Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Geometria Anto´nio Salgueiro Departamento de Matema´tica Universidade de Coimbra 2014 I´ndice 1 Axioma´tica da Geometria 5 1.1 Sistemas axioma´ticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.2 Axiomas de incideˆncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1.3 Axiomas de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.4 Axiomas de congrueˆncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.5 Axiomas de medic¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.6 Circunfereˆncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2 Geometria Euclidiana 39 2.1 O Axioma das Paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.2 Semelhanc¸a de triaˆngulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 2.3 Centros de um triaˆngulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 2.4 Determinac¸a˜o das medidas de um triaˆngulo . . . . . . . . . . . . . . . 58 2.5 A´rea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 2.6 Isometrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 2.7 Construc¸o˜es com re´gua e compasso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 3 Geometria Hiperbo´lica 87 3.1 O Axioma Hiperbo´lico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 3.2 Rectas paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 3.3 Circunfereˆncias de raio infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 3.4 A´rea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 3 4 1 Axioma´tica da Geometria 1.1 Sistemas axioma´ticos Um sistema axioma´tico um conjunto de afirmac¸o˜es sobre objectos indefinidos que constituem a base de uma teoria. Estas afirmac¸o˜es, chamadas axiomas, admitem-se como verdadeiras e na˜o carecem de demonstrac¸a˜o. A partir destes axiomas podera˜o ser deduzidas outras afirmac¸o˜es, chamadas teoremas, que por sua vez podem ser utilizados para provar novos teoremas. Os objectos apenas possuem as propriedades que sa˜o determinadas pelos axiomas e pelos teoremas e nenhumas outras (nomeada- mente aquelas que proveˆm da intuic¸a˜o ou de “conhecimentos pre´vios”). Um sistema axioma´tico deve ser: a) mı´nimo, ou seja, na˜o deve conter axiomas que se possam deduzir de outros; b) consistente, ou seja, na˜o deve conter axiomas que contradigam outros axiomas. Ale´m destas duas propriedades, um sistema axioma´tico diz-se completo se definir unicamente um modelo. Exemplo 1.1.1 Os seguintes sistemas axioma´ticos dizem respeito a um conjunto de pessoas e um conjunto de l´ınguas faladas por elas. a) Sistema Axioma´tico 1 Axioma I Ha´ um nu´mero finito de pessoas; Axioma II Cada l´ıngua e´ falada exactamente por duas pessoas. Este sistema axioma´tico e´ mı´nimo (nem o Axioma I e´ consequeˆncia do Axioma II nem o Axioma II e´ consequeˆncia do Axioma I), e´ consistente porque possui pelo menos um modelo, mas na˜o e´ completo, pois possui modelos distintos. Um modelo poss´ıvel e´ dado por um conjunto de duas pessoas que falam apenas portugueˆs e outro modelo e´ dado por um conjunto de quatro pessoas, das quais duas falam portugueˆs e duas falam ingleˆs. 5 b) Sistema Axioma´tico 2 Axioma I Ha´ um nu´mero finito de pessoas; Axioma II Cada l´ıngua e´ falada exactamente por duas pessoas; Axioma III Ha´ exactamente duas pessoas. Este sistema axioma´tico na˜o e´ mı´nimo pois o Axioma I e´ consequeˆncia do Axioma III. Portanto podemos retirar o Axioma I e ele sera´ um Teorema no novo sistema. c) Sistema Axioma´tico 3 Axioma II Cada l´ıngua e´ falada exactamente por duas pessoas; Axioma III Ha´ exactamente duas pessoas. Este sistema axioma´tico e´ agora mı´nimo (nem o Axioma II e´ consequeˆncia do Axioma III nem o Axioma III e´ consequeˆncia do Axioma II), e´ consistente porque possui pelo menos um modelo, mas na˜o e´ completo, pois possui modelos distintos. Um modelo poss´ıvel e´ dado por um conjunto de duas pessoas que falam apenas portugueˆs e outro modelo e´ dado por um conjunto de duas pessoas, que falam ambas portugueˆs e ingleˆs. Exerc´ıcio 1.1.1 Verifique se os seguintes sistemas axioma´ticos (relativos a um conjunto na˜o vazio de pessoas e um conjunto na˜o vazio de comisso˜es formadas por pessoas) sa˜o mı´nimos, consistentes e completos. a) i. Existe um nu´mero finito de pessoas. ii. Cada comissa˜o e´ formada por exactamente duas pessoas. iii. Ha´ exactamente uma pessoa que pertence a um nu´mero ı´mpar de comisso˜es. b) i. Existe um nu´mero finito de pessoas. ii. Cada comissa˜o e´ formada por exactamente duas pessoas. iii. Ha´ um nu´mero par de pessoas que pertencem a um nu´mero ı´mpar de comisso˜es. c) i. Cada comissa˜o e´ formada por exactamente duas pessoas. ii. Existem exactamente 6 comisso˜es. iii. Cada pessoa faz parte de exactamente 3 comisso˜es. d) i. Cada comissa˜o e´ formada por exactamente duas pessoas. ii. Existem exactamente 6 comisso˜es. iii. Cada pessoa faz parte de exactamente 3 comisso˜es. 6 iv. Na˜o ha´ duas comisso˜es que tenham um par de elementos em comum. Exerc´ıcio 1.1.2 Considere os seguintes termos, livro, folha e pa´gina onde uma folha e´ um conjunto de pa´ginas e um livro e´ uma reunia˜o de folhas. Considere ainda os seguintes axiomas: Axioma I: Existem exactamente dois livros. Axioma II: Cada livro tem exactamente duas folhas. Axioma III: Cada livro tem exactamente quatro pa´ginas. Axioma IV: Cada pa´gina pertence a um u´nico livro. Indique se este sistema axioma´tico e´ consistente, mı´nimo e/ou completo. Exerc´ıcio 1.1.3 Considere os termos rua e casa, onde uma rua e´ um conjunto de casas e o seguinte conjunto de axiomas: Axioma I: Cada rua conte´m pelo menos duas casas. Axioma II: Ha´ exactamente 4 ruas. Axioma III: Cada casa pertence a exactamente duas ruas. Indique se este sistema axioma´tico e´ consistente, mı´nimo e/ou completo. Exerc´ıcio 1.1.4 Considere os termos toca e coelho, onde uma toca e´ um conjunto de coelhos. Considere ainda o seguinte conjunto de axiomas: Axioma I: Duas tocas distintas teˆm exactamente um coelho em comum. Axioma II: Cada coelho pertence a exactamente duas tocas. Axioma III: Ha´ exactamente quatro tocas. Indique se este sistema axioma´tico e´ consistente, mı´nimo e/ou completo. 7 1.2 Axiomas de incideˆncia Um plano e´ um conjunto de pontos, no qual se considera uma colecc¸a˜o na˜o vazia de subconjuntos pro´prios chamados rectas. Isto significa que existem uma ou mais rectas, que cada recta conte´m um ou mais pontos, e que nenhuma recta conte´m todos os pontos do plano. Estes termos na˜o se definem e apenas sabemos o que e´ especificado nos axiomas indicados a seguir e o que se pode concluir logicamente deles. Os pontos sera˜o designados por letras maiu´sculas A, B, C, ..., e as rectas por letras minu´sculas a, b, c, ... (em geral usaremos as letras r, s, t, ...). Axioma I-1 Dados dois pontos distintos, existe uma u´nica recta que os conte´m. Notac¸a˜o: A u´nica recta r que conte´m os pontos A e B pode ser representada por AB ou BA. A BAB • • Definic¸a˜o 1.2.1 Duas rectas distintas dizem-se: a) paralelas se na˜o teˆm nenhum ponto em comum; b) concorrentes se teˆm exactamente um ponto em comum. Teorema 1.2.2 Duas rectas distintas ou sa˜o paralelas ou sa˜o concorrentes. Demonstrac¸a˜o. Sejam r, s duas rectas e suponhamos que conteˆm pelo menos dois pontos distintos em comum. Enta˜o, pelo Axioma I-1, tem-se r = s. Logo, se r e s sa˜o distintas, enta˜o teˆm no ma´ximo um ponto em comum. Definic¸a˜o 1.2.3 Treˆs ou mais pontos dizem-se colineares se existir uma recta que os conte´m. Teorema 1.2.4 Se A,B,C na˜o sa˜o colineares, enta˜o AB, AC e BC sa˜o treˆs rectas distintas. Demonstrac¸a˜o. Se AB = AC, enta˜o esta recta conteria os pontos A,B e C, logo os treˆs pontos seriam colineares. Portanto AB 6= AC. Analogamente se mostra que AB 6= BC e AC 6= BC. Teorema 1.2.5 Dado um ponto A, existe pelo menos uma recta que na˜o conte´m A. 8 Demonstrac¸a˜o. Seja r uma recta qualquer. Se A 6∈ r, enta˜o r e´ a recta pretendida. Se A ∈ r, consideremos um ponto B fora de r (que existe pois r e´ um subconjunto pro´prio do plano). Como a recta AB tambe´m e´ um subconjunto pro´prio do plano, existe um ponto C fora de AB. Enta˜o as rectas AB e BC sa˜o distintas (porque C ∈ BC mas C 6∈ AB) e na˜o sa˜o paralelas, logo sa˜o concorrentes em B (pelo Teo- rema 1.2.2). Logo A 6∈ BC. A BC r • • • Observac¸a˜o 1.2.6 O plano {A,B,C}, com as rectas {A}, {A,B}, {A,C}, {B,C}, verifica o Axioma I-1. Neste plano, a intersecc¸a˜o das rectas {A,B} e {A,C} e´ a recta {A}. Com o pro´ximo axioma, esta situac¸a˜o ja´ na˜o sera´ poss´ıvel. Axioma I-2 Cada recta conte´m pelo menos dois pontos. Teorema 1.2.7 (Teorema de de Bruijn-Erdo¨s, 1948) Dados n pontos na˜o co- lineares, existem pelo menos n rectas definidas por eles. Demonstrac¸a˜o. Seja m o nu´mero de rectas definidas pelos n pontos. Designemos o ponto por onde passam menos rectas por A0. Seja k o nu´mero de rectas que conteˆm A0. Designemos estas rectas por r1, . . . rk e as restantes rectas por rk+1, . . . , rm. Para 1 ≤ i ≤ k, em cada recta ri existe pelo menos um ponto Ai 6= A0. Os pontos A1, . . . , Ak sa˜o todos distintos pelo Axioma I. A0 A1 A2 Ak r1 r2 rk • •• • · · · · · · Seja si o nu´mero de pontos em ri e tj o nu´mero de rectas que passam por Aj , para 1 ≤ i ≤ m, 1 ≤ j ≤ n. Contando as incideˆncias dos pontos nas rectas de duas formas diferentes, tem-se s1 + s2 + . . .+ sm = t1 + t2 + . . .