse novo paradigma jurídico, coerente com a 
concepção de que o estudo do Direito deve ser restringido à experiência 
constatada, consiste em identificar e reconhecer apenas como Direito o produzido 
pelo Estado, o único com existência objetiva – jus positum – que, com segurança, 
pode ser instrumento de planificação e manutenção da sociedade.
O movimento da codificação, produto da simbiose do jus racionalismo 
com o iluminismo, alastrou-se pela Europa Ocidental a partir do século XIX, 
e, apesar da multiplicidade de circunstâncias que justificam sua ocorrência, 
possui, no dizer de Wieacker (s/d, p. 366), “um idêntico perfil espiritual”. 
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
135
Os códigos modernos pretenderam uma “planificação social” através da 
reordenação sistemática da matéria jurídica, tendo como pressuposto a convicção 
iluminista de que o estágio civilizatório da sociedade seria alcançado com uma forma 
de governo fundada na razão e na “vontade geral”. O projeto geral para a edificação 
de um modelo social fundado na ética natural vinha sendo delineado pelo Direito 
Natural, que, a partir do século XVII, encontrou um ambiente filosófico para uma 
redefinição no sentido de conceber o Direito Natural estável fundado na razão.
O pensamento dos juristas que buscavam um “direito certo e seguro” 
encontrou no poder da razão individual a possibilidade de descoberta das regras 
do justo fundado numa ordem racional, o que iria conduzir no sentido de tornar 
o direito positivo o “mais certo”.
A ideia do direito natural, neste novo sentido, vem a impor-se 
decisivamente na cultura jurídica europeia do século XVII. De alguma 
forma, o novo direito natural, fundado na razão, é o correspondente 
do antigo direito natural, fundado na teologia. O pensamento social e 
jurídico laicizara-se. O que não é estranho ao facto de, pela primeira 
vez, se ter quebrado a unidade religiosa da Europa (com a Reforma) e 
de se ter entrado em contato com povos totalmente alheios à tradição 
religiosa europeia. E, com esta laicização, o fundamento do direito 
passara a residir em valores laicos, comuns a todos os homens, como 
as evidências racionais (HESPANHA, 1997, p. 150).
Este novo conceito de Direito Natural, que passa a dominar o pensamento 
dos juristas, traz como consequência a construção de sistemas jurídicos que têm 
como ponto de partida os direitos inatos do indivíduo. A concepção individualista 
de homem, apesar de remontar ao nominalismo, teve no cartesianismo e no 
empirismo um novo impulso, onde os direitos individuais, imutáveis e necessários 
são definidos pela própria natureza humana. 
DICAS
A filosofia nominalista, ao contrário da tradição filosófica clássica que conferia 
existência real ao homem como inserido em estruturas sociais, considerava o homem 
enquanto um ser isolado, sem outros direitos e deveres senão aqueles reclamados pela sua 
natureza individual ou pela sua vontade.
Do cartesianismo é absorvida a ideia de o homem como ser que busca 
a verdade através da razão, detentor de dois direitos naturais inerentes: usar 
livremente a razão na produção do conhecimento e de pautar sua ação em 
princípios ditados pela razão. O empirismo transcende o cartesianismo ao idealizar 
o homem não apenas como um ser racional, mas comandado por instintos concretos 
(perpetuação, conservação...) que deveriam ser garantidos e satisfeitos, já que 
constituíam um Direito Natural (HESPANHA, 1997).
136
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
É assim superada a concepção aristotélico-tomista de Direito Natural pela 
convicção na natureza individual do homem e na observação dos impulsos que o 
levam à ação, emergindo um novo conceito de sociedade e de ordem social. 
[...] perante a sua necessidade “natural” de agir racionalmente ou 
de agir instintivamente, a sociedade aparecida até mesmo como um 
obstáculo, pois nela não era possível dar livre curso a estes impulsos 
sem chocar com os desígnios de ação dos outros”. É exatamente esta a 
firme crença dos pensadores jus racionalistas que defendem o Estado 
como forma de organização social e de limite dos direitos naturais.
De facto, levado pela consideração dos interesses da vida em comum, 
para a qual se sentiam inclinados (Grócio), ou pelo medo de um 
estado de natureza em que a satisfação dos impulsos naturais gerava 
contínuas lutas (Hobbes), os homens celebram entresi um pacto, 
pelo qual limitam a sua liberdade natural, entregando na mão dos 
governantes o poder de editar regras de convívio obrigatórias. É o 
«contrato social», cujos germes já se encontram em Suarez, mas cuja 
teoria é agora amplamente desenvolvida.
A teoria do «contrato social» não deu lugar somente às teorias 
democráticas que tiveram seu epílogo na Revolução Francesa. Ele 
foi igualmente adequado a fundamentar o «despotismo iluminado», 
típico das monarquias e principados europeus do século XVIII. Tudo 
dependia, de facto, do conteúdo do contrato, pois os jus naturalistas 
acabavam, como se vê, por depor todo direito positivo nas mãos dos 
membros da coletividade. E então, é da vontade arbitrária destes que 
a lei vem, em última análise, a depender. E bem pode acontecer que, 
atentos aos perigos do estado de natureza, os homens decidam depor 
todos os seus direitos na mão do príncipe, a fim de que este zele, com 
o pulso livre, pelo bem comum e pela felicidade individual (Hobbes) 
(HESPANHA, 1997, p. 151-152).
Com o jus racionalismo é aberta uma nova fase no pensamento jurídico. 
De um lado, a nova convicção de “natureza humana” eterna e imutável 
confere valor universal do Direito, o que explica a “exportação” dos códigos, 
notadamente o Código Civil napoleônico como subsidiário ou principal, para 
regiões culturalmente distintas, representando um verdadeiro movimento 
revolucionário. E de outro, o divórcio definitivo entre Direito Natural e Direito 
Positivo, vindo este último a ser considerado como o único Direito, sendo que 
no dizer de Bobbio (1993, p. 23), “[...] a partir deste momento o acréscimo de 
adjetivo «positivo» ao termo «direito» torna-se um pleonasmo, mesmo porque, 
se quisermos usar uma fórmula sintética, o positivismo jurídico é aquela doutrina 
segundo a qual não existe outro direito se não o positivo”.
As codificações sistemáticas do Direito significaram o “triunfo da razão” que 
pretenderam a positivação de um modelo de Direito ensinado nas universidades 
desde o século XI, “o direito justo”, mostrando os juristas a disposição em admitirem 
a inovação de ser o soberano competente para afirmar o Direito.
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
137
 Na verdade, é reconhecido o poder do Estado para expor os princípios 
da lei natural: trata-se, como diz Cambecérès – jurista francês do século XIX que 
elaborou o Código Civil de 1804 –, de estabelecer um código de natureza sancionado 
pela razão e garantido pela liberdade, poder este que, uma vez admitido, 
facilmente é afastado de tal fim, já que o “legislador”, como personificação do 
Estado, servindo-se de tal poder, independentemente de qualquer preocupação 
com “leis naturais”, serve-se da nova mentalidade para ter na lei positivada um 
eficiente instrumento de controle social.
3 O DIREITO E A ORIENTAÇÃO EXEGÉTICA
Na França revolucionária do século XIX, o movimento da codificação veio 
a mudar radicalmente o conceito de Direito, fazendo verdadeira “tábula rasa” da 
ordem jurídica anterior. Ao criar uma nova mentalidade que identifica Direito 
com os códigos, os juristas desenvolvem um instrumental técnico de interpretação 
e aplicação do Direito, seguindo uma orientação exegética. 
No dizer de Bobbio (1993, p. 83), a técnica exegética consiste em: “[...] assumir 
pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido 
pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo 
por artigo, do próprio Código”. Portanto, a chamada Escola da Exegese pretendia 
reduzir o direito à lei, levando a cabo os objetivos revolucionários burgueses.
Como disse o decano Aubry, em 1857, em um relatório oficial sobre 
o espírito do ensino da Faculdade de Direito em Paris: Toda a lei, 
tanto no espírito quanto na letra, com uma ampla aplicação de seus 
princípios e o mais completo desenvolvimento das consequências que 
dela decorrem, porém nada mais que a lei, tal a divisa dos professores 
do Código de Napoleão (PERELMAN, 1998, p. 31).
Apesar de já ter a Assembleia Nacional Constituinte de 1790 concebido 
um projeto de código que sintetizasse um novo direito revolucionário, apenas 
em 1804, com o Consulado e sob a influência de Napoleão I, é que o Código 
Civil teve uma versão definitiva, seguindo-se o Código de Processo Civil 
(1806), Código Comercial (1807), Código Penal (1810), dentre outros. Esta fase 
de promulgação dos códigos inaugura a instauração da Escola da Exegese, que, 
segundo Perelman (1998), vem seguida de duas outras fases distintas: uma fase 
de apogeu até cerca de 1880, e uma de declínio, que termina em 1890 com a obra 
de Gény, anunciando o fim do pensamento exegético. Os códigos napoleônicos 
consumaram definitivamente a doutrina jus racionalista ao “positivar a própria 
razão” e a concretização legislativa da volonté générale.
138
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
A Escola da Exegese estava intimamente ligada ao ambiente político 
e jurídico francês, ou seja, a um Estado nacional revolucionário, em 
corte com o passado, dotado de órgãos representativos e que tinha 
empreendido uma importante tarefa de codificação. Isto determina a 
disseminação dos princípios desta escola noutros países, retardando-a, 
nomeadamente, nos casos em que estes requisitos não estivessem 
realizados (HESPANHA, 1997, p. 178).
Tal saber jurídico que dominou a Europa na primeira metade do século 
XIX, segundo Bobbio (1993, p. 84-89), possui como características fundamentais: 
1. A inversão das relações tradicionais entre Direito Natural e Direito 
Positivo. 
2. O monismo jurídico.
3. A interpretação e aplicação da lei fundada na intenção do legislador. 
4. O culto à lei e o princípio da autoridade.
Até fins do século XVIII, predominava uma concepção dualista em que o 
Direito era definido individualmente em duas esferas distintas: o Direito Natural 
e o Direito Positivo, diferenciados quanto à gradação de superioridade ao longo 
da formação histórica do pensamento jurídico. 
Na Antiguidade Clássica, como vimos, o Direito Natural era considerado 
hierarquicamente inferior ao Positivo, concebido como Direito comum (koinós 
nómos), enquanto o Direito Positivo era o particular. 
Já na Idade Média, o Direito Natural é visto como “a lei escrita por Deus 
presente no coração dos homens”, como afirma São Paulo na Sagrada Escritura, 
o que resulta na inversão da relação entre as duas espécies de Direito, tendência 
que impregnou o pensamento jus naturalista de que considerou o Direito Natural 
superior ao Positivo. Porém, apesar de tais distinções, ambos eram considerados 
como legítimos.
Com o pensamento exegético, embora sem a coragem de negar 
completamente, o Direito Natural passa a ser de menor importância e sem 
significado prático. No dizer de Demolombe, um dos idealizadores do Positivismo 
Jurídico, o Direito Natural só importa ao jurista quando é inserido na lei, fazendo, 
assim, uma inversão própria do pensamento positivista, ao desconsiderar o 
Direito Natural como referencial de validade ao Direito Positivo.
Segundo Hespanha, a lei sistematizada nos códigos adquire o monopólio de 
manifestação do direito. Já não havia lugar para outras fontes de direito. O direito 
doutrinal havia sido incorporado nos códigos. A Revolução rompeu definitivamente 
com o passado, instituindo uma nova ordem política e jurídica, desvinculando-se, 
assim, do Direito tradicional. A jurisprudência não tinha mais sentido como fonte 
de Direito na medida em que aos juízes cabia apenas o poder de aplicar a lei e não 
estabelecer o Direito (HESPANHA,1997). Esta compreensão jurídica, predominante 
na França do século XIX, forjou juristas (Duranton, Demolombe, Troplong) cujas 
obras doutrinárias limitavam-se a expor e interpretar os artigos dos códigos.
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMOJURÍDICO
139
O jurisconsulto não deve se prender a um modelo mais ou menos 
perfeito, a um tipo mais ou menos ideal; [...] o direito natural, para ele, 
não é sempre o melhor, nem o mais excelente; mas o direito natural 
possível, praticável, realizável é aquele, sobretudo, que se conforma 
e se assimila melhor ao espírito, aos princípios e às tendências gerais 
da legislação escrita; e eis por que penso que é sempre nessa mesma 
legislação que é necessário atingir, diretamente ou indiretamente, todas 
as regras das soluções jurídicas (Bonnecase) (BOBBIO, 1993, p. 85).
Bobbio (1993) salienta que a Escola da Exegese eliminou a ideia de 
aplicação subsidiária do Direito Natural no caso de lacuna do Direito Positivo, já 
que, apesar de o art. 4º do Código de Napoleão admitir a função subsidiária do 
Direito Natural, a interpretação deste artigo é alterada. Partindo do princípio da 
completude do ordenamento jurídico, o juiz não necessita de meio subsidiário 
para resolver conflitos: “o juiz não pode legalmente pretender que a lei não lhe 
proporciona os meios para resolver a causa que lhe é submetida” (Bonnecase), 
além de dever o juiz considerar improcedente qualquer pedido que não “previsto 
em lei” (BOBBIO, 1993, p. 86).
Quanto à segunda característica apontada por Bobbio, o monismo jurídico, 
ou princípio da onipotência do legislador, segundo Wolkmer (1994, p. 40), tal 
doutrina resulta da inter-relação entre:
A suprema racionalização do poder do soberano e a positividade 
formal do Direito [...], conferindo ao Estado o monopólio de produção 
das normas jurídicas, transformando o Estado em único agente 
legitimado capaz de criar legalidade para enquadrar as formas de 
relações sociais que se vão impondo. 
O Estado Liberal Moderno, conforme já considerado, é definido em função 
de ser um modelo político ao mesmo tempo per leges (faz a lei) e sub leges (sob o 
controle da lei), contorno que foi conferido pela congruência entre a legalidade 
estatal e a centralização burocrática, que atribui a seus órgãos institucionais 
diferentes poderes – legislar e julgar através de regras jurídicas abstratas e 
genéricas, sistematizadas no Direito Positivo. 
É exatamente com a Escola da Exegese que ocorre a mais íntima simbiose 
entre o Direito e o Estado, não apenas no sentido de reconhecer como única 
fonte de Direito o Estado, mas sobretudo, por admitir como o único verdadeiro 
o Direito Estatal.
Tendo presente a consolidação do modo de produção capitalista e a 
definição da burguesia como segmento social hegemônico, impõe-se, 
a partir de uma arquitetura lógico-formal unitária, o princípio de que 
toda sociedade tem apenas em único Direito, e que este «verdadeiro» 
Direito, instrumentalizado por regras positivamente postas, só pode 
ser produzido através de órgãos e de instituições reconhecidos e/ou 
oficializados pelo Estado. Constrói-se, assim, a segurança, a hierarquia 
e a certeza de um arcabouço de normatividade dogmática fundado no 
plano lógico de que só existe um Direito, o Direito Positivo do Estado 
(WOLKMER, 1994, p. 54).
140
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
A concepção estatal de Direito implica, necessariamente, o princípio da 
onipotência do legislador, que não significa tão-somente a negação do Direito 
Natural, mas também, no dizer de Bobbio (1993, p. 86), “a negação de todo tipo de 
direito positivo diferente daquele posto pela lei, como o direito consuetudinário, 
o direito judiciário e principalmente o direito científico”. 
Dura lex, sed lex; um bom magistrado humilha sua razão diante da razão 
da lei (Mourlon). Esta máxima do pensamento exegético deixa evidente que a 
interpretação e aplicação da lei devem ser submetidas à razão expressa na lei, a 
razão de um Estado Legislador.
Como decorrência da sacralização do Direito Estatal fundado no 
princípio da onipotência do legislador, vincula-se uma terceira crença, ou 
característica, do pensamento exegético: a interpretação e aplicação da lei com 
base na intenção do legislador. 
A ficção jurídica de um legislador onipotente e detentor de “uma 
vontade” expressa no texto legal é fruto do pensar dogmático positivista, que 
compreende o texto da lei como expressão da mens legislatoris (vontade do 
legislador). Pressupondo os códigos como instrumento capaz de garantir a 
certeza das relações sociais e o Direito como fato objetivado e delimitado nestes 
códigos, via de consequência, a interpretação e aplicação do Direito deveria ser 
centralizada na determinação unívoca e precisa do sentido expresso no texto 
legal, operando-se com a segurança e certeza como valores prioritários desse 
modelo de cientificização.
Para dar conta da perspectiva formalista e lógica da ciência jurídica, 
definitivamente o intérprete não pode operar senão o que lhe é dado, que são as 
proposições normativas e sistematicamente organizadas nos códigos.
Esta preocupação cientificista, herdada pelos juristas do século XVIII, se 
explica pelo conceito sistemático de Direito, que se resume em um conjunto de 
elementos estruturados pelas regras da dedução.
Nesse sentido, interpretar significa, sob tal ótica, estabelecer o sentido 
imanente da norma na totalidade do sistema tal qual foi previsto pelo legislador, 
distinguindo-se a vontade real e vontade presumida.
Busca-se a vontade real do legislador no caso em que a lei disciplina 
efetivamente uma dada relação, mas tal disciplinamento não fica 
claro a partir do texto da lei (então se busca, mediante investigações 
de caráter essencialmente histórico, o que o autor da lei pretendia 
efetivamente dizer); busca-se, em contrapartida, a vontade presumida 
do legislador (o que se resolve, em última análise, numa ficção 
jurídica), quando o legislador se omitiu em regular uma dada relação 
(lacuna da lei). Então, recorrendo à analogia e aos princípios gerais do 
direito, procura-se estabelecer qual teria sido a vontade do legislador, 
se ele tivesse previsto o caso em questão (BOBBIO, 1993, p. 87).
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
141
Finalmente, a última característica assinalada por Bobbio (1993), o culto 
à lei e o princípio da autoridade, resulta da identificação do Direito com a lei 
que submete o intérprete, como “profissão de fé” (Demolombe), ao culto das 
disposições legais, a um excessivo apego à lei e à vontade do legislador nela 
expressa, conferindo ao texto legal um poder inerente – a fetichização.
É pressuposto do pensamento exegético a impossibilidade de colocar em 
discussão a justeza “da palavra” do legislador expressa no texto legal. A Escola 
da Exegese foi sustentada por seus expoentes, comentadores do Código, cujos 
entendimentos serviram de dogma aos juristas.
As teorias jurídicas estruturadas na Europa durante o século XIX, apesar 
de possuírem como vínculo comum o objetivo de viabilizar e consolidar o novo 
paradigma político e social voltado para os interesses da burguesia triunfante, 
não constituíam uma unidade de soluções metodológicas. 
A Alemanha, em fins do século XVIII, que ocupava lugar de destaque 
no cenário do pensamento jurídico europeu, além de não ter sido palco da 
experiência revolucionária burguesa, não conhecia o modelo político do Estado 
Nacional. Na Europa, a crença no racionalismo e no liberalismo revolucionário 
difundia a convicção de que os Estados Modernos deveriam ordenar sua ordem 
jurídica através de uma codificação monopolizadora.
Nas raízes dos movimentos políticos contratualistas, o Estado (e o Direito 
Codificado) era idealizado como fruto de um contrato social racional a-histórico, 
portanto, como forma universal e a-cultural, indiferente às particularidades 
históricas e culturais. 
Era isto que uma cultura de raízes nacionais, ancorada nas 
especificidades culturais dos povos, não podia aceitar. Uma organização 
políticae jurídica indiferenciada, exportável, universalizante, aparecia, 
quando confrontada com os particularismos das tradições nacionais, 
como um artificialismo a rejeitar (HESPANHA, 1997, p. 181). 
É contra esta visão artificial e intemporal de Estado e Direito que 
pensadores como Gustav Hugo (1764-1844), Friedrich Carl V. Savigny (1779-
1861) e G.F. Puchta (1798-1846) buscam fontes não estaduais e não legislativas 
do direito, compreendendo a sociedade como um organismo sujeito à evolução 
histórica, onde a tradição do passado condiciona naturalmente o presente. Esta 
natural e peculiar evolução, sob tal ótica, possuiria como elemento permanente 
e atuante o “espírito do povo” (Volksgeist), que daria sentido e unidade a todas 
formas de manifestação cultural das diferentes nações.
142
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
FIGURA 51 – OS DOIS GRANDES NOMES DO POSITIVISMO JURÍDICO
FONTE: Disponível em: <http://www.duhaime.org/LawMuseum/LawArticle-
1164/1814-The-Thibaut-Savigny-Controversy-German-Codification-v-Common-Law.
aspx>. Acesso em: 17 nov. 2017.
O processo de construção do positivismo na Alemanha, segundo Bobbio 
(1993, p. 45), foi precedido pela desagregação dos “mitos” jus naturalistas ligados 
à concepção filosófica racionalista – a filosofia iluminista de matriz cartesiana, 
tarefa que coube ao historicismo na primeira metade do século XIX –, que tem sua 
origem na Escola Histórica do Direito.
NOTA
O historicismo, como tendência de pensamento que se opõe ao raciocínio 
puro e abstrato, dividiu-se em diversos ramos, designando várias reações contra as doutrinas 
racionalistas. Pode-se distinguir três correntes: o historicismo filosófico de Schelling e Hegel, o 
historicismo político dos teóricos da Restauração e o historicismo jurídico. Apesar de considerar 
as importantes relações e interdependência entre as diferentes correntes, há que se destacar o 
historicismo jurídico. Sobre o historicismo alemão em suas diferentes vertentes, leia: 
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia. Tradução de Antônio José Brandão. Coimbra: 
Arménio Amado – Editor, 1979.
 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego, Lisboa: Fundação 
Calouste Gulbenkian, s.d.
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
143
Como decorrência das condições específicas do processo histórico e da 
concepção predominante no pensamento jurídico alemão em rejeitar o Estado 
como única fonte do direito e sua forma legislativa, é na filosofia da cultura 
organicista e evolucionista somada ao ambiente cultural do romantismo alemão, 
que a Escola Histórica vai buscar como pressuposto da ordem jurídica a ideia de 
que a sociedade, assim como um ser vivo, é um todo orgânico submetido a um 
processo de evolução histórica que é individualizado em cada povo. 
Este processo evolutivo histórico, neste entendimento, é movido por uma 
força, ou um “espírito contínuo e atuante”: o espírito do povo (Vosksgeist), que 
confere unidade e sentido a todas manifestações culturais de uma nação, sendo 
o direito uma dessas formas de manifestação, e, portanto, é o resultado da ação 
deste agente nuclear.
A partir desse pressuposto, assiste-se à construção do pensamento jurídico 
alemão positivista na primeira metade do século XIX, que, sob o ponto de vista 
hermenêutico, servirá como base para a concepção formalista e organicista de 
interpretação e aplicação do Direito.
O primeiro passo de desmistificação do jus naturalismo deu-se com Gustav 
Hugo. Como sugere o título de sua obra, “Tratado do Direito Natural como 
Filosofia do Direito Positivo”, escrita em 1798, entende-se que o direito natural 
não pode ser mais concebido como sistema normativo independente do direito 
positivo, mas como filosofia do direito positivo. Com tal afirmação, reduzindo o 
direito natural e filosofia ao direito positivo, efetua a passagem do jus naturalismo 
para o jus positivismo. 
Na obra referida, quando se discutem as fontes do direito, ao colocar a 
questão central do que é direito, o autor responde não acreditando na “sabedoria” 
jus racionalista do legislador e sua “fábrica de leis”: Na crítica que Hugo lançou 
ao jus racionalismo a-histórico e seus legisladores, buscou construir uma ciência 
jurídica autônoma, empírica e filosófica, propondo uma sistematização interna 
da qual seria possível a construção conceitual dos conteúdos do direito positivo, 
antecipando as contribuições levadas pela Escola Histórica.
A reação ao movimento de codificação, considerado como fator de 
destruição e não de construção do direito, conduzirá à valorização dos elementos 
consuetudinário e doutrinal do direito e não ao direito legislado, como pretendia 
o pensamento legalista-exegético, o que é evidenciado no debate travado entre 
Savigny e Antônio Frederico Justo Thibaut (1772-1840). Thibaut, no ensaio “Sobre 
a necessidade de um direito civil geral para a Alemanha” (Heidelberg, 1814), 
defende a necessidade da codificação do direito com uma perfeição formal – 
normas jurídicas enunciadas de maneira clara e precisa – e substancial – normas 
capazes de regular todas as relações sociais – como forma de unificação da 
Alemanha e avanço no pensamento jurídico. Bobbio (1993, p. 59) interpreta o 
estudo de Thibaut como:
144
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
[...] nos institutos fundamentais do direito se encontra uma disciplina 
universal [...], e assim subverte a clássica argumentação da escola 
histórica. Enquanto para esta a codificação [...] é algo artificial e 
arbitrário, para Thibaut, ao contrário, as diversidades locais do direito 
não têm nada de natural, sendo unicamente devidas ao arbítrio dos 
vários príncipes de tais universidades.
A reação de Savigny, já conhecido como grande jurista, é manifestada 
no mesmo ano com a publicação “Da vocação de nosso tempo para a legislação 
e a jurisprudência”, quando declara não ser contrário à codificação, mas que 
as condições históricas e culturais da Alemanha, que eram de decadência, 
inviabilizavam a construção de uma obra de tal importância. Para Savigny, 
a maneira pela qual iria superar os entraves do pensamento jurídico e político 
alemão não era a codificação, mas antes “promover vigorosamente o renascimento 
e o desenvolvimento do direito científico, isto é, a elaboração do direito por obra 
da ciência jurídica” (BOBBIO, 1993, p. 62).
Tal discussão evidencia o antilegalismo como característica central 
do pensamento jurídico alemão, que prioriza os elementos consuetudinário 
e doutrinal como referenciais na construção da ciência jurídica. O costume é 
valorizado exatamente por ser manifestação natural e espontânea do direito e a 
doutrina pelo entendimento da escola histórica que entendia serem os intelectuais 
capazes de revelar de maneira sistemática e organizada “o espírito do povo”.
O idealismo científico formal serviu como fundamento da crença de que 
o direito, tal qual as ciências naturais, é regido por princípios gerais apreendidos 
empiricamente. Por via de consequência, torna-se insondável a justeza das 
decisões, na medida em que se trata de uma operação mental lógica (apenas 
verdadeira ou falsa) independente da valoração do conteúdo e da finalidade das 
decisões, já que a interpretação se limita à correta subsunção através de um ato 
lógico. Com esta noção elimina-se do sistema jurídico a possibilidade de lacunas, 
sendo que o trabalho do juiz em aparente lacuna seria de “revelar” a solução já 
existente no próprio sistema.
Uma concepção objetivista de interpretação jurídica: se o direito se 
constitui num sistema coerente de conceitos manifestados no direito positivado, 
o sentido das normas seria conferido pelo próprio sistema. Portanto, o sentido da 
norma, diferentemente do entendido pelo legalismo exegético,não seria obtido 
estabelecendo-se a “vontade do legislador”, mas de sua inserção no contexto 
sistemático normativo, ou seja, um sentido objetivamente dado.
TÓPICO 4 | O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO JURÍDICO
145
LEITURA COMPLEMENTAR
Crítica e Emancipação: Direitos Humanos desde a experiência 
latino-americana
 Ivone Fernandes 
Morcilo Lixa
Em Eichmann (em Jerusalém) Hannah Arendt (1999) nos demonstrou que 
o mal não pode ser explicado como uma fatalidade, mas como uma possibilidade 
da liberdade humana e sua banalidade não significa algo sem importância ou que 
possa ser entendido como normal. O banal é o que vai sendo vivenciado como 
se fosse comum e acaba sendo reconhecido como normal e o mal torna-se banal 
porque seus agentes são superficiais e suas vítimas são consideradas supérfluas. 
Portanto, quanto mais superficial alguém for, mais provavelmente ele cede ao mal. 
Para Arendt, a incapacidade de pensar é o que permitiu a muitos homens 
comuns cometerem atos cruéis em escala jamais vista, mas o ato de pensar não é 
mero conhecimento, e sim a capacidade de distinguir o bem do mal. 
E é no pensar que está a esperança de que as pessoas sejam capazes de ter 
forças para evitar catástrofes nos raros momentos de confronto com a verdade. É 
também neste ato de pensar e contribuir para a profundidade que se pode iniciar 
a urgente tarefa de refundar o conceito de Direito e Direitos Humanos. 
Já aprendemos, e ainda estamos lamentavelmente aprendendo no Brasil, que 
as barbaridades cometidas contra seres humanos não se fundam somente no ódio, 
na cobiça ou na estupidez, mas sim na ausência de reflexão, no distanciamento e 
estranhamento, para usar a linguagem filosófica, que permite a abertura de lidar 
com o invisível, com o não dito, com o silenciado e com o que está “fora de ordem”. 