+ tn. 9 Pelo Axioma I, tem-se t1 ≥ s2, t2 ≥ s3, . . . , tk−1 ≥ sk, tk ≥ s1. Novamente pelo Axioma I tem-se k ≥ si, para k + 1 ≤ i ≤ m. Como A0 e´ o ponto por onde passam menos rectas, tem-se k ≤ ti, logo ti ≥ si, para k + 1 ≤ i ≤ m. Logo s1 + s2 + . . .+ sm ≤ t1 + t2 + . . .+ tm. Se fosse m < n ter´ıamos s1 + s2 + . . .+ sm < t1 + t2 + . . .+ tn, contradic¸a˜o. Exerc´ıcio 1.2.1 Mostre que no plano existem pelo menos 3 pontos. Exerc´ıcio 1.2.2 Mostre que qualquer ponto pertence a pelo menos duas rectas. Exerc´ıcio 1.2.3 Sejam A e B dois pontos do plano. Mostre que o conjunto dos pontos C tais que A,B e C sa˜o colineares e´ uma recta. Exerc´ıcio 1.2.4 O que pode concluir na situac¸a˜o em que n pontos definem ex- actamente n rectas? Exerc´ıcio 1.2.5 Admita, para ale´m dos Axiomas de Incideˆncia, dois axiomas adicionais: a) Na˜o existem rectas paralelas. b) Todas as rectas teˆm 3 pontos. Indique se este sistema axioma´tico e´ mı´nimo, consistente e completo. Exerc´ıcio 1.2.6 Considere o plano {A,B,C,D,E}, onde as rectas sa˜o os con- juntos {A,B}, {A,C}, {A,D}, {B,C}, {B,D}, {C,D}, {C,E}, {D,E}, {A,B,E}. a) Indique se se verificam os axiomas I-1 e I-2. b) Retire uma recta do plano de modo que, com as rectas restantes, se verifiquem ambos os axiomas. c) Indique, neste plano, duas rectas paralelas. Exerc´ıcio 1.2.7 Sejam A, B, C, D pontos distintos do plano. Mostre que se A, B e C sa˜o colineares e B, C e D sa˜o colineares, enta˜o A, B, C e D sa˜o colineares. Exerc´ıcio 1.2.8 Considere o plano {A,B,C,D,E}, onde as rectas sa˜o os con- juntos {A,B,C}, {A,D}, {A,E}, {C,D}, {C,E} e uma outra recta r. Indique, justificando, que pontos pertencem a r. Exerc´ıcio 1.2.9 Deˆ um exemplo de um plano, satisfazendo os axiomas de in- cideˆncia, composto por 5 pontos e onde haja exactamente 8 rectas. Exerc´ıcio 1.2.10 Considere o plano formado pelos pontos A, B, C, D, E e F , com quatro rectas {A,B,C}, {A,D,E}, {B,E, F} e {C,D, F}. 10 a) Indique, justificando, se este plano verifica os axiomas de incideˆncia. b) Qual e´ o nu´mero mı´nimo de rectas que e´ necessa´rio juntar para que ambos os axiomas se verifiquem? Exerc´ıcio 1.2.11 Considere o plano formado pelos pontos A, B, C, D, E e F e G, com as rectas {A,B,C}, {A,D,E}, {A, F,G}, {B,D, F}, {B,E,G}, {C,D,G} e {C,E, F}. a) Indique, justificando, se este plano, chamado o plano de Fano, verifica os axiomas de incideˆncia. b) Indique, caso existam, duas rectas paralelas e duas rectas concorrentes. Exerc´ıcio 1.2.12 Deˆ um exemplo de um plano com 6 pontos, onde na˜o ha´ rectas paralelas. Exerc´ıcio 1.2.13 Considere um plano, composto pelos pontos A,B,C,D,E e por oito rectas, entre as quais se encontram {A,B}, {A,C}, {A,D}, {A,E}, {B,C} e {B,D}. a) Entre as seis rectas indicadas, indique duas rectas paralelas. b) Indique quais sa˜o as duas rectas restantes. Exerc´ıcio 1.2.14 Considere o sistema axioma´tico formado pelos dois axiomas de incideˆncia e ainda o axioma Existem exactamente 4 pontos. Averigu´e se este sistema axioma´tico e´ consistente, mı´nimo e completo. 11 1.3 Axiomas de ordem Os axiomas seguintes referem-se a um termo indefinido “estar entre”. Esta noc¸a˜o permite-nos definir novos conceitos como o de segmento de recta e o de semi-recta. Definic¸a˜o 1.3.1 O conjunto dos pontos que esta˜o entre A e B representa-se por ]AB[ (ou ]BA[) e o conjunto ]AB[∪{A,B} chama-se o segmento de recta de A a B e representa-se por [AB] (ou [BA]). No caso em que B = A, tem-se ]AA[= ∅ e [AA] = {A}. Definic¸a˜o 1.3.2 Dados dois pontos distintos A e B, o conjunto dos pontos C tais que C ∈ [AB] ou B ∈ [AC] chama-se a semi-recta com origem em A que passa por B e representa-se por A˙B. Axioma O-1 Se A e B sa˜o distintos, enta˜o {A,B} ( [AB] ( A˙B ( AB. A B[AB]• • A B A˙B• • A BAB • • Axioma O-2 Dados treˆs pontos colineares distintos, exactamente um deles esta´ entre os outros dois. Definic¸a˜o 1.3.3 Um subconjunto S do plano diz-se convexo se, para cada par de pontos A,B ∈ S se tem [AB] ⊆ S. Axioma O-3 Os pontos do plano fora de uma recta dada r separam-se em dois conjuntos disjuntos convexos tais que dois pontos A,B fora de r pertencem ao mesmo subconjunto se e so´ se [AB] ∩ r = ∅. Definic¸a˜o 1.3.4 Se A,B pertencem ao mesmo conjunto, dizemos que A e B esta˜o do mesmo lado de r. Teorema 1.3.5 Dados dois pontos distintos A e B, tem-se A˙B ∪ B˙A = AB e A˙B ∩ B˙A = [AB]. Demonstrac¸a˜o. • Pelo Axioma O-1, tem-se A˙B ⊂ AB e B˙A ⊂ BA = AB. Logo A˙B∪B˙A ⊆ AB. Seja agora P ∈ AB. Enta˜o P , A e B sa˜o colineares, logo, pelo Axioma O-2, exactamente um destes pontos esta´ entre os outros dois. Se P esta´ entre A e B, enta˜o P ∈ [AB] ⊂ A˙B. Se A esta´ entre P e B, enta˜o P ∈ B˙A. Se B esta´ entre P e A, enta˜o P ∈ A˙B. Logo, em qualquer caso, tem-se P ∈ A˙B ∪ B˙A. Portanto, AB ⊆ A˙B ∪ B˙A. 12 • Por definic¸a˜o tem-se [AB] ⊂ A˙B e [AB] = [BA] ⊂ B˙A, logo [AB] ⊂ A˙B∩B˙A. Seja agora P ∈ A˙B∩B˙A. Se P = A ou P = B, enta˜o P ∈ [AB]. Consideremos enta˜o o caso em que P 6= A e P 6= B. Como P ∈ A˙B, enta˜o P esta´ entre A e B ou B esta´ entre A e P . Como P ∈ B˙A, enta˜o P esta´ entre A e B ou A esta´ entre B e P . Como apenas um dos treˆs casos pode ocorrer, pelo Axioma O-2, enta˜o conclui- -se que P esta´ entre A e B, logo P ∈ [AB]. Portanto A˙B ∩ B˙A ⊂ [AB]. Teorema 1.3.6 Se C e´ um ponto entre A e B e D e´ um ponto entre B e C, enta˜o D esta´ entre A e B. Demonstrac¸a˜o. Pelos Axiomas I-1 e O-1, os pontos A, B, C, D sa˜o colineares. Consideremos uma recta r 6= AB que passe por D. Como D esta´ entre B e C, enta˜o B e C esta˜o em lados opostos de r. Como cada semiplano e´ convexo, se A e B estivessem do mesmo lado de r, enta˜o tambe´m o ponto C ∈ [AB] estaria do mesmo lado. Logo conclui-se que A e B esta˜o em lados opostos de r, pelo que [AB] intersecta r. Como AB so´ intersecta r no ponto D (pelo Axioma I-1), enta˜o D ∈ [AB] e portanto D esta´ entre A e B. A C D B r • • • • Teorema 1.3.7 Cada segmento de recta tem uma infinidade de pontos. Demonstrac¸a˜o. Seja [AB] um segmento de recta. Pelo Axioma O-1,existe um ponto P1 entre A e B. Do mesmo modo, existe um ponto P2 entre P1 e B. Pelo teorema anterior, o ponto P2 esta´ entre A e B. Repetindo este argumento, obte´m-se uma sequeˆncia de pontos P1, P2, . . ., Pn, . . . de pontos distintos entre A e B. A BP1 P2 · · ·• •• • • Corola´rio 1.3.8 Cada recta tem uma infinidade de pontos. Demonstrac¸a˜o. Cada recta r conte´m dois pontos A e B pelo Axioma I-2. Pelo Axioma O-1, o conjunto infinito [AB] esta´ contido em r, pelo que r e´ tambe´m infinito. 13 Definic¸a˜o 1.3.9 Se A, B e C sa˜o pontos na˜o colineares, o triaˆngulo [ABC] e´ a reunia˜o dos treˆs segmentos [AB], [BC] e [AC], chamados os lados do triaˆngulo. Os pontos A,B e C chamam-se os ve´rtices do triaˆngulo. A B C Definic¸a˜o 1.3.10 Um aˆngulo ∠ABC e´ a reunia˜o das duas semi-rectas B˙A e B˙C. O ponto B chama-se o ve´rtice do aˆngulo. O interior do aˆngulo ∠ABC e´ a intersecc¸a˜o do semiplano definido por BA que conte´m C com o semiplano definido por BC que conte´m A. B A C inter ior d e ∠A BC Observac¸a˜o 1.3.11 Nas situac¸o˜es em que na˜o houver du´vidas sobre quais sa˜o as semi-rectas que formam o aˆngulo ∠ABC podemos simplesmente designa´-lo por ∠B. Teorema 1.3.12 (Teorema de Pasch) Se uma recta r intersecta um triaˆngulo [ABC] num ponto entre A e B, enta˜o r intersecta [AC] ou [BC]. Demonstrac¸a˜o. Se C ∈ r, enta˜o r intersecta ambos os lados [AC] e [BC]. Se C 6∈ r, enta˜o ou C e A esta˜o do mesmo lado de r ou C e B esta˜o do mesmo lado de r. No primeiro caso, r intersecta [BC] e no segundo caso, r intersecta [AC]. Teorema 1.3.13 (Teorema de Sylvester, 1933) Dados n pontos na˜o colineares do plano, existe uma recta que passa exactamente por dois desses pontos. Demonstrac¸a˜o. Sejam P1, . . . , Pn os pontos dados. Como estes pontos na˜o sa˜o colineares, podemos supor, por exemplo, que P1 6∈ P2P3. Como P2P3 tem um nu´mero infinito de pontos, existe algum ponto A ∈ P2P3 tal que P1A na˜o passa por nenhum dos pontos P2, P3, . . . , Pn. Consideremos na semi-recta P˙1A todos os pontos de intersecc¸a˜o com os segmentos [PiPj ], i > j ≥ 2. Seja B o ponto de intersecc¸a˜o tal que ]P1B[ na˜o conte´m nenhum outro ponto de intersecc¸a˜o 14 e suponhamos que a recta que o define e´ determinada por P4 e P5. Se P4P5 na˜o conte´m nenhum outro ponto da colecc¸a˜o, enta˜o esta´ encontrada a recta pretendida. Caso contra´rio, existe um ponto P6 ∈ P4P5 e podemos supor que P5 esta´ entre P4 e P6. Consideremos agora a recta P1P6. Suponhamos que existe um outro ponto P7 ∈ P1P6. Pelo Axioma O-2, exactamente um dos pontos P1, P6 ou P7 esta´ entre os outros dois. • • • • • • • • • • • P2 P3 P1 A B P4 P5 P6 P7? P7? P7? Se P1 estivesse entre P7 e P6, enta˜o a recta P7P5 intersectaria o triaˆngulo [P1BP6] apenas em P5. Se P7 estivesse entre P1 e P6, enta˜o a recta P7P4 intersectaria o triaˆngulo [P1BP6] apenas em P7. Se P6 estivesse entre P1 e P7, enta˜o a recta P7P5 intersectaria o triaˆngulo [P1BP6] apenas em P5. Logo na˜o existe nenhum outro ponto da colecc¸a˜o em P1P6 e portanto P1P6 e´ a recta pretendida. Teorema 1.3.14 (Teorema da barra cruzada) SeD esta´ no interior de ∠BAC, enta˜o A˙D intersecta [BC]. Demonstrac¸a˜o. Seja E um ponto de AC tal que A esta´ entre E e C. A C B D E F G Como AD intersecta [EBC] num ponto entre E e C, enta˜o, pelo Teorema de Pasch, AD intersecta [EB] ou [BC]. Suponhamos primeiro que AD intersecta [EB], num ponto F . Como D esta´ no interior de ∠BAC, enta˜o B e D esta˜o do mesmo lado de AC. Como F esta´ entre E e B, enta˜o tambe´m B e F esta˜o do mesmo lado de AC. Logo F e D