Talvez em tempos de fascismos tão declarados seja chegado o momento de nos 
educarmos como forma nos protegermos da banalidade do mal, talvez assim possa 
ser menos favorável e tenha mais pudor falas intolerantes e assassinas. 
Vive-se tempos difíceis e de perversidades inéditas tanto no Sul como no 
Norte para se falar em Direitos Humanos. Desde o Sul, paradoxalmente o fim do 
século XX e início do XXI foi uma era de afirmações de Direitos Humanos pela via 
de ações afirmativas do Estado com as anunciadas novas ordens constitucionais 
e sua permanente violação, quer pelo próprio Estado, quer pela sociedade civil 
alimentada pela intolerância e o ódio que servem de combustível ao fascismo que 
nos últimos anos passou a dominar nosso cotidiano. 
146
UNIDADE 2 | PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NA MODERNIDADE
Em relação à questão racial, por exemplo, a edição de medidas legais, 
como a Lei 7716/89, que definiu os crimes resultantes de raça ou cor ou mesmo 
o reconhecimento ao direito de posse da terra às comunidades quilombolas ou 
ainda as políticas de âmbito federal na educação, como a edição da Lei 10.639/96, 
que instituiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática 
“história e cultura afro-brasileira”, não foram suficientes para impedir que o 
aumento da violência contra a população negra, jovem e pobre desse país. De 
acordo com o Mapa da violência publicado em 2016, vem aumentando a violência 
contra a população negra no país. 
Desgraçadamente, segundo o último Mapa da Violência no Brasil, publicado 
em 2016, a taxa de homicídios de negros aumentou 9,9% entre 2003 e 2014, passando 
de 24,9% para 27,4%. Pela pesquisa, a vitimização negra do país, que em 2003 era 
de 71,7%, mais que duplicou: em 2014 alcançou 158,9%, o que significa que morrem 
2,6 vezes mais negros que brancos vitimados por arma de fogo.
Há décadas organizações de defesa de Direitos Humanos vêm denunciando a 
dramática situação nos presídios brasileiros, situação que nos primeiros dias do ano de 
2017 acabou em explosivos massacres que resultaram em carnificina, com 133 mortes, 
explorada pela violência midiática nacionalizando um dantesco cenário com corpos 
sem vida, cabeças, pernas e uma centena de fotos e vídeos sem cortes sem respeitar a 
privacidade e a imagem dos mortos e seus familiares, ignorando as causas da tragédia: 
a crise da segurança pública brasileira e a ausência de política pública de segurança. 
 A nua realidade desnudada nos acusa
Nós, juristas, por força do vício domesticador das instituições que nos 
formam e nos forjam não nos damos conta de como somos arquitetos dessa 
perversidade. Herdeiros de uma cultura jurídica negadora do “outro”, do 
“marginalizado”, “do bárbaro e selvagem nativo” constrói-se uma inteligência 
sequestrada não a serviço da defesa dos direitos da maioria da população brasileira, 
mas do 1% mais rico que monopoliza não apenas os recursos, mas também a 
política. Enquanto que no século XVI os donos da terra arregimentavam feitores 
e suas chibatas para o controle de seus escravos, nos dias de hoje os intelectuais 
domesticados e rasos formam um “exército de capangas” a serviço do poder.
FONTE: Disponível em: <https://editorakarywa.files.wordpress.com/2014/11/constitucionalismo-
direitos-humanos-justic3a7a-e-cidadania-na-amc3a9rica-latina.pdf>. Acesso em: 3 jan. 2018.
147
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:
• O Direito Moderno vai construir-se também como um saber técnico-científico 
acerca da norma.
• Positivismo Jurídico é a expressão que designa a concepção moderna de direito 
segundo a qual o único direito válido é o direito estatal.
• O positivismo jurídico vai encontrar na codificação moderna a maior expressão 
de racionalidade e previsibilidade.
• Para o Direito moderno há uma aproximação entre: Direito e Lei. 
148
A fim de fixar melhor o estudo realizado, considere a figura abaixo.
AUTOATIVIDADE
FONTE: Disponível em: <http://rafazanatta.blogspot.com.br/2012/11/em-
defesa-da-emancipacao.html>. Acesso em: 17 nov. 2017.
O que a “pichação” lhe sugere? De que forma significa uma crítica à 
racionalidade moderna?
149
UNIDADE 3
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO 
DIREITO BRASILEIRO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Neste momento você irá compreender a particularidade da história do di-
reito brasileiro. Os objetivos desta unidade são:
• identificar a origem moderna do direito brasileiro como parte do processo 
de expansão colonial europeia;
• particularizar as distintas etapas políticas e jurídicas do Brasil, identifican-
do as características e elementos identificadores;
• compreender a construção do direito brasileiro contemporâneo e suas fun-
ções políticas e sociais;
• discutir os desafios do direito brasileiro contemporâneo frente à necessida-
de de garantir a ordem constitucional democrática.
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você 
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASI-
LEIRA
TÓPICO 2 – A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
TÓPICO 3 – O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO 
DIREITO NACIONAL
TÓPICO 4 – OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
150
151
TÓPICO 1
AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Iniciaremos nosso estudo acerca do direito brasileiro buscando refletir 
acerca da experiência histórica nacional, vivenciada a partir do século XVI, 
discutindo a possiblidade de vislumbrar novas trajetórias, pactos e compromissos 
exatamente em um momento em que se coloca a necessidade de repensar a cultura 
jurídica brasileira. Nossa análise, desde um olhar decolonial, compreendendo a 
reflexão sobre a experiência histórica do Brasil.
NOTA
Como veremos mais adiante nesta unidade, a palavra “decolonial”refere-se a uma 
corrente de pensamento crítico que nasceu em fins do século XX e tem como característica 
central a busca de novos paradigmas políticos e jurídicos construídos desde a realidade 
de interesses locais, objetivando a construção de uma autonomia política e intelectual. O 
termo “decolonial” é utilizado para designar estudos acerca das raízes históricas e políticas 
das profundas desigualdades sociais dos povos e nações periféricas que foram áreas de 
dominação e exploração histórica desde os séculos XIV e XV.
A origem do que atualmente entendemos por direito é produto de um 
processo histórico inicial de colonização que acabou por construir um modelo, 
um “padrão” de poder político e jurídico que marcou profundamente a cultura e 
as relações de poderes nacionais. 
É na tentativa de visibilizar os elementos que construíram a cultura 
jurídica nacional que se pretende retomar brevemente sua construção histórica, 
lembrando, como diz Antonio Carlos Wolkmer (2007, p. 1), que as retomadas 
dos estudos históricos ganham significado quando: “[...] se tem em conta a 
necessidade de repensar e reordenar uma tradição normativa, objetivando 
depurar criticamente determinadas práticas sociais, fontes fundamentais e 
experiências pretéritas que poderão, no presente, viabilizar o cenário para um 
processo de conscientização e emancipação”.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
152
IMPORTANT
E
Neste momento de estudo nossa pretensão é analisar a especificidade da cultura 
jurídica no contexto histórico-político, delineado a partir da invenção do Brasil no século XVI.
Para iniciar nosso estudo, vamos voltar ao ano de 2000, quando haviam sido 
passados 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Na época, a filósofa Marilena 
Chauí (2001, p. 57) descontrói o “mito do descobrimento Brasil” afirmando que, 
assim como a América não estava à espera de Colombo, o Brasil não estava aqui 
à espera de Cabral. 
Antes de mais nada, diz Chauí, “Brasil” é uma invenção histórica e 
cultural da metrópole portuguesa e parte do projeto do capitalismo mercantil 
europeu, que simultaneamente alargavam as fronteiras do visível, trazendo 
novas mercadorias, e as do invisível, novos semióforos. 
NOTA
O termo “semióforo” é utilizado por Marilena Chauí para designar uma imagem 
que vincula o visível ao invisível – ao imaginado – que permanece e é reproduzido pelas 
elites intelectuais para dar sentido e vínculo entre o real e o imaginário. A invenção de uma 
nação, em geral, passa por um processo de construção de semióforos, tais como “a vontade 
de Deus”, “missão salvadora”, “obra de heróis” etc., e dessa forma a gênese histórica é negada 
e esvaziada, tornando o irreal em real, nascendo o mito.
No caso do Brasil, o mito, o invisível, sempre foi o da “missão civilizadora dos europeus”!!!
As conquistas coloniais europeias do século XV aparecem como 
desdobramento da expansão do capitalismo mercantil, constituindo o ponto de 
partida para edificação do projeto da Modernidade.
2 O DIREITO INDÍGENA 
Portanto, não foi a “vontade de Deus” que conduziu os súditos de Dom 
Manuel até as terras brasileiras, mas sim os interesses econômicos da classe de 
comerciantes europeus da época. 
3 O DIREITO COLONIAL BRASILEIRO
TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
153
FIGURA 52 – INVASÃO DO NOVO MUNDO 
FONTE: Disponível em: <https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao-
foi-descoberta-a-invasao-europeia-do-novo-mundo-segundo-todorov>. Acesso 
em: 25 nov. 2017.
DICAS
Esse é um interessante site que traz um breve resumo da obra: “A Conquista da 
América – a questão do Outro”, de Tzvetan Todorov, publicada pela Editora Martins Fontes. 
Leia! Você terá uma visão do “descobrimento” sob o ponto de vista da população dominada! 
Link:<https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao-foi-descoberta-a-invasao-
europeia-do-novo-mundo-segundo-todorov>. Acesso em: 25 nov. 2017.
Como já vimos na Unidade 2, “Modernidade” compreendida externamente, 
desde o mundo não europeu, pode ser interpretada como construção do mito 
criado a partir do século XV acerca da existência de um centro histórico mundial 
portador de uma concepção política de ordem econômica, política e social 
civilizadora: A Europa. Portanto, o projeto civilizador da modernidade trouxe 
consigo relações de dominação desenvolvidas mundialmente desde o século XV, 
alimentadas por um falso discurso legitimador de “progresso” linear e universal, 
que para os povos colonizados significou dominação e extermínio. 
Em síntese, a expansão colonialista europeia do século XV não resultou 
da necessidade de ocupação de novos espaços por excesso populacional, mas 
foi propositalmente provocada por uma burguesia comercial definida pelo 
importante historiador Caio Prado Júnior (1975, p. 13) como “sedenta de lucros, 
e que não encontrava em seu espaço pátrio satisfação à sua desmedida ambição”. 
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
154
4 AS ORDENAÇÕES DO REINO
Os diversos fatores políticos que culminaram com a ascensão ao trono 
português da Casa de Aviz no século XIV favoreceram o fortalecimento da burguesia 
comercial lusitana, que logo tratou de iniciar um movimento de expansão externa, 
iniciada com a tomada de Ceuta em 1415, e desde então, não mais parou.
Alfredo Bosi (1993, p. 12) analisa a colonização brasileira distinguindo 
dois processos colonizadores: 
1. Aquele relacionado com o mero povoamento e o que conduz à 
exploração do solo, relacionado à expansão populacional, entendido 
como “ato de habitar e o ato de cultivar”. 
2. E o processo iniciado a partir do século XVI no qual havia o acréscimo 
de algo: um traço de dominação, de aventura, de conquista. 
Entretanto, nem sempre o colonizador concebendo a si mesmo como um 
simples conquistador. 
Em 1556, quando era difundida a Lenda Negra sobre a colonização ibérica 
na América, a Espanha proibia o uso das palavras conquista ou conquistadores, 
impondo a substituição por descobrimento ou colonizadores.
Portanto, o processo de ocupação, ironicamente chamado de descobrimento, 
não ocorreu por expansão demográfica como na antiguidade havia ocorrido com 
os gregos pelo Mediterrâneo entre os séculos VIII e VI a.C. “[...] ela é a resolução de 
carências e conflitos de matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o 
domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente o 
chamado processo civilizatório” (BOSI, 1993, p. 13). 
Em tal processo era necessário cultivar não apenas a terra, mas “cultivar” 
seres humanos, práticas, símbolos, valores capazes de garantir um estado de 
coexistência social, enfim, uma cultura. 
Sem dúvida, a produção da cultura colonialista exigiu o domínio de 
outros humanos, de sujeitá-los a padrões de dominação. Talvez essa seja uma 
possibilidade de se compreender por que a partir do século XVIII as noções de 
cultura e progresso se confundem e se misturam. Assim, colonizar era cultivar 
a terra e os seres humanos.
Neste sentido, o processo de expansão comercial europeu, chamado de 
“colonização”, se insere no momento de superação do modo de vida medieval, 
quando um grupo ascendente e enriquecido – burguesia mercantil – orquestra as 
transformações econômicas, sociais e políticas que culminam com a formação dos 
Estados Modernos e consolidação do capitalismo. 
Assim, os elementos essenciais para a compreensão da relação colônia-
metrópole, com a consequente criação de um aparato jurídico, são, entre outros: 
TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
155
• A expansão da economia europeia mercantil.
• O esforço dos Estados Modernos metropolitanos em transformar as colônias 
em instrumentos de expansão desse poder.
Na transformação dos antigos reinos medievais em Estados modernos, 
unificados e centralizados,abrem-se os caminhos ultramarinos que permitem a 
inserção desses Estados no processo de exploração, viabilizando a construção de 
seus impérios coloniais. 
Portanto, a “moldura do sistema” que explica a organização produtiva 
colonial e suas implicações na vida social não se limita à atividade colonizadora, 
mas de ajustar a colônia de forma especializada, “concentrando os fatores na 
produção de alguns poucos produtos comerciáveis na Europa, as áreas coloniais se 
constituem ao mesmo tempo em outros tantos centros consumidores dos produtos 
europeus” (NOVAIS, 1976, p. 58). Com esta relação monopolizadora criam-se os 
mecanismos de apropriação e concentração dos lucros. Assim, a invenção do Brasil 
teve um sentido. Brasil, no entendimento de Stuart B. Schwartz (2000, p. 105):
[...] desde sua origem tem sido tanto uma ideia como um lugar. 
Significou coisas diferentes para pessoas diferentes e o próprio 
termo tem sido redefinido e reinterpretado para refletir as diferentes 
discrepâncias entre pessoas de variadas extrações e posições sociais. 
O Brasil, enquanto ideia, foi frequentemente mais um projeto do que 
uma realidade, às vezes geográfica, às vezes nacionais ou até social. 
O projeto do colonizador conferiu um sentido à invenção brasileira: 
tratava-se de instalar uma produção semicapitalista, em larga escala.