esta˜o do 15 mesmo lado de AC, pelo que [FD]∩AC = ∅. Portanto A na˜o esta´ entre F e D. No entanto, D e C esta˜o do mesmo lado de AB, e E e F esta˜o do outro lado, pelo que [FD] intersecta AB. Ora o u´nico ponto de intersecc¸a˜o de FD com AB e´ o ponto A, logo A esta´ entre F e D, contradic¸a˜o. Concluimos enta˜o que AD intersecta [BC], num ponto G. Enta˜o B e G esta˜o do mesmo lado de AC, logo D e B tambe´m esta˜o do mesmo lado de AC. Portanto [DG] na˜o intersecta AC, ou seja, A na˜o esta´ entre D e G. Assim G ∈ A˙D. Exerc´ıcio 1.3.1 Mostre que dois lados de um triaˆngulo intersectam-se num ve´rtice. Exerc´ıcio 1.3.2 Mostre que se uma recta intersecta os treˆs lados de um triaˆngulo, enta˜o passa por um dos ve´rtices. Exerc´ıcio 1.3.3 Mostre que se C esta´ entre A e B, enta˜o [AB] = [AC] ∪ [CB] e [AC] ∩ [BC] = {C}. Exerc´ıcio 1.3.4 Mostre que um segmento de recta e´ um conjunto convexo. Exerc´ıcio 1.3.5 Seja r uma recta e P um ponto de r. Mostre que se P esta´ entre A e B e A 6∈ r, enta˜o tambe´m B 6∈ r. Sugesta˜o: Suponha que B ∈ r e obtenha uma contradic¸a˜o. Exerc´ıcio 1.3.6 Seja D um ponto no interior de ∠ABC. Seja E um ponto do plano tal que B esta´ entre C e E. Mostre que [DE] intersecta AB. Exerc´ıcio 1.3.7 Mostre que se o ponto B esta´ entre A e C e o ponto C esta´ entre B e D, enta˜o o ponto B esta´ entre A e D. Exerc´ıcio 1.3.8 Seja [ABC] um triaˆngulo, D um ponto entre A e C, e E um ponto entre B e D. Mostre que E esta´ no interior de ∠ABC. Exerc´ıcio 1.3.9 Sejam A e B pontos do plano e r uma recta. Suponhamos que [AB] intersecta r num u´nico ponto C, situado entre A e B. Mostre que A e B esta˜o em lados opostos de r. Exerc´ıcio 1.3.10 Mostre que se P e Q esta˜o no interior de ∠ABC, enta˜o [PQ] esta´ contido no interior de ∠ABC. Exerc´ıcio 1.3.11 Consideremos num plano uma recta r = {A,B,C,D,E} e os segmentos ]AB[= {D}, ]AC[= {B}, ]AD[= {E}, ]AE[= {C}, ]BC[= {E}, ]BD[= {C}, ]BE[= {A}, ]CD[= {A}, ]CE[= {D} e ]DE[= {B}. a) Mostre que quaisquer dois pontos da recta r verificam o Axioma O-1. b) Mostre que quaisquer treˆs pontos de r verificam o Axioma O-2. c) Mostre que o plano na˜o pode verificar o Axioma O-3. 16 1.4 Axiomas de congrueˆncia O pro´ximo conjunto de axiomas diz respeito a` noc¸a˜o de congrueˆncia que sera´ um termo indefinido. Neste momento, congrueˆncia na˜o significa ter o mesmo com- primento ou ter a mesma amplitude, conceitos de que falaremos mais tarde. Notac¸a˜o: Para indicar que dois segmentos [AB] e [CD] sa˜o congruentes, es- creveremos [AB] ∼= [CD]. Do mesmo modo, para indicar que dois aˆngulos ∠ABC e ∠DEF sa˜o congruentes, escreveremos ∠ABC ∼= ∠DEF . Axioma C-1 Dado um segmento [AB] e uma semi-recta C˙D, existe um u´nico ponto da semi-recta tal que [CE] ∼= [AB]. Axioma C-2 Se [AB] ∼= [CD] e [CD] ∼= [EF ], enta˜o [AB] ∼= [EF ]. Axioma C-3 Se C ∈]AB[ e F ∈]DE[, [AC] ∼= [DF ] e [BC] ∼= [EF ], enta˜o [AB] ∼= [DE]. A BC ED F• •• •• • Teorema 1.4.1 Se C ∈]AB[ e F ∈]DE[, [AC] ∼= [DF ] e [AB] ∼= [DE], enta˜o [BC] ∼= [FE]. Demonstrac¸a˜o. Pelo Axioma C-1, existe um u´nico ponto G ∈ F˙E tal que [BC] ∼= [FG]. Pelo Axioma C-3, tem-se [AB] ∼= [DG]. Como se tem [AB] ∼= [DE], enta˜o, pelo Axioma C-2, tem-se [DG] ∼= [DE]. Mas a unicidade do ponto G garante que G = E, pelo que [BC] ∼= [FE]. A BC ED F G• •• •• • • Axioma C-4 Dado um aˆngulo ∠ABC e uma semi-recta D˙E, existe em cada semi-plano definido por DE uma u´nica semi-recta D˙F tal que ∠FDE ∼= ∠ABC. Definic¸a˜o 1.4.2 Diz-se que dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ] sa˜o congruentes e escreve-se [ABC] ∼= [DEF ] se [AB] ∼= [DE], [AC] ∼= [DF ], [BC] ∼= [EF ], ∠BAC ∼= ∠EDF , ∠ABC ∼= ∠DEF e ∠ACB ∼= ∠DFE. Observac¸a˜o 1.4.3 A ordem em que os ve´rtices do triaˆngulo sa˜o escritos e´ im- portante. Em particular, os triaˆngulos [ABC] e [BAC] na˜o sa˜o necessariamente congruentes. 17 Deste modo, a expressa˜o [ABC] ∼= [DEF ] resume seis congrueˆncias, treˆs relativas a segmentos e treˆs relativas a aˆngulos. Veremos em seguida que na verdade na˜o sa˜o necessa´rias seis congrueˆncias para concluir que dois triaˆngulos sa˜o congruentes. Axioma C-5 Dados dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ], se [AB] ∼= [DE], [AC] ∼= [DF ] e ∠BAC ∼= ∠EDF , enta˜o [ABC]∼= [DEF ]. A B C D E F Este axioma e´ conhecido por Crite´rio LAL, porque diz respeito a` congrueˆncia de um aˆngulo e dos dois lados adjacentes. Teorema 1.4.4 Num triaˆngulo [ABC], se [AB] ∼= [AC], enta˜o ∠ABC ∼= ∠ACB. Demonstrac¸a˜o. Como [AB] ∼= [AC], [AC] ∼= [AB] e ∠BAC ∼= ∠CAB, enta˜o pelo Crite´rio LAL, tem-se que [ABC] ∼= [ACB]. Logo ∠ABC ∼= ∠ACB. B C A Nota: Esta prova devida a Pappus, no se´c IV, simplifica grandemente as demons- trac¸o˜es anteriores deste teorema, ao reparar que com os pontos A, B e C se podem formar dois triaˆngulos congruentes [ABC] e [ACB]. Teorema 1.4.5 (Crite´rio ALA)Dados dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ], se [AB] ∼= [DE], ∠BAC ∼= ∠EDF e ∠ABC ∼= ∠DEF , enta˜o [ABC] ∼= [DEF ]. 18 A B C D E F Demonstrac¸a˜o. Pelo Axioma C-1, existe um u´nico ponto G ∈ D˙F tal que [DG] ∼= [AC]. Como [AB] ∼= [DE] e ∠GDE ∼= ∠CAB, enta˜o pelo Crite´rio LAL, tem-se [DEG] ∼= [ABC]. Portanto, ∠DEG ∼= ∠ABC. Como tambe´m ∠DEF ∼= ∠ABC, enta˜o, pelo Axioma C-4, conclui-se que E˙F = E˙G, ou seja, que E, F e G sa˜o colineares. Enta˜o, pelo Axioma I-1, conclui-se que G = F . A B C D E F G Teorema 1.4.6 Se D e´ um ponto interior a ∠ABC, H e´ um ponto interior a ∠EFG, ∠ABD ∼= ∠EFH e ∠DBC ∼= ∠HFG, enta˜o ∠ABC ∼= ∠EFG. Demonstrac¸a˜o. Pelo Axioma C-1 existe um ponto I ∈ F˙E tal que [AB] ∼= [IF ]. Pelos Axiomas C-4 e C-1 existe um ponto J tal que ∠IFJ ∼= ∠ABC e [FJ ] ∼= [BC]. Enta˜o o crite´rio LAL garante que [ABC] ∼= [IFJ ], pelo que ∠JIF ∼= ∠CAB. Seja K o ponto de intersecc¸a˜o de BD com AC e L o ponto de intersecc¸a˜o de FH com IJ . Tem-se ∠KAB ∼= ∠LIF , ∠KBA ∼= ∠LFI e [AB] ∼= [IF ], logo, pelo crite´rio ALA, tem-se [ABK] ∼= [IFL]. A C B D K E G F I J H L 19 Assim, [AK] ∼= [IL]. Como [AC] ∼= [IJ ], enta˜o, pelo Teorema 1.4.1 tambe´m se tem [KC] ∼= [LJ ]. Novamente pelo crite´rio LAL conclui-se que [BKC] ∼= [FLJ ]. Portanto, ∠HFG ∼= ∠DBC = ∠KBC ∼= ∠LFJ = ∠HFJ , ou seja, F˙ J = F˙G. Conclui-se finalmente que ∠EFG = ∠IFJ ∼= ∠ABC. Teorema 1.4.7 (Crite´rio LLL) Dados dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ], se [AB] ∼= [DE], [AC] ∼= [DF ] e [BC] ∼= [EF ], enta˜o [ABC] ∼= [DEF ]. A B C D E F Demonstrac¸a˜o. Consideremos no semiplano definido por [DE] que na˜o conte´m F o ponto G tal que ∠EDG ∼= ∠BAC e [DG] ∼= [AC] (que existe pelos Axiomas C-1 e C-4). Enta˜o, pelo crite´rio LAL tem-se [ABC] ∼= [DEG]. Suponhamos que [FG] intersecta [DE] (os outros casos demonstram-se de forma ana´loga). Como [DG] ∼= [DF ], enta˜o ∠DGF ∼= ∠DFG, pelo Teorema 1.4.4. Analogamente ∠GFE ∼= ∠FGE. Pelo teorema anterior conclui-se que ∠DFE ∼= ∠DGE. Finalmente, o crite´rio LAL garante que [DEG] ∼= [DEF ]. Portanto tambe´m [ABC] ∼= [DEF ]. A B C D E F G Exerc´ıcio 1.4.1 Mostre que se um triaˆngulo tem dois aˆngulos congruentes, enta˜o tem dois lados congruentes. Exerc´ıcio 1.4.2 Mostre que se ∠ABC ∼= ∠DEF e ∠DEF ∼= GHI, enta˜o ∠ABC ∼= ∠GHI. 20 Exerc´ıcio 1.4.3 Mostre que se D e´ um ponto interior a ∠ABC, H e´ um ponto interior a ∠EFG, ∠ABD ∼= ∠EFH e ∠ABC ∼= ∠EFG, enta˜o ∠DBC ∼= ∠HFG. Exerc´ıcio 1.4.4 Considere o plano R2, com as rectas usuais, e onde dois seg- mentos [AB] e [CD], com A = (x1, y1), B = (x2, y2), C = (x3, y3), D = (x4, y4), sa˜o congruentes se e so´ se max(|x2 − x1|, |y2 − y1|) = max(|x3 − x4|, |y3 − y4|) e dois aˆngulos sa˜o congruentes se tiverem a mesma amplitude usual. Considere os pontos A = (0, 0), B = (0, 3), C = (3, 0), D = (−3, 0). Mostre que os triaˆngulos [BAC] e [DBC] verificam as condic¸o˜es do Crite´rio LAL, mas na˜o sa˜o congruentes. Exerc´ıcio 1.4.5 Considere pontos na˜o colineares A, B, C, D no plano tais que [AB] ∼= [CD] e [AD] ∼= [BC]. A B CD Mostre que ∠ABC ∼= ∠CDA e que ∠DAB ∼= ∠BCD. Exerc´ıcio 1.4.6 Seja [ABCD] um quadrila´tero tal que [AD] ∼= [BC] e ∠DAB ∼= ∠CBA. Mostre que ∠ADC ∼= ∠DCB. Exerc´ıcio 1.4.7 Na figura seguinte, tem-se [AB] ∼= [AC] e ∠ABE ∼= ∠ACD. Mostre que [AD] ∼= [AE]. A B C D E 21 1.5 Axiomas de medic¸a˜o De seguida estabelecemos os axiomas que nos permitem medir comprimentos de segmentos ou amplitudes de aˆngulos. Axioma M-1 A cada par de pontos A e B corresponde um nu´mero real, chamado a distaˆncia de A a B ou o comprimento de [AB] e representado por AB e para cada recta r existe uma bijecc¸a˜o f : r → R tal que AB = |f(A)− f(B)|, para quaisquer pontos A,B ∈ r. Axioma M-2 A cada aˆngulo ∠AOB corresponde um nu´mero real, chamado a amplitude de ∠AOB e representado por A“OB e para cada semirecta O˙A existe uma bijecc¸a˜o entre o conjunto das semi-rectas de cada um dos semiplanos fechados determinados por OA e o intervalo [0, 180] tal que se C e´ um ponto no interior de ∠AOB, enta˜o A“OB = A“OC + C “OB. Com estes axiomas diremos que dois segmentos [AB] e [CD] sa˜o congruentes se AB = CD e que dois aˆngulos ∠ABC e ∠DEF sa˜o congruentes se A“BC = D“EF . Diremos tambe´m que, dados treˆs pontos A,B,C de uma recta r, o ponto C esta´ entre A e B se f(C) esta´ entre f(A) e f(B) para uma bijecc¸a˜o f entre a recta que conte´m estes pontos e R. Juntando estes axiomas aos anteriores obtemos um sistema axioma´tico que na˜o e´ mı´nimo. Por exemplo, claramente o Axioma I-2 e´ uma consequeˆncia de M-1. Na verdade, podemos obter um sistema mı´nimo equivalente apenas com os axiomas seguintes (I-1, O-3, C-5, M-1 