 
A grande lavoura açucareira, pelo modo de exploração, nas palavras de 
Sérgio Buarque de Holanda (2000, p. 49), “é de natureza perdulária e caracteriza 
o objetivo metropolitano: servirem-se da terra ao máximo, mas sem muitos 
sacrifícios, como usufrutuários”.
Embora Portugal, desde o século XVII, ter sido incorporado no sistema 
capitalista como periférico, sem ter assumido lugar central, chegando ele próprio 
a ser um país dependente – sobretudo da Inglaterra –, a subordinação colonial 
constitui-se no elemento central de construção da identidade cultural brasileira, 
reproduzindo as relações de poder de uma metrópole periférica e subalterna. 
Por esta razão, pode-se afirmar que o colonialismo português foi 
diferenciando e se caracteriza por ter sido manipulado segundo os desejos e 
necessidades de outras metrópoles, sobretudo a inglesa. 
Bosi (1993, p. 23-25), na tentativa de mapeamento da formação econômica-
social do Brasil-Colônia, descreve como características fundamentais da ordem 
então estabelecida os seguintes aspectos:
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
156
1. A predominância de uma camada de latifundiários com interesses atrelados 
a grupos mercantis europeus, o que permitia dependência estrutural, 
impedindo a dinamização de um capitalismo mais avançado internamente, 
reproduzindo-se um modelo capitalista colonial específico, limitado a uma 
esfera mercantil dependente.
2. Como parte da lógica latifundiária vinculada aos interesses dos traficantes 
negreiros africanos, a força de trabalho foi constituída essencialmente por 
escravos cuja única alternativa não era a passagem para o trabalho assalariado, 
mas a fuga e resistência nos quilombos, ou ainda, como parte de uma lógica 
perversa, a alforria, alternativa para a resistência, representava o ingresso 
numa vida marginal ou de condição de submissão como agregado. A condição 
foi sempre da dependência e exploração.
3. A estrutura política-jurídica vai sempre representar os interesses dos 
proprietários locais, os homens bons, mas com poder limitado aos interesses 
reais. A competência de nomear o governador geral com mandato de quatro anos 
era da coroa portuguesa, sendo incluído no poder do governador a competência 
militar e administrativa segundo critérios determinados pelos regimentos, 
cartas e ordens régias. O corpo burocrático de funcionários reais – provedores, 
ouvidores, procuradores, intendentes... – tem a ação controlada diretamente 
por Lisboa (a partir de 1642 pelo Conselho Ultramarino). Com o avanço da 
estrutura colonial, vão sendo transferidos magistrados metropolitanos, juízes 
de fora, que se sobrepunham aos eleitos nas vilas. A permanente tensão entre 
os interesses locais e metropolitanos será o fator de crise instalada a partir 
do século XVIII, que com a independência como tentativa de sua superação, 
servirá de fortalecimento do mandonismo local legitimado pelos bacharéis que 
servirão de representantes dos donos do poder.
4. O exercício de cidadania é limitado tanto pelo Estado Absolutista Metropolitano 
como pelo poder interno, inexistindo qualquer representação ou mecanismo 
de garantia para o conjunto da população, situação que pouco se altera com a 
independência, pois o que se instala é um modelo político censitário e indireto.
5. A cultura eclesiástica, sobretudo a jesuíta empenhada numa prática missionária 
supranacional, ganha espaço no início do processo de colonização, quando a 
moeda corrente era a ideia do papel evangelizador da expansão metropolitana. 
Posteriormente, de uma atividade marginal irá sucumbir sob a pressão do 
avanço bandeirante e do exército metropolitano, restando, assim, a função 
educacional junto aos filhos das elites locais.
6. A formação de uma cultura letrada estamental que não permitia a mobilidade 
vertical, com raros casos de apadrinhamento, predominando, assim, uma 
massa analfabeta caracterizando uma rígida linha divisória entre uma cultura 
oficial e uma cultura popular.
A partir desse “mapeamento” é possível compreender as raízes da cultura 
brasileira como resultado de uma lógica agrária, latifundiária e escravista, marcada 
por uma imensa distância entre o que exigiam da terra e o que a ela davam em troca. 
TÓPICO 1 | AS RAÍZES HISTÓRICAS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
157
A ilimitada exploração interna como regra necessária para a submissão 
externa. Portanto, a gestão da colônia deveria ser feita através da metrópole cujo 
“norte” foi a efetivação dos princípios mercantilistas e o núcleo a formação e 
manutenção de um sistema monopolista. 
Como lembra Wolkmer (2007, p. 38), era a forma encontrada pela metrópole 
de impedir que outras nações europeias “pusessem em risco, com a concorrência, 
aqueles privilégios advindos da restrição comercial, tão lucrativas aos comerciantes 
portugueses que não encontravam, no seu espaço, satisfação para sua ambição”. 
Portanto, como parte integrante do universo colonial brasileiro formou-se um 
tipo de poder político e jurídico destituído de qualquer identidade com os interesses 
internos, já que se formou com a incorporação do aparato burocrático e profissional 
lusitano. Por outras palavras, como extensão da coroa portuguesa constituiu-se uma 
forma de poder legitimada pelos senhores da terra, os donos locais do poder. 
158
Neste tópico, você aprendeu que:
• As bases históricas do direito brasileiro foram definidas a partir do processo 
moderno de colonização.
• A colonização brasileira teve como sentido promover a acumulação de lucros 
na metrópole portuguesa, e por esta razão, a ordem política e jurídica nacional 
foi elaborada a partir desse interesse externo.
• A implantação de um modelo de produção na colônia brasileira a partir 
do século XVI foi sustentada por um modelo político e jurídico específico, 
inicialmente chamado “direito brasileiro”.
RESUMO DO TÓPICO 1
159
Leia com atenção o texto abaixo e responda à questão proposta.
O eurocentrismo é a perspectiva de conhecimento que foi elaborada 
sistematicamente a partir do século XVII na Europa, como expressão e como 
parte do processo de eurocentralização do padrão de poder colonial/moderno/
capitalista. Em outros termos, como expressão das experiências de colonialismo 
e de colonialidade do poder, das necessidades e experiências do capitalismo 
e da eurocentralização de tal padrão de poder. Foi mundialmente imposta e 
admitida nos séculos seguintes, como a única racionalidade legítima.
Em todo caso, como a racionalidade hegemônica, omodo dominante 
de produção de conhecimento. Para o que interessa aqui, entre seus elementos 
principais é pertinente destacar, sobretudo, o dualismo radical entre “razão” e 
“corpo” e entre “sujeito” e “objeto” na produção do conhecimento; tal dualismo 
radical está associado à propensão reducionista e homogeneizante de seu modo 
de definir e identificar, sobretudo na percepção da experiência social, seja em 
sua versão a-histórica, que percebe isolados ou separados os fenômenos ou os 
objetos e não requer por consequência nenhuma ideia de totalidade, seja na que 
admite uma ideia de totalidade evolucionista, orgânica ou sistêmica, inclusive 
a que pressupõe um macro sujeito histórico. Essa perspectiva de conhecimento 
está, atualmente, em um de seus mais abertos períodos de crise, como o está 
toda a versão eurocêntrica da modernidade.
FONTE: QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. In: Revista Novos 
Rumos. Ano 17, n. 37, 2002, p. 4-25. 
Considerando o estudo realizado e a leitura do texto acima, responda 
à seguinte questão: É possível estabelecer alguma relação entre o processo de 
colonização brasileiro do século XVI e a construção do conhecimento jurídico 
nacional? Fundamente sua resposta. 
AUTOATIVIDADE
160
161
TÓPICO 2
A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Como vimos, Portugal, no século XV, juntamente a demais países 
europeus, como Espanha e Inglaterra, haviam reunido condições técnicas, bem 
como interesses econômicos e políticos que permitiram o processo de expansão 
do domínio europeu. 
É evidente que havia uma grande disputa entre os reinos metropolitanos 
da época sobre as terras “descobertas” e as “a serem descobertas”, especialmente 
sobre as riquezas que possuíam. Seguramente, por esta razão, as terras brasileiras 
já eram alvo de interesse, sobretudo, de Espanha e Portugal, o que explica a 
existência de Tratados entre tais países mesmo antes da “chegada” de Pedro 
Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Destacam-se os seguintes Tratados:
1. Tratado de Toledo: celebrado em 6 de março de 1480, que dava a Portugal a 
exclusividade sobre as terras e águas ao sul das Ilhas Canárias.
2. Bula Inter Coetera: de 4 de maio de 1493, expedida pelo Papa Alexandre VI 
que conferia à Espanha o direito exclusivo sobre todas as terras que estivessem 
a oeste de uma linha imaginária a 100 léguas de Açores e Cabo Verde.
3. Tratado de Tordesilhas: de 7 de junho de 1494, que estabeleceu um meridiano 
divisório a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, sendo a leste pertencente 
a Portugal e oeste a Espanha. 
FIGURA 53 – TRATADO DE TORDESILHAS
FONTE: Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiab/tratado-
de-tordesilhas.htm>. Acesso em: 25 nov. 2017.
162
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
Portanto, a “descoberta” do Brasil não foi “mero acaso”, mas parte de 
um projeto de conquista. Porém, para os portugueses, ávidos por ouro, prata 
e mercadorias que pudessem alimentar o comércio europeu, encontraram uma 
população dispersa que vivia de caça e coleta. 
Na clássica obra “O Povo Brasileiro”, o antropólogo Darcy Ribeiro 
descreve o contato entre os indígenas brasileiros e os portugueses:
Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento 
espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seriam gente de 
seu deus sol, o criador – Maíra –, que vinha milagrosamente sobre as ondas 
do mar grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam 
ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou dadores. Provavelmente seriam 
pessoas generosas, achavam os índios. 
Mesmo porque no seu mundo, mais belo era dar que receber. Ali, 
ninguém jamais espoliara ninguém e a pessoa alguma se negava, louvor por 
sua bravura e criatividade. Visivelmente, os recém-chegados, saídos do mar, 
eram feios, fétidos e infectos. Não havia como negá-lo. É certo que, depois do 
banho e da comida, melhoraram de aspecto e de modos. Maiores terão sido, 
provavelmente, as esperanças do que os temores daqueles primeiros índios. 
Tanto assim é que muitos deles embarcaram confiantes nas primeiras 
naus, crendo que seriam levados a Terras sem Males, morada de Maíra.
Pouco mais tarde, essa visão idílica se dissipa. Nos anos seguintes, se 
anula e reverte-se no seu contrário: os índios começam a ver a hecatombe que 
caíra sobre eles. Maíra, seu deus, estaria morto? Como explicar que seu povo 
predileto sofresse tamanhas provações? Tão espantosas e terríveis eram elas, 
que para muitos índios melhor fora morrer do que viver. 
Mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a 
negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios 
deitavam em suas redes e se deixavam morrer, como só eles têm o poder de 
fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação 
mais horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente verdadeira.
FONTE: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1995, p. 42-43.
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
163
Nas palavras do referido autor, não é difícil perceber a razão da aparente 
fácil dominação do invasor: os indígenas eram gentis, não viviam movidos pela 
cobiça e foram facilmente atraídos pelos facões, espelhos e bugigangas com que 
eram enganados. 
O resultado foi fatal! Nessa história houve perdedores e não foram os 
invasores portugueses!!!
Sem o menor pudor, os nativos foram considerados objetos desprovidos 
de qualquer direito. As imensas massas de nações indígenas tiveram exterminadas 
suas organizações sociais e os invasores impuseram seu sistema jurídico, pouco ou 
nada restando, no caso do Brasil, dos costumes ancestrais de gestão de conflitos. 
A enorme distância da metrópole, a falta de acesso e a absoluta falta de 
estrutura administrativa eram fatores que iam fortalecendo o poder dos donos do 
poder local. Seguramente é por esta razão que desde nossa origem não há uma 
clara distinção entre o poder público e poder privado por parte das elites.
2 A ESTRUTURA JURÍDICA DO BRASIL COLÔNIA
No primeiro período da colonização, que vai até 1549, a preocupação 
central era a de garantir a posse da terra, tendo sido adotado um arcaico sistema 
chamado de Capitanias Hereditárias, constituído pela doação de extensas faixas 
de terra a nobres portugueses que quiseram, por conta própria, explorar a terra 
e promover o povoamento. O sistema era feudal e toda administração jurídica 
e política ficava sob a responsabilidade do donatário. Na verdade, a “gestão da 
justiça” era marcada por abusos e arbitrariedades sem qualquer burocratização 
de procedimentos, uma vez que, na prática, era o dono da terra que legislava, 
julgava e aplicava as penas que bem entendesse. 
Seguramente, esse ilimitado arbítrio e ausência de controle é um dos 
fatores que explica o fracasso do sistema de capitanias, com exceção das de São 
Vicente e Pernambuco.
Em 1549, na tentativa de resgatar o controle é instaurado pela coroa o 
Governo Geral, que assume amplas responsabilidades burocráticas e fiscais, 
tendo no comando o Governador Geral, possibilitando a formação de uma tímida 
justiça colonial administrada por um pequeno grupo de burocratas que vieram a 
serviço do governador. 
A instituição do sistema de Governo-Geral, como forma de centralizar o 
poder e solucionar o problema do fracasso do sistema de capitanias e a invasão 
estrangeira, aumenta a possibilidade de criação de um corpo burocrático, 
destacando-se o Ouvidor-Geral como símbolo da justiça local. 
Durante todo o período colonial vigorava o sistema jurídico metropolitano, 
ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas seguintes Ordenações:
164
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO1. Ordenações Afonsinas: concluídas em 1446, foram elaboradas por ordem de 
D. João I da Dinastia de Avis e eram divididas em cinco livros:
o Livro I: relativo aos regimentos dos cargos públicos (régios e municipais), 
compreendendo governo, fazenda, justiça e exército.
o Livro II: Direito eclesiástico, jurisdição e privilégio dos donatários, 
prerrogativa da nobreza e estatuto dos mouros e judeus.
o Livro III: Processo civil.
o Livro IV: Direito Civil.
o Livro V: Direito e Processo Penal. 
2. Ordenações Manuelinas: concluídas em 1521, trataram de incorporar as 
modificações advindas do processo de expansão colonial e as novas leis 
que continuaram a ser editadas. Também eram compostas por cinco Livros, 
tratando mais diretamente de direito marítimo, contratos e mercadores, sem 
mudanças no direito e sistema penal, que permanecia um sistema de torturas 
e horrores medievais, com aplicação de tortura e penas corporais como a pena 
de morte.
3. Ordenações Filipinas: de 1603, representa a unificação das Ordenações 
anteriores com pequenas inclusões de leis extravagantes. 