e M-2): Axioma 1 Dados dois pontos distintos, existe uma u´nica recta que os conte´m. Axioma 2 Os pontos do plano fora de uma recta dada r separam-se em dois conjuntos disjuntos convexos tais que dois pontos A,B fora de r pertencem ao mesmo subconjunto se e so´ se [AB] ∩ r = ∅. Axioma 3 Dados dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ], se [AB] ∼= [DE], [AC] ∼= [DF ] e ∠BAC ∼= ∠EDF , enta˜o [ABC] ∼= [DEF ]. Axioma 4 A cada par de pontos A e B corresponde um nu´mero real, chamado a distaˆncia de A a B e representado por AB e para cada recta r existe uma bijecc¸a˜o f : r → R tal que AB = |f(A)− f(B)|, para quaisquer pontos A,B ∈ r. Axioma 5 A cada aˆngulo ∠AOB corresponde um nu´mero real, chamado a amplitude de ∠AOB e representado por A“OB e para cada semirecta O˙A existe uma bijecc¸a˜o entre o conjunto das semi-rectas de cada um dos semiplanos fechados determinados por OA e o intervalo [0, 180] tal que se C e´ um ponto no interior de ∠AOB, enta˜o A“OB = A“OC + C “OB. 22 Definic¸a˜o 1.5.1 Dados dois pontos A e B, o ponto me´dio de A e B e´ o ponto M ∈ [AB] tal que AM = MB. A BM• •• Definic¸a˜o 1.5.2 Dado um triaˆngulo [ABC], a mediana relativa ao lado [AB] e´ o segmento [CM ], onde M e´ o ponto me´dio de [AB]. A B C M Definic¸a˜o 1.5.3 A bissectriz de um aˆngulo ∠AOB e´ a semirecta ˙OC tal que A“OC = C “OB. O A B C Definic¸a˜o 1.5.4 Um aˆngulo diz-se: a) agudo se a sua amplitude for inferior a 90; b) recto se a sua amplitude for 90; c) obtuso se a sua amplitude for superior a 90. Definic¸a˜o 1.5.5 Duas rectas r e s dizem-se perpendiculares e escreve-se r ⊥ s se os aˆngulos formados por elas forem rectos. r s 23 Definic¸a˜o 1.5.6 A altura de um triaˆngulo [ABC] relativa ao lado [AB] e´ o seg- mento [CD] onde D e´ o ponto de AB tal que CD e´ perpendicular a AB. A B C D Observac¸a˜o 1.5.7 O ponto D na˜o esta´ necessariamente no segmento [AB]. A B C D Proposic¸a˜o 1.5.8 Num triaˆngulo [ABC] tal que AB = AC, a mediana relati- vamente a [BC] coincide com a altura relativa a [BC] e ambas esta˜o contidas na bissectriz de ∠BAC. Demonstrac¸a˜o. Seja M o ponto me´dio de [BC]. Enta˜o, pelo crite´rio LLL tem-se [AMB] ∼= [AMC]. Logo A”MB = A”MC e M “AB =M “AC. Como A”MB + A”MC = 180, enta˜o ∠AMB e ∠AMC sa˜o aˆngulos rectos. Portanto a mediana [AM ] e´ tambe´m altura relativamente a [BC] e esta´ contida na bissectriz de ∠BAC. B C A M Definic¸a˜o 1.5.9 Amediatriz de um segmento AB e´ a recta perpendicular a [AB]que passa pelo ponto me´dio de [AB]. 24 A BM• •• Definic¸a˜o 1.5.10 O aˆngulo suplementar de um aˆngulo ∠AOB e´ o aˆngulo ∠BOC onde C, O e A sa˜o colineares. A O B C Definic¸a˜o 1.5.11 O aˆngulo verticalmente oposto ao aˆngulo ∠AOB e´ o aˆngulo formado pelas semi-rectas opostas a O˙A e O˙B. A O B Definic¸a˜o 1.5.12 Os aˆngulos internos de um triaˆngulo [ABC] sa˜o os aˆngulos ∠BAC, ∠ABC e ∠ACB. Os aˆngulos externos do triaˆngulo [ABC] sa˜o os aˆngulos suplementares dos aˆngulos internos. Observac¸a˜o 1.5.13 Um triaˆngulo tem assim treˆs aˆngulos internos e seis aˆngulos externos. Teorema 1.5.14 A amplitude de um aˆngulo externo de um triaˆngulo e´ maior do que a amplitude de qualquer aˆngulo interno na˜o adjacente. 25 Demonstrac¸a˜o. Seja [ABC] um triaˆngulo e mostremos que o aˆngulo externo ∠BCD tem amplitude superior ao aˆngulo interno ∠CBA. Seja M o ponto me´dio de [BC]. Consideremos na semi-recta oposta a [MA] o ponto E tal que ME =MA. Pelo crite´rio LAL, tem-se [AMB] ∼= [EMC]. Logo B“CD = B“CE + E “CD > B“CE = C “BA. A C B D M E Corola´rio 1.5.15 A soma das amplitudes de quaisquer dois aˆngulos internos de um triaˆngulo e´ inferior a 180. Demonstrac¸a˜o. Seja [ABC] um triaˆngulo e mostremos que A“BC + B “AC < 180. Sendo B “AD um aˆngulo externo do triaˆngulo, tem-se, pelo teorema anterior, que A“BC < B “AD. Logo A“BC +B “AC < B “AD +B “AC = 180. A C B D Corola´rio 1.5.16 Qualquer triaˆngulo tem pelo menos dois aˆngulos agudos. Demonstrac¸a˜o. Seja [ABC] um triaˆngulo e suponhamos que “A ≤ “B ≤ “C. Se ∠B na˜o fosse agudo, enta˜o ∠C tambe´m na˜o o seria, logo “B + “C > 180, em contradic¸a˜o com o corola´rio anterior. Logo ∠B e´ agudo e portanto ∠A tambe´m. Corola´rio 1.5.17 Duas rectas distintas, perpendiculares a uma mesma recta, sa˜o paralelas. Demonstrac¸a˜o. Se na˜o fossem paralelas, seriam concorrentes num ponto. As treˆs rectas formariam assim um triaˆngulo com dois aˆngulos rectos, em contradic¸a˜o com o corola´rio anterior. 26 Teorema 1.5.18 Dada uma recta r e um ponto P do plano, existe uma u´nica recta perpendicular a r que passa por P . Demonstrac¸a˜o. Se P ∈ r, enta˜o a existeˆncia e unicidade sa˜o dadas pelo Axioma 5 (M-2). Se P 6∈ r a unicidade e´ dada pelo corola´rio anterior. Provemos enta˜o a existeˆncia de uma recta perpendicular a r que passa por P . Seja A um ponto de r. Se PA ⊥ r, enta˜o PA e´ a recta que procuramos. Se PA 6⊥ r, consideremos um ponto Q no semiplano definido por r que na˜o conte´m P , de modo que o aˆngulo entre AQ e r tenha a mesma amplitude que o aˆngulo entre AP e r e, ale´m disso, AQ = AP (esta construc¸a˜o e´ poss´ıvel pelos Axiomas 4 e 5). Enta˜o o triaˆngulo [APQ] e´ iso´sceles com base [PQ], pelo que a sua altura relativa a [PQ] coincide com a bissectriz de ∠PAQ (que esta´ contida em r). Assim, PQ ⊥ r. A P Q r Teorema 1.5.19 Num triaˆngulo [ABC], tem-se AB > AC se e so´ se A“CB > A“BC. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que AB > AC. Enta˜o existe um ponto D ∈ [AB] tal que AD = AC. Pelo Teorema 1.4.4, tem-se A“CD = AD̂C. Como ∠ADC e´ exterior ao triaˆngulo [BDC], enta˜o A“CB > A“CD = AD̂C > A“BC. A B C D Suponhamos agora que A“CB > A“BC. Se fosse AB = AC, enta˜o A“CB = A“BC e se fosse AB < AC, enta˜o A“CB < A“BC, contradic¸a˜o. Portanto AB > AC. 27 Teorema 1.5.20 (Desigualdade triangular)Num triaˆngulo [ABC], tem-seAB < AC +BC. Demonstrac¸a˜o. Considere-se o ponto D ∈ AC, tal que C esta´ entre A e D e CD = CB. Enta˜o CD̂B = C “BD. A B C D Portanto, A“BD > C “BD = CD̂B. Pelo teorema anterior, aplicado ao triaˆngulo [ABD], tem-se AD > AB. Como AD = AC + CD = AC + CB, enta˜o AB < AC + CB. Apresentam-se de seguida mais dois crite´rios de congrueˆncias de triaˆngulos. Teorema 1.5.21 (Crite´rio AAL)Dados dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ], se [AB] ∼= [DE], C “AB = FD̂E e A“CB = D“FE, enta˜o [ABC] ∼= [DEF ]. A B C D E F Demonstrac¸a˜o. Seja G o ponto de D˙F tal que DG = AC. Pelo Crite´rio LAL tem-se [ABC] ∼= [DEG], pelo que D“GE = A“CB = D“FE. Suponhamos que DF < DG (a prova no caso DF > DG e´ ana´loga). Enta˜o ∠DFE e´ um aˆngulo externo de [DGE], contradizendo assim o Teorema 1.5.14. Portanto DF = DG, ou seja F = G. Logo [ABC] ∼= [DEF ]. 28 A B C D E F G Teorema 1.5.22 (Crite´rio LLR)Dados dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ], se AB = DE, AC = DF e A“BC = D“EF = 90, enta˜o [ABC] ∼= [DEF ]. A B C D E F Demonstrac¸a˜o. Consideremos no semiplano determinado por DE que conte´m F o ponto G tal que GD̂E = C “AB e DG = AC. Pelo crite´rio LAL tem-se [ABC] ∼= [DEG]. Logo G“ED = C “BA = 90, ou seja, G ∈ E˙F . Se G 6= F , enta˜o [GDF ] e´ um triaˆngulo iso´sceles, com DG = DF , pelo que D“GF = D“FG. Mas um destes aˆngulos e´ um aˆngulo externo de [DGE], donde se conclui que D“GF = D“FG > 90, pelo Teorema 1.5.14. Assim, o triaˆngulo [DEF ] na˜o tem dois aˆngulos agudos, contradizendo o Corola´rio 1.5.16. Portanto G = F , ou seja, [ABC] ∼= [DEF ]. A B C D E F G Observac¸a˜o 1.5.23 O crite´rio anterior na˜o e´ va´lido apenas no caso do aˆngulo em causa ser recto, mas tambe´m no caso do aˆngulo ser obtuso. Temos assim cinco crite´rios de congrueˆncia, que garantem que se conhecermos um determinado conjunto de 3 medidas de um triaˆngulo, as restantes 3 medidas ficam determinadas. Estes crite´rios podem ser resumidos na tabela seguinte: 29 Aˆngulos conhecidos Lados conhecidos Crite´rios de congrueˆncia 3 0 — 2 1 ALA e AAL 1 2 LAL e LLR 0 3 LLL Teorema 1.5.24 Sejam [ABC] e [DEF ] dois triaˆngulos tais que AB = DE, AC = DF e C “AB < FD̂E. Enta˜o BC < EF . A B C D E F Demonstrac¸a˜o. Seja G o ponto do semiplano definido por DE que conte´m F , tal que GD̂E = C “AB e GD = AC. Pelo Crite´rio LAL tem-se [ABC] ∼= [DEG], logo BC = EG. Se G ∈ [EF ], enta˜o BC = EG < EG+GF = EF . Caso contra´rio, consideremos o ponto H onde a bissectriz de ∠GDF intersecta EF . Enta˜o, pelo Crite´rio LAL, tem-se [FDH ] ∼= [GDH ], pelo que GH = FH. Assim, pela desigualdade triangular tem-se BC = EG < EH +GH = EH + FH = EF . A B C D E F G H Teorema 1.5.25 (Teorema de Saccheri-Legendre, 1733) A soma dos aˆngulos internos de um triaˆngulo e´ menor ou igual a 180. Demonstrac¸a˜o. Seja [ABC] um triaˆngulo qualquer e seja α = B “AC. Seja M o ponto me´dio de [BC] e consideremos na semi-recta oposta a [MA] o ponto E tal que ME = MA. Pelo crite´rio LAL, tem-se [AMB] ∼= [EMC]. Logo A“BC+B “AC+A“CB = E “CB+B “AM+M “AC+A“CB = E “CA+C “EA+C “AE. Conclui-se assim que a soma dos aˆngulos internos de [ABC] e´ igual a` soma dos aˆngulos internos de [ACE]. Note-se que, como E “AC + A“EC = B “AC = α, um dos aˆngulos ∠CAE ou ∠CEA tem amplitude na˜o superior a α/2. 