IMPORTANT
E
Mudança significativa apenas ocorre na fase colonial em 1769, com as reformas 
feitas por Marquês de Pombal – reformas pombalinas –, cujo objetivo era o de estabelecer 
regras gerais para uniformizar a interpretação e aplicação das leis em casos de omissão, 
lacunas ou imprecisão nas leis reais. Chamada também de Lei da Boa Razão, a finalidade era 
manter as diferenças entre Portugal e suas colônias.
A administração jurídica brasileira é marcada com a chegada do primeiro 
Ouvidor-Geral, Pero Borges, em 1549. Nas palavras de Schwartz (1979), ao 
contrário de criar uma administração centralizada, teve sua função sobreposta à 
estrutura existente de magistrados e ouvidores designados pelos donatários. O 
resultado foi um sistema de controle exercido pelo rei e pelo donatário, ao mesmo 
tempo, confuso e muitas vezes inoperante.
Há de se lembrar que, por orientação das Cartas de Doação, o cargo de ouvidor, 
primeira autoridade da justiça colonial, era designado pelos donatários das capitanias por um 
prazo renovável de três anos, constituindo-se a administração da justiça como representação 
dos donatários nas questões cíveis e criminais.
ATENCAO
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
165
A justiça colonial encontrada pelo ouvidor-geral Pero Borges é descrita 
por Schwartz (1979, p. 24) da seguinte maneira:
Grassavam o abuso administrativo e a incompetência. Por exemplo, 
durante a ausência do donatário em Ilhéus, Francisco Romero, um 
espanhol fazia as vezes de capitão e ouvidor. Embora fosse um bom 
homem e soldado experiente, Romero era inadequado para o cargo 
de juiz, pois é ignorante e muito pobre, o que muitas vezes faz crer 
aos homens o que não devem. Borges recomendou insistentemente 
que a Coroa forçasse os donatários a selecionar seus ouvidores 
dentre homens treinados para servir à lei. Sublinhou que em Lisboa, 
um magistrado treinado e com grande experiência presidia poucas 
audiências, enquanto no Brasil, um analfabeto podia proferir muitas 
sentenças, desrespeitando todos os princípios legais.
 
A incompetência e inoperância judicial colonial brasileira que contribuiu 
para a prática de excessos e ilegalidades de toda espécie pode ser compreendida não 
apenas pela permissividade metropolitana e local, mas também pela dificuldade 
de acesso às áreas remotas, o que foi contribuindo para um mandonismo local, 
situação que preocupava os missionários jesuítas, sobretudo a exploração das 
comunidades indígenas. 
Schwartz (1979) ainda chama a atenção para o fato de que a lei portuguesa 
vigente no Brasil dizia respeito somente aos europeus, praticamente inexistindo 
proteção jurídica para as relações entre os europeus e os indígenas. Tal situação é 
descrita pelo autor ao se referir ao que o missionário jesuíta Manoel da Nóbrega 
descreve como punição imposta a um índio que havia assassinado um português: 
foi colocado na boca de um canhão e literalmente feito em pedaços. Assim era 
feita a justiça na colônia!!!
Rapidamente os nativos perceberam para qual lado pendia a balança 
da justiça, porque não havia limites para o abuso e arbítrio dos colonizadores, 
encontrando apenas algum refúgio nas missões jesuítas.
Entretanto, apesar das profundas contradições na administração da 
justiça colonial, já por volta de 1580 havia um sistema mais centralizado, o que 
pode ser compreendido como reflexo do avanço da indústria açucareira em 
Pernambuco e Bahia. 
Na medida em que se expandia a lavoura monocultora açucareira, cresciam 
a população e os conflitos, o que vinha a exigir maior intervenção jurídica para 
a manutenção da prosperidade local. O momento político que então se sucedeu 
com a ascensão ao trono de Felipe II da Espanha (1580) é marcado por uma maior 
atenção à justiça colonial, fruto, possivelmente, da personalidade burocrática e 
precisão administrativa imperial, traço que transparece com a nova codificação 
empreendida, já que a complexa legislação portuguesa era herdeira dos códigos 
romanos e visigodos. Leis antigas e injustas que na prática eram desrespeitadas, o 
que permitia a impunidade para os poderosos (SCHWARTZ, 1979).
166
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
FIGURA 54 – PELOURINHO: SÍMBOLO DA “JUSTIÇA” COLONIAL
FONTE: Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/64/curta-
essa-dica/escravos.jpg/image_view_fullscreen>. Acesso em: 25 nov. 2017.
Na lógica metropolitana, legislar era garantir a justiça através de prêmios ou 
castigos, como atitude paternal do monarca em relação a seus súditos. A lei emanada 
do pai – do Rei – é justa porque, mesmo dura, pretende corrigi-los e salvá-los. 
Contudo, na distante colônia o “poder paternal” do monarca era exercido 
como força aliada à autoridade delegada, o que produz um sistema de pouca 
efetividade, marcado pelo desmando e corrupção local.
A importância da colônia sendo crescente e visível já no início do século 
XVII explica a criação do Tribunal de Relação no Brasil, cuja primeira tarefa era 
a de selecionar um grupo de magistrados treinados e dispostos a enfrentar as 
condições adversas na colônia. 
DICAS
Sugere-se a “visita” ao site do Arquivo Nacional do Ministério da Justiça, onde 
você poderá encontrar a história do Judiciário no Brasil. Disponível em: <http://www.
arquivonacional.gov.br/br/>. Acesso em: 5 dez. 2017.
A estrutura jurídica inicia no Brasil nas mãos dos capitães-donatários, que 
recebiam amplos poderes para administrar a economia e organizar a vida civil na 
terra. Com o fracasso do sistema de capitanias hereditárias é criado o sistema de 
governo-geral, que incluía a figura do ouvidor-geral, que era o cargo mais elevado na 
hierarquia judiciária da colônia, buscando-se, assim, diminuir o poder dos capitães-
donatários, até que em 14 de abril de 1628 revoga-se, expressamente, o privilégio 
dos capitães de fazerem justiça em suas terras. O ouvidor recebia recursos vindos de 
ouvidores das comarcas, mais conhecida por ação nova, como jurisdição originária, 
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
167
FIGURA 55 – PAÇO DO TRIBUNAL DE RELAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – 1751
FONTE: Disponível em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2776>. Acesso em: 25 nov. 2017.
O perfil era o de homens aptos e experientes que iriam presidir o Tribunal 
brasileiro subordinado à Casa de Suplicação, desfrutando dos mesmos privilégios 
dos desembargadores metropolitanos. 
NOTA
A Casa de Suplicação era o tribunal diretamente ligado ao poder real que inicialmente 
incluía as atividades do Desembargo do Paço. Com a reforma das Ordenações aprovadas em 
1595, mas em vigor em 1603, atualmente conhecida como Ordenações Filipinas, a administração 
metropolitana era regida pelo monarca que poderia ser substituído por uma junta degovernadores 
e contava com uma série de órgãos de apoio, a começar pelo Conselho de Estado, que se reunia 
ocasionalmente pela convocação do rei para assessorá-lo em questões complexas. O mais 
constante era o Desembargo do Paço, que se reunia diariamente e às sextas despachavam com 
o rei. Além de exercer funções consultivas, julgava as questões que, por causa de foros especiais, 
superavam a alçada da Casa de Suplicação, os recursos às decisões da mesma e os conflitos de 
jurisdição entre ela e a Casa de Cível. Eram de competência exclusiva do Desembargo do Paço os 
pedidos de legitimação, restituição de fama, findas, graças e perdões, emancipação de menores 
etc. Junto à Casa de Suplicação e ao Desembargo do Paço existia um tribunal especial, com 
competência privativa em causas que envolvessem a Igreja ou os membros das ordens militares-
religiosas. Era a Mesa da Consciência e Ordens, que também assessorava o Rei.
conflitos que se dessem a uma distância de dez léguas de sua sede ou estrada. De suas 
decisões era possível recorrer à Casa de Suplicação em Lisboa. Embora tenha sido 
criado pelo Regimento de 1587, apenas em março de 1609 se instalou propriamente 
um tribunal régio no Brasil: o Tribunal de Relação da Bahia, que era constituído 
por dez desembargadores, todos letrados – um chanceler, três desembargadores de 
agravos, um ouvidor-geral do cível e do crime, um juiz dos feitos da coroa, fazenda 
e fisco, um provedor de defuntos e resíduos, dois desembargadores extravagantes e 
o governador-geral, que teria assento como Governador da Relação. Esses tribunais 
deram origem aos atuais Tribunais de Justiça dos Estados brasileiros.
168
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
Entretanto, conforme narra Wolkmer (2007), apesar do Tribunal de 
Relação ter sido oficializado em 7 de março de 1609, com a invasão holandesa 
foi abolido em 1626, e restaurado posteriormente em 1652. A partir do século 
seguinte expandem-se os Tribunais de Relação no Brasil – Rio de Janeiro em 1751, 
Maranhão em 1812, Pernambuco em 1821. 
Nas palavras de Schwartz (1979, p. 58), “os burocratas que iriam constituir 
a magistratura brasileira eram um grupo muito bem particularizado que 
representava a espinha dorsal do governo real”.
 
Para serem nomeados a Desembargo do Paço exigia-se o requisito de ser 
formado em Direito por Coimbra e ter exercido a profissão por, no mínimo, dois 
anos. Porém, para o ingresso na Universidade deveria ser o futuro bacharel de 
“raça pura” – com limites de carreira para os que tivessem a “mancha” de serem 
“cristãos novos” –, ortodoxos na sua religião e politicamente leais, originando a 
maioria da pequena nobreza e da classe de burocratas. 
 
A prova de conhecimento jurídico para a inscrição no quadro de 
magistrado era precedida de inúmeras declarações testemunhais sobre a vida 
pregressa, atividades e reputação do candidato, mais especificamente, buscava-se 
a garantia de que não havia “contaminação de sangue de mouro, mulato, judeu ou 
qualquer outra raça infecta” (SCHWARTZ, 1979, p. 58). Ainda a comprovação de 
que os pais e avós, no momento da nomeação, não tivessem atividades manuais, 
artesanais e prática de comércio varejista, exceto se houvessem pertencido ao 
senado da Câmara ou outro órgão de privilégio especial no funcionalismo real.
Os magistrados coloniais, graças à política da coroa portuguesa, formavam 
no século XVII um grupo de burocratas elitizado – fiéis servidores reais – movidos 
por generosas promoções e interesses pessoais. 
O cargo representava prestígio, dinheiro e status, o que acaba por construir 
a magistratura como um ramo da burocracia real e ao mesmo tempo um grupo 
social específico. Os juízes europeus, sob a proteção da coroa, emergiram como 
um grupo que se viu com o direito de exigir privilégios e símbolos que até então 
pertenciam à nobreza, chegando a criar justificativas para sua nobreza. 
No século XVIII, na Europa Ocidental, os juristas argumentavam que o 
conhecimento das leis literalmente enobrece o indivíduo e, portanto, deveriam 
ser considerados iguais aos nobres, e a coroa, como detentora dos símbolos que 
garantiam a ascensão social, para vincular os magistrados a seus interesses, fazia 
concessões. Entretanto, no império português, chama atenção Schwartz (1979), a 
magistratura não se tornou uma nobreza distinta por seu cargo ou função. 
Individualmente, o magistrado poderia ascender à nobreza pelo 
casamento ou por título conferido pela coroa, mas não chegando a competir 
com a aristocracia, porque seus interesses eram ditados pelo rei, no entanto isso 
não impediu que na colônia brasileira se formasse um grupo característico de 
burocratas da justiça que souberam aliar as funções e fórmulas burocráticas às 
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
169
relações pessoais de parentesco. É o abrasileiramento da burocracia, descrito como 
procedimentos pessoais e profissionais que se confundem e se autossustentam. 
Ao chegar na colônia, além de sua família, o juiz poderia agregar parentes, 
afilhados, empregados, escravos; enfim, um grupo de pessoas que serviam como 
intermediários entre o magistrado e as demais pessoas da sociedade, o que 
permitia uma “facilitação de caminho” até o juiz. Por outro lado, ao estender 
sua proteção a um grupo próximo, o magistrado também cumpria parte de seu 
papel profissional: protetor, padrinho, marido e pai. E, é claro, sem deixar de 
lado sua obrigação religiosa, o que lhe dava vantagens sociais. Por essa razão, os 
magistrados tornavam-se benfeitores de igrejas, conventos e ordens religiosas, 
e não raras vezes, na condição de ilustres funcionários reais, assumiam papéis 
de liderança. Os pesados encargos financeiros de uma vida de ostentação não 
podiam ser arcados com os já altos salários e gratificações recebidas. 
Rapidamente os juristas brasileiros perdiam interesse intelectual, apesar 
de sua formação universitária. Não há entre os magistrados brasileiros da época 
colonial autores cujos trabalhos são lembrados, apesar de estarem sempre 
presentes em reuniões intelectuais. 
Sem dúvida, a melhor leitura sobre os magistrados no Brasil colonial é de 
Gregório de Mattos, que com os seguintes versos descreve a justiça:
E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça Bastarda, vendida, injusta.
Seu interesse particular pela administração da justiça no Brasil é por ter 
sido letrado em Coimbra e magistrado real em Portugal. Seus versos não mostram 
os juízes como seres sem rosto, mas como pessoas em seu cotidiano, envolvidos 
essencialmente em duas esferas: poder e corrupção. Seus versos renderam-lhe a 
deportação para Angola, pois não poupava cáusticas palavras para descrever o 
sentido do “abrasileiramento da magistratura real”. 
Apesar dos versos do “Boca do Inferno”, como era chamado Gregório por 
seus inimigos, não representarem perigo para a autoridade e o cargo exercido pelos 
juízes, deixavam evidente o nível incontrolável de corrupção que havia atingido o 
exercício da justiça no Brasil em fins do século XVII. Descrevia os burocratas judiciais 
– juízes, escrivães, tabeliães... – como pedaços cortados de um mesmo tecido.
Apesar de serem sempre acusações pessoais e não ao sistema como um 
todo, seus versos deixavam evidente o comprometimento no exercício da justiça. 
Por essa razão, dizia que um magistrado recebia suborno tanto do acusado 
como do acusador e por isso era mais fácil chegar o “juízo final do que a sentença”.