30 A C B D M E Repetindo esta construc¸a˜o a partir do triaˆngulo [ACE] obtemos um novo triaˆngulo com a mesma soma dos aˆngulos internos, dos quais um tem uma amplitude na˜o superior a α/4. Continuando este processo obte´m-se uma sucessa˜o de triaˆngulos, todos com a mesma soma de aˆngulos internos, tal que a amplitude de um dos aˆngulos internos converge para 0. Como, pelo Corola´rio 1.5.15, a soma dos outros dois aˆngulos internos e´ menor do que 180, conclui-se que a soma dos treˆs aˆngulos internos e´ menor ou igual a 180. Definic¸a˜o 1.5.26 Seja r e s duas rectas e t uma recta concorrente com ambas. Ficam assim definidos oito aˆngulos, como indicado na figura. Os aˆngulos 1, 2, 7 e 8 chamam-se os aˆngulos exteriores e os aˆngulos 3, 4, 5 e 6 chamam-se os aˆngulos interiores. Os pares de aˆngulos {3, 6} e {4, 5} chamam-se aˆngulos alternados e os pares de aˆngulos {1, 5}, {2, 6}, {3, 7} e {4, 8} chamam-se aˆngulos correspondentes. 1 2 3 4 5 6 7 8 r s t Teorema 1.5.27 Se uma recta t intersecta as rectas r e s e dois aˆngulos interiores alternados sa˜o congruentes,enta˜o r e s sa˜o paralelas. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que os aˆngulos 4 e 5 sa˜o congruentes e que r e s sa˜o concorrentes. Se r e s se intersectassem num ponto do mesmo lado de 4, enta˜o 5 seria um aˆngulo externo de um triaˆngulo onde 4 e´ um aˆngulo interno, o que contradiz o Teorema 1.5.14. Do mesmo modo se conclui que r e s na˜o se podem intersectar num ponto do mesmo lado de 5. 4 5 r s t 31 Corola´rio 1.5.28 Se uma recta t intersecta as rectas r e s e dois aˆngulos cor- respondentes sa˜o congruentes, enta˜o r e s sa˜o paralelas. Demonstrac¸a˜o. Se dois aˆngulos correspondentes sa˜o congruentes, enta˜o ha´ dois aˆngulos interiores alternados congruentes. Pelo teorema anterior, as rectas r e s sa˜o paralelas. Corola´rio 1.5.29 Se r e´ uma recta e P 6∈ r, enta˜o existe uma paralela a r que passa por P . r s t P Demonstrac¸a˜o. Pelo Teorema 1.5.18, existe uma recta t, perpendicular a r, que passa por P . Pelo mesmo teorema, existe uma recta s, perpendicular a t, que passa por P . Enta˜o t intersecta r e s com aˆngulos correspondentes iguais, logo, pelo corola´rio anterior, r e s sa˜o paralelas. Exerc´ıcio 1.5.1 Mostre que dois aˆngulos verticalmente opostos sa˜o congruentes. Exerc´ıcio 1.5.2 Mostre que a mediatriz de um segmento [AB] e´ o conjunto dos pontos equidistantes de A e B. Exerc´ıcio 1.5.3 Considere pontos A,B,C,D,E do plano tais que AB = 4, BC = 3, AB ⊥ BC, AC = BD, E e´ o ponto de intersecc¸a˜o de [BD] com [AC] e BE = EC. B C A D E O que pode dizer sobre a) CD? b) AC? 32 Exerc´ıcio 1.5.4 Considere um triaˆngulo equila´tero [ABC] e D o ponto do plano tal que B e´ o ponto me´dio de [AD]. Sabendo que BD̂C = 15, indique o que pode dizer sobre B“CD e A“BC. A B D C Exerc´ıcio 1.5.5 Considere um triaˆngulo [ABC] tal que C “AB = 90 e seja D um ponto entre A e B. Mostre que CD < CB. BA D C Exerc´ıcio 1.5.6 Seja r uma recta e P um ponto fora de r. Mostre que existe um ponto de r que esta´ mais pro´ximo de P do que qualquer outro. Exerc´ıcio 1.5.7 Mostre que a bissectriz de um aˆngulo ∠AOB e´ o conjunto dos pontos equidistantes de OA e OB. Exerc´ıcio 1.5.8 Na figura seguinte, os aˆngulos assinalados sa˜o congruentes. Mostre que r e s sa˜o paralelas. r s t Exerc´ıcio 1.5.9 Um penta´gono [ABCDE] diz-se regular se os seus segmentos [AB], [BC], [CD], [DE] e [EA] sa˜o congruentes e se os seus aˆngulos ∠A, ∠B, ∠C, ∠D e ∠E sa˜o congruentes. Na figura seguinte, [ABCDE] e´ um penta´gono regular. Mostre que o penta´gono [FGHIJ ] tambe´m e´ regular. AB C D E F G H I J 33 1.6 Circunfereˆncias Definic¸a˜o 1.6.1 A circunfereˆncia de centro O e raio δ > 0 e´ o conjunto C(O, δ) dos pontos P tais que OP = δ. O interior de C(O, δ) e´ o conjunto dos pontos P tais que OP < δ e o exterior de C(O, δ) e´ o conjunto dos pontos P tais que OP > δ. O δ C(O, δ) interior de C(O, δ) exterior de C(O, δ) Observac¸a˜o 1.6.2 Pelo Axioma 4, em cada semi-recta que parte de O existe um u´nico ponto de C(O, δ). Definic¸a˜o 1.6.3 Sejam A, B dois pontos de C(O, δ). O segmento [AB] diz-se uma corda da circunfereˆncia. Se o ponto O pertence a` corda [CD], enta˜o [CD] diz-se um diaˆmetro da circunfereˆncia. A B C D O• Teorema 1.6.4 A intersecc¸a˜o de uma recta com uma circunfereˆncia tem no ma´ximo dois pontos. Demonstrac¸a˜o. Seja r uma recta e C(O, δ) uma circunfereˆncia. Suponhamos que C(O, δ) conte´m treˆs pontos A, B e C de r, em que B esta´ entre A e C. A B C O 34 Como OA = OB = OC, enta˜o O “AB = O“BA, O“BC = O“CB e O “AC = O“CA. Logo O“BA = O“BC = 90 e portanto os triaˆngulos [OAB], [OBC] e [OAC] teˆm dois aˆngulos rectos, em contradic¸a˜o com o Corola´rio 1.5.16. Portanto, C(O, δ) tem no ma´ximo dois pontos de r. Definic¸a˜o 1.6.5 Uma recta diz-se tangente a uma circunfereˆncia se a intersecta num u´nico ponto. Uma recta diz-se secante a uma circunfereˆncia se a intersecta em dois pontos. Teorema 1.6.6 Se r e´ tangente a C(O, δ) em P , enta˜o r e´ perpendicular a OP . Demonstrac¸a˜o. Seja Q o ponto de r tal que OQ ⊥ r. Suponhamos que Q 6= P . Defina-se o ponto R 6= P tal que QR = QP . Enta˜o, pelo crite´rio LAL, tem-se [OQR] ∼= [OQP ]. Assim, OR = OP e portanto C(O, δ) intersecta r em dois pontos, o que contradiz o facto de que r e´ tangente a` circunfereˆncia. Logo Q = P e portanto OP ⊥ r. R Q P O r • Teorema 1.6.7 Se r e´ secante a C(O, δ) nos pontos A e B, enta˜o O esta´ sobre a mediatriz de [AB]. Demonstrac¸a˜o. Seja M o ponto me´dio de [AB]. Pelo Crite´rio LLL, tem-se [OMA] ∼= [OMB]. Logo O”MA = O”MB = 90, pelo que OM e´ a mediatriz de [AB]. A B M O • Teorema 1.6.8 A intersecc¸a˜o de duas circunfereˆncias distintas tem no ma´ximo dois pontos. 35 Demonstrac¸a˜o. Sejam C(O1, δ1) e C(O2, δ2) duas circunfereˆncias distintas e supo- nhamos que A, B e C sa˜o treˆs pontos distintos da intersecc¸a˜o destas circunfereˆncias. Enta˜o O1A = O1B = O1C e O2A = O2B = O2C. Enta˜o, pelo crite´rio LLL, [O1O2A] ∼= [O1O2B] ∼= [O1O2C]. A B C O1 O2 Logo O2“O1A = O2“O1B = O2“O1C. Como dois dos pontos A, B ou C esta˜o no mesmo semiplano definido por O1O2, enta˜o esses pontos coincidem. Definic¸a˜o 1.6.9 Se duas circunfereˆncias se intersectam num ponto, dizem-se tangentes. Se a intersecc¸a˜o das rectas tem dois pontos, as circunfereˆncias dizem-se secantes. Observac¸a˜o 1.6.10 Uma circunfereˆncia tangente a outra pode estar no seu in- terior ou no seu exterior. Exerc´ıcio 1.6.1 Mostre que se [AB] e [CD] sa˜o duas cordas congruentes de uma circunfereˆncia de centro O, enta˜o A“OB = C “OD. Exerc´ıcio 1.6.2 Mostre que se duas circunfereˆncias sa˜o tangentes, enta˜o os cen- tros e o ponto de tangeˆncia sa˜o colineares. Exerc´ıcio 1.6.3 Mostre que se C(O1, δ1) e C(O2, δ2) se intersectam nos pontos A e B, enta˜o AB e´ perpendicular a O1O2. Exerc´ıcio 1.6.4 Sejam C(O, δ1) e C(O, δ2) duas circunfereˆncias com o mesmo centro e δ1 < δ2. Suponhamos que existe uma corda [AB] de C(O, δ2) tal que AB e´ tangente a C(O, δ1) no ponto C. Mostre que AC = BC. Exerc´ıcio 1.6.5 Seja [OP ] um raio da circunfereˆncia C(O, δ) e Q um ponto tal que OP ⊥ OQ. Mostre que PQ intersecta a circunfereˆncia noutro ponto para ale´m de P . 36 P Q O Exerc´ıcio 1.6.6 Sejam A e B pontos de C(O, 5) tais que AB e´ tangente a C(O, 3). O que pode dizer sobre AB? AB • O 37 38 2 Geometria Euclidiana 2.1 O Axioma das Paralelas No cap´ıtulo anterior considera´mos um conjunto de axiomas que consituem o que se chama a geometria neutral ou geometria absoluta. Durante se´culos tentou- se provar, dentro deste sistema axioma´tico, que dada uma recta e um ponto fora dela passava uma u´nica paralela a` recta dada. Apenas no in´ıcio de se´culo XIX se verificou que isso na˜o era poss´ıvel, com a descoberta, pelo matema´tico hu´ngaro Bolyai e pelo matema´tico russo Lobatchevski, de modelos onde esta propriedade na˜o se verificava. Deste modo, a geometria neutral da´ origem a duas geometrias distintas, a geometria euclidiana e a geometria hiperbo´lica, consoante se admite como axioma esta propriedade ou a sua negac¸a˜o. Temos enta˜o a seguinte relac¸a˜o entre os va´rios sistemas axioma´ticos. G eo m et ri a d e in ci d eˆn ci a G eo m et ri a d e or d em G eo m et ri a d e co n gr u eˆn ci a G eo m et ri a n eu tr al Geometria euclidiana Geometria hiperbo´lica 39 Vamos de seguida admitir a propriedade enunciada como axioma, o chamado Axioma das Paralelas. Axioma 6 Dada uma recta r e um ponto P fora de r, existe uma u´nica recta paralela a r que passa por P . A primeira consequeˆncia do Axioma das Paralelas e´ o rec´ıproco do Teorema 1.5.27. Teorema 2.1.1Se t corta duas rectas paralelas r e s, enta˜o dois aˆngulos interi- ores alternados sa˜o congruentes. Demonstrac¸a˜o. Seja P o ponto de intersecc¸a˜o de s e t e seja s′ a recta que passa por P e define com t um aˆngulo congruente com o respectivo aˆngulo interior alternado em r. Enta˜o, pelo Teorema 1.5.27, r e s′ sa˜o paralelas. Mas, pelo Axioma das Paralelas, tem-se s = s′, logo r e s sa˜o paralelas. r s s′ t P O pro´ximo teorema diz que a desigualdade descrita pelo Teorema de Saccheri- Legendre e´, no caso da geometria euclidiana, uma igualdade. Teorema 2.1.2 A soma dos aˆngulos internos de um triaˆngulo e´ 180. A B C r Demonstrac¸a˜o. Seja [ABC] um triaˆngulo e consideremos a recta r, paralela a AB que passa por C. Pelo teorema anterior as rectas AC e BC definem com r aˆngulos congruentes com “A e “B. Assim “A + “B + “C e´ igual a` soma dos treˆs aˆngulos com ve´rtice C, ou seja, 180. O pro´ximo teorema deve ser comparado como o Teorema 1.5.14. 40 Teorema 2.1.3 A amplitude de um aˆngulo externo de um triaˆngulo e´ igual a` soma dos aˆngulos internos na˜o adjacentes. Demonstrac¸a˜o. Seja ∠DCB um aˆngulo externo de ∠BCA. Enta˜o D“CB = 180− B“CA = C “AB + A“BC, uma vez que a soma dos treˆs aˆngulos internos de [ABC] e´ 180. A C B D Definic¸a˜o 2.1.4 Um quadrila´tero ABCD e´ a reunia˜o dos quatro segmentos [AB], [BC] e [CD] e [DA]. O quadrila´tero diz-se um: a) paralelogramo se AB e´ paralela a CD e BC e´ paralela a AD; b) rectaˆngulo se os seus quatro aˆngulos forem rectos; c) losango se os seus quatro lados forem congruentes; d) quadrado se os seus quatro aˆngulos forem rectos e os seus quatro lados forem congruentes; e) trape´zio se tem dois lados opostos paralelos. paralelogramo rectaˆngulo losango quadrado trape´zio Teorema 2.1.5 Um quadrila´tero e´ um paralelogramo se e so´ se os lados opostos sa˜o congruentes. Demonstrac¸a˜o. Seja [ABCD] um paralelogramo. Pelo Teorema 2.1.1, tem-se A“BD = BD̂C e AD̂B = D“BC. Enta˜o, pelo crite´rio ALA, tem-se [ABD] ∼= [CDB], pelo que AB = CD e AD = BC. A B D C 41 Reciprocamtente, suponhamos que no quadrila´tero [ABCD] se tem AB = CD e AD = BC. Enta˜o, pelo crite´rio LLL, tem-se [ABD] ∼= [CDB]. Logo A“BD = BD̂C eAD̂B = D“BC, o que mostra, pelo Teorema 1.5.27, que os lados opostos de [ABCD] sa˜o paralelos. Teorema 2.1.6 Sejam r e s duas rectas paralelas e P e Q dois pontos de s. Enta˜o as distaˆncias de P e Q a r sa˜o iguais. Demonstrac¸a˜o. Consideremos as rectas perpendiculares a r que passam por P e Q e sejam R e S os pontos de intersecc¸a˜o destas rectas com r. Como PR e QS sa˜o ambas perpendiculares a r, enta˜o sa˜o paralelas, pelo Teorema 1.5.27. Logo [PQSR] e´ um paralelogramo, donde, pelo Teorema 2.1.5, se tem PR = QS. r sP Q R S Definic¸a˜o 2.1.7 Se A, B, C sa˜o pontos de uma circunfereˆncia, enta˜o o aˆngulo ∠BAC diz-se inscrito nessa circunfereˆncia. A B C O• Teorema 2.1.8 Se ∠BAC e´ um aˆngulo inscrito numa circunfereˆncia de centro O, enta˜o B “OC = 2B “AC (onde B“OC refere-se a` amplitude do aˆngulo que na˜o conte´m A, sendo eventualmente maior do que 180). Demonstrac¸a˜o. Consideremos treˆs casos, consoante O esta´ sobre AB, O esta´ no interior de ∠BAC ou O esta´ no exterior de ∠BAC. Se O esta´ sobre AB, enta˜o ∠BOC e´ um aˆngulo externo de [AOC]. Pelo Teorema 2.1.3, tem-se B“OC = O“CA +O “AC. Mas o triaˆngulo [AOC] e´ iso´sceles, com OA = OC (porque [OA] e [OC] sa˜o raios), logo O“CA = O “AC. Portanto, B “OC = 2O “AC = 2B “AC. 42 C A B O • Se O esta´ no interior de ∠BAC, considere-se o ponto D tal que [AD] e´ um diaˆmetro. Enta˜o, pelo caso anterior, tem-se C “OD = 2C “AD e B “OD = 2B “AD. Logo, C “OD +B “OD = 2C “AD + 2B “AD, ou seja, B“OC = 2B “AC. C A D B O • Se O esta´ no exterior de ∠BAC, considere-se novamente o ponto D tal que [AD] e´ um diaˆmetro. Pelo primeiro caso tem-se C “OD = 2C “AD e B“OD = 2B “AD. Logo, C “OD − B“OD = 2C “AD − 2B “AD, ou seja, B “OC = 2B “AC. C A D B O • Observac¸a˜o 2.1.9 E´ usual denotar-se a amplitude B “OC por B¯C. Corola´rio 2.1.10 Se ∠BAC e´ um aˆngulo inscrito numa circunfereˆncia de centro O e [BC] e´ um diaˆmetro, enta˜o B “AC = 90. Demonstrac¸a˜o. Pelo teorema, tem-se B “AC = B “OC/2 = 180/2 = 90. Exerc´ıcio 2.1.1 Mostre que cada aˆngulo de um triaˆngulo equila´tero mede 60. Exerc´ıcio 2.1.2 Mostre que as diagonais de um paralelogramo se intersectam nos seus pontos me´dios. Exerc´ıcio 2.1.3 Mostre que um rectaˆngulo e´ um paralelogramo. 43 Exerc´ıcio 2.1.4 Mostre que as diagonais de um losango sa˜o perpendiculares e esta˜o contidas nas bissectrizes dos seus aˆngulos. Exerc´ıcio 2.1.5 Mostre que se [AB] e´ uma corda de uma circunfereˆncia de cen- tro O e C e´ um ponto do plano tal que A e C esta˜o do mesmo lado de OB e BC e´ tangente a` circunfereˆncia, enta˜o A“OB = 2A“BC. A B C O • Exerc´ıcio 2.1.6 Seja P um ponto no exterior de uma circunfereˆncia C(O, δ). Sejam A e B os pontos de intersecc¸a˜o de C(O, δ) com a circunfereˆncia de diaˆmetro [OP ]. A B PO• • a) Mostre que PA e PB sa˜o tangentes a C(O, δ). b) Mostre que PA = PB. Exerc´ıcio 2.1.7 Sejam r, s e t rectas distintas tais que r e s sa˜o paralelas e s e t sa˜o paralelas. Mostre que r e t sa˜o paralelas. Exerc´ıcio 2.1.8 Sejam [AB] e [CD] cordas paralelas de uma circunfereˆncia e seja E o ponto de intersecc¸a˜o de [AD] com [BC]. Mostre que [ABE] e´ iso´sceles. A B C D E 44 Exerc´ıcio 2.1.9 SejamA,B,C eD pontos de uma circunfereˆncia tais que A“BC = 120 e D esta´ sobre a mediatriz de [AC]. Mostre que [ACD] e´ equila´tero. A B C D Exerc´ıcio 2.1.10 Seja [ABC] um triaˆngulo tal que AB = AC. Seja D tal que A esta´ entre D e B e seja E um ponto no interior de ∠DAC tal que AE e´ paralela a BC. Mostre que AE e´ a bissectriz de ∠DAC. A B C E D Exerc´ıcio 2.1.11 Sejam A,B,C,D pontos de uma circunfereˆncia de centro O, tais que A“OB = 60 e C “OD = 80. Seja E o ponto de intersecc¸a˜o de [AC] com [BD]. Determine A“EB. A B C D E Exerc´ıcio 2.1.12 Sejam B e C pontos de uma circunfereˆncia de centro O e A e D pontos da recta BC, exteriores a` circunfereˆncia, tais que AB = CD. Mostre que OA = OD. • • •O D B C A 45 Exerc´ıcio 2.1.13 Sejam r e s rectas paralelas e P um ponto que na˜o pertence a nenhuma das rectas. Seja t a recta perpendicular a r que passa por P . Mostre que t tambe´m e´ a recta perpendicular a s que passa por P . s r t P• Exerc´ıcio 2.1.14 Na figura seguinte, [AB] e [CD] sa˜o cordas paralelas da cir- cunfereˆncia. Mostre que AD = BC. A B C D Exerc´ıcio 2.1.15 Sejam A, B e C treˆs pontos na˜o colineares. Mostre que ∠ABC na˜o conte´m nenhuma recta. 46 2.2 Semelhanc¸a de triaˆngulos Definic¸a˜o 2.2.1 Dois triaˆngulos [ABC] e [DEF ] dizem-se semelhantes e escreve- -se [ABC] ∼ [DEF ] se “A = D̂, “B = “E, “C = “F e DE AB = DF AC = EF BC . Ao nu´mero real DE AB chama-se a raza˜o de semelhanc¸a. A B C D E F Teorema 2.2.2 (Crite´rio AA) Se “A = D̂ e “B = “E, enta˜o [ABC] ∼ [DEF ]. Demonstrac¸a˜o. Como a soma dos treˆs aˆngulos de um um triaˆngulo e´ 180, conclui- -se imediatamente que tambe´m “C = “F . Seja k = DE AB e suponhamos, sem perda de generalidade, que k ≥ 1. Considerem-se os pontos G ∈ [DE] H ∈ [DF ] tais que DG = AB e DH = AC. Enta˜o, pelo crite´rio LAL, tem-se [ABC] ∼= [DGH ], pelo que tambe´m GH = BC. Basta enta˜o provar que DF DH = EF GH = k. Consideremos treˆs casos, consoante o nu´mero k e´ um nu´mero inteiro, racional ou real. Se k = 1, o resultado e´ imediato. Suponhamos, como hipo´tese de induc¸a˜o que o resultado e´ va´lido para o inteiro k − 1 e provemos que tambe´m se verifica para k. Seja I o ponto de intersecc¸a˜o com [EF] com a paralela a DF que passa por G. D E F G H I Como I “GE = HD̂G e I “EG = H “GD, enta˜o, por hipo´tese de induc¸a˜o, tem-se [GEI] ∼ [DGH ] com raza˜o de semelhanc¸a k − 1. Como [IFHG] e´ um paralelogramo, enta˜o os seus lados sa˜o congruentes. Portanto, DF = DH + HF = DH + GI = DH + (k − 1)DH = kDH e analogamente EF = kGH . Se k e´ um nu´mero racional p/q, seja J ∈ [DE] tal que DE = qDJ e seja K ∈ [DF ] tal que JK e´ paralela a EF . Enta˜o, pelo caso anterior, tem-se DF DK = EF JK = q e 47 DH DK = GH JK = p. Logo DF DH = EF GH = p/q. D E F G H J K Se k e´ um nu´mero real, pode ser enquadrado entre dois nu´meros racionais arbitrari- amente pro´ximos. Como, pelo caso anterior, o resultado e´ va´lido para razo˜es de semelhanc¸a racionais, enta˜o tambe´m sera´ va´lido para razo˜es de semelhanc¸a reais. Teorema 2.2.3 (Crite´rio LAL de semelhanc¸a) Se “A = D̂ e DE AB = DF AC , enta˜o [ABC] ∼ [DEF ]. Demonstrac¸a˜o. Seja G o ponto de D˙F tal que D“EG = A“BC. Enta˜o, pelo Crite´rio AA tem-se [ABC] ∼ [DEG]. Logo DG AC = DE AB . Como por hipo´tese, se tem DE AB = DF AC , enta˜o DF = DG, ou seja, F = G. Portanto, [ABC] ∼ [DEF ]. A B C D E F G Teorema 2.2.4 (Crite´rio LLL de semelhanc¸a) Se DE AB = DF AC = EF BC , enta˜o [ABC] ∼ [DEF ]. Demonstrac¸a˜o. Sejam G o ponto do semiplano determinado por DE que conte´m F , tal que ED̂G = B “AC e DG = DF . Enta˜o, pelo Crite´rio LAL de semelhanc¸a, tem-se [ABC] ∼ [DEG]. Logo DE AB = EG BC . Como por hipo´tese, DE AB = EF BC , enta˜o EF = EG. Pelo Crite´rio LLL de congrueˆncia, conclui-se enta˜o que [DEG] ∼= [DEF ]. Assim, ED̂G = ED̂F , pelo que F = G. A B C D E F G 48 Teorema 2.2.5 (Teorema de Pita´goras) Seja [ABC] um triaˆngulo rectaˆngulo em C. Enta˜o c2 = a2 + b2. Demonstrac¸a˜o. Seja P o ponto de AB tal que AB e´ perpendicular a CP e sejam x = AP e y = PB. A B C P x y ab Como A“CP = 90 − P “CB = A“BC e ambos os triaˆngulos [ACB] e [APC] sa˜o rectaˆngulos, enta˜o pelo Crite´rio AA tem-se [ACB] ∼ [APC]. Logo AB AC = AC AP , ou seja, c b = b x . Analogamente [ACB] ∼ [BPC], donde c a = a y . Portanto, a2 + b2 = cx+ cy = c(x+ y) = c2. Definic¸a˜o 2.2.6 Seja α um nu´mero real entre 0 e 90 e considere-se um triaˆngulo [ABC] tal que “A = α e “C = 90. Enta˜o o seno, cosseno, tangente e cotangente de α sa˜o respectivamente os nu´meros reais senα= BC AB cosα= AC AB tanα= BC AC cotα= AC BC A C B α Observac¸a˜o 2.2.7 Pelo Crite´rio AA, todos os triaˆngulos com um aˆngulo recto e um aˆngulo de amplitude α sa˜o semelhantes, logo os quocientes anteriores sa˜o iguais para estes triaˆngulos. Observac¸a˜o 2.2.8 A definic¸a˜o anterior foi dada para uma aplitude α de um aˆngulo agudo. Pode definir-se tambe´m senα, cosα, tanα e cotα para outros valores de α, atrave´s de fo´rmulas como sen(180 − α) = senα. Na˜o faremos aqui nenhum estudo exaustivo destas fo´rmulas trigonome´tricas e suporemos que estas extenso˜es sa˜o conhecidas. 