170
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
NOTA
Gregório de Mattos e Guerra, conhecido como “Boca do Inferno”, nasceu na Bahia 
em 23/12/1636 em uma família de proprietários rurais, empreiteiros de obras e funcionários 
administrativos de ascendênciaportuguesa. Estudou no Colégio dos Jesuítas da Bahia até 1642, 
quando vai para a Universidade de Coimbra, onde se forma em Cânones em 1661. Após atestar 
ser “puro de sangue” é nomeado juiz de fora em Alcácer do Sal, em 1663. Teve brilhante carreira 
como magistrado em Lisboa, reconhecido com sentenças publicadas pelo jurisconsulto 
Emmanuel Alvarez Pegas. Retorna para o Brasil em 1683, depois de 30 anos, para assumir o 
cargo de Desembargador da Relação Eclesiástica e, mais tarde, tesoureiro-mor da Sé, um ano 
após ter tomado ordens menores. Entretanto, é destituído do cargo por se recusar a usar batina 
e acatar ordens superiores. Começa então a satirizar os costumes e as classes sociais baianas, 
as quais chamará de “canalha infernal”. Escreve com letras corrosivas e eróticas. Por sua vida livre 
de “homem solto sem modos cristãos” é denunciado à Inquisição em Lisboa em 1685 por falar 
mal de Jesus Cristo e não tirar o barrete da cabeça quando passa uma procissão em sua frente, 
mas o feito não tem prosseguimento. Por seus poemas e sátiras contra o governador Antonio 
Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, a quem chamava de “fanchono beato”, é ameaçado de 
morte. Até que um complô o prende e envia-o a Angola sem direito de voltar à Bahia. Em 
Luanda, no ano de 1694, auxilia o governo local a combater uma conspiração militar e em troca 
recebe a permissão para voltar ao Brasil, mas para Recife, devendo ficar longe da Bahia e de 
seus desafetos. Morre em 1695 vítima de uma febre contraída em Angola.
FONTE: Disponível em: <http://www.academia.org.
br/academicos/gregorio-de-matos/biografia>. Acesso 
em: 25 nov. 2017.
Pelo relato da época, o exercício da justiça brasileira era venal e facilmente 
subvertido. Os critérios de análise processual eram pessoais, econômicos e sociais, 
sem que isso, entretanto, comprometesse os interesses reais, funcionando como 
uma certa flexibilização frente à dureza da estrutura metropolitana. 
Quanto mais se expandia a colônia, mais cresciam a burocratização e as 
oportunidades de corrupção, o que não significava, necessariamente, ilegalidade, 
mas o uso de artifícios jurídicos para benefício próprio ou de um apadrinhado, ou 
mesmo, o uso do cargo para obter vantagens pessoais diretas ou indiretas.
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
171
 Raimundo Faoro (2000) demonstra que a minoria colonial, formada por 
um quadro administrativo, e o estado-maior de domínio comandam, controlam e 
disciplinam a economia e os núcleos humanos, tornando-se esses efetivamente os 
donos do poder. As formas jurídicas vão servindo de freio à emancipação colonial. 
Os juristas, como uma espécie de “aristocracia” local, comandavam a vida na 
colônia, fazendo de seus procedimentos instrumentos eficientes de dominação e 
perpetuação da ordem exploradora.
Há que se reconhecer que o aparato jurídico-político colonial significou a 
transposição da estrutura metropolitana para a colônia, porém, com traços muito 
peculiares, a exemplo da justaposição da justiça-oficial e da privada exercida nos 
sertões e nos latifúndios, cujo poder não era contestado. A justiça local, que servia 
de fortalecimento do mandonismo, sempre foi reconhecida como uma espécie de 
contrapeso à ineficiência da justiça real, à venalidade dos burocratas e à corrupção 
dos magistrados. 
Ainda cabe lembrar o papel desempenhado pela Igreja Católica na 
administração da justiça com seu Tribunal do Santo Ofício. Nas palavras de Anita 
Novinsky (1983, p. 90), serviu, mais do que instrumento religioso:
como um sistema político de dominação e onde não havia lugar para 
os judeus, cristãos novos, muçulmanos, negros, mulatos, ciganos, 
heterodoxos ou contestadores de toda espécie. Através de seu sistema 
de ameaças, [...] de perseguição [...] de tortura, a Inquisição garantiu 
a continuidade da estrutura social do antigo regime, e a religião 
preencheu sua função político-ideológica. 
Apesar de não ter havido um Tribunal Inquisitorial no Brasil, ele existia 
como presença possível, pois sempre que necessário, os acusados brasileiros eram 
julgados pelo Tribunal Inquisitorial em Lisboa.
As chamadas “Visitação do Santo Ofício” ocorreram na colônia brasileira, 
sobretudo na fase de mineração de ouro, apesar do poder delegado ao Bispo da 
Bahia pelo Santo Ofício em 1580, quando foram registradas inúmeras heresias, 
sadomias, feitiçarias, bigamias, blasfêmias etc.
DICAS
Há, no site <http://www.biblioteca.pe.gov.br/?pag=&cat=41&art=114>, 
informações acerca da primeira visitação do Santo Ofício no Brasil. É muito interessante e 
você poderá enriquecer sua cultura jurídica.
172
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
FIGURA 56 – CAPA DO DOCUMENTO: PRIMEIRA VISITAÇÃO DO 
SANTO OFÍCIO ÀS PARTES DO BRASIL
FONTE: Disponível em: <http://www.biblioteca.pe.gov.
br/?pag=&cat=41&art=114>. Acesso em: 25 nov. 2017.
Em síntese, é oportuno destacar o pensamento de Wolkmer (2007, p. 71), 
quando afirma que “a especificidade da estrutura jurídica da colônia brasileira 
não permitiu o exercício da cidadania e as práticas políticas descentralizadas”. 
Forjada em meio a um passado latifundiário, patrimonialista, senhorial 
e escravista, cuja dinâmica fez surgir uma cultura jurídica singular marcada por 
ideias e práticas paradoxais. 
Este é o horizonte da cultura jurídica brasileira colonial dominante. 
Legítima herdeira de um pensamento condicionado pelo mercantilismo e 
administração burocrática centralizada, construída sob uma mentalidade 
escolástico-tomista e elitista. Uma mentalidade condicionada a servir a Deus e ao 
rei, e, portanto, incapaz de ser comprometida com qualquer nova ideia que viesse 
a representar o ideário renascentista moderno, mais próximo do humanismo 
emergente, já que este significava a “expansão protestante”, que teve como maior 
expressão de resistência na Europa a Península Ibérica.
Assim, longe do ideário iluminista moderno que veio a representar a 
possibilidade de construção de uma lógica racional crítica ao obscurantismo 
medieval, a cultura jurídica colonial brasileira definiu-se sacralizando a tradição 
e o servilismo, o que permitiu a consolidação e reprodução das ideias e valores da 
elite mercantilista portuguesa. 
Neste sentido, assinala Alberto Venancio Filho (1982) que, por força da 
Companhia de Jesus na Universidade de Coimbra, a cultura predominante até 
meados do século XVIII mantinha-se refratária às transformações reivindicadas 
pelo Renascimento, o que é claramente evidenciado num edital do Colégio das 
Artes da Universidade de Coimbra de 1746, que determinava: 
TÓPICO 2 | A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
173
[...] nos exames ou lições, conclusões públicas ou particulares se não 
ensine defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para 
os estudos das ciências maiores, como são as de René Descartes, 
Gassendi, Newton e outros, nomeadamente qualquer ciência que 
defenda os átomos de Epicuro ou outras quaisquer conclusões opostas 
ao sistema de Aristóteles [...] (VENANCIO FILHO, 1982, p. 5).
Tal panorama é alterado com a Reforma do Marquês de Pombal, como já 
considerado, na segunda metade do século XVII, quando os jesuítas são expulsos 
da metrópole e da colônia, e seus reflexos na tentativa de emergência de uma 
cultura moderna, o que irá marcar a transição para o século XIX e a busca de 
superação da herança colonial. 
Em síntese, compreender o direito e a gestão da justiça no Brasil Colônia 
é a possibilidade de compreender as origens de nossa profunda desigualdade 
social e negação de cidadania que até os dias atuais procuramos nos livrar. Não é 
difícil perceber as razões que fazem de nosso direito um instrumento elitizado e 
distante ainda de interesses nacionais. 
A intenção de Portugal era construir uma elite burocrática defensora dos 
interesses reais que defendesse as leis metropolitanas.Desde aí foi sendo criado 
um sistema de compadrio que aliava as elites metropolitanas às elites canavieiras. 
E assim, a elite letrada e pseudoburocrática usufruía dos “benefícios” do poder 
em troca do desrespeito à lei e à justiça. 
174
Neste tópico, você aprendeu que:
 
• A estrutura administrativa do Brasil Colônia teve como característica a criação 
de um aparato político e jurídico capaz de garantir os interesses metropolitanos.
• As bases das instituições jurídicas brasileiras estão intimamente ligadas: a um 
passado escravocrata e patrimonialista, marcado pela dominação de uma elite 
agrária local e submissa aos interesses econômicos metropolitanos.
• O Direito brasileiro, em sua origem colonial, mais se aproxima de arbítrio e 
favoritismo do que propriamente a realização de justiça. 
RESUMO DO TÓPICO 2
175
AUTOATIVIDADE
Observe a gravura de Debret abaixo: 
“UM JANTAR BRASILEIRO”, 1827
FONTE: Disponível em: <http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/10/
jean-baptiste-debret-um-jantar.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.
A figura é uma das mais reproduzidas nos livros de história do Brasil, 
por caracterizar a sociedade colonial brasileira, marcada por profundas 
desigualdades sociais. 
Após detalhada observação na gravura e associando com o estudo realizado, 
faça uma breve dissertação discutindo a relação entre as bases políticas e 
econômicas do Brasil Colônia e a ordem jurídica.
176
177
TÓPICO 3
O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO 
DIREITO NACIONAL
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Mudanças sensíveis ocorrem na cultura jurídica brasileira no século XIX, 
que se inicia sob o signo da modernidade. As revoluções burguesas e o absolutismo 
ilustrado, que na Europa abriam as portas para compreender o humano como 
valor fundamental da sociedade, encontravam um forte contraste com o 
sistema colonial brasileiro, cuja marca era a violência imposta aos trabalhadores 
escravizados e a dinâmica contraditória da relação metrópole-colônia, que acabou 
por definir um espaço subjugado. 
Apesar disso e das resistências contra a centralização receberem golpes 
fatais, quer pelas mãos diretas das milícias reais, quer de seus braços locais, o 
Brasil torna-se independente em 1822. 
Uma dispersa, desarticulada e fluida nação emerge entre conflitos e 
dilaceração das antigas capitanias. O cuidado maior era o de manter a unidade 
política, que, como destaca Raimundo Faoro (2000, p. 315-316), “tratava-se de 
tarefa gigantesca e incerta diante dos enormes obstáculos, não apenas geográficos, 
mas sobretudo políticos”. 
É evidente que uma sequência de fatos – Abertura dos Portos (1808), 
criação do Reino Unido do Brasil (1815) e, finalmente, a Revolução do Porto (1820) 
– aceleraram o processo que mobilizou as elites locais para a independência. 
Tal processo tornou necessária a construção de uma cultura jurídica 
nacional, que encontra no liberalismo uma proposta doutrinária a partir da qual 
foram edificados os primeiros cursos jurídicos, uma elite jurídica e o edifício legal. 
Assim, a tarefa primeira é compreender a natureza e especificidade desse 
“liberalismo caboclo” presente como cimento da cultura jurídica em construção, 
sobretudo para compreender a profunda distinção entre o revolucionário 
liberalismo europeu e o brasileiro, e como este último serviu de suporte aos 
interesses das oligarquias vinculadas à monarquia imperial.
A face “cabocla” do liberalismo brasileiro é muito bem conhecida. Por 
isso, com razão comenta Wolkmer (2007, p. 76):
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
178
Eram profundamente contraditórias as aspirações de liberdade 
entre diferentes setores da sociedade brasileira. Para a população 
mestiça, negra, marginalizada e despossuída, o liberalismo, 
simbolizado na Independência do país, significava a abolição dos 
preconceitos de cor, bem como a efetivação da igualdade econômica 
e a transformação da ordem social. Já para os estratos sociais que 
participaram diretamente ao movimento de 1822, o liberalismo 
representava instrumento de luta visando à eliminação dos vínculos 
coloniais. Tais grupos, objetivando manter intactos seus interesses 
e as relações de dominação interna, não chegaram a reformar a 
estrutura de produção nem a estrutura da sociedade. 
O liberalismo, como observa Macridis (1982, p. 38-41), em suas diferentes 
dimensões, ético-filosófica, econômica e política-jurídica, representou o ideário 
de cunho individualista sustentado pela burguesia europeia contra o absolutismo 
monarquista, capaz de reproduzir novas condições materiais, sociais e políticas 
que permitiam sua ascensão e justificativa de poder. Entretanto, no Brasil, essa 
doutrina era conhecida por uma pequena parcela de letrados inovadores, e até 
revolucionários, já que a maioria da população era de analfabetos, escravos e 
uns poucos trabalhadores livres para os quais os “novos ventos da liberdade 
europeia” não sopravam nem como “leve brisa”.
O liberalismo brasileiro serviu tão bem aos interesses das oligarquias 
locais que pôde conviver com a institucionalização da escravidão, tornando-se 
uma aparente ambiguidade, porém a marca da política brasileira: uma retórica 
liberal e uma prática oligárquica, um conteúdo conservador e reacionário sob a 
aparência da democracia.
Emília Viotti da Costa (1985) identifica o liberalismo brasileiro como uma 
“ideologia de tantas caras” que serviu em “momentos distintos diferentes grupos 
com intenções diversas”: 
• A face heroica: própria dos movimentos que antecederam a independência, a 
antidemocrática – dos revolucionários da primeira Constituinte. 
• A face moderada: dos adeptos da monarquia constitucional, a radical – dos 
reformistas da fase regencial.
• A face conservadora: que acabou por impor-se e defendida pela minoria 
antidemocrática apegada às práticas do clientelismo e da patronagem. 
Em síntese, o liberalismo no Brasil foi singular, pois apesar de defender 
a democracia representativa, negava a participação popular, atribuindo aos 
poucos letrados a tarefa de conduzir as instituições políticas e jurídicas. Enfim, 
um liberalismo conservador, elitista, antidemocrático que nega na prática suas 
próprias convicções.
O processo de transição social produzido pela independência trará a 
marca desta lógica liberal. 
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
179
Apesar disso, salienta Florestan Fernandes (1974, p. 31) que a independência 
se constituiu numa revolução social por ter produzido simultaneamente o fim da 
era colonial e o advento da sociedade nacional. As relações de poder modificam-
se na medida em que deixam de manifestar-se “[...] como imposição de fora 
para dentro, para organizar-se a partir de dentro, malgrado as injunções e as 
contingências que iriam cercar a longa fase do “predomínio inglês” na vida 
econômica, política e diplomática da nação” (FERNANDES, 1974, p. 31-32). 