49 Exerc´ıcio 2.2.1 Mostre que se dois triaˆngulos teˆm lados paralelos, enta˜o sa˜o semelhantes. Exerc´ıcio 2.2.2 Sejam A, B, C, D pontos de uma circunfereˆncia tais que as cordas [AC] e [BD] se intersectam num ponto E. Mostre que AE ·CE = BE ·DE. Exerc´ıcio 2.2.3 Seja [ABC] um triaˆngulo rectaˆngulo em C e P o ponto de [AB] tal que AB e´ perpendicular a CP . Sejam x = AP , y = PB e h = PC. Mostre que h e´ a me´dia geome´trica de x e y, isto e´, que h = √ xy. A B C P h x y Exerc´ıcio 2.2.4 Seja [ABCD] um quadrila´tero qualquer e sejam E, F,G,H os pontos me´dios dos segmentos [AB], [BC], [CD] e [DA]. Mostre que [EFGH ] e´ um paralelogramo. Exerc´ıcio 2.2.5 Determine sen(30). Exerc´ıcio 2.2.6 Prove o teorema fundamental da trigonometria, isto e´, que sen2 α + cos2 α = 1. Exerc´ıcio 2.2.7 Seja [ABC] um triaˆngulo rectaˆngulo em B e seja D um ponto de [AB]. Sabe-se que AD = BC = 1 e que [ABC] ∼ [CBD]. Determine AB. A B C D Exerc´ıcio 2.2.8 Sejam [ABCD] um quadrado eM o ponto me´dio de [DC]. Seja E o ponto de [AD] tal que ∠BME e´ recto. Seja F o ponto de intersecc¸a˜o de EM com BC. A B CD E F M 50 Mostre que: a) [DME] ∼= [CMF ] b) [BME] ∼ [BCM ] Exerc´ıcio 2.2.9 Sejam [ABC] um triaˆngulo e D ∈ AB, E ∈ AC e F pontos tais que D“BF = F “BC e B “CF = F “CE, e ∠D e ∠E sa˜o rectos. Mostre que FD = FE. A B C D E F Exerc´ıcio 2.2.10 Sejam A,B,C e D pontos de uma circunfereˆncia e seja P o ponto de intersecc¸a˜o de A˙D com B˙C. Mostre que [PAB] ∼ [PCD]. A B C D P Exerc´ıcio 2.2.11 Considere um triaˆngulo [ABC], rectaˆngulo em B, e D o ponto me´dio de [AC]. Mostre que [ABD] e [BDC] sa˜o triaˆngulos iso´sceles. A B C D Exerc´ıcio 2.2.12 Seja [ABC] um triaˆngulo e D,E, F os pontos me´dios de [BC], [AC] e [AB], respectivamente. Mostre que [DEF ] ∼ [ABC]. Exerc´ıcio 2.2.13 Na figura seguinte tem-se AC = 6, BC = 8 e A“CB = CD̂A = 90. Determine CD. A BC D 51 Exerc´ıcio 2.2.14 Considere o triaˆngulo [ABC] e a bissectriz CP do aˆngulo ∠ACB. Mostre que AP PB = AC BC . Sugesta˜o: Considere os pontos Q e R de CP tais que AQ ⊥ CP e BR ⊥ CP e use semelhanc¸a de triaˆngulos. A B C P Q R 52 2.3 Centros de um triaˆngulo Dado um triaˆngulo equila´tero, e´ mais ou menos intuitivo o que se entende pelo centro desse triaˆngulo. No entanto, quando o triaˆngulo na˜o e´ equila´tero, existem va´rias abordagens poss´ıveis para definir esse ponto. De seguida, veremos algumas definic¸o˜es de centro de um triaˆngulo. Teorema 2.3.1 As mediatrizes dos treˆs lados de um triaˆngulo [ABC] intersec- tam-se num ponto. Demonstrac¸a˜o. Seja O o ponto de intersecc¸a˜o das mediatrizes dos lados [AB] e [BC]. Como O esta´ na mediatriz de [AB], tem-se OA = OB e como O esta´ na mediatriz de [BC], tem-se OB = OC. Logo OA = OC, pelo que O tambe´m pertence a` mediatriz de [AC]. A B C O Definic¸a˜o 2.3.2 O ponto de intersecc¸a˜o das mediatrizes dos lados de [ABC] chama-se o circuncentro do triaˆngulo. Observac¸a˜o 2.3.3 Como o circuncentro de [ABC] esta´ a` mesma distaˆncia dos treˆs ve´rtices do triaˆngulo, enta˜o e´ o centro de uma circunfereˆncia que passa por A, B e C, chamada a circunfereˆncia circunscrita de [ABC]. A B C O• Teorema 2.3.4 As bissectrizes dos treˆs aˆngulos de um triaˆngulo [ABC] inter- sectam-se num ponto. Demonstrac¸a˜o. Seja I o ponto de intersecc¸a˜o das bissectrizes dos aˆngulos ∠A e ∠B. Como I esta´ na bissectriz de ∠A, enta˜o a distaˆncia de I a`s rectas AB e AC e´ igual. Como I esta´ na bissectriz de ∠B, enta˜o a distaˆncia de I a`s rectas AB e BC e´ igual. Logo a distaˆncia de I a`s rectas AC e BC e´ tambe´m igual, pelo que I tambe´m pertence a` bissectriz de ∠C. 53 A B C I Definic¸a˜o 2.3.5 O ponto de intersecc¸a˜o das bissectrizes dos aˆngulos de [ABC] chama-se o incentro do triaˆngulo. Observac¸a˜o 2.3.6 Como o incentro de [ABC] esta´ a` mesma distaˆncia dos treˆs lados do triaˆngulo, enta˜o e´ o centro de uma circunfereˆncia tangente a AB, AC e BC, chamada a circunfereˆncia inscrita de [ABC]. A B C I• Teorema 2.3.7 As treˆs alturas de um triaˆngulo [ABC] intersectam-se num ponto. Demonstrac¸a˜o. Sejam P , Q e R os pontos de intersecc¸a˜o das rectas paralelas aos lados do triaˆngulo que passam nos ve´rtices opostos. Pelo Crite´rio LAL, os quatro triaˆngulos [ABC], [CQA], [PCB] e [BAR] sa˜o congruentes, logo A, B e C sa˜o os pontos me´dios dos lados de [PQR]. Como os lados de [ABC] e [PQR] sa˜o paralelos, as alturas de [ABC] sa˜o as mediatrizes de [PQR]. Logo as treˆs alturas de [ABC] intersectam-se no circuncentro de [PQR]. A B CH PQ R Definic¸a˜o 2.3.8 O ponto de intersecc¸a˜o das alturas de [ABC] chama-se o orto- centro do triaˆngulo. 54 Teorema 2.3.9 (Teorema de Ceva, 1678) Sejam P , Q e R pontos sobre os lados [BC], [AC] e [AB] do triaˆngulo [ABC], respectivamente. Enta˜o os treˆs segmentos [AP ], [BQ] e [CR] intersectam-se num ponto se e so´ se AR RB BP PC CQ QA = 1. A B C P Q R Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que [AP ], [BQ] e [CR] se intersectam num ponto W . Sejam M e N as intersecc¸o˜es de AP e BQ com a recta paralela a AB que passa por C. A B C PQ R MN W Pelo Crite´rio AA, tem-se [ABP ] ∼ [MCP ], pelo que BP PC = AB MC . Tambe´m [ABQ] ∼ [CNQ], pelo que CQ QA = CN AB . Novamente pelo Crite´rio AA, tem-se [ARW ] ∼ [MCW ] e [BRW ] ∼ [NCW ]. Logo, AR MC = RW CW = RB CN donde AR RB = MC CN . Assim, AR RB BP PC CQ QA = MC CN AB MC CN AB = 1. Reciprocamente, suponhamos que AR RB BP PC CQ QA = 1. Seja W o ponto de intersecc¸a˜o de [AP ] e [BQ] e seja R′ a intersecc¸a˜o de AB com CW . A B C PQ R′ R W Pelo argumento anterior, tambe´m se tem AR′ R′B BP PC CQ QA = 1. Como tambe´m se tem AR RB BP PC CQ QA = 1, enta˜o AR′ R′B = AR RB . Assim, R = R′ e portanto W e´ o ponto de intersecc¸a˜o dos treˆs segmentos. 55 Definic¸a˜o 2.3.10 Devido a este teorema, um segmento que liga um ve´rtice de um triaˆngulo a um ponto do lado oposto chama-se uma ceviana de um triaˆngulo. Teorema 2.3.11 As treˆs medianas de um triaˆngulo [ABC] intersectam-se num ponto. Demonstrac¸a˜o. Sejam [AP ], [BQ] e [CR] as medianas do triaˆngulo. Como AR RB BP PC CQ QA = 1 × 1 × 1 = 1, enta˜o, pelo Teorema de Ceva, as treˆs medianas intersectam-se num ponto. A B C P Q R G Definic¸a˜o 2.3.12 O ponto de intersecc¸a˜o das medianas de [ABC] chama-se o baricentro do triaˆngulo. Teorema 2.3.13 O baricentro de [ABC] divide cada mediana na raza˜o 2:1. Demonstrac¸a˜o. Seja G o baricentro de [ABC] e consideremos as medianas [AP ] e [BQ]. Como BC = 2PC e AC = 2QC, enta˜o, pelo Crite´rio LAL tem-se [ABC] ∼ [QPC]. Assim, QP e AB sa˜o rectas paralelas e AB = 2QP . Logo, pelo Crite´rio AA, tem-se [ABG] ∼ [PQG]. Assim, AG = 2PG e BG = 2QG. De modo ana´logo se prova que G divide a terceira mediana na raza˜o 2:1. A B C P Q G Exerc´ıcio 2.3.1 Seja [ABC] um triaˆngulo e sejam D,E, F os pontos me´dios dos segmentos [AB], [BC] e [CA]. Mostre que os baricentros de [ABC] e [DEF ] coincidem. Exerc´ıcio 2.3.2 Use o Teorema de Ceva para mostrar que qualquer triaˆngulo possui um ortocentro. 56 Exerc´ıcio 2.3.3 Seja [ABC] um triaˆngulo e X , Y , Z os pontos de tangeˆncia da sua circunfereˆncia inscrita com os lados [BC], [AC] e [AB]. Mostre que AX , BY e CZ se intersectam num ponto. A B C X Y Z Exerc´ıcio 2.3.4 Seja [ABC] um triaˆngulo equila´tero e D, E e F pontos nos lados [AB], [AC] e [BC] respectivamente tais que AD = EC = 2, BD = AE = 1 e [AF ], [BE] e [CD] sa˜o concorrentes. Determine BF . A B C D E F Exerc´ıcio 2.3.5 Use o Teorema de Ceva para mostrar que qualquer triaˆngulo possui um incentro. 57 2.4 Determinac¸a˜o das medidas de um triaˆngulo Vimos anteriormente que alguns conjuntos de treˆs medidas de um triaˆngulo de- terminam as outras treˆs medidas. Veremos agora como podem ser calculadas essas medidas. Prova´mos ja´, no Teorema 2.1.2, que a soma das amplitudes dos treˆs aˆngulos de um triaˆngulo e´ 180, pelo que conhecidas duas amplitudes, podemos determinar imediatamente a terceira. Para determinar as restantes medidas de um triaˆngulo necessitamos dos dois teoremas seguintes. Teorema 2.4.1 (Teorema dos senos) Dado um triaˆngulo [ABC], tem-se a sen “A = bsen “B = csen “C = 2R, onde R e´ o raio da circunfereˆncia circunscrita a [ABC]. Demonstrac¸a˜o. Consideremos a circunfereˆncia circunscrita a [ABC] e marquemos sobre ela o ponto A′ tal que [BA′] e´ um diaˆmetro. Enta˜o B“CA′ = 90. Como os aˆngulos ∠A e ∠A′ esta˜o inscritos no mesmo arco, teˆm a mesma amplitude e consequentemente o mesmo seno. Ora sen “A′ = BC BA′ = a 2R , pelo que a sen “A = 2R. A conclusa˜o relativa aos restantes aˆngulos e´ ana´loga. A A′ B C O• Observac¸a˜o 2.4.2 O teorema dos senos permite-nos determinar o lado a conhe- cendo outro lado b e as amplitudes dos aˆngulos correspondentes “A e “B. No entanto, em geral na˜o permite determinar a amplitude “A conhecendo outra amplitude “B e os lados correspondentes a e b. O teorema da´-nos apenas o seno de “A, pelo que em geral ha´ dois valores poss´ıveis para “A. Para determinar “A e´ necessa´ria alguma informac¸a˜o adicional, como por exemplo, saber que o triaˆngulo e´ acutaˆngulo. Teorema 2.4.3 (Teorema dos cossenos) Dado um triaˆngulo [ABC], tem-se c2 = a2 + b2 − 2ab cos “C. Demonstrac¸a˜o. Seja P o ponto de AC tal que AC e´ perpendicular a BP e sejam x = AP , y = PC e h = PB. 58 A C B P x y h ac Usando o Teorema de Pita´goras conclui-se que c2 = h2+x2 = (a2− y2)+ (b− y)2 = a2 + b2 − 2by. Como cos “C = y/a, enta˜o c2 = a2 + b2 − 2ba cos “C. O quadro seguinte resume como se podem determinar os comprimentos dos treˆs lados e as amplitudes dos treˆs aˆngulos, a partir das medidas conhecidas. Aˆngulos L ad os 0 1 2 3 0 1 2 3 LLA LAL As setas vermelhas representam o teorema que afirma que “A + “B + “C = 180, as setas verdes representam o Teorema dos Senos e as setas azuis representam o Teorema dos Cossenos. Exerc´ıcio 