Sem dúvida, os donos do poder não se insurgiram contra a estrutura da 
sociedade colonial, mas contra o limite imposto pelo sistema que acabava por 
neutralizar a capacidade desta elite em dominar as diferentes esferas da ordem 
social, política e econômica.
 Essa é, segundo Florestan Fernandes (1974), a lógica que permite 
compreender por que as elites nacionais, sem negar a ordem social dominante, 
atuaram na esfera política, adaptando e integrando internamente a herança 
colonial com os interesses impostos pela independência. 
Portanto, o novo momento brasileiro irá se caracterizar como uma 
inovação aliada ao poder por parte das oligarquias e a enorme marginalização da 
população livre. 
A independência pode ser compreendida como mudança de status político-
jurídico sem mudança material e social, o que justifica a perpetuação das relações 
sociais de dominação internas ao longoda construção da sociedade nacional. 
FIGURA 57 – “O GRITO DO IPIRANGA” – PINTURA A ÓLEO DE PEDRO AMÉRICO – 
MUSEU DO IPIRANGA
 FONTE: Disponível em: <http://www.mp.usp.br/museu-do-ipiranga>. Acesso em: 
25 nov. 2017.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
180
Para muitos historiadores, essa é uma das razões da defesa limitada, 
tosca e egoísta, porém eficaz, dos ideais liberais por parte das elites nacionais, 
pois apenas era defendido aquilo que, num jogo de probabilidades concretas, 
poderiam efetivamente desfrutar, como o poder de igualdade e fraternidade dos 
interesses inerentes ao seu papel definido da estrutura de poder dominante.
É evidente que o liberalismo, ao construir a base ideológica e política para 
a transição colonial, tornou-se, ao mesmo tempo, o elemento mais destacado da 
cultura brasileira durante a fase imperial e o ideário para a edificação do Estado 
nacional, para a “ideia de Brasil”. 
NOTA
O projeto liberal no Brasil, que norteou o processo de independência, não 
significou uma única aspiração, mas sim o resultado de distintos segmentos, radicais e 
moderados conservadores, que concordavam num aspecto: o processo de independência e 
construção nacional se operaria com a ausência de participação popular.
O resultado dos conflitos entre os diferentes segmentos liberais foi a vitória 
dos conservadores, pensamento claramente explícito nas palavras de Evaristo da 
Veiga, líder da independência, citado por Lima Lopes (2012, p. 279): “Não temo 
que o Brasil se despolitize, temo que se anarquize, temo mais hoje os cortesãos da 
gentalha que aqueles que cheiram as capas do monarca”. 
Os radicais “souberam aceitar” a monarquia como forma de sobrevivência. 
Este fato demonstra a paradoxal conciliação resultante da estratégia liberal-
conservadora capaz de permitir o clientelismo e a cooptação aliada a uma cultura 
jurídico-institucional formalista, retórica e ornamental. Este “pacto conciliador” 
estará presente na judicialização do processo de independência, sendo sua face 
visível o bacharelismo liberal. 
2 A CULTURA JURÍDICA NACIONAL: O BACHARELISMO 
Com a independência política, a grande tarefa será a de construir autonomia 
jurídica. Para tanto, serão usadas duas grandes estratégias: a elaboração de uma 
legislação própria e a criação dos cursos de Direito. 
Se, de um lado a primeira tarefa era a de construir o aparato legal 
institucional da nação independente, de outro, era necessária a formação de uma 
elite jurídica própria e afinada com os ideais da independência. A implantação dos 
cursos jurídicos no Brasil era a alternativa possível frente à perda do único centro 
formador de juristas de língua portuguesa, a Universidade de Coimbra, de um 
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
181
lado, e o desaparecimento dos centros jesuíticos de ensino. Sem dúvida, o ponto 
de partida para a construção da ordem político-jurídico nacional era a instauração 
dos cursos na medida em que este era o curso fornecedor de importantes quadros 
para o Estado imperial, já que a grande maioria de bacharéis era absorvida pelo 
serviço público, por serem mais raros os cargos para magistrados e advogados.
A Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, que implanta os primeiros cursos 
jurídicos do Brasil de São Paulo e Recife, reflete, segundo Wolkmer (2007, p. 80), 
“a exigência da elite que veio a suceder a dominação colonial preocupada com 
a estrutura de poder e a preparação de uma camada burocrática administrativa 
capaz de assumir o gerenciamento nacional”. 
FIGURA 58 – FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO
FONTE: Disponível em: <http://ead.stj.jus.br/ead/mod/page/view.php?id=3009>. Acesso 
em: 25 nov. 2017.
Tais centros servirão como reprodutores da legalidade oficial positiva, ou 
seja, legitimadores dos interesses do poder, distantes de qualquer compromisso 
com expectativas sociais. Deve-se lembrar que entre os ministros de Estado de 
1831 a 1853, mais de 45% eram magistrados, que somando em certos períodos os 
advogados que exerciam tais funções, chegava-se a 60%. 
Assim, os cursos de Direito assumiram as funções de serem 
simultaneamente defensores do ideário liberal e formadores da elite burocrática 
devidamente adestrada para o exercício do poder.
Entretanto, ao buscar construir suas próprias escolas de Direito, o ensino 
jurídico brasileiro reproduzia um modelo alienígena, cosmopolita, ilustrado e 
literário, divorciado do quadro agrário rural predominante, e excluindo a grande 
massa popular marginalizada.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
182
 Apesar de tais escolas tratarem de formar burocratas do poder dentro 
da lógica do conservadorismo, é necessário que se assinale algumas tendências 
inovadoras. A Faculdade de Direito de Pernambuco, apesar de comungar a 
tendência comum do ensino jurídico brasileiro, vai ser o cenário da emergência 
de um movimento que representará a possibilidade de novos horizontes mais 
afinados com as modernas correntes de pensamento emergentes, o que poderia 
representar uma alternativa para o mimetismo português e francês. Este 
movimento de forte influência germânica, autodenominado Escola de Recife, 
será considerado o mais avançado de sua época, e terá como expoente a figura 
de origem social humilde e mestiça: Tobias Barreto. Sobre a importância deste 
movimento, destaca Alberto Venancio Filho (1982, p. 96):
O movimento da Escola do Recife representava, contudo, e talvez pela 
primeira vez, a realização daquela grande tarefa a que se tinham proposto 
as faculdades de Direito, de representarem grandes centros de estudo 
das ciências sociais e filosóficas no Brasil, mas da qual, via de regra, se 
vinham omitindo ou escapando, pois trazia o movimento no seu bojo um 
problema de transformação de ideias no campo da crítica literária. 
A Escola de Recife entendia que para dotar o Brasil de um aparato jurídico era 
necessário compreender a sociedade brasileira, sua natureza e construção. Defendia 
que o jurista deveria ser algo mais que um rábula. A intenção era a de compreender 
o fenômeno jurídico a partir de uma pluralidade de conhecimentos que resultavam 
essencialmente do evolucionismo e do monismo. E, sem dúvida, esses pensadores 
jurídicos, mais distantes do centro do poder, viam-se como vanguarda. 
Já São Paulo, centro privilegiado do bacharelismo liberal e da elite agrária, 
orientou-se para a formação de burocratas e militantes políticos. No espaço do 
Largo São Francisco foram intensas as defesas em favor dos direitos individuais 
e liberdades políticas.
 
As lutas abolicionistas e republicanas eram parte da vivência acadêmica 
que mais se caracterizava como autodidata, pois o ensino jurídico propriamente 
era de má qualidade, permitindo que inúmeros acadêmicos aderissem à militância 
política, sem que, entretanto, deixassem de ser cooptados pela burocracia estatal. 
O comprometimento da qualidade do ensino era denunciado em 5 de agosto de 
1831 pelo aviso do Ministro do Império José Lino Coutinho, sobre o desleixo e 
negligência escandalosa de professores do curso de Direito, que eram indiferentes 
à ausência dos acadêmicos e aprovavam indiscriminadamente.
Comparativamente, enquanto a Escola de Recife imaginava produzir 
pensadores da ciência do Direito, o Largo São Francisco de São Paulo era o celeiro 
de políticos e burocratas do Estado Imperial. 
Recife exaltava seu papel como núcleo intelectual e formador de ideias. 
São Paulo, apesar da fragilidade intelectual, colocava-se como vanguarda política 
nacional de onde partia o direcionamento político-jurídico brasileiro. Entretanto, 
seja como for, em meio a um ensino de baixa qualidade, os juristas tornam-se quase 
autodidatas que continuavam a reproduzir ideias tradicionalistas e formalistas de 
TÓPICO 3 | O PROCESSO DEINDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
183
direito, mantendo como espaço de discussão política não o espaço público, mas o 
privado: o interior do Salão do Imperador e os espaços domésticos, fato característico 
de uma sociedade aristocrática que foi capaz de construir um corpo normativo legal 
de fachada liberal que pudesse conviver com o escravismo e religião de Estado. 
Os juristas brasileiros que vão sendo forjados no Brasil independente 
caracterizam-se pelo apego ao passado e a valorização de uma cultura retórica 
e vazia, que não soube levar em conta a diversidade e especificidade brasileira. 
Por esta razão, afirma Caio Prado (2012) que o direito brasileiro era um 
direito artificial e inaplicável que deixa de lado as particularidades nacionais, 
sendo um exemplo significativo a questão da terra: “[...] num país agrícola e na 
maior parte ainda deserto, e que apesar disto nunca foi devidamente tratado 
nas leis brasileiras. O que sempre tivemos na matéria foi copiado de legislações 
europeias, onde naturalmente a situação é inteiramente outra” (p. 197). 
Um exemplo disso é a codificação civil brasileira de 1916. Mais próxima do 
conservadorismo do que da inovação, reproduziu mais valoração ao patrimônio 
privado do que às pessoas. Fiel retrato do modelo social, político, ideológico e 
cultural de sua época; muito do qual se perpetuou até o momento. Sem dúvida, trata-
se da ritualização e dogmatização das raízes que ordenavam, e de certa forma, ainda 
ordenam, as relações materiais e pessoais brasileiras. O resultado desse passado, 
no tocante à legislação civilista, é que permanecem irresolvidas questões sociais 
dramáticas, como a concentração de riqueza, que foi funcionando historicamente 
como um perverso mecanismo que nos dias de hoje segrega e estigmatiza milhões de 
brasileiros, pois, sem dúvida, o modelo civil nacional foi idealizado para assegurar e 
perpetuar os interesses e privilégios da oligarquia agrária.
Em síntese, a cultura jurídica do século XIX, que vai engendrar o direito do 
século XX, vigente atualmente no Brasil, foi marcada por um forte individualismo 
e formalismo legalista, projetando uma lógica singular, própria de uma nação 
que emergiu buscando aliar os princípios individualistas liberais burgueses 
importados do modelo europeu, com o legado colonial que instituiu práticas 
burocráticas-administrativas orientadas e ajustadas para a garantia e a proteção 
dos bens patrimoniais, ignorando, na prática, os interesses e necessidades da 
grande maioria que compõe o povo brasileiro. São oportunas as palavras de 
Wolkmer (2007, p. 125) quando afirma: “[...] os limites, o artificialismo e a pouca 
funcionalidade desse sistema de legalidade formalista e conservador propiciam 
as condições favoráveis para a sequência de confrontos intermináveis e os 
horizontes de ruptura com os procedimentos de justiça oficial e estatal”.
 
É exatamente sob a ótica desta cultura jurídica que vai ser construída 
toda legislação nacional. Um saber técnico-normativo que vai, dentro de padrões 
rigorosos de objetividade, pretender seguir um seguro caminho para a manutenção 
e reprodução do modelo de direito legado por este passado marcado pela exclusão 
e dominação, alheio a qualquer interesse e compromisso de emancipação.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
184
DICAS
A fim de melhor compreender a evolução histórica da legislação nacional, 
sugere-se a leitura do texto: “Brevíssimas notas sobre a história do direito e da justiça no 
Brasil”, de Jefferson Carús Guedes, disponível em: <http://www.confluencias.uff.br/index.php/
confluencias/article/viewFile/303/228>.
O colonialismo metropolitano imposto ao Brasil a partir do século 
XVI trouxe como uma de suas faces a imposição do modelo epistemológico 
hegemônico na Europa através da violência. Violência através da repressão de 
outras formas de saber existentes na colônia e também pela assimilação de um 
saber que se anuncia como universal e verdadeiro. 
A cultura jurídica nacional desenvolveu-se numa matriz epistemológica 
que muito bem cumpriu o papel de reprodução do direito hegemônico, tornando-
se instrumento de legitimação de um passado comprometido com a ausência de 
compromissos de legítima emancipação nacional. Enfim, uma concepção vazia 
e negadora de referenciais que possam definir um horizonte compreensivo 
legitimamente justo para com o que secularmente foi excluído do direito 
brasileiro: valores e necessidades capazes de promover a emancipação política 
e social dos empobrecidos, dos ausentes e dos invisibilizados. Um “direito das 
ausências” responsável por ter a “balança” da justiça pendido para “o lado” mais 
forte política e economicamente. 
185
Neste tópico, você aprendeu que: 
• Com a independência política brasileira em 1822, o grande desafio será a 
construção da autonomia jurídica, daí a criação das primeiras Faculdades de 
Direito e elaboração da legislação nacional.
• O liberalismo, apesar de suas contradições no Brasil, constituiu-se no grande 
ideário norteador do processo de independência, servindo seus princípios de 
fundamento da legislação nacional.
 
• A cultura jurídica brasileira deve ser compreendida a partir das grandes 
contradições e paradoxos da sociedade nacional, que buscou conciliar os 
interesses das elites locais e as necessidades sociais. 
RESUMO DO TÓPICO 3
186
AUTOATIVIDADE
Considere o texto: “Com a Independência do país, o liberalismo 
acabou constituindo-se na proposta de progresso e modernização superadora 
do colonialismo, ainda que, contraditoriamente, admitisse a propriedade 
escrava e convivesse com a estrutura patrimonialista de poder. Ao conferir 
as bases ideológicas para a transposição do status colonial, o liberalismo não 
só se tornou componente indispensável na vida cultural brasileira durante o 
Império, como também na projeção das bases essenciais de organização do 
Estado e de integração da sociedade nacional”. 
FONTE: WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 
p. 65.
A partir do estudo realizado, por que afirma o autor que o liberalismo brasileiro 
foi contraditório? Quais são as contradições?