2.4.1 Prove o rec´ıproco do Teorema de Pita´goras. Exerc´ıcio 2.4.2 Quais sa˜o as amplitudes dos aˆngulos de um triaˆngulo de lados 3, 4 e 5? Exerc´ıcio 2.4.3 Mostre que a bissectriz de um aˆngulo de um triaˆngulo divide o lado oposto em segmentos proporcionais aos outros dois lados. Exerc´ıcio 2.4.4 O segmento [AB] e´ cortado no seu ponto me´dio E pelo seg- mento [CD]. Sa˜o conhecidas as medidas E “AC = 70, A“CE = 80, AB = 14 e DE = 5. Determine AC e BD. A E C D B 59 Exerc´ıcio 2.4.5 Sejam A, B, C e D pontos do plano tais que A“CB = 120, AD̂B = 80, AC = 5, BC = 7 e AD = BD. A B C D Determine AB e AD. Exerc´ıcio 2.4.6 Seja [ABCD] um quadrado e E e F os pontos me´dios de [BC] e [CD], respectivamente. Determine E “AF . A B CD E F Exerc´ıcio 2.4.7 Seja [ABC] um triaˆngulo equila´tero de lado 3 e D e E os pontos entre A e B tais que AD = DE = EB. Determine: a) CD b) A“CD e D“CE A B C D E Exerc´ıcio 2.4.8 Seja [ABC] um triaˆngulo equila´tero de lado 3 e sejam E, F e G os pontos de [AB], [BC] e [AC], respectivamente, tais que AE = BF = CG = 1. Determine o comprimento dos lados de [EFG]. A B C E F G 60 2.5 A´rea Definic¸a˜o 2.5.1 Uma regia˜o poligonal e´ um subconjunto do plano formado pela unia˜o de triaˆngulos cuja intersecc¸a˜o esta´ contida nos lados dos triaˆngulos. Definic¸a˜o 2.5.2 A a´rea e´ uma func¸a˜o que atribui a cada regia˜o poligonal um nu´mero real positivo tal que: a) se dois triaˆngulos sa˜o congruentes, teˆm a mesma a´rea; b) a a´rea de uma regia˜o poligonal e´ igual a` soma das a´reas dos triaˆngulos que a formam; c) a a´rea de um rectaˆngulo com comprimento a e largura b e´ ab. Teorema 2.5.3 A a´rea de um triaˆngulo com altura h relativamente ao lado de comprimento b e´ bh 2 . Demonstrac¸a˜o. Seja P o ponto de AC tal que AC e´ perpendicular a BP . Con- sideraremos treˆs casos, consoante a posic¸a˜o de P . Se P esta´ numa das extremidades de [AC], enta˜o [ABC] e´ um triaˆngulo rectaˆngulo. Trac¸ando paralelas aos lados [AC] e [BP ] do triaˆngulo obtemos um rectaˆngulo, de comprimento b e largura h, dividido em dois triaˆngulos congruentes(pelo Crite´rio LAL). Como a a´rea do rectaˆngulo e´ bh e e´ igual ao dobro da a´rea de [ABC], enta˜o a a´rea de [ABC] e´ bh 2 . A B Pb h Se P esta´ entre A e C, seja x = AP e y = PC. Enta˜o [APB] e [CPB] sa˜o triaˆngulos rectaˆngulos em P , logo, pelo caso anterior, temos que a a´rea de [APB] e´ xh 2 e a a´rea de [CPB] e´ yh 2 . Logo a a´rea de [ABC] e´ xh 2 + yh 2 = (x+ y)h 2 = bh 2 . A C B P x y h 61 Se C esta´ entre A e P (o caso restante e´ ana´logo), seja novamente x = AP e y = PC. De novo temos que a a´rea de [APB] e´ xh 2 e a a´rea de [CPB] e´ yh 2 , pelo que a a´rea de [ABC] e´ xh 2 − yh 2 = (x− y)h 2 = bh 2 . A C B P Teorema 2.5.4 A a´rea de um paralelogramo com altura h relativamente ao lado de comprimento b e´ bh. Demonstrac¸a˜o. O paralelogramo pode ser dividido em dois triaˆngulos congruentes com a´rea bh 2 , logo tem a´rea bh. b h Teorema 2.5.5 A a´rea de um trape´zio com altura h relativamente aos lado de comprimento b e B e´ b+B 2 h. Demonstrac¸a˜o. O trape´zio pode ser dividido em dois triaˆngulos com a´reas bh 2 e Bh 2 , logo tem a´rea b+B 2 h. B b h Teorema 2.5.6 A a´rea de um losango com diagonais a e b e´ ab 2 . Demonstrac¸a˜o. O losango pode ser dividido em quatro triaˆngulos com a´rea (a/2)(b/2) 2 = ab 8 , logo tem a´rea ab 2 . 62 a/2 a/2 b/2 b/2 Vimos ja´ que, nalguns casos, o conhecimento de treˆs medidas do triaˆngulo per- mite determinar as restantes. Assim, e´ de esperar que se possa determinar a a´rea do triaˆngulo usando apenas as medidas conhecidas a` partida. Seja [ABC] um triaˆngulo, “A, “B e “C as amplitudes dos seus aˆngulos, e a, b, c as medidas dos lados opostos a estes aˆngulos. A C B x y h a b c Teorema 2.5.7 (A´rea no caso LAL) Conhecidos “A, b e c tem-se A´rea[ABC] = bc sen “A 2 . Demonstrac¸a˜o. Tem-se A´rea[ABC] = bh 2 e h = c sen “A. Teorema 2.5.8 (A´rea no caso ALA) Conhecidos “A, b e “C tem-se A´rea[ABC] = b2 sen “A sen “C 2 sen(“A+ “C) . Demonstrac¸a˜o. Pelo Teorema dos Senos, tem-se c = b sen “C sen “B = b sen “Csen(“A+ “C) , uma vez que “A+ “B + “C = 180. Substituindo esta expressa˜o para c no teorema anterior, obte´m-se o pretendido. Teorema 2.5.9 (A´rea no caso AAL) Conhecidos “A, “B e b tem-se A´rea[ABC] = b2 sen “A sen(“A+ “B) 2 sen “B Demonstrac¸a˜o. Tem-se sen “C = sen(“A + “B) e sen “B = sen(“A + “C). Substituindo estas expresso˜es no teorema anterior obte´m-se o resultado pretendido. 63 Teorema 2.5.10 (A´rea no caso LLL - Fo´rmula de He´ron, 60 d.C.) Conheci- dos a, b e c tem-se A´rea[ABC] = » s(s− a)(s− b)(s− c) onde s = a + b+ c 2 e´ o semi-per´ımetro do triaˆngulo. Demonstrac¸a˜o. A a´rea de [ABC] e´ dada por bh 2 = √ b2h2 4 = √ b2(a2 − y2) 4 . Como c2 = h2 + x2 = (a2 − y2) + (b− y)2 = a2 + b2 − 2by, enta˜o y = c 2 − a2 − b2 −2b . Logo A´rea[ABC] = Œ b2 ( a2 − Ç c2 − a2 − b2 −2b å2) 4 = 4b2a2 − (c2 − a2 − b2)2 16 = = (2ba+ (c2 − a2 − b2))(2ba− (c2 − a2 − b2)) 16 = (c2 − (a− b)2)((a+ b)2 − c2) 16 = = c− (a− b) 2 c+ (a− b) 2 (a+ b)− c 2 (a + b) + c 2 = » s(s− a)(s− b)(s− c) Exerc´ıcio 2.5.1 Determine a a´rea de um triaˆngulo equila´tero de lado l. Exerc´ıcio 2.5.2 Determine a a´rea de um quadrado inscrito numa circunfereˆncia de raio r. Exerc´ıcio 2.5.3 a) Mostre que sen(45)= √ 2 2 . b) Use a al´ınea anterior para determinar a a´rea da regia˜o poligonal [ABCDEFGH ], cujos lados sa˜o todos iguais e onde o raio da circunfereˆncia circunscrita e´ r. A B C D E F G H Exerc´ıcio 2.5.4 Determine a a´rea do triaˆngulo [ABC] tal que B “AC = 35, A“BC = 58 e BC = 4. 64 Exerc´ıcio 2.5.5 Determine a a´rea do quadrila´tero [ABCD] tal que ∠B e´ recto, AB = 3, BC = 4, CD = 5 e DA = 6. B A D C Exerc´ıcio 2.5.6 Determine a a´rea de um triaˆngulo [ABC] tal que “A = 40, “B = 70 e AC = 10. Exerc´ıcio 2.5.7 Determine a a´rea do quadrila´tero [ABCD] tal que AB = 8, BC = 5, CD = 4, AD = 3 e D “AB = 60. A B C D Exerc´ıcio 2.5.8 Na circunfereˆncia de raio 5 da figura seguinte, tem-se “A = 30 e“B = 45. Determine a a´rea de [ABC]. A B C 65 2.6 Isometrias Definic¸a˜o 2.6.1 Uma isometria e´ uma aplicac¸a˜o f que envia pontos do plano para pontos do plano, de modo que f(A)f(B) = AB, para quaisquer pontos A,B. Exemplo 2.6.2 A aplicac¸a˜o identidade, definida por i(A) = A, para qualquer ponto A, e´ uma isometria. Teorema 2.6.3 Uma isometria e´ uma aplicac¸a˜o injectiva. Demonstrac¸a˜o. Sejam f uma isometria e A e B pontos tais que f(A) = f(B). Enta˜o f(A)f(B) = 0, pelo que tambe´m AB = 0. Logo A = B. Teorema 2.6.4 Seja f uma isometria. Se C e´ um ponto entre A e B, enta˜o f(C) esta´ entre f(A) e f(B). Demonstrac¸a˜o. Se f(C) 6∈ f(A)f(B), enta˜o [f(A)f(B)f(C)] e´ um triaˆngulo. Logo, pela desigualdade triangular tem-se f(A)f(B) < f(A)f(C) + f(C)f(B). Como f e´ uma isometria, enta˜o AB < AC + CB. Mas, como C esta´ entre A e B, tem-se AB = AC + CB, contradic¸a˜o. Se f(C) ∈ f(A)f(B), mas f(C) na˜o esta´ entre f(A) e f(B), enta˜o um dos compri- mentos f(A)f(C) ou f(C)f(B) e´ maior do que f(A)f(B). Logo AC ou BC e´ maior do que AB, o que contradiz novamente o facto de que AB = AC + CB. Corola´rio 2.6.5 Se f e´ uma isometria e r e´ uma recta, enta˜o f(r) e´ uma recta. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que f(r) na˜o e´ uma recta. Enta˜o existem treˆs pontos A, B, C de r, com C entre A e B, tais que f(A), f(B) e f(C) na˜o sa˜o colineares, o que contradiz o teorema. Teorema 2.6.6 Se f e´ uma isometria e [ABC] e´ um triaˆngulo, enta˜o os triaˆngulos [f(A)f(B)f(C)] e [ABC] sa˜o congruentes. Demonstrac¸a˜o. Como f e´ uma isometria, enta˜o f(A)f(B) = AB, f(A)f(C) = AC e f(B)f(C) = BC. Pelo Crite´rio LLL, tem-se enta˜o [ABC] ∼= [f(A)f(B)f(C)]. A B C f(A) f(B) f(C) Corola´rio 2.6.7 Se f e´ uma isometria e A,B,C sa˜o pontos na˜o colineares, enta˜o A“BC = f(A)÷f(B)f(C). 66 Demonstrac¸a˜o. Pelo teorema, tem-se [ABC] ∼= [f(A)f(B)f(C)], logo A“BC = f(A)÷f(B)f(C). Definic¸a˜o 2.6.8 Se f e´ uma isometria, enta˜o P diz-se um ponto fixo de f se f(P ) = P . Definic¸a˜o 2.6.9 Se f e´ uma isometria, enta˜o r diz-se uma recta invariante de f se f(r) = r. Observac¸a˜o 2.6.10 Se r e´ uma recta invariante de uma isometria f , os pontos de r na˜o sa˜o necessariamente pontos fixos de f . Teorema 2.6.11 Se A e B sa˜o pontos fixos de uma isometria f , enta˜o todos os pontos de AB sa˜o pontos fixos de f . Demonstrac¸a˜o. Seja C um ponto de AB. Como f e´ uma isometria, enta˜o f(C)f(A) = CA e f(C)f(B) = CB. Mas A e B sa˜o pontos fixos de f , logo f(A) = A e f(B) = B. Assim, tem-se f(C)A = CA e f(C)B = CB, o que mostra que C = f(C). Teorema 2.6.12 Se f tem treˆs pontos fixos na˜o colineares, enta˜o f e´ a identi- dade. Demonstrac¸a˜o. Sejam A, B e C treˆs pontos fixos na˜o colineares de f . Pelo teorema anterior, todos os pontos das rectas AB, AC e BC sa˜o pontos fixos de f . Seja agora D um outro ponto do plano. Suponhamos sem perda de generalidade que D esta´ no interior de ∠BAC. Enta˜o a paralela a BC que passa por D intersecta AB e AC em pontos E e F . Como E e F sa˜o pontos fixos de f , enta˜o todos os pontos de EF sa˜o pontos fixos de f , logo D e´ um ponto fixo de f . A B C •D F E Vamos em seguida definir diversos tipos de isometrias e mais tarde mostrar que estes sa˜o de facto os u´nicos tipos poss´ıveis. Definic¸a˜o 2.6.13 A reflexa˜o sr em relac¸a˜o a uma recta r e´ a aplicac¸a˜o tal que: • se P ∈ R, enta˜o sr(P ) = P • se P 6∈ r, enta˜o sr(P ) = Q, onde r e´ a mediatriz de [PQ]. 67 r • • • A B = sr(A)
Compartilhar