187
TÓPICO 4
OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
A entrada no século XXI, embora não triunfal, nas terras brasileiras foi feita 
sob a égide da democracia aliada à esperança – nunca perdida – de reafirmação 
de cidadania. 
É nesse contexto que o sistema judiciário internamente assumiu o 
papel inédito de assegurar não apenas o conjunto de direitos fundamentais 
duramente conquistados, mas o de também manter a estabilidade política 
numa historicamente frágil ordem democrática. Revisando a história do Direito 
brasileiro, não é difícil perceber que esse protagonismo é muito diferente do 
tradicionalmente assumido de servir de mero instrumento de conferir eficácia ao 
sistema normativo estabelecido por um poder político raramente comprometido 
com interesses populares e fortemente marcado pela herança colonial. 
Na trajetória de construção do Estado brasileiro, o Judiciário esteve mais 
ocupado em cumprir seu papel controlador e reprodutor dos interesses das elites 
e organizar-se institucionalmente como aparato burocrático do poder. A bem 
da verdade, o Judiciário não foi alvo de atenção nem das elites nem das forças 
progressistas, talvez porque nunca representou obstáculo para aquelas, tampouco 
fonte de justiça social para essas, mas acabou, em finais do século XX, assumindo 
um papel político do qual não pode mais renunciar. 
O novo sistema mundial neoliberal, adotado pelos países europeus, nos 
últimos 30 anos, encontrou o absoluto desmantelamento do Estado intervencionista 
– quer o modelo desenvolvimentista das periferias e semiperferias mundiais, 
como Estado Providência– e o fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social 
relativamente avançado nos países da Europa, marcado por fortes políticas sociais 
que aliam altos níveis de competitividade com altos níveis de proteção social 
(SOUSA SANTOS, 2007). 
A mudança política em tempos de neoliberalismo global, na leitura de 
Boaventura de Sousa Santos, exige um Judiciário eficiente, rápido e independente 
para assegurar o novo modelo de desenvolvimento que se assenta nas regras 
de mercado e nos contratos privados, mas também, que responda às demandas 
sociais causadas pela precarização dos direitos sociais e econômicos (2007). 
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
188
Particularmente no Brasil, sem que tenha um modelo de Estado forte em 
políticas sociais, a redemocratização constitucional colocada em marcha com a 
Constituição Federal de 1988 ampliou consideravelmente o leque de direitos, não 
apenas em relação aos chamados direitos fundamentais, mas também aos novos 
direitos, cujos titulares são sujeitos coletivamente identificados: consumidores, 
negros, homossexuais, crianças e adolescentes, mulheres, indígenas, e tantos outros 
quantas possibilidades de articulação social e política. Esse fato aumenta a expectativa 
social de serem garantidos direitos anunciados constitucionalmente, mesmo com 
débeis mecanismos de implementação, já que a nova ordem constitucional também 
prevê a ampliação de estratégias e “instituições das quais se pode lançar mão para 
invocar os tribunais, por exemplo, a ampliação da legitimidade para propositura de 
ações diretas de inconstitucionalidade, possibilidade de as associações interporem 
ações em nome de seus associados e a consagração da autonomia do Ministério 
Público” (SOUSA SANTOS, 2007, p. 18).
 O novo constitucionalismo e a redemocratização brasileira conferiram 
ao Judiciário um papel relevante: não apenas é visto como instrumento de 
viabilização de direitos e garantias, como também a reconstrução e manutenção 
da ordem democrática.
Entretanto, a redemocratização aliada ao constitucionalismo construído 
nas matrizes europeias que consagram direitos fundamentais – conquistados ao 
longo de um processo histórico específico –, em terras brasileiras tem sido uma 
proposta desacompanhada de políticas públicas e sociais capazes de conferir 
eficácia e efetividade à nova ordem, ainda com agravante de existirem fortes 
resistências entre juristas herdeiros de uma lógica cartesiana ainda reféns do 
ultrapassado paradigma formal legalista de direito. 
 
Pode-se afirmar que aí está uma das razões centrais para compreender 
o porquê de, passados quase 30 anos de Constituição Democrática, ainda o 
Brasil é um país em que os princípios democráticos fazem parte de uma mera 
intencionalidade nem sempre ou raramente contemplada. “Para se ter uma ideia, 
o princípio constitucional da ampla defesa ficou quase 15 anos sem ser aplicado nos 
interrogatórios judiciais, sem que a doutrina e a jurisprudência – com raríssimas 
exceções – tivessem reivindicado a aplicação direta da Constituição” (STRECK, 
2017, p. 155). Evidentemente, sem esquecer que ainda o “peso da balança” pende 
para um “lado”. 
Se no passado colonial a face visível da exploração era a do escravo, em 
tempos de globalização o resultado da perversidade sistêmica, que nos lembra 
Milton Santos, são as vítimas do fascismo social. 
O fascismo social não é, como lembra Boaventura de Sousa Santos (2001), 
aquele criado diretamente pelo Estado, mas o produto de um sistema em que o 
nível de competitividade tem a guerra como norma, e acaba num individualismo 
arrebatador e possessivo que tudo coisifica, inclusive seres humanos. 
TÓPICO 4 | OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
189
Um sistema “que comanda outros subsistemas da vida social, formando 
uma constelação que tanto orienta e dirige a produção da economia como também 
a produção da vida” (SANTOS, 2001, p. 48). As fragmentações resultantes da lei 
de mercado rompem a solidariedade social, fazendo com que novas formas de 
perversidades sociais sejam criadas. 
Como resultado da nova ordem mundial neoliberal, são profundas as 
desigualdades sociais, vivendo-se um cotidiano de exclusão. 
FIGURA 59 – EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ESTRANHA CONVIVÊNCIA
FONTE: Disponível em: <http://profwladimir.blogspot.com.br/2012/05/dados-brasil-
desigualdades-sociais.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.
DICAS
Para melhor compreensão do tema, sugere-se a leitura do livro Constitucionalismo, 
descolonización y pluralismo en América Latina, de Antonio Carlos Wolkmer e Ivone Fernandes 
M. Lixa, disponível em: <https://sociologiajuridica.org/2015/04/19/livro-constitucionalismo-
descolonizacion-y-pluralismo-juridico-en-america-latina/>.
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
190
No Brasil, a desigualdade e seletividade, sobretudo no circuito da 
violência penal, reproduz sistematicamente processos de exclusão e vitimização 
aos setores populares, desonrando e desrespeitando grupos sociais que compõem 
as zonas de selvageria, expondo sofrimento e intimidade de seres humanos, que 
perversamente são transformados em “descartáveis” por “terem rompido o 
contrato social” e, por isso, transformados em seres desprovidos de direitos. 
A exceção torna-se regra nas áreas de exclusão e justificável para a prática 
do extermínio do “perigoso”. 
DICAS
No site <http://www.mapadaviolencia.org.br/> você encontrará dados acerca da 
violência no Brasil. Analise os dados!!! Realmente são grandes desafios para o direito!a
2 A DIFÍCIL CONQUISTA DE DIREITOS
Já aprendemos, e ainda estamos lamentavelmente aprendendo no 
Brasil, que as barbaridades cometidas contra seres humanos não se fundam 
somente no ódio, na cobiça ou na estupidez, mas sim na ausência de reflexão, no 
distanciamento e estranhamento, para usar a linguagem filosófica que permite a 
abertura de lidar com o invisível, com o não dito, com o silenciado e com o que 
está “fora de ordem”. Talvez em tempos de fascismos tão declarados seja chegado 
o momento de nos educarmos como forma de nos protegermos da banalidade 
do mal, talvez assim possam ser menos favoráveis e tenham mais pudor falas 
intolerantes e assassinas. 
Caminhando para a segunda metade da primeira década do século 
XXI não há muitas razões para otimismo. Vivemos uma espécie de ausência de 
esperança e de futuro. Estamos enfrentando tempos difíceis e de perversidades 
inéditas tornando quase utopia falar em Direito, sobretudo em Direitos Humanos.
Uma breve análise nos permite afirmar que é necessário reinventar a 
política e repolitizar o Direito desde a participação popular na política, criando 
mecanismos para resolução de conflitos de forma a estabelecer no Estado um 
poder popular e pluralista cuja prática destina-se a resgatar grupos que se 
encontram em situação de subjugação ou exclusão sem que consigam, por 
si mesmos, atender suas necessidades. Dessa maneira, simultaneamente, se 
enriquece a democracia com mecanismos participativos diretos, resgatando o 
“constitucionalismo primeiro” que está além do convencional e dominante. 
TÓPICO 4 | OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
191
Trata-se de reconhecer as novas realidades constituintes cotidianas cujos 
atores, como sujeitos históricos, são os que dinamizam, desde a estrutura social, 
política e econômica, e carregam em si a potencialidade transformadora que vai 
reconfigurando a ordem jurídica a partir de uma lógica plural e democrática 
capaz de ampliar o espaço jurídico para além do estatal, articulando saberes, 
práticas e ações coletivas inovadoras até então pouco reconhecidas. Uma 
prática cujo espaço de investigação é inesgotável, que busca identificar os 
elementos corriqueiros nas traduções das múltiplas realidades – a jurídica e a 
coletivamente criada – para encontrar o comum, o ponto inicial paraa tradução, 
para novas práticas que possam colocar em diálogo os espaços tradicionalmente 
considerados “jurídicos e não jurídicos”. 
DICAS
Sugere-se como leitura dois textos básicos:
1. Brevíssimas notas sobre a história do Direito e da Justiça no Brasil.
Autor: Jefferson Carús Guede.
Disponível em: <http://www.confluencias.uff.br/index.php/confluencias/article/viewFile/303/228>.
2. O capítulo III do livro de Antonio Carlos Wolkmer, História do Direito no Brasil. 
Disponível em: <file:///C:/Users/Usuario/Downloads/WOLKMER,%20Ant%C3%B4nio%20Carlos.%
20Hist%C3%B3ria%20do%20Direito%20no%20Brasil%20(1).pdf>. Acessos em: 4 dez. 2017.
Ainda são recomendados alguns filmes disponíveis na Internet, como:
“Xica da Silva”. Direção de Carlos Diegues, 1976. 
“Brava gente brasileira”. Direção de Lucia Murat, 2000.
“Mauá: o imperador do Brasil”. Direção de Sérgio Resende, 1999. 
Lembre-se: a cultura jurídica se adquire de várias formas!
Leia bons romances! 
Veja bons filmes e documentários!
UNIDADE 3 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO BRASILEIRO
192
LEITURA COMPLEMENTAR
O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e futuros desafios
José Eduardo Faria
Nunca, na história republicana do país, juízes e promotores alcançaram 
tanta evidência como agora. Graças às prerrogativas concedidas pela 
Constituição de 1988, as duas corporações estão presentes na vida econômica. 
Influenciando a agenda política e exercendo enorme protagonismo social, seja 
ao assegurar a proteção de interesses difusos, seja intervindo em questões 
relativas à justiça distributiva. Mas, a quem cabe a titularidade da independência 
funcional conquistada pelo Ministério Público (MP): à instituição como um 
todo ou a cada um de seus integrantes? Do lado do Judiciário, como pode 
almejar o direito à última palavra um Poder que controla de modo quase 
total o acesso aos seus quadros? Em suma, qual a legitimidade das duas 
instituições que compõem o "sistema de Justiça" brasileiro, em cujo âmbito 
os valores da independência e da autonomia se sobrepõem a outros com os 
quais deveriam compor, como os da eficiência administrativa, transparência 
decisória e equilíbrio das finanças públicas?
Questões como essas ganharam importância desde que promotores 
e procuradores da República passaram a recorrer a gravações clandestinas e 
escutas ilegais, com o objetivo de formular denúncias criminais contra dirigentes 
do Executivo e do Legislativo, e magistrados passaram a se opor às "reformas 
estruturais", especialmente à previdenciária, e a impedir as tentativas de 
revogação de direitos adquiridos do funcionalismo e taxação dos inativos, em 
nome dos princípios do equilíbrio e da responsabilidade fiscal.
Perante a opinião pública, o Judiciário tem sido visto como um moroso 
e inepto prestador de um serviço público. No Executivo, os responsáveis pelo 
Orçamento Geral da União o encaram como um aparato com baixa eficiência 
gerencial e insensível ao equilíbrio das finanças públicas, pois seus gastos 
com obras de discutível utilidade, suas crescentes despesas de custeio e suas 
sentenças comprometeriam as políticas de ajuste fiscal, poriam em risco 
a estabilidade monetária e travariam as reformas estruturais. Além disso, 
juntamente ao MP, o Judiciário é acusado pelo Congresso de exorbitar em suas 
prerrogativas, interferir no processo legislativo e bloquear políticas formuladas 
por órgãos representativos eleitos democraticamente, "destecnificando" 
a aplicação da lei e, por consequência, levando à "judicialização" da vida 
administrativa e econômica.
TÓPICO 4 | OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
193
FONTE: FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e futuros desafios. 
In: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200006>. Acesso 
em: 12 dez. 2017.
Muitas dessas críticas talvez sejam injustas, mas não quer dizer que não 
tenham algum fundo de verdade, o que alimenta diferentes indagações sobre 
o futuro das duas instituições num contexto marcado por fortes desigualdades 
sociais e culturais, graves limitações fiscais e transformações radicais nos modos 
de funcionamento da economia.
No site você poderá ler o texto na íntegra!!!!
194
Neste tópico, você aprendeu que:
• O passado histórico acabou por criar uma brutal realidade social no Brasil 
contemporâneo, que tem exigido respostas nem sempre possíveis de serem 
dadas com rapidez e eficiência.
• Mesmo com a ordem jurídica democrática implantada pela Constituição de 
1988, não conseguimos ser democráticos na prática, imperando um crescente e 
aterrorizante fascismo social.
• Temos muitos desafios diante de nós e precisamos reinventar nossas práticas 
jurídicas, buscando procedimentos mais eficientes e adequados a esse novo e 
difícil tempo. 
RESUMO DO TÓPICO 4
195
Considere a figura abaixo: 
AUTOATIVIDADE
FONTE: Disponível em: <http://www.ncst.org.br/subpage.php?id=19708_24-04
-2017_reforma-da-previd-ncia-agrava-desigualdades-sociais-dizem-cnbb-oab-e-
cofecon>. Acesso em: 25 nov. 2017.
O que lhe sugere? Há questões relativas ao Direito representadas? Comente 
sobre isso. 
196
197
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Ed. EDIPRO, 2008.
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HESPANHA, Antônio M. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia. 
Portugal: Forum da História,

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